Pressão pelo voto impresso impulsionou desinformação sobre eleições


Apesar de 2021 não ser ano de campanhas políticas, checagens do ‘Estadão Verifica’ sobre temas relacionados às urnas estão entre as mais frequentes

Por Pedro Prata e Samuel Lima

Nesta terça-feira, 10, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretendia instaurar um registro impresso do voto. Impulsionado principalmente pelo presidente Jair Bolsonaro, o debate sobre o tema gerou um cenário de desinformação sobre temas eleitorais incomum para um ano que os brasileiros não comparecerão às urnas. 

O Estadão Verifica e o projeto Comprova já publicaram, nos primeiros oito meses deste ano, 21 verificações de temas relacionados ao processo eleitoral  -  isso equivale a 75% do total de 2020, ano em que milhares de candidatos a prefeito fizeram campanha.

A comparação desconsidera as verificações de alegações sobre candidatos e debates feitas no ano passado, tendo em vista que neste ano não há pessoas concorrendo a cargos eletivos. Os conteúdos checados em 2021 espalhavam desinformação principalmente sobre urnas eletrônicas (12), voto impresso (4), pesquisas eleitorais (3) e a integridade de eleições anteriores (2).

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Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou 'PEC do voto impresso' e urnas devem seguir no mesmo formato nas eleições de 2022. Foto: Antonio Augusto/TSE

Uma dessas postagens tirava de contexto uma reportagem jornalística para dizer que urnas brasileiras teriam sido hackeadas em um evento nos Estados Unidos em menos de duas horas. É mentira: o evento não contou com nenhum equipamento utilizado por aqui.

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Outra postagem afirmava que o voto impresso já estaria previsto na legislação  desde 2002. De fato, o Congresso aprovou a impressão do registro de voto naquele ano, mas a medida foi revogada no ano seguinte. O Congresso foi instado a tomar essa iniciativa depois que um teste com o voto impresso mostrou falhas e colocou o sigilo do voto em risco, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Desinformação acompanha a política

Maio e julho foram os meses que concentraram o maior número de conteúdos enganosos checados pelo Estadão Verifica, com cinco e onze publicações em cada, respectivamente. Estes foram os meses em que uma comissão especial foi instaurada na Câmara para analisar o tema e quando o relatório pronto aguardava votação, respectivamente, o que acabou sendo adiado para depois do recesso em razão de uma manobra dos deputados governistas.

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Além disso, a polarização política cresceu nesse período. Em maio, Bolsonaro comentou uma pesquisa de intenção de voto segundo a qual ele perderia no segundo turno para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT). "Esse canalha, pela fraude, ganha as eleições do ano que vem", disse o presidente em um ato em sua defesa, citando ainda o fato de Lula ter se tornado elegível um mês antes com uma decisão favorável do plenário do STF.

No mês de junho, Bolsonaro sofreu um revés quando líderes de 11 partidos -- inclusive de siglas aliadas -- anunciaram ser contra a impressão do registro do voto. A articulação teria recebido apoio dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Diante dessa nova postura, ele atacou os ministros e questionou a integridade das eleições, dizendo que o STF "tirou Lula da cadeia" para elegê-lo "na fraude".

O momento de maior tensão se deu no fim de julho e começo de agosto. Prometendo mostrar provas de fraudes cometidas em pleitos anteriores, o presidente repetiu parte dos boatos e vídeos enganosos numa live, em 29 de julho, transmitida ao vivo pela TV Brasil. Grande parte das alegações falsas já haviam sido checadas pelo Estadão Verifica

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Bolsonaro acabou sendo incluído no inquérito das fake news por causa da live, a pedido do TSE. Também foi alvo de um pedido da oposição para ser investigado por improbidade administrativa, propaganda política antecipada e crime eleitoral pelo uso da emissora pública.

Ministros rejeitaram tese defendida por Edson Fachin. Foto: Dida Sampaio/Estadão
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Aliados são principais influenciadores

Nas redes, a pauta é extensamente associada ao presidente Jair Bolsonaro e a políticos aliados do governo. As pesquisas relacionadas ao voto impresso no Google trazem no topo referências diretas ao político e aos acontecimentos de Brasília. Isso sugere que as pessoas que procuram informações sobre o assunto geralmente o fazem por influência de declarações de Bolsonaro e de figuras do Congresso.

Além disso, o debate público é influenciado diretamente por aquilo que é postado pelos políticos em suas redes. Entre as 20 postagens recentes sobre voto impresso com maior engajamento no Facebook, quatro foram do perfil oficial do presidente -- incluindo a de maior viralização. Juntos, os conteúdos divulgados por Bolsonaro somaram 184 mil compartilhamentos.

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Esses dados foram obtidos por meio da plataforma de monitoramento de redes sociais CrowdTangle, oferecida gratuitamente pelo Facebook a jornalistas, pesquisadores e outras organizações. A ferramenta acompanha grupos e contas públicas influentes no Facebook, no Instagram e no Reddit e permite buscas por palavras-chave.

Além de Bolsonaro, outras cinco postagens foram da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), duas do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), uma da deputada Bia Kicis (PSL-DF) e três de outros políticos aliados, como o ex-senador Magno Malta. Ainda entram na lista uma peça de um youtuber e duas de uma página bolsonarista. Apenas duas publicações são de autoria de opositores da ideia: o ex-presidente Lula (PT) e o deputado André Janones (Avante-MG).

Esses dados refletem a adoção da pauta pelos aliados do presidente, embora ela  também tenha simpatizantes fora do grupo, como Aécio Neves (PSDB-MG). O relator da comissão foi Filipe Barros (PSL-PR) e o presidente, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), ambos da sua base. Já Bia Kicis, atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, é autora da "PEC do voto impresso".

A consulta ao CrowdTangle tem como base 543 mil posts de usuários, páginas e grupos públicos no Facebook, publicados nos últimos 12 meses. O resultado se refere a todas as postagens com o termo "voto impresso", o que não significa que sejam falsas ou enganosas. Assim como na procura pelo Google, a maior quantidade de postagens se concentra entre os meses de maio e julho deste ano.

Por outro lado, há casos de amplificação da desinformação por parte dos agentes públicos, a exemplo do próprio presidente. Em julho, Bolsonaro publicou um vídeo enganoso em suas redes em que são comentados os resultados de uma auditoria do PSDB sobre as eleições de 2014. O relatório em questão foi concluído em 2015 e não encontrou nenhuma fraude no processo, ainda que defenda mudanças no sistema.

Ele ainda publicou uma reportagem antiga da TV Band, exibida em 2008, em que uma dupla contratada por uma coligação derrotada para a prefeitura de Caxias, no Maranhão, contesta a legitimidade do resultado. A Polícia Federal descartou as suspeitas depois que um laudo técnico concluiu que não houve violação das urnas, nem adulteração nos programas ou manipulação de votos na cidade. 

Procura no Google é a maior em cinco anos

Dados indicam que o assunto "voto impresso" começou a ganhar força nas redes durante as eleições de 2018, quando aumentou a quantidade de buscas pelo termo na internet. É o que mostra o Google Trends -- uma ferramenta que mede o interesse do público sobre determinadas palavras na plataforma.

Na campanha de 2018, Bolsonaro falou em diversas oportunidades que acreditava que a eleição estava sob risco por conta do sistema eletrônico. Após os resultados do primeiro turno, em que liderou os votos válidos, mas não o suficiente para liquidar a eleição, alegou ter sido vítima de fraude e lamentou a ausência do voto impresso no Brasil. Ele jamais apresentou provas disso.

Alguns conteúdos enganosos ou falsos que viralizaram este ano são oriundos daquela época. É o caso, por exemplo, de um vídeo no qual Naomi Yamaguchi, então candidata a deputada federal pelo PSL, comenta alegações de fraude na eleição de 2014. Apesar dos argumentos apresentados não possuírem embasamento, foram repetidos pelo presidente a um grupo de apoiadores em frente ao Palácio do Planalto.

Outros boatos recorrentes nesse período foram vídeos de pessoas acusando as urnas eletrônicas de anularem votos indevidamente. Na realidade, os eleitores estavam errando a ordem da votação e tentando digitar "17" -- o número do PSL de Bolsonaro -- no momento de votar para governador. Como não havia candidato do partido em alguns Estados naquele ano, como Pará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, a tela informava corretamente que o voto seria contabilizado como nulo.

Desmentidos pela imprensa, esses conteúdos persistem até hoje. O Estadão checou recentemente uma corrente falsa do WhatsApp alegando que as urnas eletrônicas teriam sido responsáveis pela anulação de 7,2 milhões de votos no primeiro turno da eleição presidencial de 2018. Foram os próprios eleitores que anularam esses votos, de forma intencional ou não, ao digitar um número que não correspondia a nenhum candidato.

Com o fim do pleito, o Google Trends aponta que o tema do "voto impresso" ficou praticamente esquecido do público geral nas ferramentas de busca na internet até as eleições municipais de 2020, quando uma nova onda de desinformação surgiu nas redes, tendo as urnas eletrônicas como alvo principal.

Nos meses seguintes, a popularidade do assunto ficou estável, em patamares relativamente baixos. O interesse aumenta a partir de março de 2021 e dispara nos meses de maio e, novamente, no final de junho. O pico de buscas ocorreu justamente nas últimas duas semanas, com quase o dobro do nível de interesse máximo registrado antes das eleições de 2018. 

E essa mesma tendência pode ser observada quanto ao volume de postagens em plataformas como o Facebook, segundo o CrowdTangle. Neste ano, até o final de março, o número de posts sobre o "voto impresso" não passou de 6,2 mil por semana. No final de julho, essa quantidade subiu para 46,4 mil -- com mais de 5,8 milhões de interações apenas nessa rede social (a métrica soma curtidas, reações, comentários e compartilhamentos).

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro protestam contra ministros do TSE. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Uma análise da consultoria Bites indica ainda que a rede bolsonarista intensificou a estratégia de atacar o STF e, principalmente, o ministro Luís Roberto Barroso -- que preside o TSE atualmente e costuma rebater publicamente afirmações de Bolsonaro sobre supostas irregularidades no sistema de voto eletrônico. Outro alvo frequente na internet é o ministro Alexandre de Moraes, que foi o responsável por incluir o presidente na lista de investigados no inquérito das fake news.

O Estadão Verifica desmentiu um vídeo que circula nas redes sociais e afirma que Barroso seria favorável ao voto impresso, mas teria mudado de opinião após a eleição de Jair Bolsonaro. Esse conteúdo sugere uma conspiração contra o presidente, mas a verdade é que desde 2017 o ministro já chamava a medida de "retrocesso". Ele reiterou esse posicionamento em outras ocasiões após o governo Bolsonaro.

Nesta terça-feira, 10, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretendia instaurar um registro impresso do voto. Impulsionado principalmente pelo presidente Jair Bolsonaro, o debate sobre o tema gerou um cenário de desinformação sobre temas eleitorais incomum para um ano que os brasileiros não comparecerão às urnas. 

O Estadão Verifica e o projeto Comprova já publicaram, nos primeiros oito meses deste ano, 21 verificações de temas relacionados ao processo eleitoral  -  isso equivale a 75% do total de 2020, ano em que milhares de candidatos a prefeito fizeram campanha.

A comparação desconsidera as verificações de alegações sobre candidatos e debates feitas no ano passado, tendo em vista que neste ano não há pessoas concorrendo a cargos eletivos. Os conteúdos checados em 2021 espalhavam desinformação principalmente sobre urnas eletrônicas (12), voto impresso (4), pesquisas eleitorais (3) e a integridade de eleições anteriores (2).

Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou 'PEC do voto impresso' e urnas devem seguir no mesmo formato nas eleições de 2022. Foto: Antonio Augusto/TSE

Uma dessas postagens tirava de contexto uma reportagem jornalística para dizer que urnas brasileiras teriam sido hackeadas em um evento nos Estados Unidos em menos de duas horas. É mentira: o evento não contou com nenhum equipamento utilizado por aqui.

Outra postagem afirmava que o voto impresso já estaria previsto na legislação  desde 2002. De fato, o Congresso aprovou a impressão do registro de voto naquele ano, mas a medida foi revogada no ano seguinte. O Congresso foi instado a tomar essa iniciativa depois que um teste com o voto impresso mostrou falhas e colocou o sigilo do voto em risco, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Desinformação acompanha a política

Maio e julho foram os meses que concentraram o maior número de conteúdos enganosos checados pelo Estadão Verifica, com cinco e onze publicações em cada, respectivamente. Estes foram os meses em que uma comissão especial foi instaurada na Câmara para analisar o tema e quando o relatório pronto aguardava votação, respectivamente, o que acabou sendo adiado para depois do recesso em razão de uma manobra dos deputados governistas.

Além disso, a polarização política cresceu nesse período. Em maio, Bolsonaro comentou uma pesquisa de intenção de voto segundo a qual ele perderia no segundo turno para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT). "Esse canalha, pela fraude, ganha as eleições do ano que vem", disse o presidente em um ato em sua defesa, citando ainda o fato de Lula ter se tornado elegível um mês antes com uma decisão favorável do plenário do STF.

No mês de junho, Bolsonaro sofreu um revés quando líderes de 11 partidos -- inclusive de siglas aliadas -- anunciaram ser contra a impressão do registro do voto. A articulação teria recebido apoio dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Diante dessa nova postura, ele atacou os ministros e questionou a integridade das eleições, dizendo que o STF "tirou Lula da cadeia" para elegê-lo "na fraude".

O momento de maior tensão se deu no fim de julho e começo de agosto. Prometendo mostrar provas de fraudes cometidas em pleitos anteriores, o presidente repetiu parte dos boatos e vídeos enganosos numa live, em 29 de julho, transmitida ao vivo pela TV Brasil. Grande parte das alegações falsas já haviam sido checadas pelo Estadão Verifica

Bolsonaro acabou sendo incluído no inquérito das fake news por causa da live, a pedido do TSE. Também foi alvo de um pedido da oposição para ser investigado por improbidade administrativa, propaganda política antecipada e crime eleitoral pelo uso da emissora pública.

Ministros rejeitaram tese defendida por Edson Fachin. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Aliados são principais influenciadores

Nas redes, a pauta é extensamente associada ao presidente Jair Bolsonaro e a políticos aliados do governo. As pesquisas relacionadas ao voto impresso no Google trazem no topo referências diretas ao político e aos acontecimentos de Brasília. Isso sugere que as pessoas que procuram informações sobre o assunto geralmente o fazem por influência de declarações de Bolsonaro e de figuras do Congresso.

Além disso, o debate público é influenciado diretamente por aquilo que é postado pelos políticos em suas redes. Entre as 20 postagens recentes sobre voto impresso com maior engajamento no Facebook, quatro foram do perfil oficial do presidente -- incluindo a de maior viralização. Juntos, os conteúdos divulgados por Bolsonaro somaram 184 mil compartilhamentos.

Esses dados foram obtidos por meio da plataforma de monitoramento de redes sociais CrowdTangle, oferecida gratuitamente pelo Facebook a jornalistas, pesquisadores e outras organizações. A ferramenta acompanha grupos e contas públicas influentes no Facebook, no Instagram e no Reddit e permite buscas por palavras-chave.

Além de Bolsonaro, outras cinco postagens foram da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), duas do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), uma da deputada Bia Kicis (PSL-DF) e três de outros políticos aliados, como o ex-senador Magno Malta. Ainda entram na lista uma peça de um youtuber e duas de uma página bolsonarista. Apenas duas publicações são de autoria de opositores da ideia: o ex-presidente Lula (PT) e o deputado André Janones (Avante-MG).

Esses dados refletem a adoção da pauta pelos aliados do presidente, embora ela  também tenha simpatizantes fora do grupo, como Aécio Neves (PSDB-MG). O relator da comissão foi Filipe Barros (PSL-PR) e o presidente, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), ambos da sua base. Já Bia Kicis, atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, é autora da "PEC do voto impresso".

A consulta ao CrowdTangle tem como base 543 mil posts de usuários, páginas e grupos públicos no Facebook, publicados nos últimos 12 meses. O resultado se refere a todas as postagens com o termo "voto impresso", o que não significa que sejam falsas ou enganosas. Assim como na procura pelo Google, a maior quantidade de postagens se concentra entre os meses de maio e julho deste ano.

Por outro lado, há casos de amplificação da desinformação por parte dos agentes públicos, a exemplo do próprio presidente. Em julho, Bolsonaro publicou um vídeo enganoso em suas redes em que são comentados os resultados de uma auditoria do PSDB sobre as eleições de 2014. O relatório em questão foi concluído em 2015 e não encontrou nenhuma fraude no processo, ainda que defenda mudanças no sistema.

Ele ainda publicou uma reportagem antiga da TV Band, exibida em 2008, em que uma dupla contratada por uma coligação derrotada para a prefeitura de Caxias, no Maranhão, contesta a legitimidade do resultado. A Polícia Federal descartou as suspeitas depois que um laudo técnico concluiu que não houve violação das urnas, nem adulteração nos programas ou manipulação de votos na cidade. 

Procura no Google é a maior em cinco anos

Dados indicam que o assunto "voto impresso" começou a ganhar força nas redes durante as eleições de 2018, quando aumentou a quantidade de buscas pelo termo na internet. É o que mostra o Google Trends -- uma ferramenta que mede o interesse do público sobre determinadas palavras na plataforma.

Na campanha de 2018, Bolsonaro falou em diversas oportunidades que acreditava que a eleição estava sob risco por conta do sistema eletrônico. Após os resultados do primeiro turno, em que liderou os votos válidos, mas não o suficiente para liquidar a eleição, alegou ter sido vítima de fraude e lamentou a ausência do voto impresso no Brasil. Ele jamais apresentou provas disso.

Alguns conteúdos enganosos ou falsos que viralizaram este ano são oriundos daquela época. É o caso, por exemplo, de um vídeo no qual Naomi Yamaguchi, então candidata a deputada federal pelo PSL, comenta alegações de fraude na eleição de 2014. Apesar dos argumentos apresentados não possuírem embasamento, foram repetidos pelo presidente a um grupo de apoiadores em frente ao Palácio do Planalto.

Outros boatos recorrentes nesse período foram vídeos de pessoas acusando as urnas eletrônicas de anularem votos indevidamente. Na realidade, os eleitores estavam errando a ordem da votação e tentando digitar "17" -- o número do PSL de Bolsonaro -- no momento de votar para governador. Como não havia candidato do partido em alguns Estados naquele ano, como Pará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, a tela informava corretamente que o voto seria contabilizado como nulo.

Desmentidos pela imprensa, esses conteúdos persistem até hoje. O Estadão checou recentemente uma corrente falsa do WhatsApp alegando que as urnas eletrônicas teriam sido responsáveis pela anulação de 7,2 milhões de votos no primeiro turno da eleição presidencial de 2018. Foram os próprios eleitores que anularam esses votos, de forma intencional ou não, ao digitar um número que não correspondia a nenhum candidato.

Com o fim do pleito, o Google Trends aponta que o tema do "voto impresso" ficou praticamente esquecido do público geral nas ferramentas de busca na internet até as eleições municipais de 2020, quando uma nova onda de desinformação surgiu nas redes, tendo as urnas eletrônicas como alvo principal.

Nos meses seguintes, a popularidade do assunto ficou estável, em patamares relativamente baixos. O interesse aumenta a partir de março de 2021 e dispara nos meses de maio e, novamente, no final de junho. O pico de buscas ocorreu justamente nas últimas duas semanas, com quase o dobro do nível de interesse máximo registrado antes das eleições de 2018. 

E essa mesma tendência pode ser observada quanto ao volume de postagens em plataformas como o Facebook, segundo o CrowdTangle. Neste ano, até o final de março, o número de posts sobre o "voto impresso" não passou de 6,2 mil por semana. No final de julho, essa quantidade subiu para 46,4 mil -- com mais de 5,8 milhões de interações apenas nessa rede social (a métrica soma curtidas, reações, comentários e compartilhamentos).

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro protestam contra ministros do TSE. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Uma análise da consultoria Bites indica ainda que a rede bolsonarista intensificou a estratégia de atacar o STF e, principalmente, o ministro Luís Roberto Barroso -- que preside o TSE atualmente e costuma rebater publicamente afirmações de Bolsonaro sobre supostas irregularidades no sistema de voto eletrônico. Outro alvo frequente na internet é o ministro Alexandre de Moraes, que foi o responsável por incluir o presidente na lista de investigados no inquérito das fake news.

O Estadão Verifica desmentiu um vídeo que circula nas redes sociais e afirma que Barroso seria favorável ao voto impresso, mas teria mudado de opinião após a eleição de Jair Bolsonaro. Esse conteúdo sugere uma conspiração contra o presidente, mas a verdade é que desde 2017 o ministro já chamava a medida de "retrocesso". Ele reiterou esse posicionamento em outras ocasiões após o governo Bolsonaro.

Nesta terça-feira, 10, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretendia instaurar um registro impresso do voto. Impulsionado principalmente pelo presidente Jair Bolsonaro, o debate sobre o tema gerou um cenário de desinformação sobre temas eleitorais incomum para um ano que os brasileiros não comparecerão às urnas. 

O Estadão Verifica e o projeto Comprova já publicaram, nos primeiros oito meses deste ano, 21 verificações de temas relacionados ao processo eleitoral  -  isso equivale a 75% do total de 2020, ano em que milhares de candidatos a prefeito fizeram campanha.

A comparação desconsidera as verificações de alegações sobre candidatos e debates feitas no ano passado, tendo em vista que neste ano não há pessoas concorrendo a cargos eletivos. Os conteúdos checados em 2021 espalhavam desinformação principalmente sobre urnas eletrônicas (12), voto impresso (4), pesquisas eleitorais (3) e a integridade de eleições anteriores (2).

Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou 'PEC do voto impresso' e urnas devem seguir no mesmo formato nas eleições de 2022. Foto: Antonio Augusto/TSE

Uma dessas postagens tirava de contexto uma reportagem jornalística para dizer que urnas brasileiras teriam sido hackeadas em um evento nos Estados Unidos em menos de duas horas. É mentira: o evento não contou com nenhum equipamento utilizado por aqui.

Outra postagem afirmava que o voto impresso já estaria previsto na legislação  desde 2002. De fato, o Congresso aprovou a impressão do registro de voto naquele ano, mas a medida foi revogada no ano seguinte. O Congresso foi instado a tomar essa iniciativa depois que um teste com o voto impresso mostrou falhas e colocou o sigilo do voto em risco, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Desinformação acompanha a política

Maio e julho foram os meses que concentraram o maior número de conteúdos enganosos checados pelo Estadão Verifica, com cinco e onze publicações em cada, respectivamente. Estes foram os meses em que uma comissão especial foi instaurada na Câmara para analisar o tema e quando o relatório pronto aguardava votação, respectivamente, o que acabou sendo adiado para depois do recesso em razão de uma manobra dos deputados governistas.

Além disso, a polarização política cresceu nesse período. Em maio, Bolsonaro comentou uma pesquisa de intenção de voto segundo a qual ele perderia no segundo turno para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT). "Esse canalha, pela fraude, ganha as eleições do ano que vem", disse o presidente em um ato em sua defesa, citando ainda o fato de Lula ter se tornado elegível um mês antes com uma decisão favorável do plenário do STF.

No mês de junho, Bolsonaro sofreu um revés quando líderes de 11 partidos -- inclusive de siglas aliadas -- anunciaram ser contra a impressão do registro do voto. A articulação teria recebido apoio dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Diante dessa nova postura, ele atacou os ministros e questionou a integridade das eleições, dizendo que o STF "tirou Lula da cadeia" para elegê-lo "na fraude".

O momento de maior tensão se deu no fim de julho e começo de agosto. Prometendo mostrar provas de fraudes cometidas em pleitos anteriores, o presidente repetiu parte dos boatos e vídeos enganosos numa live, em 29 de julho, transmitida ao vivo pela TV Brasil. Grande parte das alegações falsas já haviam sido checadas pelo Estadão Verifica

Bolsonaro acabou sendo incluído no inquérito das fake news por causa da live, a pedido do TSE. Também foi alvo de um pedido da oposição para ser investigado por improbidade administrativa, propaganda política antecipada e crime eleitoral pelo uso da emissora pública.

Ministros rejeitaram tese defendida por Edson Fachin. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Aliados são principais influenciadores

Nas redes, a pauta é extensamente associada ao presidente Jair Bolsonaro e a políticos aliados do governo. As pesquisas relacionadas ao voto impresso no Google trazem no topo referências diretas ao político e aos acontecimentos de Brasília. Isso sugere que as pessoas que procuram informações sobre o assunto geralmente o fazem por influência de declarações de Bolsonaro e de figuras do Congresso.

Além disso, o debate público é influenciado diretamente por aquilo que é postado pelos políticos em suas redes. Entre as 20 postagens recentes sobre voto impresso com maior engajamento no Facebook, quatro foram do perfil oficial do presidente -- incluindo a de maior viralização. Juntos, os conteúdos divulgados por Bolsonaro somaram 184 mil compartilhamentos.

Esses dados foram obtidos por meio da plataforma de monitoramento de redes sociais CrowdTangle, oferecida gratuitamente pelo Facebook a jornalistas, pesquisadores e outras organizações. A ferramenta acompanha grupos e contas públicas influentes no Facebook, no Instagram e no Reddit e permite buscas por palavras-chave.

Além de Bolsonaro, outras cinco postagens foram da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), duas do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), uma da deputada Bia Kicis (PSL-DF) e três de outros políticos aliados, como o ex-senador Magno Malta. Ainda entram na lista uma peça de um youtuber e duas de uma página bolsonarista. Apenas duas publicações são de autoria de opositores da ideia: o ex-presidente Lula (PT) e o deputado André Janones (Avante-MG).

Esses dados refletem a adoção da pauta pelos aliados do presidente, embora ela  também tenha simpatizantes fora do grupo, como Aécio Neves (PSDB-MG). O relator da comissão foi Filipe Barros (PSL-PR) e o presidente, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), ambos da sua base. Já Bia Kicis, atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, é autora da "PEC do voto impresso".

A consulta ao CrowdTangle tem como base 543 mil posts de usuários, páginas e grupos públicos no Facebook, publicados nos últimos 12 meses. O resultado se refere a todas as postagens com o termo "voto impresso", o que não significa que sejam falsas ou enganosas. Assim como na procura pelo Google, a maior quantidade de postagens se concentra entre os meses de maio e julho deste ano.

Por outro lado, há casos de amplificação da desinformação por parte dos agentes públicos, a exemplo do próprio presidente. Em julho, Bolsonaro publicou um vídeo enganoso em suas redes em que são comentados os resultados de uma auditoria do PSDB sobre as eleições de 2014. O relatório em questão foi concluído em 2015 e não encontrou nenhuma fraude no processo, ainda que defenda mudanças no sistema.

Ele ainda publicou uma reportagem antiga da TV Band, exibida em 2008, em que uma dupla contratada por uma coligação derrotada para a prefeitura de Caxias, no Maranhão, contesta a legitimidade do resultado. A Polícia Federal descartou as suspeitas depois que um laudo técnico concluiu que não houve violação das urnas, nem adulteração nos programas ou manipulação de votos na cidade. 

Procura no Google é a maior em cinco anos

Dados indicam que o assunto "voto impresso" começou a ganhar força nas redes durante as eleições de 2018, quando aumentou a quantidade de buscas pelo termo na internet. É o que mostra o Google Trends -- uma ferramenta que mede o interesse do público sobre determinadas palavras na plataforma.

Na campanha de 2018, Bolsonaro falou em diversas oportunidades que acreditava que a eleição estava sob risco por conta do sistema eletrônico. Após os resultados do primeiro turno, em que liderou os votos válidos, mas não o suficiente para liquidar a eleição, alegou ter sido vítima de fraude e lamentou a ausência do voto impresso no Brasil. Ele jamais apresentou provas disso.

Alguns conteúdos enganosos ou falsos que viralizaram este ano são oriundos daquela época. É o caso, por exemplo, de um vídeo no qual Naomi Yamaguchi, então candidata a deputada federal pelo PSL, comenta alegações de fraude na eleição de 2014. Apesar dos argumentos apresentados não possuírem embasamento, foram repetidos pelo presidente a um grupo de apoiadores em frente ao Palácio do Planalto.

Outros boatos recorrentes nesse período foram vídeos de pessoas acusando as urnas eletrônicas de anularem votos indevidamente. Na realidade, os eleitores estavam errando a ordem da votação e tentando digitar "17" -- o número do PSL de Bolsonaro -- no momento de votar para governador. Como não havia candidato do partido em alguns Estados naquele ano, como Pará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, a tela informava corretamente que o voto seria contabilizado como nulo.

Desmentidos pela imprensa, esses conteúdos persistem até hoje. O Estadão checou recentemente uma corrente falsa do WhatsApp alegando que as urnas eletrônicas teriam sido responsáveis pela anulação de 7,2 milhões de votos no primeiro turno da eleição presidencial de 2018. Foram os próprios eleitores que anularam esses votos, de forma intencional ou não, ao digitar um número que não correspondia a nenhum candidato.

Com o fim do pleito, o Google Trends aponta que o tema do "voto impresso" ficou praticamente esquecido do público geral nas ferramentas de busca na internet até as eleições municipais de 2020, quando uma nova onda de desinformação surgiu nas redes, tendo as urnas eletrônicas como alvo principal.

Nos meses seguintes, a popularidade do assunto ficou estável, em patamares relativamente baixos. O interesse aumenta a partir de março de 2021 e dispara nos meses de maio e, novamente, no final de junho. O pico de buscas ocorreu justamente nas últimas duas semanas, com quase o dobro do nível de interesse máximo registrado antes das eleições de 2018. 

E essa mesma tendência pode ser observada quanto ao volume de postagens em plataformas como o Facebook, segundo o CrowdTangle. Neste ano, até o final de março, o número de posts sobre o "voto impresso" não passou de 6,2 mil por semana. No final de julho, essa quantidade subiu para 46,4 mil -- com mais de 5,8 milhões de interações apenas nessa rede social (a métrica soma curtidas, reações, comentários e compartilhamentos).

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro protestam contra ministros do TSE. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Uma análise da consultoria Bites indica ainda que a rede bolsonarista intensificou a estratégia de atacar o STF e, principalmente, o ministro Luís Roberto Barroso -- que preside o TSE atualmente e costuma rebater publicamente afirmações de Bolsonaro sobre supostas irregularidades no sistema de voto eletrônico. Outro alvo frequente na internet é o ministro Alexandre de Moraes, que foi o responsável por incluir o presidente na lista de investigados no inquérito das fake news.

O Estadão Verifica desmentiu um vídeo que circula nas redes sociais e afirma que Barroso seria favorável ao voto impresso, mas teria mudado de opinião após a eleição de Jair Bolsonaro. Esse conteúdo sugere uma conspiração contra o presidente, mas a verdade é que desde 2017 o ministro já chamava a medida de "retrocesso". Ele reiterou esse posicionamento em outras ocasiões após o governo Bolsonaro.

Nesta terça-feira, 10, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretendia instaurar um registro impresso do voto. Impulsionado principalmente pelo presidente Jair Bolsonaro, o debate sobre o tema gerou um cenário de desinformação sobre temas eleitorais incomum para um ano que os brasileiros não comparecerão às urnas. 

O Estadão Verifica e o projeto Comprova já publicaram, nos primeiros oito meses deste ano, 21 verificações de temas relacionados ao processo eleitoral  -  isso equivale a 75% do total de 2020, ano em que milhares de candidatos a prefeito fizeram campanha.

A comparação desconsidera as verificações de alegações sobre candidatos e debates feitas no ano passado, tendo em vista que neste ano não há pessoas concorrendo a cargos eletivos. Os conteúdos checados em 2021 espalhavam desinformação principalmente sobre urnas eletrônicas (12), voto impresso (4), pesquisas eleitorais (3) e a integridade de eleições anteriores (2).

Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou 'PEC do voto impresso' e urnas devem seguir no mesmo formato nas eleições de 2022. Foto: Antonio Augusto/TSE

Uma dessas postagens tirava de contexto uma reportagem jornalística para dizer que urnas brasileiras teriam sido hackeadas em um evento nos Estados Unidos em menos de duas horas. É mentira: o evento não contou com nenhum equipamento utilizado por aqui.

Outra postagem afirmava que o voto impresso já estaria previsto na legislação  desde 2002. De fato, o Congresso aprovou a impressão do registro de voto naquele ano, mas a medida foi revogada no ano seguinte. O Congresso foi instado a tomar essa iniciativa depois que um teste com o voto impresso mostrou falhas e colocou o sigilo do voto em risco, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Desinformação acompanha a política

Maio e julho foram os meses que concentraram o maior número de conteúdos enganosos checados pelo Estadão Verifica, com cinco e onze publicações em cada, respectivamente. Estes foram os meses em que uma comissão especial foi instaurada na Câmara para analisar o tema e quando o relatório pronto aguardava votação, respectivamente, o que acabou sendo adiado para depois do recesso em razão de uma manobra dos deputados governistas.

Além disso, a polarização política cresceu nesse período. Em maio, Bolsonaro comentou uma pesquisa de intenção de voto segundo a qual ele perderia no segundo turno para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT). "Esse canalha, pela fraude, ganha as eleições do ano que vem", disse o presidente em um ato em sua defesa, citando ainda o fato de Lula ter se tornado elegível um mês antes com uma decisão favorável do plenário do STF.

No mês de junho, Bolsonaro sofreu um revés quando líderes de 11 partidos -- inclusive de siglas aliadas -- anunciaram ser contra a impressão do registro do voto. A articulação teria recebido apoio dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Diante dessa nova postura, ele atacou os ministros e questionou a integridade das eleições, dizendo que o STF "tirou Lula da cadeia" para elegê-lo "na fraude".

O momento de maior tensão se deu no fim de julho e começo de agosto. Prometendo mostrar provas de fraudes cometidas em pleitos anteriores, o presidente repetiu parte dos boatos e vídeos enganosos numa live, em 29 de julho, transmitida ao vivo pela TV Brasil. Grande parte das alegações falsas já haviam sido checadas pelo Estadão Verifica

Bolsonaro acabou sendo incluído no inquérito das fake news por causa da live, a pedido do TSE. Também foi alvo de um pedido da oposição para ser investigado por improbidade administrativa, propaganda política antecipada e crime eleitoral pelo uso da emissora pública.

Ministros rejeitaram tese defendida por Edson Fachin. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Aliados são principais influenciadores

Nas redes, a pauta é extensamente associada ao presidente Jair Bolsonaro e a políticos aliados do governo. As pesquisas relacionadas ao voto impresso no Google trazem no topo referências diretas ao político e aos acontecimentos de Brasília. Isso sugere que as pessoas que procuram informações sobre o assunto geralmente o fazem por influência de declarações de Bolsonaro e de figuras do Congresso.

Além disso, o debate público é influenciado diretamente por aquilo que é postado pelos políticos em suas redes. Entre as 20 postagens recentes sobre voto impresso com maior engajamento no Facebook, quatro foram do perfil oficial do presidente -- incluindo a de maior viralização. Juntos, os conteúdos divulgados por Bolsonaro somaram 184 mil compartilhamentos.

Esses dados foram obtidos por meio da plataforma de monitoramento de redes sociais CrowdTangle, oferecida gratuitamente pelo Facebook a jornalistas, pesquisadores e outras organizações. A ferramenta acompanha grupos e contas públicas influentes no Facebook, no Instagram e no Reddit e permite buscas por palavras-chave.

Além de Bolsonaro, outras cinco postagens foram da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), duas do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), uma da deputada Bia Kicis (PSL-DF) e três de outros políticos aliados, como o ex-senador Magno Malta. Ainda entram na lista uma peça de um youtuber e duas de uma página bolsonarista. Apenas duas publicações são de autoria de opositores da ideia: o ex-presidente Lula (PT) e o deputado André Janones (Avante-MG).

Esses dados refletem a adoção da pauta pelos aliados do presidente, embora ela  também tenha simpatizantes fora do grupo, como Aécio Neves (PSDB-MG). O relator da comissão foi Filipe Barros (PSL-PR) e o presidente, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), ambos da sua base. Já Bia Kicis, atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, é autora da "PEC do voto impresso".

A consulta ao CrowdTangle tem como base 543 mil posts de usuários, páginas e grupos públicos no Facebook, publicados nos últimos 12 meses. O resultado se refere a todas as postagens com o termo "voto impresso", o que não significa que sejam falsas ou enganosas. Assim como na procura pelo Google, a maior quantidade de postagens se concentra entre os meses de maio e julho deste ano.

Por outro lado, há casos de amplificação da desinformação por parte dos agentes públicos, a exemplo do próprio presidente. Em julho, Bolsonaro publicou um vídeo enganoso em suas redes em que são comentados os resultados de uma auditoria do PSDB sobre as eleições de 2014. O relatório em questão foi concluído em 2015 e não encontrou nenhuma fraude no processo, ainda que defenda mudanças no sistema.

Ele ainda publicou uma reportagem antiga da TV Band, exibida em 2008, em que uma dupla contratada por uma coligação derrotada para a prefeitura de Caxias, no Maranhão, contesta a legitimidade do resultado. A Polícia Federal descartou as suspeitas depois que um laudo técnico concluiu que não houve violação das urnas, nem adulteração nos programas ou manipulação de votos na cidade. 

Procura no Google é a maior em cinco anos

Dados indicam que o assunto "voto impresso" começou a ganhar força nas redes durante as eleições de 2018, quando aumentou a quantidade de buscas pelo termo na internet. É o que mostra o Google Trends -- uma ferramenta que mede o interesse do público sobre determinadas palavras na plataforma.

Na campanha de 2018, Bolsonaro falou em diversas oportunidades que acreditava que a eleição estava sob risco por conta do sistema eletrônico. Após os resultados do primeiro turno, em que liderou os votos válidos, mas não o suficiente para liquidar a eleição, alegou ter sido vítima de fraude e lamentou a ausência do voto impresso no Brasil. Ele jamais apresentou provas disso.

Alguns conteúdos enganosos ou falsos que viralizaram este ano são oriundos daquela época. É o caso, por exemplo, de um vídeo no qual Naomi Yamaguchi, então candidata a deputada federal pelo PSL, comenta alegações de fraude na eleição de 2014. Apesar dos argumentos apresentados não possuírem embasamento, foram repetidos pelo presidente a um grupo de apoiadores em frente ao Palácio do Planalto.

Outros boatos recorrentes nesse período foram vídeos de pessoas acusando as urnas eletrônicas de anularem votos indevidamente. Na realidade, os eleitores estavam errando a ordem da votação e tentando digitar "17" -- o número do PSL de Bolsonaro -- no momento de votar para governador. Como não havia candidato do partido em alguns Estados naquele ano, como Pará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, a tela informava corretamente que o voto seria contabilizado como nulo.

Desmentidos pela imprensa, esses conteúdos persistem até hoje. O Estadão checou recentemente uma corrente falsa do WhatsApp alegando que as urnas eletrônicas teriam sido responsáveis pela anulação de 7,2 milhões de votos no primeiro turno da eleição presidencial de 2018. Foram os próprios eleitores que anularam esses votos, de forma intencional ou não, ao digitar um número que não correspondia a nenhum candidato.

Com o fim do pleito, o Google Trends aponta que o tema do "voto impresso" ficou praticamente esquecido do público geral nas ferramentas de busca na internet até as eleições municipais de 2020, quando uma nova onda de desinformação surgiu nas redes, tendo as urnas eletrônicas como alvo principal.

Nos meses seguintes, a popularidade do assunto ficou estável, em patamares relativamente baixos. O interesse aumenta a partir de março de 2021 e dispara nos meses de maio e, novamente, no final de junho. O pico de buscas ocorreu justamente nas últimas duas semanas, com quase o dobro do nível de interesse máximo registrado antes das eleições de 2018. 

E essa mesma tendência pode ser observada quanto ao volume de postagens em plataformas como o Facebook, segundo o CrowdTangle. Neste ano, até o final de março, o número de posts sobre o "voto impresso" não passou de 6,2 mil por semana. No final de julho, essa quantidade subiu para 46,4 mil -- com mais de 5,8 milhões de interações apenas nessa rede social (a métrica soma curtidas, reações, comentários e compartilhamentos).

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro protestam contra ministros do TSE. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Uma análise da consultoria Bites indica ainda que a rede bolsonarista intensificou a estratégia de atacar o STF e, principalmente, o ministro Luís Roberto Barroso -- que preside o TSE atualmente e costuma rebater publicamente afirmações de Bolsonaro sobre supostas irregularidades no sistema de voto eletrônico. Outro alvo frequente na internet é o ministro Alexandre de Moraes, que foi o responsável por incluir o presidente na lista de investigados no inquérito das fake news.

O Estadão Verifica desmentiu um vídeo que circula nas redes sociais e afirma que Barroso seria favorável ao voto impresso, mas teria mudado de opinião após a eleição de Jair Bolsonaro. Esse conteúdo sugere uma conspiração contra o presidente, mas a verdade é que desde 2017 o ministro já chamava a medida de "retrocesso". Ele reiterou esse posicionamento em outras ocasiões após o governo Bolsonaro.

Nesta terça-feira, 10, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretendia instaurar um registro impresso do voto. Impulsionado principalmente pelo presidente Jair Bolsonaro, o debate sobre o tema gerou um cenário de desinformação sobre temas eleitorais incomum para um ano que os brasileiros não comparecerão às urnas. 

O Estadão Verifica e o projeto Comprova já publicaram, nos primeiros oito meses deste ano, 21 verificações de temas relacionados ao processo eleitoral  -  isso equivale a 75% do total de 2020, ano em que milhares de candidatos a prefeito fizeram campanha.

A comparação desconsidera as verificações de alegações sobre candidatos e debates feitas no ano passado, tendo em vista que neste ano não há pessoas concorrendo a cargos eletivos. Os conteúdos checados em 2021 espalhavam desinformação principalmente sobre urnas eletrônicas (12), voto impresso (4), pesquisas eleitorais (3) e a integridade de eleições anteriores (2).

Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou 'PEC do voto impresso' e urnas devem seguir no mesmo formato nas eleições de 2022. Foto: Antonio Augusto/TSE

Uma dessas postagens tirava de contexto uma reportagem jornalística para dizer que urnas brasileiras teriam sido hackeadas em um evento nos Estados Unidos em menos de duas horas. É mentira: o evento não contou com nenhum equipamento utilizado por aqui.

Outra postagem afirmava que o voto impresso já estaria previsto na legislação  desde 2002. De fato, o Congresso aprovou a impressão do registro de voto naquele ano, mas a medida foi revogada no ano seguinte. O Congresso foi instado a tomar essa iniciativa depois que um teste com o voto impresso mostrou falhas e colocou o sigilo do voto em risco, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Desinformação acompanha a política

Maio e julho foram os meses que concentraram o maior número de conteúdos enganosos checados pelo Estadão Verifica, com cinco e onze publicações em cada, respectivamente. Estes foram os meses em que uma comissão especial foi instaurada na Câmara para analisar o tema e quando o relatório pronto aguardava votação, respectivamente, o que acabou sendo adiado para depois do recesso em razão de uma manobra dos deputados governistas.

Além disso, a polarização política cresceu nesse período. Em maio, Bolsonaro comentou uma pesquisa de intenção de voto segundo a qual ele perderia no segundo turno para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Ciro Gomes (PDT). "Esse canalha, pela fraude, ganha as eleições do ano que vem", disse o presidente em um ato em sua defesa, citando ainda o fato de Lula ter se tornado elegível um mês antes com uma decisão favorável do plenário do STF.

No mês de junho, Bolsonaro sofreu um revés quando líderes de 11 partidos -- inclusive de siglas aliadas -- anunciaram ser contra a impressão do registro do voto. A articulação teria recebido apoio dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Diante dessa nova postura, ele atacou os ministros e questionou a integridade das eleições, dizendo que o STF "tirou Lula da cadeia" para elegê-lo "na fraude".

O momento de maior tensão se deu no fim de julho e começo de agosto. Prometendo mostrar provas de fraudes cometidas em pleitos anteriores, o presidente repetiu parte dos boatos e vídeos enganosos numa live, em 29 de julho, transmitida ao vivo pela TV Brasil. Grande parte das alegações falsas já haviam sido checadas pelo Estadão Verifica

Bolsonaro acabou sendo incluído no inquérito das fake news por causa da live, a pedido do TSE. Também foi alvo de um pedido da oposição para ser investigado por improbidade administrativa, propaganda política antecipada e crime eleitoral pelo uso da emissora pública.

Ministros rejeitaram tese defendida por Edson Fachin. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Aliados são principais influenciadores

Nas redes, a pauta é extensamente associada ao presidente Jair Bolsonaro e a políticos aliados do governo. As pesquisas relacionadas ao voto impresso no Google trazem no topo referências diretas ao político e aos acontecimentos de Brasília. Isso sugere que as pessoas que procuram informações sobre o assunto geralmente o fazem por influência de declarações de Bolsonaro e de figuras do Congresso.

Além disso, o debate público é influenciado diretamente por aquilo que é postado pelos políticos em suas redes. Entre as 20 postagens recentes sobre voto impresso com maior engajamento no Facebook, quatro foram do perfil oficial do presidente -- incluindo a de maior viralização. Juntos, os conteúdos divulgados por Bolsonaro somaram 184 mil compartilhamentos.

Esses dados foram obtidos por meio da plataforma de monitoramento de redes sociais CrowdTangle, oferecida gratuitamente pelo Facebook a jornalistas, pesquisadores e outras organizações. A ferramenta acompanha grupos e contas públicas influentes no Facebook, no Instagram e no Reddit e permite buscas por palavras-chave.

Além de Bolsonaro, outras cinco postagens foram da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), duas do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), uma da deputada Bia Kicis (PSL-DF) e três de outros políticos aliados, como o ex-senador Magno Malta. Ainda entram na lista uma peça de um youtuber e duas de uma página bolsonarista. Apenas duas publicações são de autoria de opositores da ideia: o ex-presidente Lula (PT) e o deputado André Janones (Avante-MG).

Esses dados refletem a adoção da pauta pelos aliados do presidente, embora ela  também tenha simpatizantes fora do grupo, como Aécio Neves (PSDB-MG). O relator da comissão foi Filipe Barros (PSL-PR) e o presidente, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), ambos da sua base. Já Bia Kicis, atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, é autora da "PEC do voto impresso".

A consulta ao CrowdTangle tem como base 543 mil posts de usuários, páginas e grupos públicos no Facebook, publicados nos últimos 12 meses. O resultado se refere a todas as postagens com o termo "voto impresso", o que não significa que sejam falsas ou enganosas. Assim como na procura pelo Google, a maior quantidade de postagens se concentra entre os meses de maio e julho deste ano.

Por outro lado, há casos de amplificação da desinformação por parte dos agentes públicos, a exemplo do próprio presidente. Em julho, Bolsonaro publicou um vídeo enganoso em suas redes em que são comentados os resultados de uma auditoria do PSDB sobre as eleições de 2014. O relatório em questão foi concluído em 2015 e não encontrou nenhuma fraude no processo, ainda que defenda mudanças no sistema.

Ele ainda publicou uma reportagem antiga da TV Band, exibida em 2008, em que uma dupla contratada por uma coligação derrotada para a prefeitura de Caxias, no Maranhão, contesta a legitimidade do resultado. A Polícia Federal descartou as suspeitas depois que um laudo técnico concluiu que não houve violação das urnas, nem adulteração nos programas ou manipulação de votos na cidade. 

Procura no Google é a maior em cinco anos

Dados indicam que o assunto "voto impresso" começou a ganhar força nas redes durante as eleições de 2018, quando aumentou a quantidade de buscas pelo termo na internet. É o que mostra o Google Trends -- uma ferramenta que mede o interesse do público sobre determinadas palavras na plataforma.

Na campanha de 2018, Bolsonaro falou em diversas oportunidades que acreditava que a eleição estava sob risco por conta do sistema eletrônico. Após os resultados do primeiro turno, em que liderou os votos válidos, mas não o suficiente para liquidar a eleição, alegou ter sido vítima de fraude e lamentou a ausência do voto impresso no Brasil. Ele jamais apresentou provas disso.

Alguns conteúdos enganosos ou falsos que viralizaram este ano são oriundos daquela época. É o caso, por exemplo, de um vídeo no qual Naomi Yamaguchi, então candidata a deputada federal pelo PSL, comenta alegações de fraude na eleição de 2014. Apesar dos argumentos apresentados não possuírem embasamento, foram repetidos pelo presidente a um grupo de apoiadores em frente ao Palácio do Planalto.

Outros boatos recorrentes nesse período foram vídeos de pessoas acusando as urnas eletrônicas de anularem votos indevidamente. Na realidade, os eleitores estavam errando a ordem da votação e tentando digitar "17" -- o número do PSL de Bolsonaro -- no momento de votar para governador. Como não havia candidato do partido em alguns Estados naquele ano, como Pará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro, a tela informava corretamente que o voto seria contabilizado como nulo.

Desmentidos pela imprensa, esses conteúdos persistem até hoje. O Estadão checou recentemente uma corrente falsa do WhatsApp alegando que as urnas eletrônicas teriam sido responsáveis pela anulação de 7,2 milhões de votos no primeiro turno da eleição presidencial de 2018. Foram os próprios eleitores que anularam esses votos, de forma intencional ou não, ao digitar um número que não correspondia a nenhum candidato.

Com o fim do pleito, o Google Trends aponta que o tema do "voto impresso" ficou praticamente esquecido do público geral nas ferramentas de busca na internet até as eleições municipais de 2020, quando uma nova onda de desinformação surgiu nas redes, tendo as urnas eletrônicas como alvo principal.

Nos meses seguintes, a popularidade do assunto ficou estável, em patamares relativamente baixos. O interesse aumenta a partir de março de 2021 e dispara nos meses de maio e, novamente, no final de junho. O pico de buscas ocorreu justamente nas últimas duas semanas, com quase o dobro do nível de interesse máximo registrado antes das eleições de 2018. 

E essa mesma tendência pode ser observada quanto ao volume de postagens em plataformas como o Facebook, segundo o CrowdTangle. Neste ano, até o final de março, o número de posts sobre o "voto impresso" não passou de 6,2 mil por semana. No final de julho, essa quantidade subiu para 46,4 mil -- com mais de 5,8 milhões de interações apenas nessa rede social (a métrica soma curtidas, reações, comentários e compartilhamentos).

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro protestam contra ministros do TSE. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Uma análise da consultoria Bites indica ainda que a rede bolsonarista intensificou a estratégia de atacar o STF e, principalmente, o ministro Luís Roberto Barroso -- que preside o TSE atualmente e costuma rebater publicamente afirmações de Bolsonaro sobre supostas irregularidades no sistema de voto eletrônico. Outro alvo frequente na internet é o ministro Alexandre de Moraes, que foi o responsável por incluir o presidente na lista de investigados no inquérito das fake news.

O Estadão Verifica desmentiu um vídeo que circula nas redes sociais e afirma que Barroso seria favorável ao voto impresso, mas teria mudado de opinião após a eleição de Jair Bolsonaro. Esse conteúdo sugere uma conspiração contra o presidente, mas a verdade é que desde 2017 o ministro já chamava a medida de "retrocesso". Ele reiterou esse posicionamento em outras ocasiões após o governo Bolsonaro.

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