Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vêm comemorando nas redes sociais uma decisão que derrubou a inelegibilidade do atual prefeito de Magé (RJ), Renato Cozzolino (PP). Há quem aposte que este é o precedente que Bolsonaro precisava para disputar as eleições de 2026, mesmo estando inelegível até 2030.
O Estadão Verifica ouviu especialistas, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para entender se o caso da Baixada Fluminense pode mesmo servir de precedente a favor de Bolsonaro. O que os especialistas dizem é que, embora caibam recursos aos processos do ex-presidente e teoricamente seja possível que a inelegibilidade seja derrubada, isso não ocorreria por causa do um precedente aberto pelo caso de Magé.
Há pouco mais de uma semana, em 25 de março, o ministro do STF Dias Toffoli tomou uma decisão monocrática a favor de Cozzolino. Toffoli acatou um pedido da defesa e derrubou uma decisão do TSE que tornava o prefeito de Magé inelegível por oito anos. Ele tinha sido acusado de promover ações sociais em troca de votos.
Na última terça-feira, 2, a Procuradoria-Geral da República entrou com uma petição junto ao STF no caso do prefeito. Não foi possível consultar o conteúdo da petição, mas, em caso de novo recurso contra Cozzolino, este será analisado pelo colegiado – não mais individualmente –, e a decisão de Toffoli pode ser derrubada.
Por sua vez, Bolsonaro foi julgado inelegível pelo TSE por oito anos, em três ações no ano passado. Uma por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação – no caso da reunião com os embaixadores – e duas por abuso de poder nas comemorações do Bicentenário da Independência. A defesa de Bolsonaro entrou com um recurso no STF, que ainda não foi julgado. O relator é o ministro Cristiano Zanin.
Ainda cabem recursos tanto para o caso do ex-presidente como para o do prefeito de Magé.
O TSE disse que “não se manifesta sobre casos concretos, que podem vir a ser objeto de análise por parte da Corte Eleitoral”, mas confirmou que a inelegibilidade de Bolsonaro foi declarada nas três Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) analisadas em 2023.
O que aconteceu no caso do prefeito de Magé
Nas eleições de 2018, Cozzolino era deputado estadual do Rio de Janeiro e tentava a reeleição, mas foi acusado de promover ações sociais em troca de votos. Naquele ano, ele acabou reeleito para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), mas se licenciou do cargo para disputar as eleições municipais de 2020 em Magé.
Mesmo com o registro de candidatura sub judice, ou seja, aguardando uma decisão judicial, ele recebeu 27,13% dos votos, contra 22,78% do segundo colocado. Na última sessão de julgamento do TSE de 2020, ele teve o registro de candidatura aprovado e, por isso, tomou posse como prefeito da cidade de 228 mil habitantes.
Em junho do ano passado, contudo, chegou o momento de o TSE julgar o processo sobre compra de votos. Cozzolino foi considerado culpado e foi declarado inelegível por oito anos. A defesa do atual prefeito de Magé recorreu ao STF e, no último dia 25 de março, Toffoli derrubou a inelegibilidade ao considerar que o abuso de poder político imputado ao réu não aconteceu. O ministro considerou “ser legítima a divulgação dos atos de parlamentar em suas redes sociais”. Ele entendeu não ter ocorrido desvio de finalidade, menção à candidatura ou pedido explícito de votos.
Decisão não abre precedente, dizem especialistas
O Verifica consultou três especialistas em Direito Eleitoral e todos concordam que, embora as decisões do TSE que tornaram Bolsonaro inelegível até 2030 possam, teoricamente, ser revertidas por uma eventual decisão do STF, isso não se daria por conta de um “precedente” aberto pelo caso de Cozzolino, e sim por um recurso, uma etapa comum do processo.
“A gente fala em precedente quando é a mesma situação jurídica. E, aqui, cada caso é um caso”, explicou o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral. “(No caso do Cozzolino), o Dias Toffoli analisou o mérito, considerou que ele não é culpado e julgou improcedente a ação. Então, agora cabe recurso dessa decisão. Não é uma decisão definitiva, não transitou em julgado ainda e não tem nada a ver com o caso do Bolsonaro em relação aos fatos”, completou.
A advogada Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima, sócia do escritório Callado, Petrin, Paes & Cezar Advogados, concordou. “Não é possível afirmar que a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli poderia surtir efeito na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, já que, analisando o caso, se constata que a infração à legislação eleitoral é distinta da que resultou na procedência da ação do ex-presidente”, disse.
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A advogada explicou que o ministro do STF entendeu que Cozzolino não cometeu o ilícito eleitoral do qual estava sendo acusado (promoção da distribuição gratuita de bens e serviços sociais para benefício eleitoral). Por outro lado, o ex-presidente foi considerado inelegível por outro ilícito (uso indevido dos meios de comunicação social para disseminação de fake news e abuso do poder político para reunir embaixadores).
O que seria possível, segundo Rollo, é que o recurso apresentado por Bolsonaro ao STF em seu processo também fosse julgado procedente, como ocorreu com Cozzolino. O também advogado Belisário dos Santos Jr., sócio da Rubens Naves Santos Jr. Advogados e ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo, afirmou que não se pode deixar de considerar essa possibilidade. No entanto, ele disse acreditar não passar de uma teoria.
“Há uma possibilidade teórica de algum juiz do Supremo Tribunal Federal conceder uma liminar. Mas eu acho muito difícil que isso ocorra num processo tão notório como esse, tendo vários juízes do Supremo participado da elaboração da decisão”, disse.
“O que acontece é que o Bolsonaro foi julgado no ano passado. Então, oito anos é um prazo muito longo para que não se decidam os recursos que eventualmente a defesa de Bolsonaro apresentar, os embargos de declaração ou mesmo o recurso extraordinário. Então, eu não acredito que essa hipótese seja viável. Ela é teórica, mas não é factível”, concluiu.
Como Bolsonaro se tornou inelegível
Bolsonaro foi tornado inelegível por oito anos em julgamentos no TSE de três ações no ano passado. A primeira foi movida pelo PDT e acusou o então presidente e candidato à reeleição de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por causa da reunião com embaixadores em que Bolsonaro repetiu alegações falsas contra urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral. O TSE decidiu pela inelegibilidade de Bolsonaro – mas não do candidato a vice, general Walter de Souza Braga Netto – por 5 votos a 2, em junho do ano passado.
Em outubro, o TSE julgou mais duas ações (1 e 2) que acusavam a dupla da mesma conduta: abuso de poder político, dessa vez nas comemorações do Bicentenário da Independências. Uma das ações foi movida pelo PDT e outra, pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). O Ministério Público Eleitoral defendeu que Bolsonaro fosse tornado inelegível novamente e, em 31 de outubro, o TSE declarou Bolsonaro e Braga Netto inelegíveis por oito anos, contados a partir de 2022.
Cabe recurso a todas as decisões do TSE, mas pelo menos um deles já foi negado, como mostrou o Estadão, em 5 de dezembro do ano passado. A decisão foi do ministro Alexandre de Moraes, enquanto integrante do TSE, não do STF.