Circula nas redes sociais um texto do site Crítica Nacional alegando que a China teria oferecido uma "ajuda milionária" para o grupo militante islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza e enfrenta Israel em conflito armado. A peça sugere que uma doação de US$ 2 milhões seria supostamente usada para "reconstruir sua infraestrutura terrorista" e financiar ações militares, mas não existem evidências que sustentem essa versão.
Na realidade, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, anunciou na sexta-feira passada, 21 de maio, que o país asiático faria uma doação em dinheiro para a Palestina e para um serviço de apoio humanitário da Organização das Nações Unidas (ONU) que atua na região. O governo chinês também pretende enviar um lote de vacinas contra a covid-19, prática que já vinha sendo adotada anteriormente com a Autoridade Nacional Palestina (ANP).
"A China oferecerá US$ 1 milhão em dinheiro para assistência humanitária emergencial na Palestina, continuará a fornecer insumos humanitários da melhor maneira possível em função das necessidades da Palestina e terá um papel ativo na reconstrução de Gaza", disse Zhao Lijian, segundo transcrição de uma entrevista concedida a jornalistas naquela data e disponibilizada, em inglês, no site do órgão.
"Nós também iremos fornecer assistência direta ao povo palestino, oferecendo US$ 1 milhão em doações e 200 mil doses de vacinas contra a covid-19 para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (Unrwa)", acrescenta o porta-voz. A Unrwa é uma agência internacional de desenvolvimento fundada em 1949 pela ONU e que atende a população de refugiados palestinos em territórios de maior vulnerabilidade.
O Estadão Verifica consultou oito fontes jornalísticas diferentes sobre o assunto: AFP (França), Arab News (Arábia Saudita), Al Jazeera (Catar), CGTN, China Daily e Xinhua (China), South China Morning Post (Hong Kong) e Newsweek (Estados Unidos). Nenhuma delas aponta que a China enviaria esse dinheiro ao Hamas ou que o montante serviria para financiar a reconstrução de estruturas militares e incentivar conflitos, como sugere o site brasileiro.
O texto checado também não traz qualquer indício nesse sentido e ainda apresenta uma foto mostrando um aperto de mãos entre o presidente da República Popular da China, Xi Jinping, e o presidente da ANP, Mahmoud Abbas. A Autoridade Nacional Palestina controla a Cisjordânia e está sob liderança do Fatah, partido considerado moderado que rivaliza com o Hamas.
Outros países anunciaram a intenção de ajudar a população do enclave, como Egito, Noruega, Reino Unido, União Europeia e Estados Unidos. Esse apoio ocorre de diferentes formas: através de organizações humanitárias e sem fins lucrativos, de um fundo das Nações Unidas, do acerto para envio de recursos com o governo palestino ou atuando diretamente com programas e companhias de desenvolvimento e infraestrutura na região, por exemplo.
A preocupação quanto ao destino dos recursos cedidos para fins humanitários na Faixa de Gaza é manifestada em parte da comunidade internacional, como os Estados Unidos, que classificam o Hamas como uma organização terrorista. O presidente norte-americano, Joe Biden, declarou recentemente que pretende enviar ajuda financeira em uma parceria com a ANP e de uma maneira "que não permita ao Hamas simplesmente reabastecer seu arsenal militar", segundo a Reuters.
O Estadão Verifica questionou o site Crítica Nacional, por e-mail, nesta quarta-feira, 26 de maio, sobre a fonte da suposta informação, mas não obteve retorno. A Embaixada da China no Brasil também foi procurada para comentar e não se manifestou até a publicação desta checagem. Ela será atualizada em caso de resposta.
Esse mesmo site teve outra alegação infundada semelhante checada pela Agência Lupa neste mês, de que Biden teria doado US$ 235 milhões para "terroristas do Hamas". Na verdade, os Estados Unidos anunciaram o direcionamento da verba para assistência humanitária aos palestinos em abril, que envolve a Unrwa, programas de desenvolvimento econômico na região, a Rede de Hospitais de Jerusalém Oriental e o financiamento da construção de paz pela agência USAid.
Conflito entre Israel e Hamas
O anúncio do apoio da China para a Palestina ocorreu um dia após o cessar-fogo entre Israel e o grupo islâmico Hamas, aprovado após pressão internacional. O episódio mais recente do conflito matou 232 palestinos e 12 israelenses, segundo autoridades de saúde locais. A escalada da violência só foi interrompida em 20 de maio, após 11 dias de investidas trágicas dos dois lados.
As raízes do atual confronto estão numa série de incidentes ocorridos no entorno da mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, entre abril e maio, segundo reportagem do Estadão. A combinação de operações policiais, ordem de despejo em um bairro palestino de Jerusalém Oriental e uma marcha da extrema direita israelense rumo ao Monte do Templo levou à violência na Cidade Santa em 10 de maio.
O Hamas lançou milhares de foguetes contra cidades israelenses, incluindo a capital Tel Aviv, conseguindo driblar em parte o sistema de defesa antimíssil conhecido como "domo de ferro" e atingindo prédios, casas e sinagogas. Israel respondeu com ataques aéreos sobre a Faixa de Gaza, controlada pelo grupo islâmico, incluindo campos de refugiados palestinos, sem aviso. O conflito ainda repercutiu em cidades israelenses de população mista de árabes e judeus, onde houve registros de violência. Escritórios da Associated Press, da Al Jazeera e apartamentos residenciais na Cidade de Gaza foram destruídos por um ataque aéreo israelense.
De acordo com reportagem da BBC, que cita informações das Nações Unidas, mais de 100 mil pessoas tiveram de deixar suas casas na Faixa de Gaza e aproximadamente 800 mil não tinham acesso à água encanada depois de a trégua ser decretada, em razão de danos nas redes provocados pelos bombardeios. Além disso, ao menos 2,8 mil casas foram destruídas ou estavam impossibilitadas de receber seus moradores de volta. A Unrwa estima serem necessários 38 milhões de dólares para identificar, prestar socorro e alojar os desabrigados e o restante da população afetada pelo confronto imediatamente.