Uma postagem no Instagram distorce dados e repete alegações desmentidas para dizer que o Partido dos Trabalhadores (PT) roubou R$ 1,7 trilhão em recursos da Petrobras, saúde, BNDES, Caixa e Lei Rouanet durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. A publicação traz uma foto do presidente eleito compartilhada junto a uma lista daquilo que teria sido “saqueado” pelo partido.
Veja abaixo a checagem do Estadão Verifica.
Perdas na Petrobras com Lava Jato foram de R$ 42,8 bi
A postagem no Instagram afirma que R$ 900 bilhões foram roubados da Petrobrás. Na realidade, a Polícia Federal estimou, em novembro de 2015, perdas de R$ 42,8 bilhões na Petrobras com irregularidades investigadas pela Operação Lava Jato. Já a Petrobras, oficialmente, divulgou rombo de R$ 6,2 bilhões no balanço financeiro da época.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) já atribuiu repetidas vezes o valor de R$ 900 bilhões a endividamento da Petrobras. O endividamento decorre de uma série de motivos, como a capitalização da empresa para explorar as áreas do pré-sal. De acordo com informes financeiros da empresa a acionistas, a dívida bruta era de R$ 397 milhões no segundo trimestre de 2016, quando a presidente Dilma Rousseff (PT) foi afastada do cargo por impeachment. O montante equivale hoje a R$ 542 milhões, em valores corrigidos pela inflação.
BNDES fez empréstimo de R$ 440 bi do Tesouro
O conteúdo diz que o PT roubou R$ 500 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), outra afirmação utilizada de forma recorrente e que não é verdadeira. O BNDES explica que esse valor passou a ser divulgado após empréstimo de R$ 440,8 bilhões do Tesouro Nacional entre 2008 e 2014. Segundo o banco, o valor foi utilizado para a concessão de financiamentos para mais de 400 mil empresas, assim como para estados e municípios, de forma direta ou indireta.
A instituição informa, ainda, não ter pegado mais empréstimos com o Tesouro Nacional desde então e que de 2009 a abril de 2022 já pagou de volta R$ 609,4 bilhões em valores correntes, incluindo juros.
O BNDES teve destaque na política externa dos governos petistas. O banco financiava obras de empresas brasileiras no exterior por meio da exportação de serviços de engenharia. Quem ficava responsável pelo pagamento da dívida era o governo do país contratante. Lula e Dilma foram acusados de favorecer países alinhados ideologicamente e que acabaram não honrando o pagamento da dívida.
Entre 1998 e 2017, o banco afirma ter emprestado US$ 10,5 bilhões nesse modelo de crédito para exportação para 15 países. Até julho deste ano, o BNDES havia recebido US$ 12,7 bilhões em pagamentos, incluindo US$ 965 mil indenizados pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE) para arcar com inadimplências de Cuba, Venezuela e Moçambique.
Caixa registrou lucro no governo PT
Em 2021, o ex-presidente da Caixa, Pedro Guimarães, anunciou que a estatal tinha prejuízo de R$ 46 bilhões, segundo cálculos da gestão, por operações irregulares feitas entre 2004 e 2017, na administração petista. A afirmação começou a ser compartilhada para sustentar que o PT havia roubado o valor.
Guimarães não apresentou o cálculo feito para chegar ao total de R$ 46 bilhões. À época, a PricewaterhouseCoopers (PwC), auditora independente contratada pela Caixa Econômica Federal, cobrou do ex-presidente do banco informações referentes ao suposto prejuízo.
No último ano do governo Lula, em 2010, a Caixa registrou lucro líquido de R$ 3,8 bilhões. Em 2016, último ano de Dilma na presidência, o lucro foi de R$ 4,1 bilhões. Em 2021, a pedido da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) realizou estudo que mostra que a Caixa vem registrando lucro em todos os anos, desde 2003. Em valores atualizados, a empresa contabilizou lucro líquido acumulado de R$ 39,7 bilhões durante o governo Lula, de R$ 51 bilhões no governo Dilma.
Um processo envolvendo a Caixa aumentou o desgaste político de Dilma Rousseff e possibilitou o início do processo de seu impeachment. O Tribunal de Contas da União rejeitou as contas públicas do governo, em 2014, por considerar que a sucessora de Lula usou bancos públicos para esconder o real desempenho das contas públicas.
Sob a gestão Rousseff, o Tesouroatrasou o repasse de recursos para benefícios sociais e subsídiospagos por meio da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES. Os bancos públicos continuariam realizando os pagamentos com recursos próprios, para depois cobrar os montantes com juros do Tesouro. O TCU considerou a manobra ilegal porque a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe que bancos públicos façam empréstimos para a União.
R$ 13 bilhões é o valor destinado pela Lei Rouanet em mais de 10 anos
Em relação à Lei Rouanet, de incentivo à cultura, o post afirma que o PT teria roubado R$ 13 bilhões. Na realidade, este valor é referente a todo o orçamento do mecanismo de fomento de 2006 a 2017. Em 2021, o ex-secretário nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula, afirmou que o governo Bolsonaro identificou a liberação de R$ 13 bilhões em recursos para projetos culturais que não haviam sido auditados. Segundo ele, não era possível saber se o valor havia sido aplicado em projetos culturais. Ele nunca disse que o valor havia sido roubado.
Em 2018, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou uma auditoria para verificar a conformidade da aplicação de recursos públicos em projetos culturais incentivados mediante renúncia fiscal concedida pela lei. Naquele momento, o Ministério da Cultura - extinto em 2019 - disponibilizou dados destacando que R$ 13 bilhões foi o montante total destinado à cultura via Lei Rouanet de 2006 a 2017.
O volume de recursos fiscalizados, no entanto, foi de apenas R$ 127,1 milhões. Nessa amostra, o órgão identificou alguns problemas de auditoria, como falta de transparência na movimentação financeira dos projetos culturais financiados, insuficiência da documentação apresentada nas prestações de contas e pagamentos realizados sem a comprovação da efetiva prestação dos serviços.
A reportagem procurou a Secretaria Especial da Cultura questionando se há investigação sobre os valores não auditados, mas não recebeu resposta.
Desvio na saúde se referia a aplicação de recursos em outras áreas
O post também afirma que o PT roubou R$ 242,4 bilhões em recursos destinados à saúde. Peças desinformativas com essa afirmação circulam há anos e utilizam valor citado em um texto publicado por Reinaldo Azevedo na Veja, em 2014, com o título 'De verdade, o PT desviou da Saúde R$ 242,4 bilhões. Nessa área, partido sempre foi a doença, não o remédio'. O desvio ao qual o colunista se refere é da área de aplicação. Azevedo não afirma que o valor foi roubado.
Ao longo da publicação, o jornalista soma dois valores que deveriam ser aplicados em programas do Sistema Único de Saúde (SUS), mas acabaram utilizados em outras despesas, chegando ao valor de R$ 242,4 bilhões - R$ 383,3 bilhões corrigidos pela inflação. Segundo Azevedo, entre 2003 e 2007 o governo arrecadou R$ 186,4 bilhões por meio da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) - uma cobrança atualmente extinta e que incidia sobre movimentações bancárias. Desse valor, afirma o colunista, R$ 75 bilhões foram empregados na saúde e o restante em outras despesas.
Para sustentar que o partido desviou o valor da saúde, ele se baseia na lei de criação do imposto, de 1996, onde era determinado que o produto da arrecadação da contribuição deveria ser destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde. O PT, contudo, alega que parte do dinheiro da CPMF não foi destinada ao Sistema Único de Saúde (SUS) porque seguiu para a Previdência e para programas de combate à pobreza. O partido afirma ter seguido a divisão feita pela Emenda Constitucional 37, de 2002, aprovada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A emenda passou dividir o produto entre o Fundo Nacional de Saúde, a previdência social e o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
Além do valor da CPMF, Azevedo soma R$ 131 bilhões que estavam previstos no orçamento e deixaram de ser investidos na saúde por contingenciamento. Esse valor é referente aos governos de Lula e Dilma, entre 2003 e 2014, e foi contabilizado pelo Conselho Federal de Medicina em parceria com a ONG Contas Abertas com base em recursos autorizados pelo orçamento em relação ao que foi desembolsado.
À época, o CFM apontou o contingenciamento do orçamento como causa da falta de investimentos na saúde e citou o bloqueio de recursos previstos para serem usados em projetos em parceria com estados e municípios por falta da apresentação de projetos adequados.