O que estão compartilhando: um vídeo que mostraria cédulas de votos no candidato à Presidência da Argentina Javier Milei rasgadas e rasuradas, o que comprovaria fraude eleitoral nas eleições do país vizinho.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. De acordo com a Câmara Nacional Eleitoral da Argentina, se a cédula estiver com rasgos, mas o cabeçalho permanecer intacto, o voto continua válido. No vídeo, é perceptível que as cédulas não foram prejudicadas ao ponto de invalidar o voto. Portanto, é enganosa a afirmação de que o vídeo comprova fraude eleitoral contra a La Libertad Avanza, coalizão de Milei.
Saiba mais: em agosto deste ano, Javier Milei foi o vencedor das PASO – as Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias –, que funcionam como um termômetro para a disputa presidencial da Argentina. A maioria das pesquisas eleitorais indicava o candidato libertário na liderança da corrida eleitoral. No entanto, pelo menos quatro pesquisas apontavam Sergio Massa em primeiro lugar, segundo levantamento da agência de checagem Chequeado, da Argentina.
As eleições gerais da Argentina ocorreram neste domingo, 22. O governista Sergio Massa saiu na liderança e Milei ficou em segundo lugar. A terceira colocada foi Patricia Bullrich, que declarou apoio ao ultradireitista. Os candidatos irão disputar o segundo turno no dia 19 de novembro.
Saiba mais
Nas redes sociais, simpatizantes do candidato de ultradireita apontaram fraude eleitoral que supostamente estaria prejudicando Milei. Como “prova”, as postagens compartilham uma gravação que mostra cédulas da coalizão La Libertad Avanza com rasgos, o que supostamente invalidaria o voto para o candidato. No entanto, deformidades na cédula de votação não implicam, necessariamente, na anulação do voto.
Conforme explicado pelo Chequeado, a Câmara Nacional Eleitoral argentina prevê que se a cédula estiver rasgada, mas o cabeçalho estiver intacto, o voto será contado a favor do candidato e não será anulado. “O voto proferido em cédula oficial é válido ainda que esteja rasgado, desde que o nome do grupo e a categoria do cargo estejam visíveis”, afirmou o secretário de Atuação Judicial da Câmara, Hernán Gonçalves Figueiredo, à agência de checagem.
Como funciona a votação na Argentina?
A Direção Nacional Eleitoral da Argentina explica que, para votar, o eleitor deve se apresentar à sua seção eleitoral com documento de identidade. A autoridade eleitoral irá verificar a identidade do eleitor e, em seguida, entregará um envelope próprio da Justiça Eleitoral, assinado por autoridades. O eleitor deve entrar em uma cabine, conhecida como “sala escura”, e escolher sua opção eleitoral. Em sequência, deve colocar as cédulas escolhidas no envelope e, por fim, colocá-lo na urna.
De acordo com o Manual de Capacitação Eleitoral da Argentina, os votos afirmativos e em branco são considerados votos válidos. Já os nulos são expressos por cédulas que não são oficializadas por alguma irregularidade, o que consequentemente acaba por invalidar o voto do eleitor. Por fim, os votos recorridos são aqueles cuja validade ou nulidade são questionadas na seção eleitoral por algum auditor e que não podem ser resolvidos durante o processo de votação.
Conforme o Código Eleitoral da Argentina, são considerados votos nulos aqueles que forem expressos por meio de:
- Cédulas não oficiais ou em papel de qualquer cor com inscrições ou imagens de qualquer natureza;
- Cédulas oficiais que contenham inscrições e/ou legendas de qualquer tipo, com exceção de rasuras, acréscimos ou substituições de candidatos;
- Duas ou mais cédulas de coalizões diferentes para a mesma categoria de candidatos;
- Cédulas oficiais sem identificação de coalizão e cargo por consequência de rasgos e/ou rasuras;
- Cédulas inseridas em envelopes com objetos estranhos.
Os votos válidos, por sua vez, são “aqueles emitidos por meio de cédula oficial, ainda que contenham rasuras, acréscimos ou substituições de candidatos”. O documento oficial também especifica que apenas uma cédula será contabilizada caso um envelope apresente duas ou mais cédulas oficiais correspondentes à mesma coalizão e ao mesmo cargo, descartando o restante.
Vídeo compartilhado não prova fraude eleitoral
No vídeo aqui analisado, o responsável pela gravação filma cédulas de diversas coalizões políticas, sendo que a maioria está intacta. Ao final, a gravação exibe cédulas da coalizão La Libertad Avanza, de Javier Milei. As cédulas estão rasgadas, mas é possível identificar que o cabeçalho permanece intacto. Assim sendo, conforme orientações da Câmara Nacional Eleitoral, o voto permanece válido.
No registro utilizado para disseminar desinformação, é perceptível que o rasgo da cédula eleitoral do La Libertad Avanza está próximo a um pontilhado. Ele serve para instruir o corte na cédula, caso o eleitor queira votar em coalizões distintas em cargos diferentes. Um eleitor pode, por exemplo, optar por votar na coalizão X para Presidência, mas escolher Y para o Senado.
Na votação argentina, se um eleitor quiser votar em todos os candidatos de uma única coalizão, ele apenas deve dobrar a cédula da aliança, colocar em um envelope e inserir o voto na urna. Caso opte por não votar em todos os candidatos de uma aliança para cargos distintos, é necessário recortar os nomes escolhidos de coalizões diferentes, juntar todas as cédulas em um envelope e, por fim, inserir o voto na urna.
A Direção Nacional Eleitoral argentina explica que, caso o eleitor não encontre as cédulas de sua preferência na sala escura, ele deve notificar a autoridade da mesa sem revelar seu voto. A autoridade deverá solicitar a substituição das cédulas aos fiscais do partido. De acordo com o órgão, os grupos políticos são responsáveis por garantir a disponibilidade dos votos na sala escura.
Como lidar com postagens do tipo: A agência de verificação Chequeado, da Argentina, fez um levantamento sobre as principais peças de desinformação sobre fraude eleitoral que circulam no país. Boatos similares têm circulado no Brasil, que acusam, sem provas, o sistema eleitoral argentino de desfavorecer Javier Milei. É importante ter cautela ao disseminar conteúdos que envolvem questões políticas e eleitorais de outro país, que, no caso da Argentina, utiliza um sistema de votação diferente do Brasil. Busque fontes confiáveis antes de compartilhar alegações duvidosas.