Atualização (26/11/2021) -- A medida provisória que cria o Auxílio Brasil foi votada pela Câmara dos Deputados em 25 de novembro, cerca de duas semanas após a publicação desta checagem. Ela foi aprovada por 344 votos a favor e nenhum contrário, com apoio do PT e outros partidos da oposição, e agora passa pela análise do Senado. O texto original foi mantido abaixo.
Ao menos dois posts diferentes viralizaram no Facebook esta semana ao acusar o Partido dos Trabalhadores (PT) de ter "votado contra" o Auxílio Brasil, programa que substitui o Bolsa Família a partir de novembro. Essa alegação, no entanto, é enganosa: parlamentares do PT tentaram barrar a chamada "PEC dos Precatórios" -- não o benefício em si, que foi criado por meio de uma Medida Provisória (MP) em agosto que ainda não foi votada no Congresso.
A MP 1061 foi publicada no Diário Oficial da União em 9 de agosto de 2021. A norma é editada pelo Poder Executivo e produz efeito imediato, mas precisa ser convertida em lei pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal em até 120 dias para que não perca a validade.
Segundo o site da Câmara, a MP 1061 ainda se encontra em tramitação, sob a relatoria do deputado federal Marcelo Aro (PP-MG). A matéria não passou por nenhuma votação até o momento.
De acordo com a MP, o Auxílio Brasil substituiria o Bolsa Família 90 dias contados a partir da data da publicação, ou seja, no dia 7 de novembro. Os últimos pagamentos do programa ocorreram em outubro. Outro benefício encerrado naquele mês foi o Auxílio Emergencial, destinado a famílias de baixa renda durante a pandemia.
O primeiro pagamento do Auxílio Brasil deve ocorrer em 17 de novembro, com um reajuste previsto de 17,84% sobre o antigo Bolsa Família. O valor médio deve ficar em R$ 217,18 em novembro, de acordo com o Ministério da Cidadania.
A pasta afirma que, em um primeiro momento, as pessoas inclusas no antigo programa passam a receber pelo novo, mas o governo promete ampliar o público atendido pelo Bolsa Família de 14,6 milhões para 17 milhões de famílias em dezembro. A relação dos valores dos benefícios que formam o Auxílio Brasil foi divulgada nesta segunda-feira, 8 de novembro.
'PEC dos Precatórios'
Em 4 de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, a chamada "PEC dos Precatórios" (Proposta de Emenda à Constituição 23/2021), por 312 votos a 144. A votação foi decidida por uma margem de apenas quatro votos. Foi depois desse evento que os posts afirmando que o PT seria contra o Auxílio Brasil passaram a circular na internet.
A PEC permite adiar o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça -- casos com trânsito em julgado, em que a União deve transferir o dinheiro e não pode mais recorrer da decisão. A PEC também muda a maneira como se calcula o teto de gastos, ou seja, o limite de despesas que, pela legislação, o governo precisa respeitar para não correr o risco de ser enquadrado em crime de responsabilidade.
Criada em 2016, a regra proíbe que os gastos públicos da esfera federal cresçam em ritmo superior à inflação geral, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Antes, a base do cálculo era a inflação acumulada nos 12 meses anteriores a junho, enquanto a PEC estabelece o novo período como sendo janeiro a dezembro. Como a inflação deste ano é maior do que no ano passado, a alteração é vista como uma forma de inflar os gastos públicos em 2022.
O governo pressiona os deputados em favor da proposta, em articulação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O objetivo é abrir um espaço fiscal de R$ 91,6 bilhões no Orçamento do próximo ano, pelos cálculos do Ministério da Economia. A proposta ainda depende de uma segunda votação na Casa e da análise do Senado, antes de ser encaminhada para sanção presidencial.
A "PEC dos Precatórios" está relacionada com o Auxílio Brasil porque o governo conta com essa disponibilidade de recursos para ampliar o benefício para R$ 400, de forma temporária, até dezembro de 2022. Críticos da PEC, por outro lado, argumentam que existem outras maneiras de abrir crédito, sem a necessidade de "furar o teto".
Conforme registro de votação do site da Câmara, nove partidos orientaram as suas bancadas a votarem contra a proposta: PT, MDB, PSB, Podemos, PSOL, Novo, PCdoB, Cidadania e PV. Todos os deputados do PT que estavam presentes votaram contra a "PEC dos Precatórios" -- que recebeu o apelido de "PEC do Calote" entre os parlamentares da oposição.
Deputados contrários entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a votação da PEC -- eles argumentam que o presidente da Câmara "contrariou o Regimento Interno da Câmara dos Deputados e os próprios regulamentos internos" ao permitir a votação remota de deputados. A ministra Rosa Weber indeferiu o pedido. Lira disse que a proposta de emenda à Constituição será votada nesta terça.
Discurso do PT
Nenhum deputado do PT afirmou ser contra a distribuição de R$ 400 pelo Auxílio Brasil na sessão, segundo a transcrição oficial do evento. Houve diferentes justificativas para a posição contrária do partido. A presidente nacional do PT e vice-líder do partido na Câmara, Gleisi Hoffmann (PT-PR), reclamou do "calote" nas dívidas e do "cheque em branco" para o governo, pois a PEC não determina quanto será de fato investido no programa social.
"Ele está dizendo, junto com o Paulo Guedes [...], que uma parte disso vai para o Auxílio Brasil, para o Auxílio Emergencial. Mas quanto vai? A metade? E o resto vai para onde? Para o orçamento secreto?", questionou a deputada. Como mostrou o Estadão, nos bastidores, parlamentares querem aproveitar a PEC para destinar mais R$ 3 bilhões para o Fundo Eleitoral e R$ 16 bilhões para emendas de relator, por onde o governo tem negociado apoio do Congresso para liberar verbas sem transparência.
O deputado federal Bohn Gass (PT-RS), líder do partido na Câmara, declarou que apoia ampliar o pagamento do Auxílio Brasil para R$ 600, mas discorda da "PEC dos Precatórios", alegando que a proposta prejudica professores ao parcelar abonos que seriam pagos a Estados através de dívidas do antigo Fundef. Segundo apurou o Estadão, o parcelamento desta dívida em três vezes, entre 2022 e 2024, foi articulado por Lira para conseguir o apoio de siglas como o PDT -- o texto original não determina um prazo para cumprir a decisão.
"Desejamos que o professor receba integralmente o que lhe é devido, que os municípios e os estados tenham apoio e que não haja calote", disse o deputado, que classificou de "chantagem irresponsável" o discurso do governo de defender a aprovação da matéria para viabilizar o Auxílio Brasil. Gass também reclamou de um suposto "abandono" da rede de proteção social do Bolsa Família.
O Bolsa Família foi criado em outubro de 2003, durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O provável candidato do partido para as eleições presidenciais do próximo ano se manifesta favoravelmente à política de distribuição de renda e, pelas redes sociais, defendeu um repasse de R$ 600 pelo programa de Bolsonaro.
Fundo Eleitoral
Um dos boatos acrescenta que o PT "votou favorável ao Fundão Eleitoral de R$ 2 bilhões". A informação está correta, mas desatualizada. O Fundo Eleitoral foi criado em 2017, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu doações de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais. A fonte do recurso é o Tesouro Nacional, e a liberação segue o disposto pelo Orçamento. Em 2018, o "Fundão" teve R$ 1,7 bilhão; em 2020, R$ 2 bilhões.
Para o ano que vem, o montante ainda não está definido. Em 15 de julho, o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com uma mudança no formato do cálculo que elevaria a soma para R$ 5,7 bilhões. Bolsonaro vetou o dispositivo e encaminhou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) com R$ 2,13 bilhões. O texto será discutido pelos parlamentares no final do ano.
O PT defende o modelo de financiamento público das campanhas e costuma votar a favor desse tipo de proposta. O partido também é um dos mais beneficiados pelo Fundo Eleitoral, que usa o tamanho das bancadas no Congresso como critério de distribuição da verba.
Em 2018, o PT apoiou a criação do Fundo Eleitoral e a reserva de R$ 1,7 bilhão, em uma votação que ocorreu de forma nominal, por descuido do então presidente da Casa, Rodrigo Maia. O placar foi de 223 votos a 209, com orientação favorável ainda das lideranças de MDB, PP, Avante, PSD, DEM, Pros, PSL, PDT, Podemos, Solidariedade, PCdoB e PSC.
Em 2020, a proposta de Orçamento estabelecia a quantia de R$ 2 bilhões para o Fundo Eleitoral e passou em votação simbólica. O Novo tentou reduzir a destinação da verba, mas o destaque acabou vencido. O PT foi uma das legendas que orientaram a favor da manutenção dos R$ 2 bilhões, ao lado de PP, MDB, PTB, PL, PSD, Republicanos, PSB, PDT, DEM, Solidariedade e PCdoB.
Neste ano, o PT votou contra a LDO, mas parlamentares indicaram que eram favoráveis ao novo cálculo que ampliava o "Fundão". A legenda também não acompanhou o destaque do Novo contra a medida, que acabou vencida -- apenas PSOL, Cidadania, Podemos e PSL o fizeram.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.