Viralizou nas redes sociais um vídeo no qual uma entrevistadora do instituto de pesquisas eleitorais Quaest supostamente diz qual seria seu voto nas eleições de 2022. Segundo a Quaest, a mulher foi demitida e as entrevistas, refeitas. O episódio, no entanto, motivou o compartilhamento nas redes sociais de boatos antigos sobre levantamentos de intenção de voto -- como o de que as pesquisas nunca se aproximam do resultado das eleições e o de que entrevistadores descartam a opinião de eleitores de direita.
No vídeo em questão, um homem interpela uma mulher e mostra o crachá dela, de entrevistadora da Quaest. Ela afirma que tem "liberdade de expressar" em quem vai votar, sem dizer qual seu candidato. O homem que grava o vídeo diz que, como pesquisadora, ela deveria ser imparcial. A mulher então responde que não estava fazendo entrevistas; o autor da gravação a acusa de não registrar respostas a favor do presidente Jair Bolsonaro (PL) na pesquisa para distorcer o resultado a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em nota, a Quaest confirmou que a mulher de fato era pesquisadora do instituto. A empresa disse que a entrevistadora foi gravada "fazendo afirmações que não estão de acordo com as normas de isenção e neutralidade que norteiam" suas pesquisas. As cinco entrevistas feitas pela mulher foram descartadas e refeitas no dia seguinte, segundo o instituto. A Quaest também encorajou denúncias de comportamentos semelhantes por meio de sua ouvidoria.
Um youtuber com mais de 832 mil inscritos publicou um segundo vídeo sobre o ocorrido. Além de mostrar a gravação da ex-pesquisadora da Quaest, ele cita conteúdos enganosos antigos sobre pesquisas eleitorais. Por exemplo, diz que entrevistadores já foram flagrados "fazendo pesquisa em porta de presídio" e se "recusando a continuar o questionário" quando o entrevistado "diz ser apoiador da direita ou de Bolsonaro".
Confira abaixo a checagem das alegações feitas pelo youtuber:
Quaest demitiu pesquisadora e refez entrevistas
O que diz o youtuber: que a entrevistadora da Quaest começou uma entrevista com um homem em Minas Gerais, mas se recusou a continuar quando ele se disse eleitor de Bolsonaro e passou a falar de Lula.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o vídeo é verídico, segundo o instituto Quaest. A entrevistadora foi desligada do quadro de funcionários e as cinco pesquisas que ela havia feito foram descartadas.
O vídeo foi gravado em Nova Porteirinha (MG) em 1º de abril. Nele, o autor do vídeo opina que a mulher deveria ser imparcial e sugere que ela é eleitora do ex-presidente Lula: "Petista não sabe o que é isso." No entanto, ela não declara seu voto em nenhum momento do vídeo.
Além disso, o homem que está gravando pergunta se ela estava conduzindo uma entrevista com outro homem que aparece em seguida e se ela teria encerrado o processo ao ouvir que ele era eleitor de Bolsonaro. Ela nega que tivesse começado a entrevista e justifica que já havia feito "a idade dele" - os institutos pedem uma quantidade específica de entrevistados de cada gênero e idade para representar as estatísticas populacionais de toda a população. O homem então responde: "Não entrevistou, mas tentou colocar na cabeça dele..."
Pesquisas se aproximam do resultado das eleições
O que diz o youtuber: que os resultados das pesquisas eleitorais "nunca chegaram próximas do resultado final de uma campanha".
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. As pesquisas de intenção de votos chegaram perto do resultado das urnas nas últimas eleições.
Em 2018, o Ibope divulgou uma pesquisa (registro BR-01537/2018) na véspera do primeiro turno que apontava o favoritismo de Bolsonaro, com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O instituto apontava que o candidato teria 41% dos votos válidos; Fernando Haddad, 25%; Ciro Gomes, 13%; e Geraldo Alckmin, 8%. Já o instituto Datafolha apontava (com margem de erro de dois pontos percentuais) 40% dos votos válidos para Bolsonaro; Haddad, 25%; Ciro Gomes, 15%; e Alckmin, 8%. Depois de fechadas as urnas do primeiro turno, Bolsonaro teve 46% dos votos válidos; Fernando Haddad, 29%; Ciro Gomes, 12%; e Geraldo Alckmin, 4%.
No segundo turno, a última pesquisa divulgada pelo Ibope apontava Bolsonaro com 54% de intenções de voto e Haddad, 46%. O Datafolha mostrava 55% para Bolsonaro e 45% para Haddad. Após a contagem final, Bolsonaro teve 55% dos votos válidos e Haddad 44%.
Em 2014, o Ibope (pesquisa nº BR-01021/2014) contabilizava, às vésperas da eleição, com margem de erro de dois pontos percentuais, Dilma com 46% dos votos válidos; Aécio Neves, 27%; e Marina Silva, 24%. Já o Datafolha (pesquisa nº BR-01037/2014) apontava, com a mesma margem de erro, Dilma com 44% dos votos válidos; Aécio Neves, 26%; e Marina Silva, 24%. Com a contagem dos votos, Dilma ficou com 41,59% dos votos válidos; Aécio Neves, 33,55%; e Marina Silva, 21,32%.
No segundo turno, o Ibope (pesquisa nº BR-01195/2014) apontava, com margem de erro de dois pontos percentuais, Dilma com 53% dos votos válidos e Aécio com 47%. O Datafolha, por sua vez, mostrava (pesquisa nº BR-01210/2014), com a mesma margem de erro, Dilma com 52% e Aécio Neves com 48%. Após a contagem, Dilma teve 51,64% dos votos válidos e Aécio Neves, 48,36%.
Toda pesquisa eleitoral em ano de eleição deve ser registrada no Tribunal Superior Eleitoral. Você pode conferir todos os levantamentos clicando aqui.
Datafolha não encontrou irregularidades em vídeo de 'porta de presídio'
O que diz o youtuber: que uma entrevistadora do Ibope teria sido filmada, em 2018, conduzindo uma pesquisa na porta de um presídio e que isso provaria que a entrevista foi fraudada.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem, em 2018, na qual confirmava a veracidade do vídeo -- que teria ocorrido com uma entrevistadora do Datafolha. No entanto, o instituto negou que tivesse havido irregularidades na conduta da profissional.
As imagens foram gravadas durante uma pesquisa eleitoral em Corumbaíba (GO). Na filmagem, é possível ouvir a entrevistadora informar que não sabia que estava em frente a um presídio e que abordou uma mulher que passava pelo local. Segundo o jornal, o presídio de Corumbaíba fica em uma avenida com "supermercados, igrejas, agências bancárias e um hospital", o que garante grande movimentação de pessoas. Este é o tipo de local sugerido pelos institutos de pesquisas para que seus entrevistadores abordem transeuntes.
Ao jornal, o Datafolha negou irregularidades na conduta da mulher. E disse que orienta seus entrevistadores a não permitirem filmagens das entrevistas.
Não há registros de descarte de entrevistas de apoiadores de Bolsonaro
O que diz o youtuber: que entrevistadores de institutos de pesquisa já foram filmados se recusando a continuar uma entrevista quando o entrevistado diz ser apoiador da direita ou de Jair Bolsonaro.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Em 2018 circularam dois vídeos, desmentidos pela Folha e pela Lupa, no qual homens afirmam que os entrevistadores se recusaram a ouvi-los para a pesquisa. Eles alegam que o motivo para isso seria o fato de eles serem eleitores do presidente Jair Bolsonaro.
O instituto Datafolha disse à Lupa que os entrevistadores possuem uma cota de sexo e idade do eleitorado para cumprir. Isso é feito para melhor representar as estatísticas da população em geral. Por isso, uma pessoa pode não ser ouvida para a pesquisa se não se encaixar no perfil que o entrevistado procura.
Além disso, o instituto ainda reforçou que os pesquisadores não podem entrevistar pessoas que se ofereçam para participar da pesquisa. Isso serve para evitar vieses e desvios no resultado final. O procedimento correto é escolher pessoas de forma aleatória na rua.
O youtuber ainda disse que uma entrevistadora de um instituto de pesquisas já foi filmada respondendo por conta própria um questionário e que isso provaria uma fraude. O Estadão Verifica não conseguiu identificar o conteúdo a que ele se refere.
Quem é o autor do vídeo
O youtuber Gustavo Gayer publicou o vídeo sobre pesquisas eleitorais em 3 de abril e obteve 236 mil visualizações desde então. O Estadão Verifica procurou ele por e-mail, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem.