Rejane é fundadora de uma marca de moda afro no Amapá. A soteropolitana Jacqueline criou uma linha de cosméticos que se conecta com a energia dos orixás. Uma necessidade do filho estimulou a cearense Angélica a vender toucas de cetim. Em Estados do Norte e do Nordeste, as iniciativas dessas mulheres descentralizam o monopólio dos negócios nos eixos Sudeste e Sul. Assim, aumentam a rede de afroempreendedores e fortalecem o black money, que é o movimento que promove a circulação de riquezas dentro da comunidade negra.
A maior parte dos empreendimentos liderados pela população negra ainda se concentra no Sudeste, cerca de 40%, segundo o estudo Empreendedorismo Negro no Brasil, realizado pela Pretahub. Mas isso não quer dizer que não haja negócios no Norte e no Nordeste. “O que falta na realidade é um olhar potencializador para esses modelos de empreendimentos”, defende Luciane Reis, publicitária e CEO do Merc’Afro.
O ‘black money’ descentralizado
Com o número crescente de brasileiros preocupados com a diversidade de negócios liderados por pessoas negras e também por iniciativas fora dos eixos Sul e Sudeste, o economista Elias Sampaio lembra que não é possível falar de black money de maneira descontextualizada. “Não tem como compreender o que está acontecendo hoje no Nordeste sem compreender o processo histórico”, afirma.
Como esses territórios ficaram à margem do desenvolvimento econômico no País, o black money é visto como “soluções alternativas econômicas para diminuir os efeitos das desigualdades raciais”, destaca o economista.
Segundo a publicitária Luciane Reis, a modalidade só é capaz de beneficiar toda a população preta se houver um uso político e estratégico do dinheiro. “Você precisa estimular não só o consumo negro, mas também o uso ecônomico do dinheiro na mão de pessoas negras”.
Rejane, Angélica e Jacqueline acompanham os passos das primeiras empreendedoras do Brasil - que eram mulheres negras -, como Chica da Silva. “A gente está falando de uma visibilidade tardia. Nesse sentido, nada é mais fértil do que a capacidade dessas mulheres de criar produtos os mais diversos possíveis”, reforça Luciane.
Foi pensando na história da cultura negra que a designer de moda Rejane Soares, de 43 anos, apostou na união entre ancestralidade e memória afetiva para a sua marca Zwanga, no Amapá. Turbantes, acessórios, roupas e sapatilhas são alguns dos produtos vendidos pela marca criada em 2016, que significa “que é meu, o que me pertence”.
“O meu primeiro ‘não’ pra moda foi quando a professora falou que eu não ia conseguir. Carreguei isso por anos”, conta Rejane. Inicialmente, as peças eram comercializadas nos bancos de uma praça do centro de Macapá. Não demorou para receber o convite da gerente de um shopping que cedeu um quiosque para instalação da Zwanga. Mas, com o novo ritmo, não sobrava tempo para produzir, já que precisava passar o dia na loja. Rejane decidiu transferir a loja para dentro de sua casa e passou a promover oficinas de turbante, rodas de conversa e palestras estimulando a entrada de mais afroempreendedoras no Amapá.
Em 2017, esse protagonismo rendeu à designer o título de uma das mulheres negras mais influentes do Brasil, segundo a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Agora, após percalços na pandemia, ela se prepara para lançar a 6ª coleção da Zwanga, com peças que são enviadas para todo o Brasil, pela loja no Instagram
Foi também a partir de uma demanda da comunidade negra, e em particular da família, que nasceu a marca Ina Preta, de Angélica Freire, de 32 anos. Em 2019, quando seu filho Ariel, de 7 anos, começou a resistir para arrumar o cabelo, Angélica decidiu criar toucas de cetim para diminuir o excesso de frizz no cabelo do garoto.
A família aderiu ao novo acessório, e a fama da touca se estendeu para amigos e vizinhos em Fortaleza, dando origem em 2020 à Ina Preta. “A marca se comunica com as pessoas pretas da nossa cidade”, diz Angélica.
A expertise nas redes sociais fez ela ajudar outros empreendedores negros que ainda não tinham se adaptado ao digital durante a pandemia. Com um ano de marca, ela começou a promover oficinas virtuais. Em agosto deste ano, em parceria com a Feira Negra de Fortaleza, ela lançou um evento atuando como mediadora e apresentadora de lives shops.
Entre os outros desafios que encontrou, fortalecer o conhecimento sobre o caminho do dinheiro foi uma urgência no planejamento de Angélica. Esse cuidado que ainda é ignorado precisa ser pautado no black money, defende Luciane Reis, do Merc’Afro. “Quando esse dinheiro chega na minha mão, ele chega com uma história, ele chega com uma narrativa.”
Para o economista Elias Sampaio, negócios comandados por mulheres como Angélica, ainda que muito pequenos, fazem a diferença na comunidade em que atuam. “Mesmo que as empreendedoras negras não tenham escala para alterar os processos macroeconômicos, elas têm sido um elemento de mitigação de subdesenvolvimento”, afirma.
É o que também faz Jacqueline Bastos, de 27 anos, em Salvador, com sua marca Abebé Cosméticos, de produtos naturais com composições pensadas na energia dos orixás. “A única coisa que separa mulheres que não são brancas de todas as outras pessoas é a oportunidade.”
Jacqueline aproveitou a formação acadêmica em engenharia química para produzir hidratantes, sabonetes e óleos corporais. “Eu quis trazer a ancestralidade dentro da marca, a Abebé não existe sem isso”, conta ela, que focou no e-commerce na pandemia, mas também enfrentou dificuldade de acesso ao crédito. Segundo dados do Sebrae, 58% das mulheres negras tiveram pedido de empréstimo negado na pandemia. As alternativas para expandir a Abebé foram editais e fundos de investimentos para negócios sociais.
Um deles é a empresa baiana Vale do Dendê, fundada em 2016, que potencializa negócios locais guiados por pessoas pretas e periféricas dentro da economia criativa. Hoje, a Vale soma mais de 200 empresas aceleradas e acompanha cerca de 800 empreendedores.
Para potencializar o ecossistema, o cofundador da Vale Paulo Rogério diz que a intenção é atrair empresas de outras regiões para Salvador, para fazer a economia da capital baiana girar e incentivar o desenvolvimento profissional de pessoas pretas sem que elas precisem sair de onde vivem.
Agora em fase de migração da produção artesanal para uma fábrica terceirizada, Jacqueline investe no aumento de escala do negócio e integra esse time que se desenvolve sem precisar migrar para o Sudeste ou o Sul. “A gente vai conseguir entrar em outros mercados e entrar no mercado da possibilidade.”
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