A Alemanha não sabe o que fazer com a casa de verão de Joseph Goebbels


Complexo custoso para o Estado manter, caro demais para os investidores e manchado pela história acabou abandonado por Berlim

Por Sarah Maslin Nir
Atualização:

Atrás de um bosque de faias cobertas de urtigas e ao lado de um lago azul, a uma hora de Berlim, uma casa de campo que pertenceu no passado a um dos arquitetos do nazismo decai silenciosamente.

Ninguém sabe o que fazer com a propriedade à beira do Lago Bogensee, em Brandemburgo. Suas dependências foram construídas pouco antes do início da 2.ª Guerra para Joseph Goebbels, o ministro da propaganda do nazismo, por seu país agradecido. Pertencente hoje ao Estado alemão, o complexo se deteriora custosamente, às expensas dos contribuintes, juntamente com um dramático conjunto de dormitórios construídos posteriormente, pelo Partido Comunista, para abrigar alunos de uma escola de proselitismo. Com mais de 80 mil metros quadrados, o campus ecoa as histórias de dois regimes totalitários.

O complexo — dispendioso demais para o Estado seguir mantendo, proibitivamente caro para a maioria dos investidores imobiliários e manchado pela história — acabou praticamente abandonado por Berlim, que desistiu de vendê-lo e desenvolver qualquer atividade por lá.

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Visitantes na entrada principal da casa de campo de Joseph Goebbels. Foto: Lena Mucha/The New York Times

Em vez disso, o Estado alemão está oferecendo a mansão nazista gratuitamente. (O recebedor, certamente, será sujeito à aprovação do governo.)

Em comentários exasperados pronunciados ao Parlamento nesta primavera (Hemisfério Norte), o senador Stefan Evers, que cuida das finanças do Estado, fez a oferta: tirem isso das nossas mãos ou vamos demolir tudo; desencadeando uma torrente de interesse de possíveis proprietários em todo o planeta.

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Houve consultas de um dermatologista que pretende abrir um centro de cuidados com a pele e de alguns caçadores de pechinchas, afirmou Evers recentemente, durante entrevista em seu gabinete, em Berlim. Nenhuma oferta adequada, disse ele.

Uma consulta anterior, de um grupo de extrema direita chamado movimento Reichsbürger, pareceu encarnar os piores temores das autoridades. O grupo nega a legitimidade do atual Estado alemão; alguns de seus membros estão em julgamento sob acusação de conspirar para depor o governo.

Esse tipo de atenção — a possibilidade da associação da propriedade com a era nazista poder atrair compradores repulsivos — justifica em parte o abandono do complexo.

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“A história do lugar é precisamente a razão pela qual Berlim nunca o entregou para entes privados, por causa do risco de uso indevido”, afirmou Evers.

O destino da propriedade não é um dilema apenas logístico para a Alemanha. Ele ilustra um problema maior e mais antigo, cujas premissas têm mudado ao longo do tempo, segundo especialistas: preservar ou destruir os vários edifícios do passado de ódio na Alemanha.

Foto mostra auditórios do campus construído posteriormente pelo Partido Comunista no complexo.  Foto: Lena Mucha/he New York Times
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Imediatamente após a 2.ª Guerra, a estratégia que prevaleceu foi seguir adiante, ignorando os proprietários anteriores, para evitar reificar o passado, de acordo com o historiador Peter Longerich, autor de “Goebbels”, uma biografia. O apartamento de Hitler em Munique, por exemplo, tem pouca informação detalhando sua história; o local foi transformado há muito em um posto policial no qual os agentes usam as estantes de livros que pertenceram ao líder nazista, afirmou ele.

O benefício dos inquilinos policiais é que sua presença mantém afastados simpatizantes do nazismo que peregrinam para esses lugares ocasionalmente. No ano passado, na Áustria, o governo se mobilizou para transformar o local de nascimento de Hitler em uma delegacia por este mesmo motivo, atraindo um debate contencioso.

Mas, conforme a extrema direita ressurge na política alemã, tem havido uma mudança no sentimento em relação à memória do passado no sentido de jamais esquecê-lo.

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“A atitude dominante na educação por um longo tempo foi, se possível, ignorar muitas coisas desse período”, afirmou Longerich. “Mas nenhum povo tem uma noção maior de acerto de contas com o passado do que os alemães”, acrescentou ele. “E pode ser que, com o tempo, a ignorância precise ser superada e as pessoas achem necessário preservar esse espaço.”

A propriedade nazista fica nas proximidades do centro de Wandlitz. A vegetação cresceu em volta da casa, bloqueando a porta para o cinema particular onde Goebbels projetava seus filmes de propaganda. Teias de aranha cobrem as janelas dos quartos. E partículas de poeira flutuavam pelos salões arejados onde Goebbels recebia com banquetes a liderança nazista e onde seus seis filhos brincavam ao lado da lareira — até sua mulher envenenar todos nos dias finais da guerra.

Auditório do campus, que se deteriora enquanto Alemanha não sabe o que fazer com o prédio.  Foto: Lena Mucha/The New York Times
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Manter a propriedade custa 280 mil euros anualmente (cerca de US$ 306 mil) apenas para evitar que tudo não caia aos pedaços, de acordo com o departamento de edificações. Restaurar o complexo não apenas seria caro, mas também introduziria uma questão espinhosa que persegue preservacionistas que têm de lidar com estruturas usadas no passado como instalações nazistas e comunistas na Alemanha.

“Se elas são bonitas demais, nós reestetizamos seu domínio”, afirmou o professor de história e relações internacionais Thomas Weber, da Universidade de Aberdeen, na Escócia. “Porém, se as deixamos estar mas de alguma maneira destruímos o modo que elas funcionavam na época, as pessoas também não entenderão.”

A mansão de Goebbels é repleta de floreios arquitetônicos populares entre os líderes nazistas, como suas luminosas janelas que se projetam na paisagem, do teto até o chão — um toque também usado no retiro de férias de Hitler nos Alpes Bávaros. E nos fundos também há um bunker, por via das dúvidas.

Outras estruturas foram adicionadas com o tempo. Por um caminho ornado com estátuas sem cabeça de amantes abraçados, chega-se a um conjunto de prédios em estilo quase federal. Os edifícios foram usados como universidade da Internacional Comunista Juvenil entre os anos 40 e a queda do Muro de Berlim. Ao subir degraus onde o mato cresce pelas frestas e atravessar portas grafitadas, seu interior cavernoso revela alojamentos e um auditório onde ecos ressoam.

Essa parte da propriedade pertence a um passado frequentemente eclipsado pelo histórico nazista, afirmou o professor de história moderna Gerwin Strobl, da Universidade de Cardiff, em Gales, que estuda Alemanha. Mas que também é doloroso para os alemães. “Na realidade, o local atendeu a duas ditaduras sucessivas na Alemanha. O que também explica por que é difícil encontrar um uso”, disse Strobl. “Mas os prédios, em si, não são malignos.”

Durante um passeio de bicicleta, numa sexta-feira recente, um homem e uma mulher na faixa dos 60 anos pararam diante do edifício que funcionou como centro social do campus para observar o local em ruínas. Foi lá que o casal, Marita e Frank Bernhardt, se conheceu, quando ambos eram estudantes, em 1978.

Marita, 66, e Frank Bernhardt, 67, visitam antiga casa de cultura do campus.  Foto: Lena Mucha/The New York Times

Marita disse que soube do passado nazista do complexo somente após a reunificação da Alemanha. “É por isso que o sabor foi meio amargo”, afirmou ela sobre a primeira vez que retornou. Mas, ao mesmo tempo, foi lá que ela e seu marido se apaixonaram. “As memórias ainda são agradáveis.”

Após saber a respeito da oferta de Berlim de abrir mão da propriedade gratuitamente, o rabino Menachem Margolin, presidente da Associação Judaica Europeia, enviou uma carta aberta oferecendo-se para transformar o local em um centro de educação contra todas as formas de ódio.

“É uma mensagem importante para todos”, afirmou o rabino Margolin, “que até o lugar mais obscuro do mundo possa se tornar uma fonte de luz”.

Um projeto desse tipo merece ser contemplado, afirmou Evers, mas o problema é o financiamento. Walter Reich, ex-diretor do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, afirmou que é obrigação da Alemanha ajudar a pagar. “Isso é parte do fardo da história alemã”, afirmou Reich por e-mail, “do passado imperscrutável da Alemanha”.

Por anos, à medida que os freixos e amieiros iam cobrindo a propriedade, o prefeito de Wandlitz, Oliver Borchert, repeliu os interesses dos extremistas de direita, incluindo o grupo golpista Reichsbürger. O lugar precisa de mais que uma reforma — precisa de uma transformação, afirmou Borchert. “Temos de encontrar um uso capaz de combater e ao mesmo tempo refletir as sombras da casa e sua história.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Atrás de um bosque de faias cobertas de urtigas e ao lado de um lago azul, a uma hora de Berlim, uma casa de campo que pertenceu no passado a um dos arquitetos do nazismo decai silenciosamente.

Ninguém sabe o que fazer com a propriedade à beira do Lago Bogensee, em Brandemburgo. Suas dependências foram construídas pouco antes do início da 2.ª Guerra para Joseph Goebbels, o ministro da propaganda do nazismo, por seu país agradecido. Pertencente hoje ao Estado alemão, o complexo se deteriora custosamente, às expensas dos contribuintes, juntamente com um dramático conjunto de dormitórios construídos posteriormente, pelo Partido Comunista, para abrigar alunos de uma escola de proselitismo. Com mais de 80 mil metros quadrados, o campus ecoa as histórias de dois regimes totalitários.

O complexo — dispendioso demais para o Estado seguir mantendo, proibitivamente caro para a maioria dos investidores imobiliários e manchado pela história — acabou praticamente abandonado por Berlim, que desistiu de vendê-lo e desenvolver qualquer atividade por lá.

Visitantes na entrada principal da casa de campo de Joseph Goebbels. Foto: Lena Mucha/The New York Times

Em vez disso, o Estado alemão está oferecendo a mansão nazista gratuitamente. (O recebedor, certamente, será sujeito à aprovação do governo.)

Em comentários exasperados pronunciados ao Parlamento nesta primavera (Hemisfério Norte), o senador Stefan Evers, que cuida das finanças do Estado, fez a oferta: tirem isso das nossas mãos ou vamos demolir tudo; desencadeando uma torrente de interesse de possíveis proprietários em todo o planeta.

Houve consultas de um dermatologista que pretende abrir um centro de cuidados com a pele e de alguns caçadores de pechinchas, afirmou Evers recentemente, durante entrevista em seu gabinete, em Berlim. Nenhuma oferta adequada, disse ele.

Uma consulta anterior, de um grupo de extrema direita chamado movimento Reichsbürger, pareceu encarnar os piores temores das autoridades. O grupo nega a legitimidade do atual Estado alemão; alguns de seus membros estão em julgamento sob acusação de conspirar para depor o governo.

Esse tipo de atenção — a possibilidade da associação da propriedade com a era nazista poder atrair compradores repulsivos — justifica em parte o abandono do complexo.

“A história do lugar é precisamente a razão pela qual Berlim nunca o entregou para entes privados, por causa do risco de uso indevido”, afirmou Evers.

O destino da propriedade não é um dilema apenas logístico para a Alemanha. Ele ilustra um problema maior e mais antigo, cujas premissas têm mudado ao longo do tempo, segundo especialistas: preservar ou destruir os vários edifícios do passado de ódio na Alemanha.

Foto mostra auditórios do campus construído posteriormente pelo Partido Comunista no complexo.  Foto: Lena Mucha/he New York Times

Imediatamente após a 2.ª Guerra, a estratégia que prevaleceu foi seguir adiante, ignorando os proprietários anteriores, para evitar reificar o passado, de acordo com o historiador Peter Longerich, autor de “Goebbels”, uma biografia. O apartamento de Hitler em Munique, por exemplo, tem pouca informação detalhando sua história; o local foi transformado há muito em um posto policial no qual os agentes usam as estantes de livros que pertenceram ao líder nazista, afirmou ele.

O benefício dos inquilinos policiais é que sua presença mantém afastados simpatizantes do nazismo que peregrinam para esses lugares ocasionalmente. No ano passado, na Áustria, o governo se mobilizou para transformar o local de nascimento de Hitler em uma delegacia por este mesmo motivo, atraindo um debate contencioso.

Mas, conforme a extrema direita ressurge na política alemã, tem havido uma mudança no sentimento em relação à memória do passado no sentido de jamais esquecê-lo.

“A atitude dominante na educação por um longo tempo foi, se possível, ignorar muitas coisas desse período”, afirmou Longerich. “Mas nenhum povo tem uma noção maior de acerto de contas com o passado do que os alemães”, acrescentou ele. “E pode ser que, com o tempo, a ignorância precise ser superada e as pessoas achem necessário preservar esse espaço.”

A propriedade nazista fica nas proximidades do centro de Wandlitz. A vegetação cresceu em volta da casa, bloqueando a porta para o cinema particular onde Goebbels projetava seus filmes de propaganda. Teias de aranha cobrem as janelas dos quartos. E partículas de poeira flutuavam pelos salões arejados onde Goebbels recebia com banquetes a liderança nazista e onde seus seis filhos brincavam ao lado da lareira — até sua mulher envenenar todos nos dias finais da guerra.

Auditório do campus, que se deteriora enquanto Alemanha não sabe o que fazer com o prédio.  Foto: Lena Mucha/The New York Times

Manter a propriedade custa 280 mil euros anualmente (cerca de US$ 306 mil) apenas para evitar que tudo não caia aos pedaços, de acordo com o departamento de edificações. Restaurar o complexo não apenas seria caro, mas também introduziria uma questão espinhosa que persegue preservacionistas que têm de lidar com estruturas usadas no passado como instalações nazistas e comunistas na Alemanha.

“Se elas são bonitas demais, nós reestetizamos seu domínio”, afirmou o professor de história e relações internacionais Thomas Weber, da Universidade de Aberdeen, na Escócia. “Porém, se as deixamos estar mas de alguma maneira destruímos o modo que elas funcionavam na época, as pessoas também não entenderão.”

A mansão de Goebbels é repleta de floreios arquitetônicos populares entre os líderes nazistas, como suas luminosas janelas que se projetam na paisagem, do teto até o chão — um toque também usado no retiro de férias de Hitler nos Alpes Bávaros. E nos fundos também há um bunker, por via das dúvidas.

Outras estruturas foram adicionadas com o tempo. Por um caminho ornado com estátuas sem cabeça de amantes abraçados, chega-se a um conjunto de prédios em estilo quase federal. Os edifícios foram usados como universidade da Internacional Comunista Juvenil entre os anos 40 e a queda do Muro de Berlim. Ao subir degraus onde o mato cresce pelas frestas e atravessar portas grafitadas, seu interior cavernoso revela alojamentos e um auditório onde ecos ressoam.

Essa parte da propriedade pertence a um passado frequentemente eclipsado pelo histórico nazista, afirmou o professor de história moderna Gerwin Strobl, da Universidade de Cardiff, em Gales, que estuda Alemanha. Mas que também é doloroso para os alemães. “Na realidade, o local atendeu a duas ditaduras sucessivas na Alemanha. O que também explica por que é difícil encontrar um uso”, disse Strobl. “Mas os prédios, em si, não são malignos.”

Durante um passeio de bicicleta, numa sexta-feira recente, um homem e uma mulher na faixa dos 60 anos pararam diante do edifício que funcionou como centro social do campus para observar o local em ruínas. Foi lá que o casal, Marita e Frank Bernhardt, se conheceu, quando ambos eram estudantes, em 1978.

Marita, 66, e Frank Bernhardt, 67, visitam antiga casa de cultura do campus.  Foto: Lena Mucha/The New York Times

Marita disse que soube do passado nazista do complexo somente após a reunificação da Alemanha. “É por isso que o sabor foi meio amargo”, afirmou ela sobre a primeira vez que retornou. Mas, ao mesmo tempo, foi lá que ela e seu marido se apaixonaram. “As memórias ainda são agradáveis.”

Após saber a respeito da oferta de Berlim de abrir mão da propriedade gratuitamente, o rabino Menachem Margolin, presidente da Associação Judaica Europeia, enviou uma carta aberta oferecendo-se para transformar o local em um centro de educação contra todas as formas de ódio.

“É uma mensagem importante para todos”, afirmou o rabino Margolin, “que até o lugar mais obscuro do mundo possa se tornar uma fonte de luz”.

Um projeto desse tipo merece ser contemplado, afirmou Evers, mas o problema é o financiamento. Walter Reich, ex-diretor do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, afirmou que é obrigação da Alemanha ajudar a pagar. “Isso é parte do fardo da história alemã”, afirmou Reich por e-mail, “do passado imperscrutável da Alemanha”.

Por anos, à medida que os freixos e amieiros iam cobrindo a propriedade, o prefeito de Wandlitz, Oliver Borchert, repeliu os interesses dos extremistas de direita, incluindo o grupo golpista Reichsbürger. O lugar precisa de mais que uma reforma — precisa de uma transformação, afirmou Borchert. “Temos de encontrar um uso capaz de combater e ao mesmo tempo refletir as sombras da casa e sua história.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Atrás de um bosque de faias cobertas de urtigas e ao lado de um lago azul, a uma hora de Berlim, uma casa de campo que pertenceu no passado a um dos arquitetos do nazismo decai silenciosamente.

Ninguém sabe o que fazer com a propriedade à beira do Lago Bogensee, em Brandemburgo. Suas dependências foram construídas pouco antes do início da 2.ª Guerra para Joseph Goebbels, o ministro da propaganda do nazismo, por seu país agradecido. Pertencente hoje ao Estado alemão, o complexo se deteriora custosamente, às expensas dos contribuintes, juntamente com um dramático conjunto de dormitórios construídos posteriormente, pelo Partido Comunista, para abrigar alunos de uma escola de proselitismo. Com mais de 80 mil metros quadrados, o campus ecoa as histórias de dois regimes totalitários.

O complexo — dispendioso demais para o Estado seguir mantendo, proibitivamente caro para a maioria dos investidores imobiliários e manchado pela história — acabou praticamente abandonado por Berlim, que desistiu de vendê-lo e desenvolver qualquer atividade por lá.

Visitantes na entrada principal da casa de campo de Joseph Goebbels. Foto: Lena Mucha/The New York Times

Em vez disso, o Estado alemão está oferecendo a mansão nazista gratuitamente. (O recebedor, certamente, será sujeito à aprovação do governo.)

Em comentários exasperados pronunciados ao Parlamento nesta primavera (Hemisfério Norte), o senador Stefan Evers, que cuida das finanças do Estado, fez a oferta: tirem isso das nossas mãos ou vamos demolir tudo; desencadeando uma torrente de interesse de possíveis proprietários em todo o planeta.

Houve consultas de um dermatologista que pretende abrir um centro de cuidados com a pele e de alguns caçadores de pechinchas, afirmou Evers recentemente, durante entrevista em seu gabinete, em Berlim. Nenhuma oferta adequada, disse ele.

Uma consulta anterior, de um grupo de extrema direita chamado movimento Reichsbürger, pareceu encarnar os piores temores das autoridades. O grupo nega a legitimidade do atual Estado alemão; alguns de seus membros estão em julgamento sob acusação de conspirar para depor o governo.

Esse tipo de atenção — a possibilidade da associação da propriedade com a era nazista poder atrair compradores repulsivos — justifica em parte o abandono do complexo.

“A história do lugar é precisamente a razão pela qual Berlim nunca o entregou para entes privados, por causa do risco de uso indevido”, afirmou Evers.

O destino da propriedade não é um dilema apenas logístico para a Alemanha. Ele ilustra um problema maior e mais antigo, cujas premissas têm mudado ao longo do tempo, segundo especialistas: preservar ou destruir os vários edifícios do passado de ódio na Alemanha.

Foto mostra auditórios do campus construído posteriormente pelo Partido Comunista no complexo.  Foto: Lena Mucha/he New York Times

Imediatamente após a 2.ª Guerra, a estratégia que prevaleceu foi seguir adiante, ignorando os proprietários anteriores, para evitar reificar o passado, de acordo com o historiador Peter Longerich, autor de “Goebbels”, uma biografia. O apartamento de Hitler em Munique, por exemplo, tem pouca informação detalhando sua história; o local foi transformado há muito em um posto policial no qual os agentes usam as estantes de livros que pertenceram ao líder nazista, afirmou ele.

O benefício dos inquilinos policiais é que sua presença mantém afastados simpatizantes do nazismo que peregrinam para esses lugares ocasionalmente. No ano passado, na Áustria, o governo se mobilizou para transformar o local de nascimento de Hitler em uma delegacia por este mesmo motivo, atraindo um debate contencioso.

Mas, conforme a extrema direita ressurge na política alemã, tem havido uma mudança no sentimento em relação à memória do passado no sentido de jamais esquecê-lo.

“A atitude dominante na educação por um longo tempo foi, se possível, ignorar muitas coisas desse período”, afirmou Longerich. “Mas nenhum povo tem uma noção maior de acerto de contas com o passado do que os alemães”, acrescentou ele. “E pode ser que, com o tempo, a ignorância precise ser superada e as pessoas achem necessário preservar esse espaço.”

A propriedade nazista fica nas proximidades do centro de Wandlitz. A vegetação cresceu em volta da casa, bloqueando a porta para o cinema particular onde Goebbels projetava seus filmes de propaganda. Teias de aranha cobrem as janelas dos quartos. E partículas de poeira flutuavam pelos salões arejados onde Goebbels recebia com banquetes a liderança nazista e onde seus seis filhos brincavam ao lado da lareira — até sua mulher envenenar todos nos dias finais da guerra.

Auditório do campus, que se deteriora enquanto Alemanha não sabe o que fazer com o prédio.  Foto: Lena Mucha/The New York Times

Manter a propriedade custa 280 mil euros anualmente (cerca de US$ 306 mil) apenas para evitar que tudo não caia aos pedaços, de acordo com o departamento de edificações. Restaurar o complexo não apenas seria caro, mas também introduziria uma questão espinhosa que persegue preservacionistas que têm de lidar com estruturas usadas no passado como instalações nazistas e comunistas na Alemanha.

“Se elas são bonitas demais, nós reestetizamos seu domínio”, afirmou o professor de história e relações internacionais Thomas Weber, da Universidade de Aberdeen, na Escócia. “Porém, se as deixamos estar mas de alguma maneira destruímos o modo que elas funcionavam na época, as pessoas também não entenderão.”

A mansão de Goebbels é repleta de floreios arquitetônicos populares entre os líderes nazistas, como suas luminosas janelas que se projetam na paisagem, do teto até o chão — um toque também usado no retiro de férias de Hitler nos Alpes Bávaros. E nos fundos também há um bunker, por via das dúvidas.

Outras estruturas foram adicionadas com o tempo. Por um caminho ornado com estátuas sem cabeça de amantes abraçados, chega-se a um conjunto de prédios em estilo quase federal. Os edifícios foram usados como universidade da Internacional Comunista Juvenil entre os anos 40 e a queda do Muro de Berlim. Ao subir degraus onde o mato cresce pelas frestas e atravessar portas grafitadas, seu interior cavernoso revela alojamentos e um auditório onde ecos ressoam.

Essa parte da propriedade pertence a um passado frequentemente eclipsado pelo histórico nazista, afirmou o professor de história moderna Gerwin Strobl, da Universidade de Cardiff, em Gales, que estuda Alemanha. Mas que também é doloroso para os alemães. “Na realidade, o local atendeu a duas ditaduras sucessivas na Alemanha. O que também explica por que é difícil encontrar um uso”, disse Strobl. “Mas os prédios, em si, não são malignos.”

Durante um passeio de bicicleta, numa sexta-feira recente, um homem e uma mulher na faixa dos 60 anos pararam diante do edifício que funcionou como centro social do campus para observar o local em ruínas. Foi lá que o casal, Marita e Frank Bernhardt, se conheceu, quando ambos eram estudantes, em 1978.

Marita, 66, e Frank Bernhardt, 67, visitam antiga casa de cultura do campus.  Foto: Lena Mucha/The New York Times

Marita disse que soube do passado nazista do complexo somente após a reunificação da Alemanha. “É por isso que o sabor foi meio amargo”, afirmou ela sobre a primeira vez que retornou. Mas, ao mesmo tempo, foi lá que ela e seu marido se apaixonaram. “As memórias ainda são agradáveis.”

Após saber a respeito da oferta de Berlim de abrir mão da propriedade gratuitamente, o rabino Menachem Margolin, presidente da Associação Judaica Europeia, enviou uma carta aberta oferecendo-se para transformar o local em um centro de educação contra todas as formas de ódio.

“É uma mensagem importante para todos”, afirmou o rabino Margolin, “que até o lugar mais obscuro do mundo possa se tornar uma fonte de luz”.

Um projeto desse tipo merece ser contemplado, afirmou Evers, mas o problema é o financiamento. Walter Reich, ex-diretor do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, afirmou que é obrigação da Alemanha ajudar a pagar. “Isso é parte do fardo da história alemã”, afirmou Reich por e-mail, “do passado imperscrutável da Alemanha”.

Por anos, à medida que os freixos e amieiros iam cobrindo a propriedade, o prefeito de Wandlitz, Oliver Borchert, repeliu os interesses dos extremistas de direita, incluindo o grupo golpista Reichsbürger. O lugar precisa de mais que uma reforma — precisa de uma transformação, afirmou Borchert. “Temos de encontrar um uso capaz de combater e ao mesmo tempo refletir as sombras da casa e sua história.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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