Um trecho do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), nas imediações do Riacho Seco, município de Missão Velha, está sem receber água da Transposição do Rio São Francisco porque não há demanda programada pra esta época do ano, e não porque o governo federal optou por desligar deliberadamente o bombeamento no local. Este é o segundo conteúdo com desinformação sobre a Transposição que viraliza nas redes sociais em menos de uma semana. Além de enganar sobre o motivo do fechamento das comportas, imagens do Cinturão das Águas foram usadas mais uma vez como se mostrassem canais da Transposição do São Francisco.
Sem informar que o lugar só recebe água da Transposição em período chuvoso, a partir de fevereiro, o conteúdo desinforma ao afirmar que Jair Bolsonaro (PL) inaugurou a obra há um ano e que, agora, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o bombeamento já não funciona mais. O homem que comenta o vídeo ainda desinforma ao sugerir que a água foi desligada com a intenção de prejudicar os moradores da região Nordeste e voltar a deixá-los dependentes dos carros-pipa.
O vídeo investigado usa trechos de outra gravação feita por um morador da região no dia 20 de janeiro de 2023. O autor do vídeo original se chama Tiago Sampaio e ele explica que foi até o local, no município de Missão Velha, para descobrir se as comportas estavam fechadas para a realização de algum reparo, mas não encontrou nenhum funcionário no lugar e, por isso, não sabe dizer por que não há água do Rio São Francisco correndo pelo leito do Riacho Seco, que fica ao lado do canal.
O ponto exato em que a gravação foi feita faz parte do trecho emergencial da primeira parte do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), uma obra do governo do estado que contou com aporte próprio e também federal. Ela não faz parte do traçado do Projeto de Integração do São Francisco (PISF), também chamado de Transposição, mas é a principal estrutura que leva água do PISF até o Açude Castanhão, o maior do Ceará. Na semana passada, o Verifica mostrou que o CAC não está recebendo água da Transposição porque o estado só demanda água do PISF no período chuvoso.
Água é liberada no local a partir de fevereiro
Anualmente, as companhias estaduais de gestão dos recursos hídricos fazem um planejamento de quando deverão receber água na Transposição em seus canais, o que não acontece, necessariamente, o ano inteiro. Esses planejamentos são compilados pela Agência Nacional de Águas (ANA) no Plano de Gestão Anual para as Águas do PISF. O de 2023 ainda não foi publicado, mas, no ano passado, o estado do Ceará demandou água do PISF a partir do mês de fevereiro, que é quando começa o período chuvoso na região.
A Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH) explica que o pedido de liberação de água nesta época do ano acontece porque “as transferências de água são feitas pelos leitos dos rios, que neste período se encontram com água e facilitam o trânsito do recurso hídrico”. Além disso, nessa época, são menores as perdas de água por evaporação. A vazão média anual de água da Transposição nos canais do CAC, segundo a ANA, é de 4,1 mil m³ por segundo. A água não é entregue diretamente no Riacho Seco, onde o vídeo foi gravado, e sim no Reservatório do Jati, onde fica a estrutura inicial do trecho 1 do CAC, a 60 quilômetros de distância.
A água do Rio São Francisco começou a chegar ao CAC – e, consequentemente, também ao Riacho Seco – no início de fevereiro do ano passado, pouco antes de o trecho ser inaugurado, no dia 22. No km 0 do CAC, em Jati, a vazão foi liberada de 8 de fevereiro até 25 de novembro de 2022; a partir do km 53, já bem próximo do Riacho Seco, de 8 de fevereiro até 24 de novembro.
Água que passa pelo local não abastece comunidades
Quando o trecho que aparece no vídeo foi inaugurado, o Riacho Seco ficou cheio, como mostram imagens divulgadas pelo próprio Governo do Ceará durante a inauguração. Os canais do CAC, então, receberam água da Transposição conforme a demanda programada, até o dia 25 de novembro do ano passado, quando o fluxo foi interrompido, conforme planejado.
Aquela água, contudo, não é usada para o abastecimento naquela região. “A água que passa por esse trecho, através de liberação do PISF, não abastece nenhuma comunidade. O local é passagem para a água seguir em direção ao açude Castanhão. A população no entorno é abastecida por água subterrânea. Não há desabastecimento”, disse, em nota, a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh). O Castanhão é o maior açude do Ceará.
Também em nota, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR) confirmou que o local - assim como o trecho alvo de checagem na semana passada, em Brejo Santo - não recebe água nesse momento por causa da demanda programada pelo Ceará, que começa apenas em fevereiro. Além disso, a Estação de Bombeamento EBI 3, em Salgueiro (PE), está em manutenção após apresentar problemas em setembro do ano passado. Mesmo assim, não há problemas de abastecimento na região.
De acordo com a Cogerh, apesar de temporada de chuva ainda não ter começado oficialmente, algumas regiões do Ceará já apresentam índices pluviométricos consideráveis e quatro açudes do estado já sangraram, ou seja, atingiram a capacidade máxima de água. O acumulado total de volume de água no estado é de 30%. O açude Rosário, em Lavras da Mangabeira, sangrou na manhã da última segunda-feira, 23. Ele fica a 82 quilômetros de Missão Velha, onde fica o Riacho Seco, e ambos desagua na Bacia Hidrográfica do Salgado.
Obra não foi inaugurada por Bolsonaro
Diferentemente do que afirma o autor do vídeo, a obra não foi inaugurada em fevereiro de 2022 por Jair Bolsonaro (PL). O nome do ex-presidente aparece na placa de inauguração porque ele era o presidente na época da inauguração e porque também houve recurso federal utilizado para a execução do projeto, por meio do MDR. No entanto, como mostra a própria placa, a obra foi entregue pelo Governo do Ceará – é a marca do governo estadual que aparece no topo da placa, e não do governo federal.
Bolsonaro não esteve no local no dia da entrega. A inauguração contou com as presenças do governador à época, Camilo Santana, da vice, Izolda Cela, do secretário dos Recursos Hídricos, Francisco Teixeira, além do presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão, do deputado estadual Guilherme Landim, dos prefeitos de Jati, Mônica Mariano, de Brejo Santo, Gislaine Landim, de Abaiara, Afonso Tavares, de Barro, Héricles Feitosa, e de Milagrs, Cícero Figueirêdo.
Representantes das áreas técnicas da obra também foram ao local: o superintendente da Superintendência de Obras Hidráulicas do Ceará (Sohidra), Yuri Castro, o gerente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh) na Bacia do Salgado, Alberto Medeiros, o diretor-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), Fernando Leão, e o presidente do Comitê da Sub-Bacia do Salgado, Wildevânio Vieira.