100 dias de Lula: política externa patina em defesa da democracia e acerta na agenda ambiental


Segundo analistas e diplomatas, proposta e paz na Ucrânia e relações com governo autoritários ainda são desafios, mas questão climática e relação com a China se mostram pontos positivos

Por Carolina Marins
Atualização:
100 dias do governo Lula Foto: Estadão

O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa na segunda-feira, 10, seu 100º dia, com uma política externa que tenta desmontar os efeitos do bolsonarismo e resgatar a liderança regional, mas patina num ponto importante: a defesa da democracia.

Para analistas e embaixadores ouvidos pelo Estadão o País ainda peca em se colocar como uma liderança nesse quesito, sobretudo na América Latina, nos casos da Nicarágua e Venezuela.

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Apesar disso, ainda na avaliação desses observadores, a política ambiental e aprofundamento dos laços com a China são os maiores acertos até agora.

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, em encontro da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), em 2018 REUTERS/Marco Bello Foto: Marcos Bello /Reuters

Democracia na América Latina

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Depois de uma vitória nas urnas cujo mote de campanha foi a defesa da democracia e, principalmente, após os ataques no 8 de Janeiro em Brasília, era de se esperar do Itamaraty de Lula uma defesa explícita e atuante da democracia. Em vez disso, analistas apontam decepção com o silêncio frente a violações de direitos humanos de governo latino-americanos.

“O Brasil poderia ter sido muito mais incisivo na questão de violações de direitos humanos na Nicarágua, e isso talvez mostre que o governo Lula 3 ainda tenha uma mentalidade mais próxima dos primeiros dois mandatos nesse sentido”, afirma Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FAAP. “Em Lula 1 e 2 houve muita condescendência com violações de direitos humanos. Na época já era evidência que havia algo de muito errado na Venezuela e, hoje, na Nicarágua é bastante evidente também”.

Segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, o País tem na região da América Latina uma oportunidade de ouro para se lançar como um líder na defesa da democracia. “A gente tem que ser coerente, se a gente defende democracia e direitos humanos aqui dentro tem que defender direitos humanos e democracia lá fora”, opina.

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“O Brasil pode desempenhar um papel importante no caso da Venezuela na busca de caminhos para a eleição do próximo ano para que seja uma eleição livre e democrática, com todos os partidos políticos. E tem que ter posição nos três países: Cuba, Nicarágua e Venezuela”.

No desenvolvimento mais recente, o governo brasileiro ficou em silêncio durante uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a situação na Nicarágua de Daniel Ortega. Após reação negativa, a diplomacia declarou preocupação com “sérias violações de direitos humanos” e se dispôs a receber dissidentes expulsos por Ortega. A reação fez Ortega destituir a embaixadora do país no Brasil.

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“O Brasil tem condições de ser o país líder da região”, concorda Vieira, o professor da Faap. “O que a gente ganha em ‘passar pano’, para usar uma expressão simples, com violações de direitos humanos num país como a Nicarágua? Tudo bem, pode se justificar com base no princípio do direito à soberania alheia, mas me parece que não se trata na atualidade de uma questão de soberania, mas uma questão de normas básicas de respeito aos direitos humanos.”

Em mais um exemplo apontado pelos especialistas de falta de protagonismo brasileiro pela causa democrática, foi a recusa em assinar a declaração final da Cúpula da Democracia, organizada pelos Estados Unidos, por não concordar com o foco à guerra na Ucrânia. De acordo com Barbosa, o Brasil poderia ter assinado e feito ressalvas sobre os pontos de discordância, como fizeram outros países.

“O presidente foi eleito como uma plataforma de defesa da democracia e em diversos momentos eles opôs ao Bolsonaro demonstrando que ele tinha uma capacidade de diálogo e sobretudo de defesa da democracia. Nesses termos, é muito importante para o presidente firmar seus pés nessa defesa”, observa Christopher Mendonça, professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH.

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Lula em reunião com o presidente americano Joe Biden na Casa Branca: apelo por paz na Ucrânia Foto: Alex Brandon/AP/File

Posição sobre a guerra na Ucrânia

O ponto onde o Itamaraty tem sofrido mais pressão nas últimas semanas é justamente na posição de neutralidade frente à guerra na Ucrânia. Um posicionamento que não é um erro, segundo Rubens Barbosa, mas falta maior clareza da diplomacia sobre quais interesses o País defende ao se posicionar desta forma.

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“Eu não estou vendo uma justificativa do governo atual para essa medida, correta, de não comprar um alinhamento automático, nem com os EUA nem com a China nem com a Rússia”, afirma. “A discussão sobre isso aqui no Brasil está muito simplória, e sem explicar, a gente fica numa posição que parece que está aderindo à Rússia.”

Por que o Celso Amorim foi a Moscou? Eu não sei. Essas são interrogações que o governo tinha que explicar para justificar essa posição de que equidistância, que é correta”, defende o embaixador. No início deste mês, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, ex-chanceler de Lula, viajou de surpresa a Moscou, onde se reuniu com Vladimir Putin. Uma viagem semelhante de Amorim foi feita à Venezuela em março.

A defesa brasileira nesta área, que seria a razão por trás da viagem de Amorim, é de um acordo de paz que seja mediado por países não envolvidos no conflito, com a China sendo um dos principais articuladores - embora a China tenha seu próprio plano de paz estabelecido.

Embora seja interpretada como ambiciosa, os analistas reconhecem que a proposta demonstra uma política de boa vontade do Brasil em ser mais atuante do que escolher lados. Mas é necessário que seja feito, e logo, um esclarecimento de quais são os pontos brasileiros nessa proposta de paz, afirma o embaixador.

Reunião dos Brics em 2012: Mahmoud Singh, da Índia, Dmitri Medvedev,da Rússia e Hu Jintao, da China, ao lado de Lula: grupo é distinto do que nos dois primeiros mandatos do presidente  Foto: Wilson Pedrosa/Estadão

Um novo contexto para os Brics

Outra falta de respostas está na proposta brasileira para o Brics - grupo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Apontado como um dos trunfos dos primeiros dois mandatos de Lula, o fortalecimento do Brics foi uma das promessas nos primeiros discursos do presidente. No entanto, o contexto hoje é diferente dos anos 2000, com a Rússia sendo um pária internacional e a China antagonizando abertamente com os EUA. Além disso, a erosão democrática da Índia também impõe desafios para o grupo.

“A China quer incorporar novos membros aos Brics, será que isso é interessante para o Brasil?”, questiona Vieira. “Porque, a depender de quem ela trouxer, pode diluir os interesses e as forças de Brasil, Índia e África do Sul, e fortalecer ela e Rússia. Mas também poderia ser uma oportunidade de o Brasil trazer contrapesos às autocracias desses dois países, trazendo, por exemplo, Argentina ou Colômbia”.

Expectativas com a China

O futuro do Brics, bem como a proposta de paz brasileira na Ucrânia, prometem estar na agenda da próxima viagem de Lula à China, que gera grandes expectativas tanto de analistas internacionais, quanto de outros setores da Economia que tem no país o seu maior comprador.

“Existe uma expectativa muito positiva nessa viagem do presidente Lula, porque serão tratados temas importantes para o País”, explica Christopher Mendonça. “Além da própria guerra na Ucrânia, também veremos meio ambiente, tecnologia, comércio. E a diplomacia brasileira acerta em recuperar as boas relações com a China depois dos atritos da era Bolsonaro.”

A montagem do cronograma de viagens do presidente é elogiada pelos especialistas, pois demonstra quais serão os três pilares da diplomacia brasileira. A primeira viagem foi à Argentina, parceira histórica do Brasil e que reforça os laços com a América Latina. Em seguida foi aos Estados Unidos, uma viagem que Joe Biden queria que Lula fizesse até antes da posse, mas por uma questão de agenda foi feita em janeiro. Agora é a vez da China.

Ao utilizar os primeiros meses de seu governo para fazer as viagens essenciais do ponto de vista do interesse brasileiro, Lula resgata algo que se perdeu na última década, que é a diplomacia presidencial, aponta Barbosa. “Ele e o Fernando Henrique Cardoso criaram essa diplomacia presidencial, que é positiva porque ele tem muito prestígio lá fora”. Prestígio que se refletiu nos primeiros 100 dias com encontros e conversas telefônicas com 27 chefes de Estado, segundo levantamento do Estadão.

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva discute o Fundo Amazônia com o ministro do Clima da Noruega Barth Eide  Foto: Adriano Machado/Reuters

Meio ambiente como trunfo

Contudo, a maior expectativa da política externa de Lula 3, sendo a maior diferença dos seus dois primeiros mandatos, é a questão ambiental. Tendo sido o ponto de maior tensão entre o governo de Bolsonaro e países europeus - que levou ao congelamento das negociações do acordo Mercosul-União Europeia.

Logo após a vitória de Lula, o Fundo Amazônia foi descongelado pela Noruega e até os EUA sinalizaram que pretendem entrar. A nomeação de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente é vista como um dos maiores acertos da administração, já que ela possui reconhecimento internacional por ser uma autoridade na área. Reconhecimento que se refletiu na recepção que a ministra teve na COP 27.

“Mais de 80% potencial do Brasil está na área ambiental”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e ex-ministro do Meio Ambiente no governo Itamar Franco. “O Lula tem que dar a prioridade que essa área merece. A chance da gente desempenhar um papel decisivo no caso da Ucrânia é remoto. Se isso acontecer vai surpreender todo mundo. Enquanto que no caso do meio ambiente a gente está na frente. É como diz, o cavalo tá arriado, com sela, é só montar. Essa que é, a meu ver, a grande linha da política externa.”

100 dias do governo Lula Foto: Estadão

O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa na segunda-feira, 10, seu 100º dia, com uma política externa que tenta desmontar os efeitos do bolsonarismo e resgatar a liderança regional, mas patina num ponto importante: a defesa da democracia.

Para analistas e embaixadores ouvidos pelo Estadão o País ainda peca em se colocar como uma liderança nesse quesito, sobretudo na América Latina, nos casos da Nicarágua e Venezuela.

Apesar disso, ainda na avaliação desses observadores, a política ambiental e aprofundamento dos laços com a China são os maiores acertos até agora.

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, em encontro da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), em 2018 REUTERS/Marco Bello Foto: Marcos Bello /Reuters

Democracia na América Latina

Depois de uma vitória nas urnas cujo mote de campanha foi a defesa da democracia e, principalmente, após os ataques no 8 de Janeiro em Brasília, era de se esperar do Itamaraty de Lula uma defesa explícita e atuante da democracia. Em vez disso, analistas apontam decepção com o silêncio frente a violações de direitos humanos de governo latino-americanos.

“O Brasil poderia ter sido muito mais incisivo na questão de violações de direitos humanos na Nicarágua, e isso talvez mostre que o governo Lula 3 ainda tenha uma mentalidade mais próxima dos primeiros dois mandatos nesse sentido”, afirma Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FAAP. “Em Lula 1 e 2 houve muita condescendência com violações de direitos humanos. Na época já era evidência que havia algo de muito errado na Venezuela e, hoje, na Nicarágua é bastante evidente também”.

Segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, o País tem na região da América Latina uma oportunidade de ouro para se lançar como um líder na defesa da democracia. “A gente tem que ser coerente, se a gente defende democracia e direitos humanos aqui dentro tem que defender direitos humanos e democracia lá fora”, opina.

“O Brasil pode desempenhar um papel importante no caso da Venezuela na busca de caminhos para a eleição do próximo ano para que seja uma eleição livre e democrática, com todos os partidos políticos. E tem que ter posição nos três países: Cuba, Nicarágua e Venezuela”.

No desenvolvimento mais recente, o governo brasileiro ficou em silêncio durante uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a situação na Nicarágua de Daniel Ortega. Após reação negativa, a diplomacia declarou preocupação com “sérias violações de direitos humanos” e se dispôs a receber dissidentes expulsos por Ortega. A reação fez Ortega destituir a embaixadora do país no Brasil.

“O Brasil tem condições de ser o país líder da região”, concorda Vieira, o professor da Faap. “O que a gente ganha em ‘passar pano’, para usar uma expressão simples, com violações de direitos humanos num país como a Nicarágua? Tudo bem, pode se justificar com base no princípio do direito à soberania alheia, mas me parece que não se trata na atualidade de uma questão de soberania, mas uma questão de normas básicas de respeito aos direitos humanos.”

Em mais um exemplo apontado pelos especialistas de falta de protagonismo brasileiro pela causa democrática, foi a recusa em assinar a declaração final da Cúpula da Democracia, organizada pelos Estados Unidos, por não concordar com o foco à guerra na Ucrânia. De acordo com Barbosa, o Brasil poderia ter assinado e feito ressalvas sobre os pontos de discordância, como fizeram outros países.

“O presidente foi eleito como uma plataforma de defesa da democracia e em diversos momentos eles opôs ao Bolsonaro demonstrando que ele tinha uma capacidade de diálogo e sobretudo de defesa da democracia. Nesses termos, é muito importante para o presidente firmar seus pés nessa defesa”, observa Christopher Mendonça, professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH.

Lula em reunião com o presidente americano Joe Biden na Casa Branca: apelo por paz na Ucrânia Foto: Alex Brandon/AP/File

Posição sobre a guerra na Ucrânia

O ponto onde o Itamaraty tem sofrido mais pressão nas últimas semanas é justamente na posição de neutralidade frente à guerra na Ucrânia. Um posicionamento que não é um erro, segundo Rubens Barbosa, mas falta maior clareza da diplomacia sobre quais interesses o País defende ao se posicionar desta forma.

“Eu não estou vendo uma justificativa do governo atual para essa medida, correta, de não comprar um alinhamento automático, nem com os EUA nem com a China nem com a Rússia”, afirma. “A discussão sobre isso aqui no Brasil está muito simplória, e sem explicar, a gente fica numa posição que parece que está aderindo à Rússia.”

Por que o Celso Amorim foi a Moscou? Eu não sei. Essas são interrogações que o governo tinha que explicar para justificar essa posição de que equidistância, que é correta”, defende o embaixador. No início deste mês, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, ex-chanceler de Lula, viajou de surpresa a Moscou, onde se reuniu com Vladimir Putin. Uma viagem semelhante de Amorim foi feita à Venezuela em março.

A defesa brasileira nesta área, que seria a razão por trás da viagem de Amorim, é de um acordo de paz que seja mediado por países não envolvidos no conflito, com a China sendo um dos principais articuladores - embora a China tenha seu próprio plano de paz estabelecido.

Embora seja interpretada como ambiciosa, os analistas reconhecem que a proposta demonstra uma política de boa vontade do Brasil em ser mais atuante do que escolher lados. Mas é necessário que seja feito, e logo, um esclarecimento de quais são os pontos brasileiros nessa proposta de paz, afirma o embaixador.

Reunião dos Brics em 2012: Mahmoud Singh, da Índia, Dmitri Medvedev,da Rússia e Hu Jintao, da China, ao lado de Lula: grupo é distinto do que nos dois primeiros mandatos do presidente  Foto: Wilson Pedrosa/Estadão

Um novo contexto para os Brics

Outra falta de respostas está na proposta brasileira para o Brics - grupo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Apontado como um dos trunfos dos primeiros dois mandatos de Lula, o fortalecimento do Brics foi uma das promessas nos primeiros discursos do presidente. No entanto, o contexto hoje é diferente dos anos 2000, com a Rússia sendo um pária internacional e a China antagonizando abertamente com os EUA. Além disso, a erosão democrática da Índia também impõe desafios para o grupo.

“A China quer incorporar novos membros aos Brics, será que isso é interessante para o Brasil?”, questiona Vieira. “Porque, a depender de quem ela trouxer, pode diluir os interesses e as forças de Brasil, Índia e África do Sul, e fortalecer ela e Rússia. Mas também poderia ser uma oportunidade de o Brasil trazer contrapesos às autocracias desses dois países, trazendo, por exemplo, Argentina ou Colômbia”.

Expectativas com a China

O futuro do Brics, bem como a proposta de paz brasileira na Ucrânia, prometem estar na agenda da próxima viagem de Lula à China, que gera grandes expectativas tanto de analistas internacionais, quanto de outros setores da Economia que tem no país o seu maior comprador.

“Existe uma expectativa muito positiva nessa viagem do presidente Lula, porque serão tratados temas importantes para o País”, explica Christopher Mendonça. “Além da própria guerra na Ucrânia, também veremos meio ambiente, tecnologia, comércio. E a diplomacia brasileira acerta em recuperar as boas relações com a China depois dos atritos da era Bolsonaro.”

A montagem do cronograma de viagens do presidente é elogiada pelos especialistas, pois demonstra quais serão os três pilares da diplomacia brasileira. A primeira viagem foi à Argentina, parceira histórica do Brasil e que reforça os laços com a América Latina. Em seguida foi aos Estados Unidos, uma viagem que Joe Biden queria que Lula fizesse até antes da posse, mas por uma questão de agenda foi feita em janeiro. Agora é a vez da China.

Ao utilizar os primeiros meses de seu governo para fazer as viagens essenciais do ponto de vista do interesse brasileiro, Lula resgata algo que se perdeu na última década, que é a diplomacia presidencial, aponta Barbosa. “Ele e o Fernando Henrique Cardoso criaram essa diplomacia presidencial, que é positiva porque ele tem muito prestígio lá fora”. Prestígio que se refletiu nos primeiros 100 dias com encontros e conversas telefônicas com 27 chefes de Estado, segundo levantamento do Estadão.

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva discute o Fundo Amazônia com o ministro do Clima da Noruega Barth Eide  Foto: Adriano Machado/Reuters

Meio ambiente como trunfo

Contudo, a maior expectativa da política externa de Lula 3, sendo a maior diferença dos seus dois primeiros mandatos, é a questão ambiental. Tendo sido o ponto de maior tensão entre o governo de Bolsonaro e países europeus - que levou ao congelamento das negociações do acordo Mercosul-União Europeia.

Logo após a vitória de Lula, o Fundo Amazônia foi descongelado pela Noruega e até os EUA sinalizaram que pretendem entrar. A nomeação de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente é vista como um dos maiores acertos da administração, já que ela possui reconhecimento internacional por ser uma autoridade na área. Reconhecimento que se refletiu na recepção que a ministra teve na COP 27.

“Mais de 80% potencial do Brasil está na área ambiental”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e ex-ministro do Meio Ambiente no governo Itamar Franco. “O Lula tem que dar a prioridade que essa área merece. A chance da gente desempenhar um papel decisivo no caso da Ucrânia é remoto. Se isso acontecer vai surpreender todo mundo. Enquanto que no caso do meio ambiente a gente está na frente. É como diz, o cavalo tá arriado, com sela, é só montar. Essa que é, a meu ver, a grande linha da política externa.”

100 dias do governo Lula Foto: Estadão

O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa na segunda-feira, 10, seu 100º dia, com uma política externa que tenta desmontar os efeitos do bolsonarismo e resgatar a liderança regional, mas patina num ponto importante: a defesa da democracia.

Para analistas e embaixadores ouvidos pelo Estadão o País ainda peca em se colocar como uma liderança nesse quesito, sobretudo na América Latina, nos casos da Nicarágua e Venezuela.

Apesar disso, ainda na avaliação desses observadores, a política ambiental e aprofundamento dos laços com a China são os maiores acertos até agora.

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, em encontro da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), em 2018 REUTERS/Marco Bello Foto: Marcos Bello /Reuters

Democracia na América Latina

Depois de uma vitória nas urnas cujo mote de campanha foi a defesa da democracia e, principalmente, após os ataques no 8 de Janeiro em Brasília, era de se esperar do Itamaraty de Lula uma defesa explícita e atuante da democracia. Em vez disso, analistas apontam decepção com o silêncio frente a violações de direitos humanos de governo latino-americanos.

“O Brasil poderia ter sido muito mais incisivo na questão de violações de direitos humanos na Nicarágua, e isso talvez mostre que o governo Lula 3 ainda tenha uma mentalidade mais próxima dos primeiros dois mandatos nesse sentido”, afirma Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FAAP. “Em Lula 1 e 2 houve muita condescendência com violações de direitos humanos. Na época já era evidência que havia algo de muito errado na Venezuela e, hoje, na Nicarágua é bastante evidente também”.

Segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, o País tem na região da América Latina uma oportunidade de ouro para se lançar como um líder na defesa da democracia. “A gente tem que ser coerente, se a gente defende democracia e direitos humanos aqui dentro tem que defender direitos humanos e democracia lá fora”, opina.

“O Brasil pode desempenhar um papel importante no caso da Venezuela na busca de caminhos para a eleição do próximo ano para que seja uma eleição livre e democrática, com todos os partidos políticos. E tem que ter posição nos três países: Cuba, Nicarágua e Venezuela”.

No desenvolvimento mais recente, o governo brasileiro ficou em silêncio durante uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a situação na Nicarágua de Daniel Ortega. Após reação negativa, a diplomacia declarou preocupação com “sérias violações de direitos humanos” e se dispôs a receber dissidentes expulsos por Ortega. A reação fez Ortega destituir a embaixadora do país no Brasil.

“O Brasil tem condições de ser o país líder da região”, concorda Vieira, o professor da Faap. “O que a gente ganha em ‘passar pano’, para usar uma expressão simples, com violações de direitos humanos num país como a Nicarágua? Tudo bem, pode se justificar com base no princípio do direito à soberania alheia, mas me parece que não se trata na atualidade de uma questão de soberania, mas uma questão de normas básicas de respeito aos direitos humanos.”

Em mais um exemplo apontado pelos especialistas de falta de protagonismo brasileiro pela causa democrática, foi a recusa em assinar a declaração final da Cúpula da Democracia, organizada pelos Estados Unidos, por não concordar com o foco à guerra na Ucrânia. De acordo com Barbosa, o Brasil poderia ter assinado e feito ressalvas sobre os pontos de discordância, como fizeram outros países.

“O presidente foi eleito como uma plataforma de defesa da democracia e em diversos momentos eles opôs ao Bolsonaro demonstrando que ele tinha uma capacidade de diálogo e sobretudo de defesa da democracia. Nesses termos, é muito importante para o presidente firmar seus pés nessa defesa”, observa Christopher Mendonça, professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH.

Lula em reunião com o presidente americano Joe Biden na Casa Branca: apelo por paz na Ucrânia Foto: Alex Brandon/AP/File

Posição sobre a guerra na Ucrânia

O ponto onde o Itamaraty tem sofrido mais pressão nas últimas semanas é justamente na posição de neutralidade frente à guerra na Ucrânia. Um posicionamento que não é um erro, segundo Rubens Barbosa, mas falta maior clareza da diplomacia sobre quais interesses o País defende ao se posicionar desta forma.

“Eu não estou vendo uma justificativa do governo atual para essa medida, correta, de não comprar um alinhamento automático, nem com os EUA nem com a China nem com a Rússia”, afirma. “A discussão sobre isso aqui no Brasil está muito simplória, e sem explicar, a gente fica numa posição que parece que está aderindo à Rússia.”

Por que o Celso Amorim foi a Moscou? Eu não sei. Essas são interrogações que o governo tinha que explicar para justificar essa posição de que equidistância, que é correta”, defende o embaixador. No início deste mês, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, ex-chanceler de Lula, viajou de surpresa a Moscou, onde se reuniu com Vladimir Putin. Uma viagem semelhante de Amorim foi feita à Venezuela em março.

A defesa brasileira nesta área, que seria a razão por trás da viagem de Amorim, é de um acordo de paz que seja mediado por países não envolvidos no conflito, com a China sendo um dos principais articuladores - embora a China tenha seu próprio plano de paz estabelecido.

Embora seja interpretada como ambiciosa, os analistas reconhecem que a proposta demonstra uma política de boa vontade do Brasil em ser mais atuante do que escolher lados. Mas é necessário que seja feito, e logo, um esclarecimento de quais são os pontos brasileiros nessa proposta de paz, afirma o embaixador.

Reunião dos Brics em 2012: Mahmoud Singh, da Índia, Dmitri Medvedev,da Rússia e Hu Jintao, da China, ao lado de Lula: grupo é distinto do que nos dois primeiros mandatos do presidente  Foto: Wilson Pedrosa/Estadão

Um novo contexto para os Brics

Outra falta de respostas está na proposta brasileira para o Brics - grupo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Apontado como um dos trunfos dos primeiros dois mandatos de Lula, o fortalecimento do Brics foi uma das promessas nos primeiros discursos do presidente. No entanto, o contexto hoje é diferente dos anos 2000, com a Rússia sendo um pária internacional e a China antagonizando abertamente com os EUA. Além disso, a erosão democrática da Índia também impõe desafios para o grupo.

“A China quer incorporar novos membros aos Brics, será que isso é interessante para o Brasil?”, questiona Vieira. “Porque, a depender de quem ela trouxer, pode diluir os interesses e as forças de Brasil, Índia e África do Sul, e fortalecer ela e Rússia. Mas também poderia ser uma oportunidade de o Brasil trazer contrapesos às autocracias desses dois países, trazendo, por exemplo, Argentina ou Colômbia”.

Expectativas com a China

O futuro do Brics, bem como a proposta de paz brasileira na Ucrânia, prometem estar na agenda da próxima viagem de Lula à China, que gera grandes expectativas tanto de analistas internacionais, quanto de outros setores da Economia que tem no país o seu maior comprador.

“Existe uma expectativa muito positiva nessa viagem do presidente Lula, porque serão tratados temas importantes para o País”, explica Christopher Mendonça. “Além da própria guerra na Ucrânia, também veremos meio ambiente, tecnologia, comércio. E a diplomacia brasileira acerta em recuperar as boas relações com a China depois dos atritos da era Bolsonaro.”

A montagem do cronograma de viagens do presidente é elogiada pelos especialistas, pois demonstra quais serão os três pilares da diplomacia brasileira. A primeira viagem foi à Argentina, parceira histórica do Brasil e que reforça os laços com a América Latina. Em seguida foi aos Estados Unidos, uma viagem que Joe Biden queria que Lula fizesse até antes da posse, mas por uma questão de agenda foi feita em janeiro. Agora é a vez da China.

Ao utilizar os primeiros meses de seu governo para fazer as viagens essenciais do ponto de vista do interesse brasileiro, Lula resgata algo que se perdeu na última década, que é a diplomacia presidencial, aponta Barbosa. “Ele e o Fernando Henrique Cardoso criaram essa diplomacia presidencial, que é positiva porque ele tem muito prestígio lá fora”. Prestígio que se refletiu nos primeiros 100 dias com encontros e conversas telefônicas com 27 chefes de Estado, segundo levantamento do Estadão.

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva discute o Fundo Amazônia com o ministro do Clima da Noruega Barth Eide  Foto: Adriano Machado/Reuters

Meio ambiente como trunfo

Contudo, a maior expectativa da política externa de Lula 3, sendo a maior diferença dos seus dois primeiros mandatos, é a questão ambiental. Tendo sido o ponto de maior tensão entre o governo de Bolsonaro e países europeus - que levou ao congelamento das negociações do acordo Mercosul-União Europeia.

Logo após a vitória de Lula, o Fundo Amazônia foi descongelado pela Noruega e até os EUA sinalizaram que pretendem entrar. A nomeação de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente é vista como um dos maiores acertos da administração, já que ela possui reconhecimento internacional por ser uma autoridade na área. Reconhecimento que se refletiu na recepção que a ministra teve na COP 27.

“Mais de 80% potencial do Brasil está na área ambiental”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e ex-ministro do Meio Ambiente no governo Itamar Franco. “O Lula tem que dar a prioridade que essa área merece. A chance da gente desempenhar um papel decisivo no caso da Ucrânia é remoto. Se isso acontecer vai surpreender todo mundo. Enquanto que no caso do meio ambiente a gente está na frente. É como diz, o cavalo tá arriado, com sela, é só montar. Essa que é, a meu ver, a grande linha da política externa.”

100 dias do governo Lula Foto: Estadão

O novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa na segunda-feira, 10, seu 100º dia, com uma política externa que tenta desmontar os efeitos do bolsonarismo e resgatar a liderança regional, mas patina num ponto importante: a defesa da democracia.

Para analistas e embaixadores ouvidos pelo Estadão o País ainda peca em se colocar como uma liderança nesse quesito, sobretudo na América Latina, nos casos da Nicarágua e Venezuela.

Apesar disso, ainda na avaliação desses observadores, a política ambiental e aprofundamento dos laços com a China são os maiores acertos até agora.

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, em encontro da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), em 2018 REUTERS/Marco Bello Foto: Marcos Bello /Reuters

Democracia na América Latina

Depois de uma vitória nas urnas cujo mote de campanha foi a defesa da democracia e, principalmente, após os ataques no 8 de Janeiro em Brasília, era de se esperar do Itamaraty de Lula uma defesa explícita e atuante da democracia. Em vez disso, analistas apontam decepção com o silêncio frente a violações de direitos humanos de governo latino-americanos.

“O Brasil poderia ter sido muito mais incisivo na questão de violações de direitos humanos na Nicarágua, e isso talvez mostre que o governo Lula 3 ainda tenha uma mentalidade mais próxima dos primeiros dois mandatos nesse sentido”, afirma Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FAAP. “Em Lula 1 e 2 houve muita condescendência com violações de direitos humanos. Na época já era evidência que havia algo de muito errado na Venezuela e, hoje, na Nicarágua é bastante evidente também”.

Segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, o País tem na região da América Latina uma oportunidade de ouro para se lançar como um líder na defesa da democracia. “A gente tem que ser coerente, se a gente defende democracia e direitos humanos aqui dentro tem que defender direitos humanos e democracia lá fora”, opina.

“O Brasil pode desempenhar um papel importante no caso da Venezuela na busca de caminhos para a eleição do próximo ano para que seja uma eleição livre e democrática, com todos os partidos políticos. E tem que ter posição nos três países: Cuba, Nicarágua e Venezuela”.

No desenvolvimento mais recente, o governo brasileiro ficou em silêncio durante uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a situação na Nicarágua de Daniel Ortega. Após reação negativa, a diplomacia declarou preocupação com “sérias violações de direitos humanos” e se dispôs a receber dissidentes expulsos por Ortega. A reação fez Ortega destituir a embaixadora do país no Brasil.

“O Brasil tem condições de ser o país líder da região”, concorda Vieira, o professor da Faap. “O que a gente ganha em ‘passar pano’, para usar uma expressão simples, com violações de direitos humanos num país como a Nicarágua? Tudo bem, pode se justificar com base no princípio do direito à soberania alheia, mas me parece que não se trata na atualidade de uma questão de soberania, mas uma questão de normas básicas de respeito aos direitos humanos.”

Em mais um exemplo apontado pelos especialistas de falta de protagonismo brasileiro pela causa democrática, foi a recusa em assinar a declaração final da Cúpula da Democracia, organizada pelos Estados Unidos, por não concordar com o foco à guerra na Ucrânia. De acordo com Barbosa, o Brasil poderia ter assinado e feito ressalvas sobre os pontos de discordância, como fizeram outros países.

“O presidente foi eleito como uma plataforma de defesa da democracia e em diversos momentos eles opôs ao Bolsonaro demonstrando que ele tinha uma capacidade de diálogo e sobretudo de defesa da democracia. Nesses termos, é muito importante para o presidente firmar seus pés nessa defesa”, observa Christopher Mendonça, professor de Relações Internacionais do Ibmec-BH.

Lula em reunião com o presidente americano Joe Biden na Casa Branca: apelo por paz na Ucrânia Foto: Alex Brandon/AP/File

Posição sobre a guerra na Ucrânia

O ponto onde o Itamaraty tem sofrido mais pressão nas últimas semanas é justamente na posição de neutralidade frente à guerra na Ucrânia. Um posicionamento que não é um erro, segundo Rubens Barbosa, mas falta maior clareza da diplomacia sobre quais interesses o País defende ao se posicionar desta forma.

“Eu não estou vendo uma justificativa do governo atual para essa medida, correta, de não comprar um alinhamento automático, nem com os EUA nem com a China nem com a Rússia”, afirma. “A discussão sobre isso aqui no Brasil está muito simplória, e sem explicar, a gente fica numa posição que parece que está aderindo à Rússia.”

Por que o Celso Amorim foi a Moscou? Eu não sei. Essas são interrogações que o governo tinha que explicar para justificar essa posição de que equidistância, que é correta”, defende o embaixador. No início deste mês, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, ex-chanceler de Lula, viajou de surpresa a Moscou, onde se reuniu com Vladimir Putin. Uma viagem semelhante de Amorim foi feita à Venezuela em março.

A defesa brasileira nesta área, que seria a razão por trás da viagem de Amorim, é de um acordo de paz que seja mediado por países não envolvidos no conflito, com a China sendo um dos principais articuladores - embora a China tenha seu próprio plano de paz estabelecido.

Embora seja interpretada como ambiciosa, os analistas reconhecem que a proposta demonstra uma política de boa vontade do Brasil em ser mais atuante do que escolher lados. Mas é necessário que seja feito, e logo, um esclarecimento de quais são os pontos brasileiros nessa proposta de paz, afirma o embaixador.

Reunião dos Brics em 2012: Mahmoud Singh, da Índia, Dmitri Medvedev,da Rússia e Hu Jintao, da China, ao lado de Lula: grupo é distinto do que nos dois primeiros mandatos do presidente  Foto: Wilson Pedrosa/Estadão

Um novo contexto para os Brics

Outra falta de respostas está na proposta brasileira para o Brics - grupo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Apontado como um dos trunfos dos primeiros dois mandatos de Lula, o fortalecimento do Brics foi uma das promessas nos primeiros discursos do presidente. No entanto, o contexto hoje é diferente dos anos 2000, com a Rússia sendo um pária internacional e a China antagonizando abertamente com os EUA. Além disso, a erosão democrática da Índia também impõe desafios para o grupo.

“A China quer incorporar novos membros aos Brics, será que isso é interessante para o Brasil?”, questiona Vieira. “Porque, a depender de quem ela trouxer, pode diluir os interesses e as forças de Brasil, Índia e África do Sul, e fortalecer ela e Rússia. Mas também poderia ser uma oportunidade de o Brasil trazer contrapesos às autocracias desses dois países, trazendo, por exemplo, Argentina ou Colômbia”.

Expectativas com a China

O futuro do Brics, bem como a proposta de paz brasileira na Ucrânia, prometem estar na agenda da próxima viagem de Lula à China, que gera grandes expectativas tanto de analistas internacionais, quanto de outros setores da Economia que tem no país o seu maior comprador.

“Existe uma expectativa muito positiva nessa viagem do presidente Lula, porque serão tratados temas importantes para o País”, explica Christopher Mendonça. “Além da própria guerra na Ucrânia, também veremos meio ambiente, tecnologia, comércio. E a diplomacia brasileira acerta em recuperar as boas relações com a China depois dos atritos da era Bolsonaro.”

A montagem do cronograma de viagens do presidente é elogiada pelos especialistas, pois demonstra quais serão os três pilares da diplomacia brasileira. A primeira viagem foi à Argentina, parceira histórica do Brasil e que reforça os laços com a América Latina. Em seguida foi aos Estados Unidos, uma viagem que Joe Biden queria que Lula fizesse até antes da posse, mas por uma questão de agenda foi feita em janeiro. Agora é a vez da China.

Ao utilizar os primeiros meses de seu governo para fazer as viagens essenciais do ponto de vista do interesse brasileiro, Lula resgata algo que se perdeu na última década, que é a diplomacia presidencial, aponta Barbosa. “Ele e o Fernando Henrique Cardoso criaram essa diplomacia presidencial, que é positiva porque ele tem muito prestígio lá fora”. Prestígio que se refletiu nos primeiros 100 dias com encontros e conversas telefônicas com 27 chefes de Estado, segundo levantamento do Estadão.

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva discute o Fundo Amazônia com o ministro do Clima da Noruega Barth Eide  Foto: Adriano Machado/Reuters

Meio ambiente como trunfo

Contudo, a maior expectativa da política externa de Lula 3, sendo a maior diferença dos seus dois primeiros mandatos, é a questão ambiental. Tendo sido o ponto de maior tensão entre o governo de Bolsonaro e países europeus - que levou ao congelamento das negociações do acordo Mercosul-União Europeia.

Logo após a vitória de Lula, o Fundo Amazônia foi descongelado pela Noruega e até os EUA sinalizaram que pretendem entrar. A nomeação de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente é vista como um dos maiores acertos da administração, já que ela possui reconhecimento internacional por ser uma autoridade na área. Reconhecimento que se refletiu na recepção que a ministra teve na COP 27.

“Mais de 80% potencial do Brasil está na área ambiental”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e ex-ministro do Meio Ambiente no governo Itamar Franco. “O Lula tem que dar a prioridade que essa área merece. A chance da gente desempenhar um papel decisivo no caso da Ucrânia é remoto. Se isso acontecer vai surpreender todo mundo. Enquanto que no caso do meio ambiente a gente está na frente. É como diz, o cavalo tá arriado, com sela, é só montar. Essa que é, a meu ver, a grande linha da política externa.”

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