Estudos da empresa global de pesquisas Kantar NS mostram que a preocupação da população mundial com sustentabilidade é cada vez maior. Enquanto 86% dos consumidores querem a redução do desperdício de alimentos, 74% buscam consumir menos embalagens e 72% preferem as biodegradáveis.
De acordo com Sandro Alencar Fernandes, diretor de sustentabilidade da Associação Brasileira dos Agentes Digitais (Abradi), o que define se uma embalagem é biodegradável é sua decomposição ocorrer naturalmente, por meio da ação de bactérias, algas e fungos, por exemplo. “Muitas embalagens (convencionais) possuem tempo de decomposição acima de 100 anos e outras podem superar os 500”, fala.
Exemplos disso são os plásticos, que podem demorar até 450 anos para se decompor no ambiente, o alumínio (de 200 a 500 anos) e as fraldas descartáveis (até 600 anos). Já materiais como borracha, vidro e óleo de cozinha têm tempo de decomposição indeterminado. “No caso dos biodegradáveis, com base em fibras, polpas vegetais e materiais naturais, esse tempo é reduzido a meses.”.
Uma preocupação, no entanto, é que esses materiais biodegradáveis não necessitem de condições especiais para degradar, podendo ser compostados domesticamente. Foi pensando nisso que o time de inovação da Camargo Cia de Embalagens, fábrica de embalagens laminadas flexíveis com sede em Tietê (SP), desenvolveu sua primeira embalagem flexível compostável. Segundo o diretor, Felipe Toledo, o filme utilizado vem da polpa da celulose - recurso renovável com características visuais e técnicas semelhantes ao plástico.
Com um crescimento de 17,5% no faturamento de 2019 para 2020, a Camargo virou fornecedora, por exemplo, da AMMA, fabricante de chocolates orgânicos que adotou as novas embalagens vegetais compostáveis, substituindo o plástico. Depois do consumo, elas se biodegradam em até 180 dias, seja em usinas de compostagem ou na compostagem doméstica - ou seja, o processo pode acontecer integralmente em casa.
Plantar o que poderia ser lixo foi também a sacada da carioca Papel Semente, que produz um papel artesanal, ecológico e reciclado no qual coloca sementes de flores, hortaliças e temperos. “Fala-se em derrubar de 15 a 24 árvores para cada tonelada de papel produzida, dependendo da fonte”, afirma Luis Felipe Di Mare, à frente do marketing e relacionamento da empresa familiar, fundada por sua mãe, seu padrasto e seu pai. “A gente já bateu quase 100 toneladas de papel reciclado, ou seja, foram mais de 2 mil árvores poupadas desde que começamos, 12 anos atrás.”
De 2019 para 2020, a Papel Semente aumentou em 50% o número de colaboradores e viu um crescimento acima de dois dígitos porcentuais no faturamento. Com o produto da empresa, as marcas fazem cartões, tags e embalagens que carregam sementes de uma linha gourmet (rúcula, agrião, mostarda, pimenta, tomate ou cenoura, entre outros) ou da linha de flores, cujos carros-chefe são cravo francês e margarida.
O papel que eles usam como matéria-prima é comprado de cooperativas de catadores. “Tem também isso de gerar valor para a comunidade, de ajudar vidas humanas mesmo, que sobrevivem de catar os resíduos”, observa Di Mare, que também dá dicas práticas para o plantio pós-uso. “A gente usa o slogan ‘pique, molhe e plante’, e é isso mesmo. Basta a pessoa picar o papel sem danificar as sementes, umedecer e plantar em um lugar que receba luz e sol, com uma camada de no máximo um centímetro para o papel respirar, fazer a fotossíntese. Ele vai se desfazer e a semente vai criar força e penetrar na terra para crescer”, diz.
Resíduos do agronegócio
Um material leve, que faz isolamento térmico e absorção acústica, tem resistência mecânica, não pega fogo e é rapidamente biodegradável em terra, areia, água doce ou salgada, com decomposição em até 28 dias. Essa foi a descoberta da startup paranaense Mush, dos engenheiros Eduardo Sidney, Leandro Oshiro e Antonio Carlos de Francisco, que recentemente recebeu um aporte da aceleradora Venture, captando R$ 600 mil na primeira rodada de negócios, e planeja o início das vendas para setembro.
A tecnologia desenvolvida pela empresa utiliza resíduos do agronegócio e do processamento de alimentos - cascas de plantas, palha, bagaços e serragem - como nutrientes e suporte para o crescimento de um fungo que funciona como uma cola natural.
“À medida em que ele vai crescendo, ele agrega essas partículas e forma um bloco no final”, explica Sidney, responsável pelo desenvolvimento de bioprocessos. “Esse bloco é altamente customizável porque é produzido em moldes, então adquire o formato que eu colocar.”
Hoje a Mush trabalha com duas linhas de produtos. Uma é no setor de acústica e a outra, que eles estão buscando em parceria com o Braskem Labs, é no desenvolvimento de embalagens secundárias - aquelas protetivas, que não entram em contato direto com os produtos.
“A proposta é pegar o resíduo vegetal, produzir embalagens com nossa tecnologia e o consumidor utilizar como condicionador de solo no final, quebrando com a mão mesmo, para virar uma espécie de adubo na horta ou no vasinho de flor”, afirma o empreendedor. “É dar uma próxima aplicação à embalagem, fazendo um ciclo de vida perfeito, que vai do resíduo vegetal à promoção do crescimento de novas plantas.”
Limpeza biodegradável
Com crescimento de 285% no faturamento entre o primeiro semestre de 2020 e o mesmo período de 2021, a Desembala, nascida na pequena Itajubá (MG), apostou em duas frentes para transformar o consumo de produtos de limpeza.
“Em 2018 comecei a estudar a cadeia de limpeza porque envolve um volume gigantesco de embalagens extremamente robustas que a gente compra para usar o produto uma única vez e depois joga fora”, conta a engenheira de produção Cilene Monteiro, fundadora da startup. “Lembrando que 90% do que está dentro dos produtos convencionais é água, a gente basicamente carrega água para lá e para cá, para descartar os frascos depois de 15 ou 30 dias.”
Após fazer um MBA voltado a colocar em prática os preceitos da economia circular, ela buscou uma solução que considerasse tanto uma matéria prima que não agride o meio ambiente e a pele quanto a questão das embalagens. A Desembala oferece borrifadores plásticos que são reutilizados pelo consumidor pelo resto da vida e produtos de limpeza concentrados em sachês que se dissolvem totalmente na água.
reference“É um ganho de logística e armazenamento grande porque os produtos são superpequenos, fora todo o impacto ambiental de você eliminar o descarte plástico”, explica a engenheira. “Além disso, os produtos são sem enxágue. Você borrifa, deixa agir por um minuto, vem com um pano seco e limpa.”
Ela explica que os sachês hidrossolúveis são feitos de álcool polivinílico e os produtos de limpeza são sintetizados em laboratório, para garantir a eficiência, a biodegradabilidade e a compatibilidade com as embalagens. “Por não serem moléculas vegetais, mas sintetizadas em laboratório, é possível atingir uma escala muito maior. A gente acredita que tecnologia e ciência estão aí para levar a sustentabilidade a outros patamares”, afirma a empreendedora.
Entenda os conceitos biodegradável e bioplástico
Na corrida para melhorar os índices de ESG (sigla para princípios ambientais, sociais e de governança), muitas marcas e empresas vêm apostando em materiais e embalagens mais sustentáveis, como biodegradáveis, bioplásticos e papéis impermeáveis. O problema, segundo especialistas, é que o consumidor não foi educado para entender o que é cada um, o que pode gerar ainda mais prejuízo ao ambiente.
"Quando você entra no supermercado e encontra embalagens do tipo 'verde' ao lado de frutas, pensa que são biodegradáveis. São embalagens com no mínimo 51% de fonte renovável proveniente da cana-de-açúcar", explica Assunta Napolitano Camilo, diretora do Instituto de Embalagens.
Ela afirma que, por não saberem a diferença entre bioplástico e biodegradável, por exemplo, as pessoas acabam fazendo o descarte de forma incorreta. “Na Austrália esses termos foram até proibidos porque confundem o consumidor”, alerta.
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No caso das empresas, a especialista fala da importância de colocar tudo na balança antes de entender que solução é melhor para o ambiente. “A proposta do biodegradável é não reciclar, então ele volta para a natureza, mas será que você não desperdiçou mais energia nisso?”, exemplifica. “Nós precisamos recuperar a energia que tem em qualquer material, desde o calor até a fibra natural, porque estamos no nível de esgotamento do planeta e isso só vai piorar se continuarmos a tirar do ambiente em vez de reutilizar.”
Para falar se uma coisa é melhor do que a outra, no entanto, a diretora do Instituto de Embalagens explica que é necessário fazer a análise do ciclo de vida do material, a fim de avaliar qual solução é mais apropriada a cada caso, priorizando a urgência que a questão ambiental merece. “Tem países que fazem reciclagem, outros não. Precisa fazer essa conta para entender a solução mais adequada”, defende.
- Biodegradável - material que se decompõe naturalmente, em ambiente controlado ou doméstico, por agentes biológicos (fungos, bactérias etc)
- Bioplástico - produzido a partir de fontes renováveis comuns do agronegócio, como cana-de-açúcar, batata, beterraba e milho; deve ser reciclado, mas nem sempre é
- Oxidegradável - plástico que recebe um aditivo pró-degradante para acelerar fragmentação, porém não é recomendado e foi proibido em países pelo potencial de contaminação
Atenção à propaganda enganosa
Outra questão levantada pela especialista é o greenwashing, termo que se refere a empresas, instituições públicas ou ONGs que se autointitulam “amigas do ambiente” de forma marqueteira, mas na prática não são.
“A marca, por exemplo, decide trocar o canudo de plástico pelo biodegradável, aí compra da China porque é mais barato. Só que quanto diesel foi usado nesse transporte? E com que energia isso foi fabricado? No Brasil usa-se hidrelétrica, mas será que na China não foi com carvão? Teve criança trabalhando?”, ela provoca. “É um greenwashing safado porque prejudicou ainda mais o planeta, só para pagar mais barato.”
Para Auri Marçon, presidente executivo da Abipet (Associação Brasileira da Indústria do Pet), o tema da biodegradabilidade é bem-vindo, mas todo cuidado é pouco na escolha dos caminhos a seguir.
“Temos que cuidar para que soluções tidas como inovadoras não provoquem desastres, como ocorreu no caso dos produtos oxidegradáveis para plásticos”, diz. Banidos da Comunidade Europeia, esses materiais têm como resultado a formação de micropartículas de plástico que, entre outros problemas, podem atingir aquíferos e mares, causando efeitos poluentes ainda maiores. “No Brasil, embora tenha sido criticado por toda a indústria química, algumas empresas, supermercados e até cidades ainda defendem o uso de sacolinhas com esse produto”, sublinha Marçon.
Ele também lembra que a biodegradação precisa estar associada à compostagem para que não ocorra em um local ou momento indesejado. “Dependendo do tipo de biodegradação, podemos ter como resultado dióxido de carbono, metano, água e matéria orgânica, mas se isso não for aproveitado, a eficiência dessa condição como melhoria ao meio ambiente não é desejável”, ele explica.