Um vídeo no Instagram desinforma ao dizer que apenas uma parte das urnas eletrônicas foram auditadas e que haveria anomalias estatísticas na apuração que indicariam possível fraude para favorecer o presidente eleito Lula. Embora o vídeo comece convidando o usuário a "ver os fatos" das eleições 2022, o que se segue é um compilado de opiniões e informações enganosas sobre as eleições que já foram desmentidas. Esse conteúdo foi visualizado ao menos 7,6 milhões de vezes e recebeu 215 mil curtidas na rede social.
Parte das alegações foram tiradas de um documento apócrifo de 70 páginas que circulou nas redes sociais dias após o segundo turno e ganhou destaque quando foi repercutido por um canal argentino ligado ao bolsonarismo. Como mostrou o Estadão Verifica em parceria com o Projeto Comprova, o documento se baseia em premissas irreais para espalhar mentiras sobre o processo eleitoral.
Confira a seguir a checagem dos principais pontos levantados no vídeo.
Todos os modelos de urna foram auditados
A primeira alegação enganosa é de que apenas o modelo de urna 2020 teria sido auditado. O narrador do vídeo diz que teria havido "diferença enorme dos votos apurados nas urnas 2020 auditáveis versus urnas anteriores de 2020 não auditáveis".
Essa alegação estava presente em um documento sem origem identificada que circulou em canais e grupos bolsonaristas. O arquivo PDF diz erroneamente que "As urnas de modelo anterior a 2020 não têm qualquer documentação de auditoria recente" e que "Não há documentação comprobatória acerca dos modelos 2009/2010/2011/2013/2015".
Quando o Ministério da Defesa apresentou mais de 80 questionamentos sobre a urna eletrônica, deram destaque para o fato de que o modelo 2020 era o único que não tinha sido submetido ao Teste Público de Segurança (entenda mais abaixo) - informação oposta à que circula nas redes sociais.
Os militares insistiram para que a inspeção técnica fosse realizada no novo modelo. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, convidou a Universidade de São Paulo, a Universidade de Campinas e a Universidade Federal de Pernambuco para analisarem os códigos-fonte por três meses, de maneira autônoma no campus de cada universidade. As três instituições atestaram a integridade dos softwares.
Desde 2009, as urnas eletrônicas são submetidas ao Teste Público de Segurança (TPS). Nesses eventos, pesquisadores e ativistas independentes se inscrevem para sugerir planos de ataque. Eles tentam invadir o código dos equipamentos para tentar fraudá-lo. Em caso de vulnerabilidades, os técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fazem atualizações e convocam novamente os investigadores para confirmarem que foram feitas as correções necessárias.
Foram feitos TPS em 2009, 2012, 2016, 2017 e 2019 - desde 2015, o procedimento se tornou obrigatório a partir da Resolução nº 23.444, do TSE. Os resultados estão todos disponíveis no site da Justiça Eleitoral. É possível ver que integram a comissão fiscalizadora técnicos de outros órgãos como Ministério Público Federal, Polícia Federal, Congresso Nacional, Ordem dos Advogados do Brasil e universidades.
O Tribunal de Contas da União também conduziu uma análise independente nos dados da votação. Para o órgão, não houve inconsistências em modelos novos ou mais antigos. "Tendo em vista que não foram encontradas divergências, não há que se falar em avaliação de modelos de urnas."
Seções com totalidade de votos para um candidato não provam fraudes
Outra alegação enganosa feita no vídeo é a de que haveria "Anomalias estatisticamente improváveis sempre beneficiando o candidato Lula". A afirmação refere-se ao fato de mais de 140 seções eleitorais terem registrado 100% dos votos válidos para o presidente eleito.
De fato, a Agência Tatu, veículo especializado em jornalismo de dados do Nordeste brasileiro, apontou que 147 seções eleitorais registraram votos válidos para apenas um dos candidatos que disputaram o segundo turno. Lula foi unanimidade em 143 seções, enquanto Bolsonaro foi o único votado em quatro delas.
Isso não é indicativo da fraude. A maior parte dessas seções fica em aldeias indígenas ou comunidades isoladas. É comum que nessas localidades haja convergência de votos, segundo o TSE. Nos últimos dias ganhou destaque o caso de uma urna em Confresa (MT), onde 100% dos votos válidos foram para Lula. O cacique local confirmou ao Estadão Verifica que toda a aldeia votou no candidato petista.
Seções que não aparecem no site do TSE foram agregadas a outras
O narrador do vídeo diz haver "inúmeros relatos de eleitores não encontrando a apuração de suas seções" no site do TSE. O Projeto Comprova encontrou ao menos quatro postagens com essa alegação. A explicação para o fenômeno é que as seções foram agregadas a outras.
Este é um procedimento previsto na Resolução Nº 23.669, do TSE, para otimizar a apuração em seções com poucos eleitores e reduzir custos operacionais. Os votos não desapareceram, mas foram somados aos de outra seção. Para encontrá-los, é preciso consultar o resultado da seção principal. Veja a checagem completa aqui.
Autor do post
O perfil no Instagram que compartilhou o vídeo não informa um e-mail para contato. Um posicionamento pode ser enviado para: estadaoverifica@estadao.com.