O que estão compartilhando: que a vacina contra o HPV causa infertilidade e menopausa precoce em meninas.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Não existe comprovação científica de que a vacina contra o HPV, o papilomavírus humano, esteja associada a infertilidade ou menopausa precoce. Especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica confirmam que a imunização, na realidade, traz benefícios à saúde e é altamente eficaz contra o câncer de colo de útero e outros tumores malignos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) enfatizou que as vacinas contra HPV registradas no Brasil não trazem em sua bula “citação sobre eventos relacionados à menopausa precoce, insuficiência ovariana e infertilidade”.
Saiba mais: Conteúdo compartilhado em grupos do Telegram espalha desinformação ao afirmar que a vacina contra o HPV é capaz de causar infertilidade e outras doenças. A alegação é acompanhada pelo vídeo de uma mulher que também faz afirmações falsas sobre o imunizante.
A mulher que fala no vídeo é Mary Holland, uma entusiasta do movimento antivacina nos Estados Unidos. Ela é a diretora executiva da Children’s Health Defense, a organização contra a vacinação mais bem financiada do país, como mostrou o jornal NBC News.
No trecho analisado, Holland afirma que o imunizante teve efeito negativo na fertilidade de meninos e meninas e foi responsável pela queda em 50% de gravidezes não planejadas em um período de 10 anos. Ela também diz que “meninas de nove, doze anos estavam entrando na menopausa com todas as mudanças corporais que acompanham isso”, por causa de “falha ovariana prematura” após a vacinação. Nenhuma das alegações ditas por Holland possuem embasamento científico, segundo especialistas ouvidos pelo Verifica.
O que é o HPV e para que serve a vacina?
O primeiro passo para desmistificar os boatos em relação à vacina contra o HPV é entender o tamanho de sua importância na saúde. O papilomavírus humano é transmitido por meio do contato sexual e pode resultar no surgimento de lesões na vagina, colo do útero, vulva, pênis, ânus e em outras partes do corpo onde acontece o toque sexual.
O vírus causa câncer de colo uterino, uma das principais causas de morte de mulheres no Brasil. Segundo Robinson Dias, médico e presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio Grande do Norte (Sogorn), o vírus também implica na causa de outras doenças como o câncer de vulva, vagina e ânus. “Se a menina ou menino se vacina numa idade anterior ao início do da sua atividade sexual, como é preconizado a vacinação inicial na idade de 9 anos a 14, ela é altamente eficaz”, explicou.
Atualmente, as vacinas registradas pela Anvisa são a do Instituto Butantan e a da farmacêutica Merck Sharp e Dohme, chamada Gardasil. A do laboratório brasileiro é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para meninos e meninas de 9 a 14 anos de idade. A vacina é oferecida ainda para pessoas de 9 a 45 anos com condições clínicas especiais como HIV/Aids, transplantados, pacientes oncológicos e vítimas de abuso sexual. Pacientes com papilomatose respiratória recorrente (PRR) também foram incluídos no grupo prioritário para a vacina.
A vacina causa infertilidade, menopausa precoce e síndrome de Guillain-Barré?
Não há qualquer evidência de que a vacina tenha efeito na fertilidade ou na menopausa. Quanto à síndrome de Guillain-Barré (SGB), trata-se de um efeito adverso muito raro.
Segundo Dias, estudos clínicos não demonstraram problemas de fertilidade nos vacinados. “Ao contrário, (essas alegações) têm o objetivo de criar um medo injustificado na população contra a vacinação”, disse o médico da Sogorn.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia (Sbim), Renato Kfouri, reforça que a vacina é segura para a fertilidade. “Não existe plausibilidade de uma vacina como a do HPV alterar hormônio ou a reprodutividade de ninguém. Nunca foi demonstrado em estudo nenhum“, afirmou.
“A vacina tem centenas de milhões de doses aplicadas em todo o mundo, com um perfil de segurança avaliado constantemente. É uma das vacinas mais seguras que a gente conhece, não há nenhum evento adverso grave relacionado a vacina, muito menos relacionados à infertilidade”, complementou.
A Anvisa comunicou que as bulas trazem a lista de eventos adversos verificados após estudos e monitoramentos dos imunizantes. “Conforme a bula, não há citação sobre eventos relacionados à menopausa precoce, infertilidade e insuficiência ovariana”, respondeu em nota.
A síndrome de Guillain-Barré (SGB), uma doença autoimune e rara que ocorre quando o sistema imunológico do próprio corpo ataca parte do sistema nervoso, é descrita como possível efeito na bula dos dois imunizantes contra HPV (aqui e aqui). A Anvisa esclareceu que o efeito adverso é raro, e não é restrito somente à vacina do HPV. Há casos registrados com a vacina contra a covid-19 (dos laboratórios AstraZeneca, Janssen e CoronaVac) e a vacina contra a influeza (gripe).
O Ministério da Saúde esclareceu que em casos de reações graves e excepcionais é preciso realizar uma investigação para estabelecer uma relação causal do problema de saúde com a vacinação. A pesquisa é feita pelo ministério por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI) da Anvisa e do Instituto Nacional de Controle de Qualidade (INCQS/Fiocruz), em conjunto com as secretarias municipais e estaduais.
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Queda no número de gravidez entre adolescentes não possui relação com vacinação
No vídeo analisado, a antivacina Mary Holland associa uma queda no número de adolescentes grávidas em 2018 com a vacinação contra o HPV.
É verdade que dados do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos mostraram que em 2018 a taxa de natalidade entre adolescentes com idades entre 15 e 19 caiu para menos de 18 nascimentos a cada 1.000 pessoas. Em 2008, a taxa era de 41,5 nascimentos a cada 1.000 adolescentes.
No entanto, segundo a pesquisa, o declínio na taxa de natalidade não está relacionado com a vacina. Os fatores que contribuíram para a diminuição foram o uso de métodos contraceptivos mais eficazes entre os jovens, a divulgação de mais informações sobre a gravidez precoce e a queda na prática de sexo entre adolescentes.
A mesma pesquisa mostrou que apesar da queda nos números de natalidade, quando os casos são analisados por grupos raciais e étnicos, há uma disparidade. Por exemplo, adolescentes hispânicas e negras com idade entre 15 e 19 anos ainda têm filhos mais cedo do que adolescentes brancas.
Renato Kfouri, da Sbim, ressalta que a baixa no número de gravidezes segue uma tendência mundial: “É uma tendência dos países mais ricos, famílias têm cada vez menos filhos. Com o Brasil também já se vê (esse cenário)”, afirmou.
Acesso do público-alvo à vacinação ainda é um desafio, avaliam especialistas
O acesso dos adolescentes aos postos de atendimento ainda é uma tarefa difícil, tanto por acesso físico ou por barreiras impostas pela desinformação.
Segundo Robinson Dias, os desafios médicos no combate ao HPV passam pela informação e educação. Para ele, há ainda um receio por parte dos pais de crianças em idades elegíveis para a vacina, que acreditam que a imunização pode ser um incentivo para o início da vida sexual, o que não é verdade.
Para Renato Kfouri, vacinar adolescentes é sempre um desafio, devido ao difícil alcance dos postos de saúde a esse grupo, e vice e versa. O vice-presidente da Sbim acredita que a decisão do Ministério da Saúde em adotar um esquema de dose única da vacina irá garantir maior efetivação entre o público.
“Os dados que vêm se acumulando no mundo mostram que uma, duas ou até três doses não trazem muita diferença em termos de proteção. Ter um esquema de dose única facilita demais a adesão, e possibilita vacinar e incluir outros grupos”, avaliou.