É falso que o STF tenha declarado 'o fim da propriedade privada' no Brasil


Na verdade, foi estabelecido um regime de transição gradual e escalonado para os despejos que tinham sido suspensos em razão da pandemia; além disso, o direito à propriedade é constitucional e não poderia ser ‘desfeito’ por decisão do STF

Por Gabriela Meireles
Atualização:

Um boato nas redes sociais espalha o alerta falso de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria declarado "o fim da propriedade privada'' no Brasil. Um texto no WhatsApp vem acompanhado de uma matéria da revista Veja, que tem o sentido deturpado pela mensagem. Na realidade, a reportagem se refere a uma decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso da segunda-feira, 31, que determina um modelo transitório a ser seguido na retomada de despejos, até então suspensos em razão da pandemia. Não há relação entre esse fato e a acusação de "fim da propriedade privada" nas redes.

Leitores pediram a checagem pelo número (11) 97683-7490.

A decisão de Barroso foi tomada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, ajuizada pelo PSOL em 15 de abril de 2021. O partido pediu, tendo em vista a gravidade da pandemia do coronavírus na época, que fossem prorrogadas restrições às reintegrações de posses e aos despejos compulsórios em todo Brasil. A legenda citou na argumentação os direitos constitucionais à moradia (artigo 6 da Constituição Federal), à vida, saúde e propriedade (artigo 5 da CF).

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A prorrogação perdurou até o dia 31 de outubro de 2022. Entretanto, diante de um novo pedido de adiamento do prazo das reintegrações de posse, Barroso não o atendeu completamente. Mas sim, determinou um regime de transição para retomar esses despejos, chamados de desocupações coletivas. É desse assunto que se tratava a matéria da Veja.

Na explicação do desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Manoel dos Reis Morais, a adoção desse regime de transição é "uma cautela quanto à possível afetação dos direitos fundamentais das pessoas que ainda se encontram em estado de vulnerabilidade pelos efeitos sociais e econômicos causados pelo coronavírus".

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É o que consta na fundamentação de Barroso. O ministro cita dados da Campanha Despejo Zero: "As 188.621 famílias que estão na iminência das desocupações se encontram justamente na parcela mais pobre da população", escreveu ele. "Os números indicam haver mais de 153.715 crianças e 151.018 idosos(as) ameaçados(as) pelas desocupações neste momento".

Íntegra da decisão

Nos termos da decisão, o regime de transição determina:

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(a) Os Tribunais deverão instalar uma comissão de conflitos de apoio aos juízes, incumbida da elaboração de estratégias para a retomada das decisões de desocupação que estavam suspensas;

(b) As comissões de conflitos fundiários deverão realizar inspeções e audiências de mediação antes de qualquer desocupação, com a participação ativa do Ministério Público e da Defensoria Pública;

(c) Além de decisões judiciais, quaisquer medidas administrativas que resultem em remoções também devem ser avisadas previamente, bem ainda as comunidades afetadas ouvidas, com prazo razoável para a desocupação e com medidas de resguardo aos direitos fundamentais.

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Mas afinal, o STF pode declarar o fim da propriedade privada no Brasil?

Essa possibilidade não faz sentido no ordenamento jurídico brasileiro, segundo o desembargador Manoel dos Reis Morais. Ele explica: "Em primeiro lugar, direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas (artigo 60, §4º da Constituição), ou seja, não há que se cogitar qualquer possibilidade de uma proposta de reduzir tais direitos, quanto mais de se acabar com eles".

O desembargador lembra que o STF é o guardião da Constituição -- o que significa resguardar também os direitos e garantias individuais, que incluem o direito à propriedade. "Em termos jurídicos, o STF é a instância superior ou última do Poder Judiciário brasileiro e, como tal, possui a função primordial de servir como guardião da Constituição de 1988", diz. 

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Morais afirma que, em situações específicas, quando dois ou mais direitos fundamentais estão em jogo - como a vida e/ou saúde em confronto com a propriedade - um ou outro deles pode ser relativizado. "No entanto, esta relativização num determinado caso específico não pode ser confundida como extinção ou eliminação desse direito fundamental", esclarece.

Consequentemente, o STF não pode acabar com a propriedade privada. "Em determinados casos, pode relativizar o direito à propriedade frente a outro direito fundamental de maior valor, como o direito à vida ou o direito à saúde, todos com igual dignidade constitucional de cláusulas pétreas", finaliza.

O Uol Confere também verificou a alegação checada aqui.

Um boato nas redes sociais espalha o alerta falso de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria declarado "o fim da propriedade privada'' no Brasil. Um texto no WhatsApp vem acompanhado de uma matéria da revista Veja, que tem o sentido deturpado pela mensagem. Na realidade, a reportagem se refere a uma decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso da segunda-feira, 31, que determina um modelo transitório a ser seguido na retomada de despejos, até então suspensos em razão da pandemia. Não há relação entre esse fato e a acusação de "fim da propriedade privada" nas redes.

Leitores pediram a checagem pelo número (11) 97683-7490.

A decisão de Barroso foi tomada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, ajuizada pelo PSOL em 15 de abril de 2021. O partido pediu, tendo em vista a gravidade da pandemia do coronavírus na época, que fossem prorrogadas restrições às reintegrações de posses e aos despejos compulsórios em todo Brasil. A legenda citou na argumentação os direitos constitucionais à moradia (artigo 6 da Constituição Federal), à vida, saúde e propriedade (artigo 5 da CF).

 

A prorrogação perdurou até o dia 31 de outubro de 2022. Entretanto, diante de um novo pedido de adiamento do prazo das reintegrações de posse, Barroso não o atendeu completamente. Mas sim, determinou um regime de transição para retomar esses despejos, chamados de desocupações coletivas. É desse assunto que se tratava a matéria da Veja.

Na explicação do desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Manoel dos Reis Morais, a adoção desse regime de transição é "uma cautela quanto à possível afetação dos direitos fundamentais das pessoas que ainda se encontram em estado de vulnerabilidade pelos efeitos sociais e econômicos causados pelo coronavírus".

É o que consta na fundamentação de Barroso. O ministro cita dados da Campanha Despejo Zero: "As 188.621 famílias que estão na iminência das desocupações se encontram justamente na parcela mais pobre da população", escreveu ele. "Os números indicam haver mais de 153.715 crianças e 151.018 idosos(as) ameaçados(as) pelas desocupações neste momento".

Íntegra da decisão

Nos termos da decisão, o regime de transição determina:

(a) Os Tribunais deverão instalar uma comissão de conflitos de apoio aos juízes, incumbida da elaboração de estratégias para a retomada das decisões de desocupação que estavam suspensas;

(b) As comissões de conflitos fundiários deverão realizar inspeções e audiências de mediação antes de qualquer desocupação, com a participação ativa do Ministério Público e da Defensoria Pública;

(c) Além de decisões judiciais, quaisquer medidas administrativas que resultem em remoções também devem ser avisadas previamente, bem ainda as comunidades afetadas ouvidas, com prazo razoável para a desocupação e com medidas de resguardo aos direitos fundamentais.

Mas afinal, o STF pode declarar o fim da propriedade privada no Brasil?

Essa possibilidade não faz sentido no ordenamento jurídico brasileiro, segundo o desembargador Manoel dos Reis Morais. Ele explica: "Em primeiro lugar, direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas (artigo 60, §4º da Constituição), ou seja, não há que se cogitar qualquer possibilidade de uma proposta de reduzir tais direitos, quanto mais de se acabar com eles".

O desembargador lembra que o STF é o guardião da Constituição -- o que significa resguardar também os direitos e garantias individuais, que incluem o direito à propriedade. "Em termos jurídicos, o STF é a instância superior ou última do Poder Judiciário brasileiro e, como tal, possui a função primordial de servir como guardião da Constituição de 1988", diz. 

Morais afirma que, em situações específicas, quando dois ou mais direitos fundamentais estão em jogo - como a vida e/ou saúde em confronto com a propriedade - um ou outro deles pode ser relativizado. "No entanto, esta relativização num determinado caso específico não pode ser confundida como extinção ou eliminação desse direito fundamental", esclarece.

Consequentemente, o STF não pode acabar com a propriedade privada. "Em determinados casos, pode relativizar o direito à propriedade frente a outro direito fundamental de maior valor, como o direito à vida ou o direito à saúde, todos com igual dignidade constitucional de cláusulas pétreas", finaliza.

O Uol Confere também verificou a alegação checada aqui.

Um boato nas redes sociais espalha o alerta falso de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria declarado "o fim da propriedade privada'' no Brasil. Um texto no WhatsApp vem acompanhado de uma matéria da revista Veja, que tem o sentido deturpado pela mensagem. Na realidade, a reportagem se refere a uma decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso da segunda-feira, 31, que determina um modelo transitório a ser seguido na retomada de despejos, até então suspensos em razão da pandemia. Não há relação entre esse fato e a acusação de "fim da propriedade privada" nas redes.

Leitores pediram a checagem pelo número (11) 97683-7490.

A decisão de Barroso foi tomada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, ajuizada pelo PSOL em 15 de abril de 2021. O partido pediu, tendo em vista a gravidade da pandemia do coronavírus na época, que fossem prorrogadas restrições às reintegrações de posses e aos despejos compulsórios em todo Brasil. A legenda citou na argumentação os direitos constitucionais à moradia (artigo 6 da Constituição Federal), à vida, saúde e propriedade (artigo 5 da CF).

 

A prorrogação perdurou até o dia 31 de outubro de 2022. Entretanto, diante de um novo pedido de adiamento do prazo das reintegrações de posse, Barroso não o atendeu completamente. Mas sim, determinou um regime de transição para retomar esses despejos, chamados de desocupações coletivas. É desse assunto que se tratava a matéria da Veja.

Na explicação do desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Manoel dos Reis Morais, a adoção desse regime de transição é "uma cautela quanto à possível afetação dos direitos fundamentais das pessoas que ainda se encontram em estado de vulnerabilidade pelos efeitos sociais e econômicos causados pelo coronavírus".

É o que consta na fundamentação de Barroso. O ministro cita dados da Campanha Despejo Zero: "As 188.621 famílias que estão na iminência das desocupações se encontram justamente na parcela mais pobre da população", escreveu ele. "Os números indicam haver mais de 153.715 crianças e 151.018 idosos(as) ameaçados(as) pelas desocupações neste momento".

Íntegra da decisão

Nos termos da decisão, o regime de transição determina:

(a) Os Tribunais deverão instalar uma comissão de conflitos de apoio aos juízes, incumbida da elaboração de estratégias para a retomada das decisões de desocupação que estavam suspensas;

(b) As comissões de conflitos fundiários deverão realizar inspeções e audiências de mediação antes de qualquer desocupação, com a participação ativa do Ministério Público e da Defensoria Pública;

(c) Além de decisões judiciais, quaisquer medidas administrativas que resultem em remoções também devem ser avisadas previamente, bem ainda as comunidades afetadas ouvidas, com prazo razoável para a desocupação e com medidas de resguardo aos direitos fundamentais.

Mas afinal, o STF pode declarar o fim da propriedade privada no Brasil?

Essa possibilidade não faz sentido no ordenamento jurídico brasileiro, segundo o desembargador Manoel dos Reis Morais. Ele explica: "Em primeiro lugar, direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas (artigo 60, §4º da Constituição), ou seja, não há que se cogitar qualquer possibilidade de uma proposta de reduzir tais direitos, quanto mais de se acabar com eles".

O desembargador lembra que o STF é o guardião da Constituição -- o que significa resguardar também os direitos e garantias individuais, que incluem o direito à propriedade. "Em termos jurídicos, o STF é a instância superior ou última do Poder Judiciário brasileiro e, como tal, possui a função primordial de servir como guardião da Constituição de 1988", diz. 

Morais afirma que, em situações específicas, quando dois ou mais direitos fundamentais estão em jogo - como a vida e/ou saúde em confronto com a propriedade - um ou outro deles pode ser relativizado. "No entanto, esta relativização num determinado caso específico não pode ser confundida como extinção ou eliminação desse direito fundamental", esclarece.

Consequentemente, o STF não pode acabar com a propriedade privada. "Em determinados casos, pode relativizar o direito à propriedade frente a outro direito fundamental de maior valor, como o direito à vida ou o direito à saúde, todos com igual dignidade constitucional de cláusulas pétreas", finaliza.

O Uol Confere também verificou a alegação checada aqui.

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