É falso que os ministros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) respondam a mais de 1,9 mil processos na Justiça, como alega uma influenciadora bolsonarista em vídeo nas redes sociais. O número é oriundo de uma lista alimentada por uma pesquisa superficial em um site jurídico, que retorna diversos processos não relacionados aos ocupantes dos cargos públicos e outros em que estes não constam como réus.
A mesma tática foi adotada para atacar os senadores da CPI da Covid, em 2021, antes das audiências que apuraram crimes na pandemia. Na época, uma lista contendo mais de 2,4 mil processos surgiu na internet para sugerir que todos os políticos da comissão eram corruptos. O Estadão Verifica procurou as informações no Google e revelou o método duvidoso de busca.
Quem criou as listas simplesmente digitou o nome do político ao lado da palavra “processos” no Google. No topo dos resultados, aparecem informações da plataforma JusBrasil, que faz uma coleta automatizada de dados públicos e os disponibiliza para consulta mais prática na internet. O problema é que essa pesquisa é insuficiente para levantar essa informação e contém erros.
O suposto número de processos indicado no site JusBrasil soma referências a homônimos, pessoas que têm o mesmo nome dos políticos, ou ao menos parte dele. A busca também não é capaz de determinar se o indivíduo é autor, réu, advogado ou parte requerida no processo, por exemplo. Além disso, não é suficiente para entender do que se trata o material, que pode estar inserido em diferentes áreas do Direito.
A nova lista contrária ao governo Lula alega, por exemplo, que o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, responderia a 542 processos na Justiça. Acessando o site, é possível verificar uma quantidade semelhante (548) para o termo “Silvio de Almeida”. Já o nome completo do ministro, Silvio Luiz de Almeida, retorna 498 ações, o que sugere a presença de homônimos. Em vários casos, o nome é listado como advogado — o ministro de Lula é advogado e professor universitário.
Outro valor que chama atenção é o referente ao ministro da Justiça, Flávio Dino (PCdoB). Novamente, uma leitura mais atenta sobre o resultado do JusBrasil mostra que o político não é alvo de 277 processos na Justiça. Apesar de o resultado se referir ao nome completo do ex-governador do Maranhão, constam na lista casos em que Flávio Dino de Castro e Costa é o autor da ação, por exemplo. Além disso, há movimentações dentro de uma mesma matéria e ações em que foi citado por exercer a chefia do Estado e representações eleitorais.
Na primeira vez que o Estadão desmentiu o boato relacionado aos senadores da CPI da Covid, a plataforma JusBrasil alertou sobre os problemas de se promover esse tipo de pesquisa imprecisa no site. A empresa explicou que os resultados nem sempre distinguem pessoas de mesmo nome, nem apontam diretamente se a parte figura como autor, réu ou advogado da ação na Justiça. A JusBrasil recomenda cuidado ao “realizar análises superficiais a partir de dados isolados e fora de contexto”.
O boato analisado pelo Estadão Verifica circulou primeiro como uma planilha e ganhou impulso por meio de um vídeo da ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel, quando acumulou mais de 170 mil visualizações no Facebook e no TikTok. O Estadão Verifica tentou contato com Ana Paula, mas não teve resposta.
A desinformação também foi desmentida pelas agências de checagem Aos Fatos, AFP Checamos e Boatos.org.
Problemas na Justiça
Alguns ministros do terceiro mandato de Lula realmente tiveram problemas com a Justiça, mas nenhum está impedido de exercer cargo público. Quatro deles foram condenados, mas depois foram absolvidos, tiveram as ações suspensas ou o processo ainda corre e cabem recursos.
Waldez Góes (PDT), ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, foi condenado, em 2019, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por crime de peculato. Segundo o Ministério Público, ele deixou de fazer o repasse aos bancos dos valores descontados de funcionários públicos a título de empréstimo consignado e usou os recursos para quitar despesas do governo. No ano seguinte, no entanto, o ministro do STF Dias Toffoli suspendeu a ação penal alegando que o STJ não tinha competência para julgar o caso.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) foi condenado em primeira instância em 2019, por supostamente ter falsificado a prestação de contas com gráficas durante a campanha para a prefeitura de São Paulo. A manobra teria sido executada por meio de “caixa dois” de R$ 2,6 milhões com a empresa UTC Engenharia. Dois anos depois, no entanto, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) absolveu Haddad por falta de provas.
Luiz Marinho (PT), ministro do Trabalho, foi condenado em dezembro por nepotismo cruzado durante a gestão na prefeitura de São Bernardo do Campo. O Ministério Público de São Paulo acusa Marinho de empregar a filha do então prefeito de Santo André, Carlos Grana, em troca de um cargo para a sua cunhada na outra cidade. A sentença foi emitida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em primeira instância, e ainda cabe recurso.
Luciana Santos (PCdoB), escolhida para chefiar o Ministério da Ciência e da Tecnologia, foi condenada em uma ação de improbidade administrativa pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, em 2019. O Ministério Público acusa a gestão municipal de Olinda de promover fraudes em uma licitação para iluminação urbana da cidade. Ela recorre da decisão.
Outros ministros já foram alvos de mandados da Polícia Federal e investigações no âmbito da Operação Lava Jato e outras, mas foram arquivados ou ainda estão em andamento. Um dos mais conhecidos diz respeito ao ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), que é alvo de inquérito no STJ em razão da compra de respiradores pelo Consórcio Nordeste que nunca foram entregues.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.