- Conteúdo verificado: Vídeo que circulou em várias redes sociais mostra um italiano lendo e comentando um texto com o objetivo de afirmar que pandemia é um plano de controle e redução populacional, desencorajando as pessoas a fazerem testes para diagnosticar a doença e tomar uma possível vacina.
São falsas as informações existentes em um vídeo no qual um homem afirma que a covid-19 é a sigla de "conspiração para vacinação com inteligência artificial". Ele também afirma que existe um plano para controlar e reduzir a população mundial em 80% e que nenhum dos testes é capaz de identificar com precisão o vírus SARS-CoV-2.
O nome da doença, covid-19, é uma abreviação de coronavirus disease 2019, algo como "doença do coronavírus de 2019" em inglês. O nome foi dado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), seguindo a orientação internacional para denominação de doenças que existe desde 2015. O nome do vírus, SARS-CoV-2, significa Severe Acute Respiratory Syndrome-related Coronavirus 2, ou, em tradução livre, "Coronavírus 2 relacionado à Síndrome Respiratória Aguda Grave". O vírus foi batizado pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus.
Em relação às vacinas, antes de serem aprovadas, elas são submetidas a uma longa série de testes em células, em dois tipos de animais e, por fim, em três fases de ensaios clínicos em humanos. Todas essas etapas buscam identificar se o composto é eficaz e garantir que ele não produza efeitos colaterais graves. Depois que esses estudos são concluídos e os resultados são publicados, as autoridades sanitárias de cada país também avaliam o resultado para decidir se a vacina é segura antes de autorizar a imunização da população.
Por fim, os quatro tipos de testes disponíveis no mercado brasileiro são capazes de identificar marcadores genéticos específicos do SARS-CoV-2, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Alguns testes identificam proteínas específicas do novo coronavírus, enquanto outros rastreiam anticorpos criados após o contato dele com o corpo.
Como verificamos?
Para investigar a veracidade das afirmações do vídeo, dividimos a verificação em três blocos. Primeiro, consultamos as normativas da OMS, do Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus e do Código Internacional de Classificação e Nomenclatura de Vírus para compreender quais são os critérios para estabelecer o nome de uma nova doença.
Na sequência, entrevistamos Daniel Mansur, professor de Imunologia da UFSC e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, para compreender como funcionam as vacinas e os testes que estão sendo realizados com possíveis imunizantes contra o novo coronavírus.
Entramos em contato com o Ministério da Saúde e a Anvisa para entender como funcionam os testes para o diagnóstico da covid-19 no Brasil. Sobre esse assunto, conversamos também com a professora Clarice Weis Arns da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com Paulo Vitor Simas, pós-doutor em Virologia no Instituto Pirbright, na Inglaterra. Ele também trabalha com a validação de métodos moleculares de diagnóstico da covid-19 no Instituto Nacional de Saúde do Peru.
Por fim, procuramos o perfil que divulgou o vídeo no Instagram. Além de não responder aos questionamentos do Comprova, a página bloqueou o perfil de um dos verificadores que tentou o contato.Também questionamos um perfil do Facebook que reproduziu o conteúdo. Até a publicação deste texto, não houve retorno.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de setembro de 2020.
Verificação
O significado da covid-19
O argumento central do homem que aparece falando italiano no vídeo - há uma voz sobreposta que dubla em português - é que a pandemia do novo coronavírus seria, na verdade, um "plano internacional de controle e redução de populações". Segundo ele, as vacinas contra a covid-19 que estão sendo testadas têm por objetivo enfraquecer o sistema imunológico das pessoas, deixando-as mais suscetíveis a outras enfermidades. Nesse sentido, os governos da maioria dos países estariam apoiando o desenvolvimento dos imunizantes para reduzir suas populações.
Apoiando-se nesse argumento, o homem afirma que covid-19 não seria o nome da doença causada pelo vírus SARS-CoV-2, mas uma sigla para "Certificado de Identificação de Vacinação de Inteligência Artificial" -- que, segundo ele, seria o nome dado ao plano de redução populacional. O homem afirma ainda que o número 19 faria referência ao ano em que o plano foi criado. Tais informações são falsas.
Covid-19 quer dizer 2019 coronavirus disease, expressão em inglês que significa doença do coronavírus de 2019. Isso porque a enfermidade foi identificada no ano de 2019, a partir de um surto na cidade de Wuhan, na China. Esse nome foi dado pela OMS, em 11 de fevereiro de 2020. O nome oficial das doenças é definido pela entidade porque é ela quem organiza a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID).
A nomenclatura segue as determinações de boas práticas para nomear novas doenças humanas infecciosas, reunidas em um relatório elaborado pela OMS, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE, na sigla em inglês) e com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, também na sigla em inglês).
O documento sugere que os nomes de doenças incluam termos descritivos genéricos como síndrome, doença ou febre (syndrome, disease ou fever); patógenos associados como coronavirus, salmonella ou parasitic; e o ano da primeira vez em que a doença foi detectada ou reportada. A data deve ser usada quando houver necessidade de diferenciar eventos similares que aconteceram em anos diferentes.
Para evitar estigmatização de países, populações, culturas ou animais, o relatório determina que os nomes de novas doenças não podem conter localizações geográficas, como "gripe espanhola"; nomes de animais, como "gripe suína" e "gripe aviária"; nem termos que possam incitar medo como morte, fatal, e epidemia (death, fatal e epidemic).
O vírus causador da covid-19
O nome do vírus que causa a covid-19 é SARS-CoV-2, que significa Severe Acute Respiratory Syndrome-related Coronavirus 2, ou Coronavírus 2 relacionado à Síndrome Respiratória Aguda Grave em tradução livre. Ele leva esse nome porque pertence à mesma família do vírus SARS-CoV, responsável pela epidemia de SARS ocorrida em 2003. O nome foi dado pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV, na sigla em inglês), que existe desde 1966.
O Código Internacional de Classificação e Nomenclatura de Vírus, editado pela ICTV, prevê que os nomes dos vírus sejam identificações internacionais e, por isso, não devem ser traduzidos para outras línguas ou alfabetos.
Segurança das vacinas
As vacinas passam por uma série de etapas para garantir que são eficazes e seguras para os seres humanos antes de chegar à população. De acordo com o imunologista Daniel Mansur, a primeira etapa, ainda no plano da biologia, é descobrir o que no vírus é o melhor alvo para a vacina. "No caso do SARS-CoV-2, a gente descobriu desde janeiro que o receptor de entrada na célula é o ECA2 e que a proteína do vírus que se liga nesse receptor era a spike. A partir daí, sabemos que se conseguirmos bloquear essa proteína, impedimos que o vírus entre na célula. Esse é o objetivo de todas as vacinas em desenvolvimento hoje", afirma.
A partir da descoberta desse alvo, os pesquisadores começam a pensar qual é a melhor estratégia para entregar o antígeno (molécula capaz de despertar a resposta imune) no corpo. É nesse ponto que as vacinas em teste atualmente se diferenciam, segundo Mansur. A vacina da chinesa Sinovac, que está sendo testada em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo, usa o vírus inativado, incapaz de fazer mal ao corpo. A vacina de Oxford, em parceria com o Bio-Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pega outro vírus que não faz mal aos seres humanos e adiciona uma proteína do SARS-CoV-2 dentro dele. Já a vacina da Pfizer usa o RNA para levar essa proteína para o corpo sem usar um vírus. As três estratégias podem ser capazes de gerar anticorpos.
"Depois que você consegue comprovar em laboratório que células humanas reagem à vacina, você começa a fazer ensaios pré-clínicos em animais. Obrigatoriamente, tem que ser dois animais. O primeiro é um roedor, normalmente um camundongo. Se a vacina tiver eficácia nesse roedor, ela é testada em um primata não humano, um macaco. Em ambos os animais, o que se está verificando é se ela causa efeitos colaterais graves", explica o professor.
Se a vacina não gerar efeitos colaterais nesses animais, os pesquisadores dão início à fase 1 de testes em humanos, com grupos com menos de 100 pessoas. O objetivo é, também, avaliar se existem efeitos colaterais à imunização. "Por exemplo, é normal as pessoas terem febre leve ou vermelhidão no local da injeção. Isso são reações inflamatórias que a gente quer que a vacina induza para que o corpo possa reagir. Agora, se ela tiver uma Síndrome de Guillain-Barré [um distúrbio autoimune], é um efeito colateral grave. E a gente não quer que essa vacina continue", diz Mansur.
Se a fase 1 funcionar, a vacina entra na segunda etapa, quando o número de testados é expandido para as centenas. Nesse estágio, os pesquisadores buscam entender se pessoas de diferentes etnias, gêneros ou nacionalidades têm reações diferentes ao antígeno. Isso porque a humanidade é muito diversa e uma vacina precisa ser eficiente nesses diferentes grupos. Se essa fase também der resultados positivos, os pesquisadores avançam para a terceira, em que milhares ou dezenas de milhares de pessoas são vacinadas. Esse último estágio é decisivo para comprovar a eficiência das vacinas e a inexistência de efeitos colaterais graves.
Por fim, mesmo com todas essas etapas de testes e com os resultados publicados para serem avaliados por outros cientistas, a vacina só pode ser administrada para a população se for autorizada pela autoridade sanitária competente de cada país, que deve revisar os resultados dos testes e decidir se o composto é seguro. No caso do Brasil, essa competência é da Anvisa, órgão do governo federal vinculado ao Ministério da Saúde. Entidades internacionais como a OMS podem, no máximo, ajudar com a logística de campanhas de vacinação. Mas o governo do país é soberano para aprovar a vacina ou não.
De acordo com a professora Clarice Weis Arns, a validade de uma vacina não deveria ser um tema discutível. "Uma vacina, na verdade, nunca vai causar mal, porque ela já foi comprovada por vários testes", afirma. Ela lembra que algumas pessoas podem ter alergias a componentes da vacina, mas são grupos minoritários. "Por exemplo, para o vírus da [gripe] influenza, uma parte importante da vacina é produzida em ovos embrionados de galinha. E, às vezes, o que pode acontecer é a pessoa ter uma alergia à albumina do ovo", explica.
Segundo Mansur, é difícil de imaginar que uma conspiração consiga passar por todas essas etapas e entregar uma vacina capaz de prejudicar a saúde de milhões de pessoas. "Imagine o tanto de gente que você teria que manter em silêncio em todos esses órgãos para não vazar uma informação como esta. Além disso, nós temos cerca de 200 vacinas em desenvolvimento. Todas elas estão competindo pelos mesmos mercados. As estratégias são muito diferentes umas das outras e os processos são muito diferentes uns dos outros", lembra.
De acordo com a OMS, existem -- na data de publicação deste texto -- 143 vacinas contra a covid-19 em estágio pré-clínico e 33 que já avançaram para os estudos em humanos, das quais 8 já estão na fase 3 de testes. Veja o monitor de vacinas do Estadão.
Efetividade dos testes
O vídeo afirma que os testes para diagnóstico da covid-19 não são capazes de detectar o novo coronavírus, mas que identificam outros organismos. Não é verdade.
A professora Clarice Arns e o pesquisador Paulo Vitor Simas explicam que existem diferentes tipos de exames para detectar a presença do SARS-Cov-2. Os exames podem identificar partes específicas do material genético do vírus (biologia molecular) ou a resposta imunológica do organismo (presença de anticorpos).
No caso dos testes moleculares, os cientistas pegam uma parte específica do sequenciamento genético do antígeno e comparam com a amostra do paciente. A técnica permite não apenas detectar a presença do SARS-CoV-2, como também diferenciá-lo de outras versões de coronavírus.
Arns acrescenta que, mesmo em caso de mutação do SARS-CoV-2, a técnica molecular permanece eficaz: "São pequenas mutações, que o organismo ainda não percebe a diferença. O teste molecular usa aquela parte do genoma do vírus conservada, que não muta".
A professora também explica que os testes sorológicos se baseiam na resposta imunológica. "Se uma pessoa tem contato com o vírus, o seu corpo irá produzir uma resposta imunológica que pode ser medida por diferentes ferramentas", pontua Arns. Estudar a presença e quantidade dos anticorpos permite não apenas determinar se o organismo foi infectado pelo novo coronavírus, como também as características do contágio.
A pesquisadora afirma ainda que tanto os testes moleculares quanto os sorológicos são específicos para o antígeno estudado. Ou seja: "quando um teste é específico para SARS-CoV,-2 ele só vai identificar SARS-CoV-2", afirma Arns. Portanto, não é possível que os exames para diagnosticar covid-19 detectem "pequenos vírus inofensivos ou detritos celulares que naturalmente fazem parte da nossa microbiota", como defende o vídeo.
Simas destaca que cada Estado faz suas próprias análises para atestar a eficácia dos exames: "Vale ressaltar que os testes são validados considerando critérios rigorosos exigidos pela legislação sanitária de cada país e que somente são aprovados aqueles que realmente são sensíveis e específicos".
Em resumo: os testes para diagnosticar a covid-19 não detectam o vírus em si, mas parte do seu material genético ou anticorpos produzidos pelo organismo em resposta a presença do antígeno. As características dos exames são específicas para SARS-CoV-2. Ou seja, o material genético ou os anticorpos identificados pelos exames são, necessariamente, relacionados ao novo coronavírus e não podem identificar a presença de outros invasores.
O Comprova também consultou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre os tipos de testes para diagnosticar a covid-19. Leia na íntegra a explicação do órgão.
Propagadores do vídeo
O vídeo foi publicado em 29 de agosto no Instagram pelo perfil @verdadeforadamidia. O conteúdo foi dublado por uma mulher por cima do áudio em italiano e traz legendas em português.
Enviamos uma mensagem em 2 de setembro informando que a gravação estava sendo verificada pelo Comprova. Também questionamos qual era a fonte do material e se os responsáveis pelo perfil tinham atestado a veracidade das informações antes de compartilhá-lo. Em menos de 24 horas, a conta bloqueou o perfil que enviou as mensagens, sem retornar o contato da equipe.
O mesmo vídeo, com a marca do @verdadeforadamídia, foi publicado por um canal do YouTube em 1º de setembro. A publicação foi removida da plataforma no dia seguinte por ferir os termos de serviço do site.
Encontramos o contato do proprietário do canal no Facebook e enviamos uma mensagem no dia 2 de setembro. Até o momento da publicação deste texto, não houve resposta.
Por que investigamos?
A terceira fase do Comprova verifica publicações suspeitas sobre as políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia de covid-19 que tenham tido grande viralização nas redes sociais. É o caso desse vídeo, que teve mais de 75 mil visualizações no YouTube e no Instagram. Diversos leitores do Comprova também receberam o vídeo pelo WhatsApp e sugeriram a verificação.
Quando a publicação trata de medicações ou de vacinas contra a covid-19, a checagem é ainda mais importante. Informações equivocadas sobre esses temas pode colocar as pessoas em risco por estimulá-las a evitar tomar alguma medida de proteção contra o novo coronavírus. Uma nota técnica da Sociedade Brasileira de Imunologia afirma que a existência de mais de uma vacina é mais do que bem-vinda, considerando todas as incertezas sobre a disponibilidade de vacinas contra a covid-19 e quanto ao tempo de duração da resposta imune a esses compostos, além da quantidade de pessoas no mundo que precisarão ser imunizadas.
As vacinas voltaram a ganhar destaque no debate nacional depois que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que não podia obrigar ninguém a tomar a vacina, o que é enganoso. A fala foi reproduzida, em seguida, pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Desde o início da pandemia, o SARS-CoV-2 já levou a morte de 123,7 mil pessoas no Brasil e infectou ao menos 3,9 milhões de brasileiros. O Comprova já mostrou ser falso que a vacina contra a covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA e que ela tenha um microchip para rastrear a população.
O site italiano Facta e os brasileiros Aos Fatos, Boatos.org, Lupa e Fato ou Fake checaram o mesmo conteúdo e concluíram que ele é falso.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.