Nos últimos dois anos, a diversidade e inclusão vem sendo cada vez mais discutida dentro do mercado de trabalho. Grandes empresas passaram a investir em programas de D&I como diferencial de mercado e responsabilidade social, e, segundo especialistas, esse movimento fezcom que o debate acerca da temática também fosse levado para as pequenas e médias empresas.
Segundo o Sebrae, os micro e pequenos negócios representam mais de 90% do total de empresas no Brasil. Os pequenos são responsáveis por 54% dos empregos formais do País. “As pequenas empresas possuem uma capilaridade imensa, pois são elas que estão espalhadas pelo País inteiro, por todas as regiões (interiores e todos os Estados)”, ressalta Ricardo Sales, sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade.
Mesmo com a crise do novo coronavírus, dados divulgados pelo Sebrae apontam que, nos últimos 6 meses, os pequenos negócios geraram 1,1 milhão de novos empregos, enquanto as médias e grandes empresas foram responsáveis pela criação de 385,5 mil novos postos de trabalho.
“Eu acho que tem um impacto civilizatório. Essas empresas estão sobretudo no setor de serviços, se relacionando com a sociedade brasileira como um todo. Então, quando dão um bom exemplo em relação a essa pauta de D&I, elas têm a possibilidade de impactar positivamente pessoas que talvez não fossem sensibilizadas por esse assunto por outros meios”, explica Ricardo.
A implementação de políticas e ações voltadas à diversidade e inclusão geram ganhos tanto para a sociedade quanto para o negócio, aumentando o fluxo de renda de grupos minorizados (que passam a ser incluídos nas empresas) e aumentando o potencial de lucro ao atingir novos públicos.
“O impacto social aqui está 100% atrelado ao fator econômico, porque grande parte das pessoas que vão consumir, das pessoas que vão fazer a economia girar para o seu negócio, estão dentro dessa camada de pessoas diversas. Muitas vezes, você pode não ter atingido esse mercado porque você não tem [D&I] dentro”, pontua Bielo Pereira, palestrante e consultora em diversidade e inclusão corporativa.
Contudo, algumas dificuldades ainda são colocadas como impeditivos na hora de colocar a diversidade e a inclusão na prática dentro das micro, pequenas e até mesmo médias empresas. Os especialistas destacam que a falta de informação, estrutura enxuta da empresa e o caráter personalista do dono como extensão do negócio são os principais problemas enfrentados.
“Um grande desafio que podemos citar é dinheiro e investimento. Várias dessas empresas estão passando por apertos e dificuldades financeiras e podem pensar que não conseguirão investir em D&I, que o assunto deve ficar em segundo ou terceiro plano. Mas não. Eu ressalto que muitas das ações de diversidade e inclusão têm custo zero, como por exemplo orientar o pessoal da empresa sobre o respeito ao uso de pronomes”, diz Gabriela Augusto, fundadora da Transcendemos, empresa de consultoria de diversidade e inclusão.
D&I na prática dentro das pequenas empresas
“Tudo aquilo que a gente faz numa grande empresa é adaptado na micro, pequena e média. Será que cabe eu falar que vou construir um sistema de governança em diversidade e inclusão? Não sei. Lá na grande, cabe! Na pequena, talvez seja entender quem é que vai liderar o tema, quem é que vai ter esse chapéu e as coisas acontecerem de uma forma mais orgânica”, coloca Ricardo Sales.
Pequenos negócios como NeoAssist, empresa de tecnologia omnichannel de atendimento ao cliente, e LEO Learning, empresa de soluções digitais para treinamento e desenvolvimento corporativo, vêm adotando medidas de D&I com sucesso.
A NeoAssist, fundada em 2001, passou a aplicar censos dentro da empresa para entender quais pontos poderiam ser melhorados com relação à diversidade e inclusão e quais medidas seriam mais assertivas.
“Está dentro do nosso DNA a questão da diversidade, porque sabemos da importância disso como uma ferramenta de ter mais visões diferentes, que reduzem o risco e aumentam a performance da empresa. A liderança acredita muito na diversidade, assim como o nosso time”, diz Anna Moreira, que é CEO da NeoAssist.
Hoje, a empresa conta com 89 funcionários, sendo que 21 deles foram contratados neste ano. Dos novos contratados, 15 estão dentro de recortes de grupos minorizados (mulheres, comunidade LGBTQIA+ e pessoas negras), ou seja, 71,4% das vagas de 2021 foram fechadas em D&I.
De 2019 a 2021, houve um aumento de 14,4% na representatividade de mulheres, que atualmente totalizam 45,4% das pessoas colaboradoras. Além disso, a empresa passou a contar com pessoas trans dentro do quadro de funcionários (3,03% do total) e 22,7% das pessoas da NeoAssist declaram fazer parte da comunidade LGBTQIA+. Quanto à representatividade étnico-racial, ocorreu um aumento de 7,02% na contratação de pessoas negras.
“A temática de diversidade e inclusão foi chegando de forma orgânica e natural, principalmente por meio de ações internas que íamos fazendo - às vezes até sem esse nome e sem esse objetivo final que estava sendo estruturado no mercado. Em 2019, começamos a trabalhar a temática com esse nome e com objetivos estratégicos mais bem desenhados. Em 2020, surgiu o coletivo ‘Mergulhar’, que é nosso comitê de diversidade, que trabalha com projetos mais específicos e estratégicos. Deixou de ser algo que estava só dentro da equipe de gente e gestão para ser um projeto dedicado para esta temática”, explica Verônica Perez, que é a realizadora do comitê de D&I na empresa.
O coletivo é formado por colaboradores voluntários de diferentes áreas, é dividido em quatro frentes e cada uma delas possui um miniprojeto. São elas: a frente de estudos analíticos, que trabalha a questão de métricas e metas; a frente de talentos, que trabalha na atração e retenção de talentos diversos; frente de comunicação, que realiza parcerias externas e a comunicação interna; frente de alta liderança, que cria um projeto de desenvolvimento de pessoas com relação a alta liderança, traçando um plano de carreira para esses funcionários dentro da empresa.
Verônica dá ênfase à importância das parcerias. “Entendemos que para trazer pessoas diversas, precisamos ter parceiros que trabalham diretamente com essa causa, transformando nossa comunicação externa para que as pessoas possam sentir que aqui é um ambiente que se preocupa com essa temática.”
Ainda que seja um trabalho feito por voluntários dentro da empresa, a CEO, Anna Moreira, ressalta que existe um custo - mas que este não é um impeditivo. “Apenas o esforço de atrair pessoas de um recorte específico possui um custo, porque a gente precisa trabalhar para acessar aquele recorte, trabalhar para gerar volume. Esse é um custo que muita gente não levanta, mas é uma coisa que as pequenas empresas podem fazer. Se dedicar para um processo um pouco mais de tempo para buscar determinados recortes, já dentro da estratégia de recrutamento, é uma questão que vai ter um custo marginal (com relação ao tempo da equipe encontrar os talentos), mas que ainda está dentro do custo básico, já que todas as empresas realizam processo de seleção. Um processo relativamente pequeno pode agregar bastante valor sem um custo muito alto”
“Fizemos muitas coisas sem custo, como parcerias com organizações sem fins lucrativos e grupos no LinkedIn e Facebook com cortes de grupos minorizados, então essas podem ser algumas soluções”, lembra Verônica.
Elas contam sobre as dificuldades e aprendizados durante o processo de implementação dos projetos de D&I. “O maior desafio foi com relação ao diagnóstico, sobre como entender como a empresa está neste momento, o que conseguimos fazer. Com o tempo, percebemos que não é do dia para a noite, é uma caminhada longa que tem que ser traçada. Muitas vezes, os resultados não vão aparecer em um mês. Estamos falando de cultura, de comunicação, de construção. É algo de longa duração, mas os resultados também vêm mais robustos e mais fortalecidos”, diz a realizadora do comitê de D&I na empresa.
A CEO da NeoAssist ainda faz ressalvas. “Nem todas as estratégias que nós bolamos dão certo. Mas é importante ter paciência para desenvolver uma política dessa forma, principalmente para ser uma política sustentável. Só implementar a diversidade como uma forma de recrutar não é uma coisa sustentável por si só se a empresa não está preparada. Envolve muita educação do time, treinamento, políticas da empresa, cabeça aberta para revisar questões historicamente já estavam estabelecidos. É super importante que, uma vez que as empresas conseguem recrutar, que as pessoas se sintam bem trabalhando. O recrutamento é apenas uma parte no processo inteiro.”
É nesta mesma linha de pensamento de crescimento e valorização do funcionário além do recrutamento, que a LEO Learning se posiciona. “Quando um funcionário olha para o seu líder e se identifica, enxerga que pode ser como ele, isso automaticamente cria uma visão inspiracional para que a pessoa veja que pode crescer. Temos plano de carreira, promoções internas (cultura do estagiário que vira gerente). O crescimento é um fator fundamental para a retenção desses talentos”, diz Richard Vasconcelos, CEO da empresa.
“Às vezes, você tem um analista júnior que é negro… E aí a empresa contrata um líder novo que é branco, para ser seu gestor. Então, fica o questionamento: 'estou há três anos na empresa, por que não fui promovido?' Eu acredito que o crescimento é a melhor forma de retenção”, reafirma Richard.
A LEO Learning foi fundada em 2012 e o CEO conta que, inicialmente, não começaram adotando medidas voltadas para D&I propositalmente, mas que a forma que recrutavam (ignorando formação acadêmica, se vem de faculdades ou escolas particulares ou públicas) já abria portas para uma seleção mais diversa.
“Isso pode parecer pequeno, mas na realidade do Brasil, as pessoas mais privilegiadas estudam nas melhores universidades. Então, como nunca olhamos para isso, conseguimos identificar talentos independentemente da formação. Acreditamos que você pode aprender em qualquer lugar”, explica o CEO.
Nos últimos dois anos, quando a área de D&I se estruturou melhor no mercado, passaram a investir mais ainda em novas medidas. “Enxergamos isso como uma vantagem competitiva e começamos propositalmente a implementar mais ações para garantir a diversidade”, detalha Richard.
No último ano, a empresa passou de 40 para 110 funcionários e 50% dos 70 colaboradores contratados ao longo do ano fazem parte de grupos de D&I, além de já contarem com uma liderança diversa. Para ele, o maior desafio é na contratação. “O maior desafio é recrutar o talento, achar a pessoa adequada e retirar os vieses inconscientes - que todos nós temos.”
Richard relata um caso em que, ao realizar um processo seletivo de estágio, contrataram um ex-militar de 38 anos, que não possuía nenhuma experiência anterior na área. “Quando aplicamos o teste, ele foi o melhor disparado no processo. Pensamos: 'vamos deixar de contratá-lo porque ele tem 38 anos e não possui experiência na carteira?'. Nós trouxemos ele, que foi um ótimo estagiário e já foi promovido.”
O CEO conta que, no ano seguinte, fizeram um processo de estágio onde criaram uma trilha de aprendizagem, com cursos gravados, e quem passasse na trilha iria para a próxima etapa. Foram 800 candidatos e, até chegar nos últimos 20, o processo foi automatizado - sem ver os rostos dos candidatos.
Ele destaca que faz questão de colocar diversidade nos gerentes que conduzem o processo, com mulheres, pessoas negras e LGBTQIA+. “Colocamos isso no processo seletivo para que tenhamos certeza que desde o começo a pessoa possa enxergar isso nos nossos valores. Já mandamos, desde o começo, vídeos de pessoas diversas para que a pessoa saiba desde o início que nossa empresa é diferente. Existem pessoas que vão desistir e não tem problema. Eu não quero todo mundo, eu quero quem se adapte a minha cultura”, diz Richard.
6 dicas para começar
Os consultores ressaltam que não existe receita de bolo para implementar a D&I dentro das empresas e que é preciso analisar a realidade de cada uma. Mas, com objetivo de auxiliar aqueles que desejam dar um primeiro passo no universo da D&I, reunimos 6 dicas dadas pelos especialistas:
- Sensibilize as pessoas. Comece educando as pessoas para o tema; chame para uma roda de conversa para dividir experiências, a partir, inclusive, de situações que ocorrem atualmente na sociedade. Por exemplo, o caso que aconteceu no BBB sobre o cabelo crespo. "De repente, você pode reunir seus colaboradores ali com as pessoas que têm o cabelo crespo ou que já enfrentaram situações de dificuldade relatarem ali em primeira pessoa. Então, a sensibilização é sempre o ponto”, explica Ricardo Sales.
- Deixe claro os combinados com os colaboradores. A pessoa que está a frente da empresa precisa deixar claro quais são os comportamentos que são admitidos ou não naquele espaço. “Se o colaborador não tem orientação, como ele vai reagir a situações? Ele vai reagir de acordo com os seus valores pessoais. Se ele vê, por exemplo, um casal de meninas se beijando na loja ou uma pessoa trans entrando no banheiro, sem uma orientação da empresa, ele vai recorrer ao repertório dele, que talvez não seja o mais adequado porque pode haver ausência de informação ou preconceito”, pontua o sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade.
- Troque o mindset. “Você, dono de pequena empresa, pra você é muito mais fácil você começar a ter qualquer atitude de diversidade do que para uma empresa grande. Não é mais difícil, é mais fácil, porque é você que decide”, ressalta Bielo Pereira.
- Teste 360. Você vai olhar ao seu redor e vai perceber que não tem diversidade. Por que não passar a escolher alguém que você não escolheria? Por que você não está escolhendo essas pessoas? Comece a escolher! Além disso, comece a olhar mais a própria comunidade onde você está inserido. “Existem pessoas que consomem. Eu tenho essas pessoas representadas aqui dentro? A partir disso, você vai começar a mudar a forma de selecionar e de pensar essas pessoas dentro da sua empresa, porque aí sim você vai começar a mudar. São coisas simples: na forma de seleção, na forma de lidar com as pessoas que estão ali dentro. Você consegue fazer isso sem precisar pagar um curso ou pagar uma consultoria cara”, pontua Bielo.
- Produza conteúdos acessíveis. No Instagram, por exemplo, descreva imagens. “Parece bobo, parece algo menor, mas uma empresa deveria estar olhando para acessibilidade do conteúdo, descrevendo as suas imagens. Hoje, as empresas que estão se esforçando para sobreviver, estão no instagram, nas plataformas. Então, ter uma estratégia para D&I, não custa necessariamente”, explica Gabriela Augusto.
- Mudanças de processos internos. Perguntar o pronome para pessoa que está sendo atendida, exemplifica Gabriela, pode ser um processo que aumenta a inclusão e não gera custos.
* Estagiária sob a supervisão da editora Ana Paula Boni
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