Resolução do CNJ não indica que autor de ataque a creche de Blumenau será solto em 12 meses


Dispositivo institui a Política Antimanicomial no Poder Judiciário brasileiro, e não determina que pessoas internadas em hospitais de custódia serão ‘soltas’; autor de crime em SC não foi diagnosticado com transtorno mental

Por Clarissa Pacheco

O que estão compartilhando: que uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai liberar em 12 meses o autor do atentado que matou quatro crianças e feriu outras cinco em uma creche em Blumenau (SC). A mesma medida colocaria nas ruas assassinos em série.

O Estadão investigou e concluiu que: é enganoso. A Resolução nº 487 do CNJ institui a Política Antimanicomial no Poder Judiciário e define que Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) deverão ser fechados em até 12 meses. O homem que se entregou após cometer o crime em Blumenau não foi diagnosticado com transtorno mental e não está em um HCTP, e sim em uma penitenciária, em Santa Catarina. A resolução, portanto, não se aplica a ele. Outros criminosos em HCTPs só seriam liberados mediante decisão judicial.

 Foto: Reprodução
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Saiba mais: O vídeo, que tem mais de 90 mil visualizações no Facebook, interpreta a resolução do CNJ de forma equivocada. O dispositivo, publicado em 15 de fevereiro deste ano, não cria novas regras. O texto estabelece a política a ser adotada pelo Poder Judiciário brasileiro para acompanhar a legislação do País no que diz respeito ao tratamento de pessoas custodiadas ou que cumpram medidas em regime aberto ou semiaberto e que tenham algum tipo de transtorno mental ou deficiência psicossocial.

A legislação brasileira trata de forma diferente os imputáveis – que respondem pelos seus atos – daqueles que, por apresentar algum transtorno mental, não têm consciência do que fazem e, por isso, são inimputáveis. Para estes, quando cometem crime, não é fixada uma pena como prisão, e sim uma medida de segurança, que determina que eles devem fazer tratamento de saúde por tempo indeterminado, para que não voltem a cometer crimes, nem prejudiquem os outros ou a si mesmos.

A medida aponta procedimentos a serem tomados pela Justiça para assegurar que essas pessoas recebam tratamento especializado e em local adequado desde a audiência e custódia até o cumprimento de medidas de segurança, acompanhados por uma equipe multidisciplinar. Também define o prazo de 12 meses para que os HCTP sejam totalmente interditados no país e que novos internamentos nessas unidades não sejam feitos.

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Isso não significa que pessoas com transtornos mentais e que tenham cometido crimes graves serão “soltas”, como diz o autor do vídeo. De acordo com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional de Justiça, os casos serão analisados individualmente e aqueles que cometeram crimes graves continuarão seus tratamentos obrigatórios, mas em locais apropriados.

Com paredes recém pintadas e mensagens inspiradoras, pais, professores e voluntários buscam devolver um ambiente de paz na creche Cantinho Bom Pastor Foto: Reprodução

Autor de massacre em Blumenau será solto em 12 meses?

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Não é possível afirmar quando o autor do atentado que matou quatro crianças na Creche Bom Pastor, em Blumenau, será solto. Mas, a princípio, a Resolução 487 do CNJ não se aplica ao caso dele, já que ela trata de questões relativas a pessoas com transtorno mental ou deficiência psicossocial. Até o momento, o autor do atentado em Blumenau não foi diagnosticado com nenhum transtorno mental.

De acordo com a Polícia Civil de Santa Catarina, a investigação concluiu que o autor do massacre agiu “de plena consciência da ilicitude do fato, como também de livre e espontânea vontade”. Em depoimento, a mãe do homem disse que ele era uma pessoa normal até começar a usar drogas e a vender drogas para sustentar o vício.

A psicóloga policial civil Larissa Canali disse que, durante a investigação, não apareceu nenhum diagnóstico oficial de transtorno mental. “O histórico é de surtos possivelmente psicóticos, talvez potencializados pelo uso de drogas”, disse. O exame toxicológico apontou presença de cocaína, álcool e seus resíduos no sangue, o que não significa necessariamente que ele estava sob efeito das substâncias quando cometeu o crime, e sim que era usuário delas.

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O homem de 25 anos está preso em uma ala isolada em uma penitenciária comum em Santa Catarina, e não em um HCTP. De acordo com a Polícia Civil, o inquérito foi concluído e ele foi indiciado por quatro homicídios e cinco tentativas de homicídio. Nesta terça-feira, 18, o homem se tornou oficialmente réu e, agora, cabe à Justiça julgá-lo e, em caso de condenação, fixar uma pena. Não é possível dizer ainda quando o julgamento acontecerá, nem se o homem aguardará preso até que o julgamento aconteça.

Motoboys fazem ato para homenagear as quatro crianças assassinadas na escola Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, Santa Catarina.  Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

O que diz a Resolução 487 do CNJ?

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A Resolução 487 do CNJ aponta caminhos para que o Judiciário lide com pessoas com transtornos mentais e que cometeram crimes em diversas etapas: desde a audiência de custódia até a internação para o cumprimento de medidas de segurança. Em todas estas etapas, o documento aponta que a Justiça deve assegurar que a pessoa com transtornos mentais receba atendimento especializado e faça o tratamento a que tem direito, acompanhada por equipe multidisciplinar e especializada.

Isso significa garantir que a pessoa seja encaminhada para a Rede de Atendimento Psicossocial (Raps), que inclui os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, as Unidades de Acolhimento (UA) e leitos de atenção integral – seja na atenção básica de saúde ou nos hospitais gerais, residências terapêuticas, Programa de Volta para Casa (PVC) e estratégias de reabilitação psicossocial.

No vídeo, o autor do comentário dá destaque ao fechamento dos HCTPs em até 12 meses, como se, com isso, as pessoas que cometeram crimes e estão internadas fossem, automaticamente, voltar para as ruas. Não é isso que a resolução do CNJ diz e esta não é necessariamente uma medida nova: vários países, incluindo o Brasil, vêm reduzindo a quantidade de pessoas em HCTPs. Aqui, o número reduziu em mais da metade de 2011 (3.989) até 2022 (1.987).

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“Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, os antigos manicômios judiciários, nunca foram estabelecimentos de saúde. Eram espécie de presídios, com condições de funcionamento ainda mais precárias porque não correspondem às necessidades terapêuticas que neles se devia praticar”, explica o DMF.

“Tanto as normas em vigor no Brasil, quanto o conhecimento acumulado no campo psiquiátrico no País e no mundo indicam que a internação numa prisão-manicômio não é a melhor resposta para o tratamento dos transtornos mentais de que essas pessoas padecem”, completa o Departamento.

Resolução do CNJ foi publicada em fevereiro. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Pessoas que cometeram crimes graves serão automaticamente “soltas”?

Não. O objetivo da Resolução 487 não é “libertar” – para a lei brasileira, essas pessoas não estão presas, e sim em tratamento por medida de segurança – quem cometeu crimes graves, e sim permitir que pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes façam o tratamento em locais apropriados. Para isso, cada caso será analisado individualmente para que se decida, por uma equipe multidisciplinar, o que será feito em cada situação.

Na prática, pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes graves poderão continuar o tratamento com internação, se essa for a recomendação, mas não mais em uma cela de HCTP, e sim em unidades da Rede de Atendimento Psicossocial (Raps). “As pessoas continuarão o respetivo tratamento, em lugares apropriados, e não mais em celas, como acontece hoje em dia. Seguirão acompanhadas, sob vigilância e cuidado médicos específicos, inclusive com restrição da própria liberdade, se necessário for, pelo juízo da execução da medida de segurança, até a extinção do tratamento, o que não tem prazo para acontecer e só será levantado quando o tratamento for finalizado”, assegura o DMF.

Se, após a análise do caso, for decidido que determinada pessoa com transtorno mental precisa continuar o tratamento com internação, privada de liberdade, ela deverá ocupar um leito psiquiátrico em uma ala de segurança hospitalar, mas em um espaço diferente daquele ocupado por outros pacientes com transtornos mentais e que não cometeram crimes.

Para o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), citado no final do vídeo, o CNJ extrapolou seu poder regulamentar ao publicar a resolução e invadiu a seara do Poder Legislativo. No dia 23 de março, ele apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar a aplicação da Resolução 487. O PDL ainda aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados. Outros críticos da resolução acreditam que a medida é de difícil aplicação em curto prazo e pode impactar na superlotação do sistema de saúde pública.

E os assassinos em série?

O autor do vídeo cita três exemplos de assassinos que cometeram crimes famosos e que, segundo ele, serão postos em liberdade graças à resolução do CNJ, apesar da gravidade dos assassinatos. Não é bem assim. Os citados são Francisco Costa Rocha, conhecido como Chico Picadinho; Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque; e Ademir Oliveira Rosário, o Maníaco da Cantareira. Apenas o primeiro está internado em um HCTP, ou seja, é considerado inimputável. Os outros dois cumprem penas em penitenciárias e, portanto, sequer se enquadram na Resolução 487 do CNJ.

Francisco Costa Rocha, conhecido como Chico Picadinho, foi condenado por assassinar e esquartejar duas mulheres – os crimes aconteceram em um intervalo de dez anos, em 1966 e 1976. Ele foi diagnosticado como psicopata e, hoje, aos 80 anos, está interditado civilmente, por decisão judicial, no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté (SP). Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) ele “só terá sua situação judicial alterada mediante outra ordem judicial”.

Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, não se encontra em um HCTP, e sim na Penitenciária de Iaras, no interior de São Paulo. Ele foi preso em 1998 e confessou ter assassinado 11 mulheres – foi condenado pela morte de sete, e também por estupro e atentado violento ao pudor. Eles atraía jovens para o Parque do Estado, em São Paulo, com falsas promessas de emprego. Lá, as espancava, estuprava e matava por estrangulamento. A pena foi de 268 anos de prisão.

O último citado no vídeo é Ademir Oliveira Rosário, conhecido como Maníaco da Cantareira. Ele foi condenado em 2012 a 57 anos de prisão por assassinar e abusar sexualmente, em 2007, de dois irmãos na Serra da Cantareira, em São Paulo. As vítimas tinham 13 e 14 anos. Ademir cumpre pena na Penitenciária II de Serra Azul, em São Paulo, um presídio comum.

O que estão compartilhando: que uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai liberar em 12 meses o autor do atentado que matou quatro crianças e feriu outras cinco em uma creche em Blumenau (SC). A mesma medida colocaria nas ruas assassinos em série.

O Estadão investigou e concluiu que: é enganoso. A Resolução nº 487 do CNJ institui a Política Antimanicomial no Poder Judiciário e define que Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) deverão ser fechados em até 12 meses. O homem que se entregou após cometer o crime em Blumenau não foi diagnosticado com transtorno mental e não está em um HCTP, e sim em uma penitenciária, em Santa Catarina. A resolução, portanto, não se aplica a ele. Outros criminosos em HCTPs só seriam liberados mediante decisão judicial.

 Foto: Reprodução

Saiba mais: O vídeo, que tem mais de 90 mil visualizações no Facebook, interpreta a resolução do CNJ de forma equivocada. O dispositivo, publicado em 15 de fevereiro deste ano, não cria novas regras. O texto estabelece a política a ser adotada pelo Poder Judiciário brasileiro para acompanhar a legislação do País no que diz respeito ao tratamento de pessoas custodiadas ou que cumpram medidas em regime aberto ou semiaberto e que tenham algum tipo de transtorno mental ou deficiência psicossocial.

A legislação brasileira trata de forma diferente os imputáveis – que respondem pelos seus atos – daqueles que, por apresentar algum transtorno mental, não têm consciência do que fazem e, por isso, são inimputáveis. Para estes, quando cometem crime, não é fixada uma pena como prisão, e sim uma medida de segurança, que determina que eles devem fazer tratamento de saúde por tempo indeterminado, para que não voltem a cometer crimes, nem prejudiquem os outros ou a si mesmos.

A medida aponta procedimentos a serem tomados pela Justiça para assegurar que essas pessoas recebam tratamento especializado e em local adequado desde a audiência e custódia até o cumprimento de medidas de segurança, acompanhados por uma equipe multidisciplinar. Também define o prazo de 12 meses para que os HCTP sejam totalmente interditados no país e que novos internamentos nessas unidades não sejam feitos.

Isso não significa que pessoas com transtornos mentais e que tenham cometido crimes graves serão “soltas”, como diz o autor do vídeo. De acordo com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional de Justiça, os casos serão analisados individualmente e aqueles que cometeram crimes graves continuarão seus tratamentos obrigatórios, mas em locais apropriados.

Com paredes recém pintadas e mensagens inspiradoras, pais, professores e voluntários buscam devolver um ambiente de paz na creche Cantinho Bom Pastor Foto: Reprodução

Autor de massacre em Blumenau será solto em 12 meses?

Não é possível afirmar quando o autor do atentado que matou quatro crianças na Creche Bom Pastor, em Blumenau, será solto. Mas, a princípio, a Resolução 487 do CNJ não se aplica ao caso dele, já que ela trata de questões relativas a pessoas com transtorno mental ou deficiência psicossocial. Até o momento, o autor do atentado em Blumenau não foi diagnosticado com nenhum transtorno mental.

De acordo com a Polícia Civil de Santa Catarina, a investigação concluiu que o autor do massacre agiu “de plena consciência da ilicitude do fato, como também de livre e espontânea vontade”. Em depoimento, a mãe do homem disse que ele era uma pessoa normal até começar a usar drogas e a vender drogas para sustentar o vício.

A psicóloga policial civil Larissa Canali disse que, durante a investigação, não apareceu nenhum diagnóstico oficial de transtorno mental. “O histórico é de surtos possivelmente psicóticos, talvez potencializados pelo uso de drogas”, disse. O exame toxicológico apontou presença de cocaína, álcool e seus resíduos no sangue, o que não significa necessariamente que ele estava sob efeito das substâncias quando cometeu o crime, e sim que era usuário delas.

O homem de 25 anos está preso em uma ala isolada em uma penitenciária comum em Santa Catarina, e não em um HCTP. De acordo com a Polícia Civil, o inquérito foi concluído e ele foi indiciado por quatro homicídios e cinco tentativas de homicídio. Nesta terça-feira, 18, o homem se tornou oficialmente réu e, agora, cabe à Justiça julgá-lo e, em caso de condenação, fixar uma pena. Não é possível dizer ainda quando o julgamento acontecerá, nem se o homem aguardará preso até que o julgamento aconteça.

Motoboys fazem ato para homenagear as quatro crianças assassinadas na escola Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, Santa Catarina.  Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

O que diz a Resolução 487 do CNJ?

A Resolução 487 do CNJ aponta caminhos para que o Judiciário lide com pessoas com transtornos mentais e que cometeram crimes em diversas etapas: desde a audiência de custódia até a internação para o cumprimento de medidas de segurança. Em todas estas etapas, o documento aponta que a Justiça deve assegurar que a pessoa com transtornos mentais receba atendimento especializado e faça o tratamento a que tem direito, acompanhada por equipe multidisciplinar e especializada.

Isso significa garantir que a pessoa seja encaminhada para a Rede de Atendimento Psicossocial (Raps), que inclui os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, as Unidades de Acolhimento (UA) e leitos de atenção integral – seja na atenção básica de saúde ou nos hospitais gerais, residências terapêuticas, Programa de Volta para Casa (PVC) e estratégias de reabilitação psicossocial.

No vídeo, o autor do comentário dá destaque ao fechamento dos HCTPs em até 12 meses, como se, com isso, as pessoas que cometeram crimes e estão internadas fossem, automaticamente, voltar para as ruas. Não é isso que a resolução do CNJ diz e esta não é necessariamente uma medida nova: vários países, incluindo o Brasil, vêm reduzindo a quantidade de pessoas em HCTPs. Aqui, o número reduziu em mais da metade de 2011 (3.989) até 2022 (1.987).

“Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, os antigos manicômios judiciários, nunca foram estabelecimentos de saúde. Eram espécie de presídios, com condições de funcionamento ainda mais precárias porque não correspondem às necessidades terapêuticas que neles se devia praticar”, explica o DMF.

“Tanto as normas em vigor no Brasil, quanto o conhecimento acumulado no campo psiquiátrico no País e no mundo indicam que a internação numa prisão-manicômio não é a melhor resposta para o tratamento dos transtornos mentais de que essas pessoas padecem”, completa o Departamento.

Resolução do CNJ foi publicada em fevereiro. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Pessoas que cometeram crimes graves serão automaticamente “soltas”?

Não. O objetivo da Resolução 487 não é “libertar” – para a lei brasileira, essas pessoas não estão presas, e sim em tratamento por medida de segurança – quem cometeu crimes graves, e sim permitir que pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes façam o tratamento em locais apropriados. Para isso, cada caso será analisado individualmente para que se decida, por uma equipe multidisciplinar, o que será feito em cada situação.

Na prática, pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes graves poderão continuar o tratamento com internação, se essa for a recomendação, mas não mais em uma cela de HCTP, e sim em unidades da Rede de Atendimento Psicossocial (Raps). “As pessoas continuarão o respetivo tratamento, em lugares apropriados, e não mais em celas, como acontece hoje em dia. Seguirão acompanhadas, sob vigilância e cuidado médicos específicos, inclusive com restrição da própria liberdade, se necessário for, pelo juízo da execução da medida de segurança, até a extinção do tratamento, o que não tem prazo para acontecer e só será levantado quando o tratamento for finalizado”, assegura o DMF.

Se, após a análise do caso, for decidido que determinada pessoa com transtorno mental precisa continuar o tratamento com internação, privada de liberdade, ela deverá ocupar um leito psiquiátrico em uma ala de segurança hospitalar, mas em um espaço diferente daquele ocupado por outros pacientes com transtornos mentais e que não cometeram crimes.

Para o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), citado no final do vídeo, o CNJ extrapolou seu poder regulamentar ao publicar a resolução e invadiu a seara do Poder Legislativo. No dia 23 de março, ele apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar a aplicação da Resolução 487. O PDL ainda aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados. Outros críticos da resolução acreditam que a medida é de difícil aplicação em curto prazo e pode impactar na superlotação do sistema de saúde pública.

E os assassinos em série?

O autor do vídeo cita três exemplos de assassinos que cometeram crimes famosos e que, segundo ele, serão postos em liberdade graças à resolução do CNJ, apesar da gravidade dos assassinatos. Não é bem assim. Os citados são Francisco Costa Rocha, conhecido como Chico Picadinho; Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque; e Ademir Oliveira Rosário, o Maníaco da Cantareira. Apenas o primeiro está internado em um HCTP, ou seja, é considerado inimputável. Os outros dois cumprem penas em penitenciárias e, portanto, sequer se enquadram na Resolução 487 do CNJ.

Francisco Costa Rocha, conhecido como Chico Picadinho, foi condenado por assassinar e esquartejar duas mulheres – os crimes aconteceram em um intervalo de dez anos, em 1966 e 1976. Ele foi diagnosticado como psicopata e, hoje, aos 80 anos, está interditado civilmente, por decisão judicial, no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté (SP). Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) ele “só terá sua situação judicial alterada mediante outra ordem judicial”.

Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, não se encontra em um HCTP, e sim na Penitenciária de Iaras, no interior de São Paulo. Ele foi preso em 1998 e confessou ter assassinado 11 mulheres – foi condenado pela morte de sete, e também por estupro e atentado violento ao pudor. Eles atraía jovens para o Parque do Estado, em São Paulo, com falsas promessas de emprego. Lá, as espancava, estuprava e matava por estrangulamento. A pena foi de 268 anos de prisão.

O último citado no vídeo é Ademir Oliveira Rosário, conhecido como Maníaco da Cantareira. Ele foi condenado em 2012 a 57 anos de prisão por assassinar e abusar sexualmente, em 2007, de dois irmãos na Serra da Cantareira, em São Paulo. As vítimas tinham 13 e 14 anos. Ademir cumpre pena na Penitenciária II de Serra Azul, em São Paulo, um presídio comum.

O que estão compartilhando: que uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai liberar em 12 meses o autor do atentado que matou quatro crianças e feriu outras cinco em uma creche em Blumenau (SC). A mesma medida colocaria nas ruas assassinos em série.

O Estadão investigou e concluiu que: é enganoso. A Resolução nº 487 do CNJ institui a Política Antimanicomial no Poder Judiciário e define que Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) deverão ser fechados em até 12 meses. O homem que se entregou após cometer o crime em Blumenau não foi diagnosticado com transtorno mental e não está em um HCTP, e sim em uma penitenciária, em Santa Catarina. A resolução, portanto, não se aplica a ele. Outros criminosos em HCTPs só seriam liberados mediante decisão judicial.

 Foto: Reprodução

Saiba mais: O vídeo, que tem mais de 90 mil visualizações no Facebook, interpreta a resolução do CNJ de forma equivocada. O dispositivo, publicado em 15 de fevereiro deste ano, não cria novas regras. O texto estabelece a política a ser adotada pelo Poder Judiciário brasileiro para acompanhar a legislação do País no que diz respeito ao tratamento de pessoas custodiadas ou que cumpram medidas em regime aberto ou semiaberto e que tenham algum tipo de transtorno mental ou deficiência psicossocial.

A legislação brasileira trata de forma diferente os imputáveis – que respondem pelos seus atos – daqueles que, por apresentar algum transtorno mental, não têm consciência do que fazem e, por isso, são inimputáveis. Para estes, quando cometem crime, não é fixada uma pena como prisão, e sim uma medida de segurança, que determina que eles devem fazer tratamento de saúde por tempo indeterminado, para que não voltem a cometer crimes, nem prejudiquem os outros ou a si mesmos.

A medida aponta procedimentos a serem tomados pela Justiça para assegurar que essas pessoas recebam tratamento especializado e em local adequado desde a audiência e custódia até o cumprimento de medidas de segurança, acompanhados por uma equipe multidisciplinar. Também define o prazo de 12 meses para que os HCTP sejam totalmente interditados no país e que novos internamentos nessas unidades não sejam feitos.

Isso não significa que pessoas com transtornos mentais e que tenham cometido crimes graves serão “soltas”, como diz o autor do vídeo. De acordo com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional de Justiça, os casos serão analisados individualmente e aqueles que cometeram crimes graves continuarão seus tratamentos obrigatórios, mas em locais apropriados.

Com paredes recém pintadas e mensagens inspiradoras, pais, professores e voluntários buscam devolver um ambiente de paz na creche Cantinho Bom Pastor Foto: Reprodução

Autor de massacre em Blumenau será solto em 12 meses?

Não é possível afirmar quando o autor do atentado que matou quatro crianças na Creche Bom Pastor, em Blumenau, será solto. Mas, a princípio, a Resolução 487 do CNJ não se aplica ao caso dele, já que ela trata de questões relativas a pessoas com transtorno mental ou deficiência psicossocial. Até o momento, o autor do atentado em Blumenau não foi diagnosticado com nenhum transtorno mental.

De acordo com a Polícia Civil de Santa Catarina, a investigação concluiu que o autor do massacre agiu “de plena consciência da ilicitude do fato, como também de livre e espontânea vontade”. Em depoimento, a mãe do homem disse que ele era uma pessoa normal até começar a usar drogas e a vender drogas para sustentar o vício.

A psicóloga policial civil Larissa Canali disse que, durante a investigação, não apareceu nenhum diagnóstico oficial de transtorno mental. “O histórico é de surtos possivelmente psicóticos, talvez potencializados pelo uso de drogas”, disse. O exame toxicológico apontou presença de cocaína, álcool e seus resíduos no sangue, o que não significa necessariamente que ele estava sob efeito das substâncias quando cometeu o crime, e sim que era usuário delas.

O homem de 25 anos está preso em uma ala isolada em uma penitenciária comum em Santa Catarina, e não em um HCTP. De acordo com a Polícia Civil, o inquérito foi concluído e ele foi indiciado por quatro homicídios e cinco tentativas de homicídio. Nesta terça-feira, 18, o homem se tornou oficialmente réu e, agora, cabe à Justiça julgá-lo e, em caso de condenação, fixar uma pena. Não é possível dizer ainda quando o julgamento acontecerá, nem se o homem aguardará preso até que o julgamento aconteça.

Motoboys fazem ato para homenagear as quatro crianças assassinadas na escola Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, Santa Catarina.  Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO

O que diz a Resolução 487 do CNJ?

A Resolução 487 do CNJ aponta caminhos para que o Judiciário lide com pessoas com transtornos mentais e que cometeram crimes em diversas etapas: desde a audiência de custódia até a internação para o cumprimento de medidas de segurança. Em todas estas etapas, o documento aponta que a Justiça deve assegurar que a pessoa com transtornos mentais receba atendimento especializado e faça o tratamento a que tem direito, acompanhada por equipe multidisciplinar e especializada.

Isso significa garantir que a pessoa seja encaminhada para a Rede de Atendimento Psicossocial (Raps), que inclui os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, as Unidades de Acolhimento (UA) e leitos de atenção integral – seja na atenção básica de saúde ou nos hospitais gerais, residências terapêuticas, Programa de Volta para Casa (PVC) e estratégias de reabilitação psicossocial.

No vídeo, o autor do comentário dá destaque ao fechamento dos HCTPs em até 12 meses, como se, com isso, as pessoas que cometeram crimes e estão internadas fossem, automaticamente, voltar para as ruas. Não é isso que a resolução do CNJ diz e esta não é necessariamente uma medida nova: vários países, incluindo o Brasil, vêm reduzindo a quantidade de pessoas em HCTPs. Aqui, o número reduziu em mais da metade de 2011 (3.989) até 2022 (1.987).

“Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, os antigos manicômios judiciários, nunca foram estabelecimentos de saúde. Eram espécie de presídios, com condições de funcionamento ainda mais precárias porque não correspondem às necessidades terapêuticas que neles se devia praticar”, explica o DMF.

“Tanto as normas em vigor no Brasil, quanto o conhecimento acumulado no campo psiquiátrico no País e no mundo indicam que a internação numa prisão-manicômio não é a melhor resposta para o tratamento dos transtornos mentais de que essas pessoas padecem”, completa o Departamento.

Resolução do CNJ foi publicada em fevereiro. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Pessoas que cometeram crimes graves serão automaticamente “soltas”?

Não. O objetivo da Resolução 487 não é “libertar” – para a lei brasileira, essas pessoas não estão presas, e sim em tratamento por medida de segurança – quem cometeu crimes graves, e sim permitir que pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes façam o tratamento em locais apropriados. Para isso, cada caso será analisado individualmente para que se decida, por uma equipe multidisciplinar, o que será feito em cada situação.

Na prática, pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes graves poderão continuar o tratamento com internação, se essa for a recomendação, mas não mais em uma cela de HCTP, e sim em unidades da Rede de Atendimento Psicossocial (Raps). “As pessoas continuarão o respetivo tratamento, em lugares apropriados, e não mais em celas, como acontece hoje em dia. Seguirão acompanhadas, sob vigilância e cuidado médicos específicos, inclusive com restrição da própria liberdade, se necessário for, pelo juízo da execução da medida de segurança, até a extinção do tratamento, o que não tem prazo para acontecer e só será levantado quando o tratamento for finalizado”, assegura o DMF.

Se, após a análise do caso, for decidido que determinada pessoa com transtorno mental precisa continuar o tratamento com internação, privada de liberdade, ela deverá ocupar um leito psiquiátrico em uma ala de segurança hospitalar, mas em um espaço diferente daquele ocupado por outros pacientes com transtornos mentais e que não cometeram crimes.

Para o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), citado no final do vídeo, o CNJ extrapolou seu poder regulamentar ao publicar a resolução e invadiu a seara do Poder Legislativo. No dia 23 de março, ele apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar a aplicação da Resolução 487. O PDL ainda aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados. Outros críticos da resolução acreditam que a medida é de difícil aplicação em curto prazo e pode impactar na superlotação do sistema de saúde pública.

E os assassinos em série?

O autor do vídeo cita três exemplos de assassinos que cometeram crimes famosos e que, segundo ele, serão postos em liberdade graças à resolução do CNJ, apesar da gravidade dos assassinatos. Não é bem assim. Os citados são Francisco Costa Rocha, conhecido como Chico Picadinho; Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque; e Ademir Oliveira Rosário, o Maníaco da Cantareira. Apenas o primeiro está internado em um HCTP, ou seja, é considerado inimputável. Os outros dois cumprem penas em penitenciárias e, portanto, sequer se enquadram na Resolução 487 do CNJ.

Francisco Costa Rocha, conhecido como Chico Picadinho, foi condenado por assassinar e esquartejar duas mulheres – os crimes aconteceram em um intervalo de dez anos, em 1966 e 1976. Ele foi diagnosticado como psicopata e, hoje, aos 80 anos, está interditado civilmente, por decisão judicial, no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté (SP). Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP) ele “só terá sua situação judicial alterada mediante outra ordem judicial”.

Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, não se encontra em um HCTP, e sim na Penitenciária de Iaras, no interior de São Paulo. Ele foi preso em 1998 e confessou ter assassinado 11 mulheres – foi condenado pela morte de sete, e também por estupro e atentado violento ao pudor. Eles atraía jovens para o Parque do Estado, em São Paulo, com falsas promessas de emprego. Lá, as espancava, estuprava e matava por estrangulamento. A pena foi de 268 anos de prisão.

O último citado no vídeo é Ademir Oliveira Rosário, conhecido como Maníaco da Cantareira. Ele foi condenado em 2012 a 57 anos de prisão por assassinar e abusar sexualmente, em 2007, de dois irmãos na Serra da Cantareira, em São Paulo. As vítimas tinham 13 e 14 anos. Ademir cumpre pena na Penitenciária II de Serra Azul, em São Paulo, um presídio comum.

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