A China não vai repetir o Japão: vai se sair pior; leia o artigo de Paul Krugman


Ansiedade a respeito da competição global desviou-se do Japão e recaiu sobre a China, mas dificuldades em Pequim levantam questionamentos sobre os rumos da 2ª maior potência global

Por Paul Krugman

Espero que ao menos alguns de meus leitores sejam jovens demais para se lembrar disso, mas no início dos anos 90, muitos americanos — principalmente comentaristas, mas também líderes empresariais e uma fatia considerável do público em geral — ficaram obcecados com a ascensão do Japão. Dois dos livros mais vendidos em 1992 foram o romance “Sol Nascente”, de Michael Crichton, sobre o que ele imaginava ser uma crescente e sinistra influência das corporações japonesas, e “Cabeça a Cabeça: A Batalha Econômica entre Japão, Europa e Estados Unidos”, de Lester Thurow. Hoje é fácil esquecer disso, mas eu gosto de recordar as pessoas que as livrarias dos aeroportos ficavam repletas de livros de bolso com guerreiros samurai nas capas, que se propunham a nos ensinar os segredos dos japoneses em gestão empresarial.

O timing dessa obsessão nipônica foi impecável: ela chegou quase no momento exato que a notável ascensão do Japão se transformou em um declínio constante de poder econômico. Considerem a proporção do produto interno bruto japonês em comparação com o americano ajustado em função das diferenças no poder de compra.

Nos dias atuais, o foco de ansiedade a respeito da competição global desviou-se do Japão e recaiu sobre a China, uma autêntica superpotência econômica: ajustada em função do poder de compra, a economia chinesa já é maior que a americana. Mas a China parece titubear ultimamente, e têm me perguntado se o caminho da China para o futuro poderá se parecer com a trajetória japonesa.

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Imagem aérea mostra prédios em Shenyang, China. Foto: AFP / China OUT

Minha resposta é provavelmente não — o desempenho da China será pior. Mas para entender por que que afirmo isso, vocês precisam saber de algo que aconteceu ao Japão que de nenhuma maneira foi a catástrofe que, creio, muitas pessoas imaginam.

Vocês podem ter ouvido a seguinte história: no fim dos anos 80, o Japão experimentou uma bolha monstruosa no mercados de ações e imóveis que por fim estourou. Até hoje, o índice Nikkei se situa em média significativamente abaixo do pico que atingiu em 1989. Quando a bolha estourou, deixou um rastro de bancos em dificuldades e dívidas corporativas excedentes, o que ocasionou uma geração de estagnação econômica.

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Há alguma verdade em alguns aspectos dessa narrativa, mas ela não leva em conta o fator mais importante no declínio relativo do Japão: demografia. Graças à baixa fertilidade e falta de disposição do Japão em aceitar imigrantes, sua população economicamente ativa tem declinado muito rapidamente desde meados dos anos 90. A única maneira que o Japão poderia ter evitado uma diminuição relativa do tamanho de sua economia teria sido alcançar um crescimento muito mais rápido do que outras economias no índice de produtividade por trabalhador, o que não ocorreu.

Dada a sua demografia, contudo, o Japão até que não desempenhou tão mal. Com ajuste em função da demografia, o Japão alcançou um crescimento significativo: um aumento relevante, de 45%, no rendimento real per capita. Os EUA desempenharam ainda melhor, mas isso dificilmente se enquadra na narrativa da estagnação japonesa.

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Esperem, tem mais coisa. Gerir uma economia com uma população economicamente ativa em declínio é difícil, porque baixo crescimento populacional tende a ocasionar baixo investimento. Esta observação está no cerne da hipótese de estagnação secular, segundo a qual nações com baixo crescimento populacional tendem a enfrentar dificuldades persistentes em manter pleno emprego.

Mas o Japão conseguiu de fato evitar desemprego em massa ou qualquer tipo de sofrimento maior. Um indicador é a porcentagem de homens nos primeiros anos de atividade econômica. Essa porcentagem se manteve alta no Japão; na verdade consistentemente mais alta do que nos EUA.

Mas e os jovens? O Japão testemunhou um aumento no desemprego entre os jovens (de 15 a 24 anos) nos anos 90, mas a tendência se reverteu desde então.

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Portanto o desempenho econômico do Japão desde os tempos em que todos pensavam que os japoneses dominariam o mundo tem na realidade sido bastante bom. É verdade que o desemprego tem sido sustentado em parte por meio de um grande gasto deficitário, e a dívida japonesa disparou:

Mas as pessoas preveem há décadas uma crise da dívida no Japão que não se materializou. De algumas maneiras, o caso do Japão, em vez de alerta, deve servir de modelo — um exemplo de como gerir uma demografia desfavorável permanecendo, ao mesmo tempo, próspero e estável socialmente.

E ainda que seja difícil quantificar, muitas pessoas com que tenho conversado afirmam que a sociedade japonesa é muito mais dinâmica e criativa culturalmente do que muitos estrangeiros se dão conta. O economista e blogueiro Noah Smith, que conhece bem o Japão, afirma que Tóquio é a nova Paris. Em razão da barreira da língua, eu tenho que me fiar quase completamente na palavra dele; apesar de, por ter circulado por Tóquio guiado por locais, posso confirmar que a cidade tem muita vitalidade.

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Pessoas caminham em frente ao prédio do Banco Central do Japão. Foto: REUTERS/Androniki Christodoulou

É verdade que essa mesma barreira da língua significa que Tóquio dificilmente poderá desempenhar o mesmo papel na cultura global que Paris desempenhou no passado. Mas os japoneses estão claramente alcançando grande sucesso com um urbanismo sofisticado; quem considera o Japão uma sociedade cansada ou estagnada não está entendendo nada.

O que me traz à questão que levantei no início desta newsletter: a China será o próximo Japão?

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Há algumas similaridades óbvias entre a China hoje e o Japão em 1990. A China tem uma economia extremamente desequilibrada, com uma demanda de consumo baixa demais, que é mantida viva apenas por meio de um setor imobiliário hipertrofiado, e sua população economicamente ativa está diminuindo. Ao contrário do Japão em 1990, a maior parte da economia chinesa ainda está muito aquém da fronteira tecnológica, portanto deverá ter perspectivas melhores para um rápido crescimento em produtividade, mas há cada vez mais preocupações a respeito da China poder ter caído na “armadilha da renda média”, que parece afligir muitas economias emergentes que crescem rapidamente, mas apenas até um determinado ponto, e depois empacam.

Mas se a China estiver a caminho de uma diminuição de ritmo econômico, uma dúvida interessante é se os chineses serão capaz de replicar a coesão social do Japão — sua capacidade de administrar um crescimento mais lento sem sofrimento massivo nem instabilidade social. Eu definitivamente não sou nenhum especialista em China, mas há alguma indicação de que a China, especialmente sob um regime autoritário errático, seria capaz de algo assim? Notem que o índice de desemprego entre jovens na China é muito maior do que o japonês em todos os tempos.

Portanto não, a China não deverá ser o próximo Japão economicamente. Provavelmente será muito pior. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Espero que ao menos alguns de meus leitores sejam jovens demais para se lembrar disso, mas no início dos anos 90, muitos americanos — principalmente comentaristas, mas também líderes empresariais e uma fatia considerável do público em geral — ficaram obcecados com a ascensão do Japão. Dois dos livros mais vendidos em 1992 foram o romance “Sol Nascente”, de Michael Crichton, sobre o que ele imaginava ser uma crescente e sinistra influência das corporações japonesas, e “Cabeça a Cabeça: A Batalha Econômica entre Japão, Europa e Estados Unidos”, de Lester Thurow. Hoje é fácil esquecer disso, mas eu gosto de recordar as pessoas que as livrarias dos aeroportos ficavam repletas de livros de bolso com guerreiros samurai nas capas, que se propunham a nos ensinar os segredos dos japoneses em gestão empresarial.

O timing dessa obsessão nipônica foi impecável: ela chegou quase no momento exato que a notável ascensão do Japão se transformou em um declínio constante de poder econômico. Considerem a proporção do produto interno bruto japonês em comparação com o americano ajustado em função das diferenças no poder de compra.

Nos dias atuais, o foco de ansiedade a respeito da competição global desviou-se do Japão e recaiu sobre a China, uma autêntica superpotência econômica: ajustada em função do poder de compra, a economia chinesa já é maior que a americana. Mas a China parece titubear ultimamente, e têm me perguntado se o caminho da China para o futuro poderá se parecer com a trajetória japonesa.

Imagem aérea mostra prédios em Shenyang, China. Foto: AFP / China OUT

Minha resposta é provavelmente não — o desempenho da China será pior. Mas para entender por que que afirmo isso, vocês precisam saber de algo que aconteceu ao Japão que de nenhuma maneira foi a catástrofe que, creio, muitas pessoas imaginam.

Vocês podem ter ouvido a seguinte história: no fim dos anos 80, o Japão experimentou uma bolha monstruosa no mercados de ações e imóveis que por fim estourou. Até hoje, o índice Nikkei se situa em média significativamente abaixo do pico que atingiu em 1989. Quando a bolha estourou, deixou um rastro de bancos em dificuldades e dívidas corporativas excedentes, o que ocasionou uma geração de estagnação econômica.

Há alguma verdade em alguns aspectos dessa narrativa, mas ela não leva em conta o fator mais importante no declínio relativo do Japão: demografia. Graças à baixa fertilidade e falta de disposição do Japão em aceitar imigrantes, sua população economicamente ativa tem declinado muito rapidamente desde meados dos anos 90. A única maneira que o Japão poderia ter evitado uma diminuição relativa do tamanho de sua economia teria sido alcançar um crescimento muito mais rápido do que outras economias no índice de produtividade por trabalhador, o que não ocorreu.

Dada a sua demografia, contudo, o Japão até que não desempenhou tão mal. Com ajuste em função da demografia, o Japão alcançou um crescimento significativo: um aumento relevante, de 45%, no rendimento real per capita. Os EUA desempenharam ainda melhor, mas isso dificilmente se enquadra na narrativa da estagnação japonesa.

Esperem, tem mais coisa. Gerir uma economia com uma população economicamente ativa em declínio é difícil, porque baixo crescimento populacional tende a ocasionar baixo investimento. Esta observação está no cerne da hipótese de estagnação secular, segundo a qual nações com baixo crescimento populacional tendem a enfrentar dificuldades persistentes em manter pleno emprego.

Mas o Japão conseguiu de fato evitar desemprego em massa ou qualquer tipo de sofrimento maior. Um indicador é a porcentagem de homens nos primeiros anos de atividade econômica. Essa porcentagem se manteve alta no Japão; na verdade consistentemente mais alta do que nos EUA.

Mas e os jovens? O Japão testemunhou um aumento no desemprego entre os jovens (de 15 a 24 anos) nos anos 90, mas a tendência se reverteu desde então.

Portanto o desempenho econômico do Japão desde os tempos em que todos pensavam que os japoneses dominariam o mundo tem na realidade sido bastante bom. É verdade que o desemprego tem sido sustentado em parte por meio de um grande gasto deficitário, e a dívida japonesa disparou:

Mas as pessoas preveem há décadas uma crise da dívida no Japão que não se materializou. De algumas maneiras, o caso do Japão, em vez de alerta, deve servir de modelo — um exemplo de como gerir uma demografia desfavorável permanecendo, ao mesmo tempo, próspero e estável socialmente.

E ainda que seja difícil quantificar, muitas pessoas com que tenho conversado afirmam que a sociedade japonesa é muito mais dinâmica e criativa culturalmente do que muitos estrangeiros se dão conta. O economista e blogueiro Noah Smith, que conhece bem o Japão, afirma que Tóquio é a nova Paris. Em razão da barreira da língua, eu tenho que me fiar quase completamente na palavra dele; apesar de, por ter circulado por Tóquio guiado por locais, posso confirmar que a cidade tem muita vitalidade.

Pessoas caminham em frente ao prédio do Banco Central do Japão. Foto: REUTERS/Androniki Christodoulou

É verdade que essa mesma barreira da língua significa que Tóquio dificilmente poderá desempenhar o mesmo papel na cultura global que Paris desempenhou no passado. Mas os japoneses estão claramente alcançando grande sucesso com um urbanismo sofisticado; quem considera o Japão uma sociedade cansada ou estagnada não está entendendo nada.

O que me traz à questão que levantei no início desta newsletter: a China será o próximo Japão?

Há algumas similaridades óbvias entre a China hoje e o Japão em 1990. A China tem uma economia extremamente desequilibrada, com uma demanda de consumo baixa demais, que é mantida viva apenas por meio de um setor imobiliário hipertrofiado, e sua população economicamente ativa está diminuindo. Ao contrário do Japão em 1990, a maior parte da economia chinesa ainda está muito aquém da fronteira tecnológica, portanto deverá ter perspectivas melhores para um rápido crescimento em produtividade, mas há cada vez mais preocupações a respeito da China poder ter caído na “armadilha da renda média”, que parece afligir muitas economias emergentes que crescem rapidamente, mas apenas até um determinado ponto, e depois empacam.

Mas se a China estiver a caminho de uma diminuição de ritmo econômico, uma dúvida interessante é se os chineses serão capaz de replicar a coesão social do Japão — sua capacidade de administrar um crescimento mais lento sem sofrimento massivo nem instabilidade social. Eu definitivamente não sou nenhum especialista em China, mas há alguma indicação de que a China, especialmente sob um regime autoritário errático, seria capaz de algo assim? Notem que o índice de desemprego entre jovens na China é muito maior do que o japonês em todos os tempos.

Portanto não, a China não deverá ser o próximo Japão economicamente. Provavelmente será muito pior. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Espero que ao menos alguns de meus leitores sejam jovens demais para se lembrar disso, mas no início dos anos 90, muitos americanos — principalmente comentaristas, mas também líderes empresariais e uma fatia considerável do público em geral — ficaram obcecados com a ascensão do Japão. Dois dos livros mais vendidos em 1992 foram o romance “Sol Nascente”, de Michael Crichton, sobre o que ele imaginava ser uma crescente e sinistra influência das corporações japonesas, e “Cabeça a Cabeça: A Batalha Econômica entre Japão, Europa e Estados Unidos”, de Lester Thurow. Hoje é fácil esquecer disso, mas eu gosto de recordar as pessoas que as livrarias dos aeroportos ficavam repletas de livros de bolso com guerreiros samurai nas capas, que se propunham a nos ensinar os segredos dos japoneses em gestão empresarial.

O timing dessa obsessão nipônica foi impecável: ela chegou quase no momento exato que a notável ascensão do Japão se transformou em um declínio constante de poder econômico. Considerem a proporção do produto interno bruto japonês em comparação com o americano ajustado em função das diferenças no poder de compra.

Nos dias atuais, o foco de ansiedade a respeito da competição global desviou-se do Japão e recaiu sobre a China, uma autêntica superpotência econômica: ajustada em função do poder de compra, a economia chinesa já é maior que a americana. Mas a China parece titubear ultimamente, e têm me perguntado se o caminho da China para o futuro poderá se parecer com a trajetória japonesa.

Imagem aérea mostra prédios em Shenyang, China. Foto: AFP / China OUT

Minha resposta é provavelmente não — o desempenho da China será pior. Mas para entender por que que afirmo isso, vocês precisam saber de algo que aconteceu ao Japão que de nenhuma maneira foi a catástrofe que, creio, muitas pessoas imaginam.

Vocês podem ter ouvido a seguinte história: no fim dos anos 80, o Japão experimentou uma bolha monstruosa no mercados de ações e imóveis que por fim estourou. Até hoje, o índice Nikkei se situa em média significativamente abaixo do pico que atingiu em 1989. Quando a bolha estourou, deixou um rastro de bancos em dificuldades e dívidas corporativas excedentes, o que ocasionou uma geração de estagnação econômica.

Há alguma verdade em alguns aspectos dessa narrativa, mas ela não leva em conta o fator mais importante no declínio relativo do Japão: demografia. Graças à baixa fertilidade e falta de disposição do Japão em aceitar imigrantes, sua população economicamente ativa tem declinado muito rapidamente desde meados dos anos 90. A única maneira que o Japão poderia ter evitado uma diminuição relativa do tamanho de sua economia teria sido alcançar um crescimento muito mais rápido do que outras economias no índice de produtividade por trabalhador, o que não ocorreu.

Dada a sua demografia, contudo, o Japão até que não desempenhou tão mal. Com ajuste em função da demografia, o Japão alcançou um crescimento significativo: um aumento relevante, de 45%, no rendimento real per capita. Os EUA desempenharam ainda melhor, mas isso dificilmente se enquadra na narrativa da estagnação japonesa.

Esperem, tem mais coisa. Gerir uma economia com uma população economicamente ativa em declínio é difícil, porque baixo crescimento populacional tende a ocasionar baixo investimento. Esta observação está no cerne da hipótese de estagnação secular, segundo a qual nações com baixo crescimento populacional tendem a enfrentar dificuldades persistentes em manter pleno emprego.

Mas o Japão conseguiu de fato evitar desemprego em massa ou qualquer tipo de sofrimento maior. Um indicador é a porcentagem de homens nos primeiros anos de atividade econômica. Essa porcentagem se manteve alta no Japão; na verdade consistentemente mais alta do que nos EUA.

Mas e os jovens? O Japão testemunhou um aumento no desemprego entre os jovens (de 15 a 24 anos) nos anos 90, mas a tendência se reverteu desde então.

Portanto o desempenho econômico do Japão desde os tempos em que todos pensavam que os japoneses dominariam o mundo tem na realidade sido bastante bom. É verdade que o desemprego tem sido sustentado em parte por meio de um grande gasto deficitário, e a dívida japonesa disparou:

Mas as pessoas preveem há décadas uma crise da dívida no Japão que não se materializou. De algumas maneiras, o caso do Japão, em vez de alerta, deve servir de modelo — um exemplo de como gerir uma demografia desfavorável permanecendo, ao mesmo tempo, próspero e estável socialmente.

E ainda que seja difícil quantificar, muitas pessoas com que tenho conversado afirmam que a sociedade japonesa é muito mais dinâmica e criativa culturalmente do que muitos estrangeiros se dão conta. O economista e blogueiro Noah Smith, que conhece bem o Japão, afirma que Tóquio é a nova Paris. Em razão da barreira da língua, eu tenho que me fiar quase completamente na palavra dele; apesar de, por ter circulado por Tóquio guiado por locais, posso confirmar que a cidade tem muita vitalidade.

Pessoas caminham em frente ao prédio do Banco Central do Japão. Foto: REUTERS/Androniki Christodoulou

É verdade que essa mesma barreira da língua significa que Tóquio dificilmente poderá desempenhar o mesmo papel na cultura global que Paris desempenhou no passado. Mas os japoneses estão claramente alcançando grande sucesso com um urbanismo sofisticado; quem considera o Japão uma sociedade cansada ou estagnada não está entendendo nada.

O que me traz à questão que levantei no início desta newsletter: a China será o próximo Japão?

Há algumas similaridades óbvias entre a China hoje e o Japão em 1990. A China tem uma economia extremamente desequilibrada, com uma demanda de consumo baixa demais, que é mantida viva apenas por meio de um setor imobiliário hipertrofiado, e sua população economicamente ativa está diminuindo. Ao contrário do Japão em 1990, a maior parte da economia chinesa ainda está muito aquém da fronteira tecnológica, portanto deverá ter perspectivas melhores para um rápido crescimento em produtividade, mas há cada vez mais preocupações a respeito da China poder ter caído na “armadilha da renda média”, que parece afligir muitas economias emergentes que crescem rapidamente, mas apenas até um determinado ponto, e depois empacam.

Mas se a China estiver a caminho de uma diminuição de ritmo econômico, uma dúvida interessante é se os chineses serão capaz de replicar a coesão social do Japão — sua capacidade de administrar um crescimento mais lento sem sofrimento massivo nem instabilidade social. Eu definitivamente não sou nenhum especialista em China, mas há alguma indicação de que a China, especialmente sob um regime autoritário errático, seria capaz de algo assim? Notem que o índice de desemprego entre jovens na China é muito maior do que o japonês em todos os tempos.

Portanto não, a China não deverá ser o próximo Japão economicamente. Provavelmente será muito pior. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Espero que ao menos alguns de meus leitores sejam jovens demais para se lembrar disso, mas no início dos anos 90, muitos americanos — principalmente comentaristas, mas também líderes empresariais e uma fatia considerável do público em geral — ficaram obcecados com a ascensão do Japão. Dois dos livros mais vendidos em 1992 foram o romance “Sol Nascente”, de Michael Crichton, sobre o que ele imaginava ser uma crescente e sinistra influência das corporações japonesas, e “Cabeça a Cabeça: A Batalha Econômica entre Japão, Europa e Estados Unidos”, de Lester Thurow. Hoje é fácil esquecer disso, mas eu gosto de recordar as pessoas que as livrarias dos aeroportos ficavam repletas de livros de bolso com guerreiros samurai nas capas, que se propunham a nos ensinar os segredos dos japoneses em gestão empresarial.

O timing dessa obsessão nipônica foi impecável: ela chegou quase no momento exato que a notável ascensão do Japão se transformou em um declínio constante de poder econômico. Considerem a proporção do produto interno bruto japonês em comparação com o americano ajustado em função das diferenças no poder de compra.

Nos dias atuais, o foco de ansiedade a respeito da competição global desviou-se do Japão e recaiu sobre a China, uma autêntica superpotência econômica: ajustada em função do poder de compra, a economia chinesa já é maior que a americana. Mas a China parece titubear ultimamente, e têm me perguntado se o caminho da China para o futuro poderá se parecer com a trajetória japonesa.

Imagem aérea mostra prédios em Shenyang, China. Foto: AFP / China OUT

Minha resposta é provavelmente não — o desempenho da China será pior. Mas para entender por que que afirmo isso, vocês precisam saber de algo que aconteceu ao Japão que de nenhuma maneira foi a catástrofe que, creio, muitas pessoas imaginam.

Vocês podem ter ouvido a seguinte história: no fim dos anos 80, o Japão experimentou uma bolha monstruosa no mercados de ações e imóveis que por fim estourou. Até hoje, o índice Nikkei se situa em média significativamente abaixo do pico que atingiu em 1989. Quando a bolha estourou, deixou um rastro de bancos em dificuldades e dívidas corporativas excedentes, o que ocasionou uma geração de estagnação econômica.

Há alguma verdade em alguns aspectos dessa narrativa, mas ela não leva em conta o fator mais importante no declínio relativo do Japão: demografia. Graças à baixa fertilidade e falta de disposição do Japão em aceitar imigrantes, sua população economicamente ativa tem declinado muito rapidamente desde meados dos anos 90. A única maneira que o Japão poderia ter evitado uma diminuição relativa do tamanho de sua economia teria sido alcançar um crescimento muito mais rápido do que outras economias no índice de produtividade por trabalhador, o que não ocorreu.

Dada a sua demografia, contudo, o Japão até que não desempenhou tão mal. Com ajuste em função da demografia, o Japão alcançou um crescimento significativo: um aumento relevante, de 45%, no rendimento real per capita. Os EUA desempenharam ainda melhor, mas isso dificilmente se enquadra na narrativa da estagnação japonesa.

Esperem, tem mais coisa. Gerir uma economia com uma população economicamente ativa em declínio é difícil, porque baixo crescimento populacional tende a ocasionar baixo investimento. Esta observação está no cerne da hipótese de estagnação secular, segundo a qual nações com baixo crescimento populacional tendem a enfrentar dificuldades persistentes em manter pleno emprego.

Mas o Japão conseguiu de fato evitar desemprego em massa ou qualquer tipo de sofrimento maior. Um indicador é a porcentagem de homens nos primeiros anos de atividade econômica. Essa porcentagem se manteve alta no Japão; na verdade consistentemente mais alta do que nos EUA.

Mas e os jovens? O Japão testemunhou um aumento no desemprego entre os jovens (de 15 a 24 anos) nos anos 90, mas a tendência se reverteu desde então.

Portanto o desempenho econômico do Japão desde os tempos em que todos pensavam que os japoneses dominariam o mundo tem na realidade sido bastante bom. É verdade que o desemprego tem sido sustentado em parte por meio de um grande gasto deficitário, e a dívida japonesa disparou:

Mas as pessoas preveem há décadas uma crise da dívida no Japão que não se materializou. De algumas maneiras, o caso do Japão, em vez de alerta, deve servir de modelo — um exemplo de como gerir uma demografia desfavorável permanecendo, ao mesmo tempo, próspero e estável socialmente.

E ainda que seja difícil quantificar, muitas pessoas com que tenho conversado afirmam que a sociedade japonesa é muito mais dinâmica e criativa culturalmente do que muitos estrangeiros se dão conta. O economista e blogueiro Noah Smith, que conhece bem o Japão, afirma que Tóquio é a nova Paris. Em razão da barreira da língua, eu tenho que me fiar quase completamente na palavra dele; apesar de, por ter circulado por Tóquio guiado por locais, posso confirmar que a cidade tem muita vitalidade.

Pessoas caminham em frente ao prédio do Banco Central do Japão. Foto: REUTERS/Androniki Christodoulou

É verdade que essa mesma barreira da língua significa que Tóquio dificilmente poderá desempenhar o mesmo papel na cultura global que Paris desempenhou no passado. Mas os japoneses estão claramente alcançando grande sucesso com um urbanismo sofisticado; quem considera o Japão uma sociedade cansada ou estagnada não está entendendo nada.

O que me traz à questão que levantei no início desta newsletter: a China será o próximo Japão?

Há algumas similaridades óbvias entre a China hoje e o Japão em 1990. A China tem uma economia extremamente desequilibrada, com uma demanda de consumo baixa demais, que é mantida viva apenas por meio de um setor imobiliário hipertrofiado, e sua população economicamente ativa está diminuindo. Ao contrário do Japão em 1990, a maior parte da economia chinesa ainda está muito aquém da fronteira tecnológica, portanto deverá ter perspectivas melhores para um rápido crescimento em produtividade, mas há cada vez mais preocupações a respeito da China poder ter caído na “armadilha da renda média”, que parece afligir muitas economias emergentes que crescem rapidamente, mas apenas até um determinado ponto, e depois empacam.

Mas se a China estiver a caminho de uma diminuição de ritmo econômico, uma dúvida interessante é se os chineses serão capaz de replicar a coesão social do Japão — sua capacidade de administrar um crescimento mais lento sem sofrimento massivo nem instabilidade social. Eu definitivamente não sou nenhum especialista em China, mas há alguma indicação de que a China, especialmente sob um regime autoritário errático, seria capaz de algo assim? Notem que o índice de desemprego entre jovens na China é muito maior do que o japonês em todos os tempos.

Portanto não, a China não deverá ser o próximo Japão economicamente. Provavelmente será muito pior. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Espero que ao menos alguns de meus leitores sejam jovens demais para se lembrar disso, mas no início dos anos 90, muitos americanos — principalmente comentaristas, mas também líderes empresariais e uma fatia considerável do público em geral — ficaram obcecados com a ascensão do Japão. Dois dos livros mais vendidos em 1992 foram o romance “Sol Nascente”, de Michael Crichton, sobre o que ele imaginava ser uma crescente e sinistra influência das corporações japonesas, e “Cabeça a Cabeça: A Batalha Econômica entre Japão, Europa e Estados Unidos”, de Lester Thurow. Hoje é fácil esquecer disso, mas eu gosto de recordar as pessoas que as livrarias dos aeroportos ficavam repletas de livros de bolso com guerreiros samurai nas capas, que se propunham a nos ensinar os segredos dos japoneses em gestão empresarial.

O timing dessa obsessão nipônica foi impecável: ela chegou quase no momento exato que a notável ascensão do Japão se transformou em um declínio constante de poder econômico. Considerem a proporção do produto interno bruto japonês em comparação com o americano ajustado em função das diferenças no poder de compra.

Nos dias atuais, o foco de ansiedade a respeito da competição global desviou-se do Japão e recaiu sobre a China, uma autêntica superpotência econômica: ajustada em função do poder de compra, a economia chinesa já é maior que a americana. Mas a China parece titubear ultimamente, e têm me perguntado se o caminho da China para o futuro poderá se parecer com a trajetória japonesa.

Imagem aérea mostra prédios em Shenyang, China. Foto: AFP / China OUT

Minha resposta é provavelmente não — o desempenho da China será pior. Mas para entender por que que afirmo isso, vocês precisam saber de algo que aconteceu ao Japão que de nenhuma maneira foi a catástrofe que, creio, muitas pessoas imaginam.

Vocês podem ter ouvido a seguinte história: no fim dos anos 80, o Japão experimentou uma bolha monstruosa no mercados de ações e imóveis que por fim estourou. Até hoje, o índice Nikkei se situa em média significativamente abaixo do pico que atingiu em 1989. Quando a bolha estourou, deixou um rastro de bancos em dificuldades e dívidas corporativas excedentes, o que ocasionou uma geração de estagnação econômica.

Há alguma verdade em alguns aspectos dessa narrativa, mas ela não leva em conta o fator mais importante no declínio relativo do Japão: demografia. Graças à baixa fertilidade e falta de disposição do Japão em aceitar imigrantes, sua população economicamente ativa tem declinado muito rapidamente desde meados dos anos 90. A única maneira que o Japão poderia ter evitado uma diminuição relativa do tamanho de sua economia teria sido alcançar um crescimento muito mais rápido do que outras economias no índice de produtividade por trabalhador, o que não ocorreu.

Dada a sua demografia, contudo, o Japão até que não desempenhou tão mal. Com ajuste em função da demografia, o Japão alcançou um crescimento significativo: um aumento relevante, de 45%, no rendimento real per capita. Os EUA desempenharam ainda melhor, mas isso dificilmente se enquadra na narrativa da estagnação japonesa.

Esperem, tem mais coisa. Gerir uma economia com uma população economicamente ativa em declínio é difícil, porque baixo crescimento populacional tende a ocasionar baixo investimento. Esta observação está no cerne da hipótese de estagnação secular, segundo a qual nações com baixo crescimento populacional tendem a enfrentar dificuldades persistentes em manter pleno emprego.

Mas o Japão conseguiu de fato evitar desemprego em massa ou qualquer tipo de sofrimento maior. Um indicador é a porcentagem de homens nos primeiros anos de atividade econômica. Essa porcentagem se manteve alta no Japão; na verdade consistentemente mais alta do que nos EUA.

Mas e os jovens? O Japão testemunhou um aumento no desemprego entre os jovens (de 15 a 24 anos) nos anos 90, mas a tendência se reverteu desde então.

Portanto o desempenho econômico do Japão desde os tempos em que todos pensavam que os japoneses dominariam o mundo tem na realidade sido bastante bom. É verdade que o desemprego tem sido sustentado em parte por meio de um grande gasto deficitário, e a dívida japonesa disparou:

Mas as pessoas preveem há décadas uma crise da dívida no Japão que não se materializou. De algumas maneiras, o caso do Japão, em vez de alerta, deve servir de modelo — um exemplo de como gerir uma demografia desfavorável permanecendo, ao mesmo tempo, próspero e estável socialmente.

E ainda que seja difícil quantificar, muitas pessoas com que tenho conversado afirmam que a sociedade japonesa é muito mais dinâmica e criativa culturalmente do que muitos estrangeiros se dão conta. O economista e blogueiro Noah Smith, que conhece bem o Japão, afirma que Tóquio é a nova Paris. Em razão da barreira da língua, eu tenho que me fiar quase completamente na palavra dele; apesar de, por ter circulado por Tóquio guiado por locais, posso confirmar que a cidade tem muita vitalidade.

Pessoas caminham em frente ao prédio do Banco Central do Japão. Foto: REUTERS/Androniki Christodoulou

É verdade que essa mesma barreira da língua significa que Tóquio dificilmente poderá desempenhar o mesmo papel na cultura global que Paris desempenhou no passado. Mas os japoneses estão claramente alcançando grande sucesso com um urbanismo sofisticado; quem considera o Japão uma sociedade cansada ou estagnada não está entendendo nada.

O que me traz à questão que levantei no início desta newsletter: a China será o próximo Japão?

Há algumas similaridades óbvias entre a China hoje e o Japão em 1990. A China tem uma economia extremamente desequilibrada, com uma demanda de consumo baixa demais, que é mantida viva apenas por meio de um setor imobiliário hipertrofiado, e sua população economicamente ativa está diminuindo. Ao contrário do Japão em 1990, a maior parte da economia chinesa ainda está muito aquém da fronteira tecnológica, portanto deverá ter perspectivas melhores para um rápido crescimento em produtividade, mas há cada vez mais preocupações a respeito da China poder ter caído na “armadilha da renda média”, que parece afligir muitas economias emergentes que crescem rapidamente, mas apenas até um determinado ponto, e depois empacam.

Mas se a China estiver a caminho de uma diminuição de ritmo econômico, uma dúvida interessante é se os chineses serão capaz de replicar a coesão social do Japão — sua capacidade de administrar um crescimento mais lento sem sofrimento massivo nem instabilidade social. Eu definitivamente não sou nenhum especialista em China, mas há alguma indicação de que a China, especialmente sob um regime autoritário errático, seria capaz de algo assim? Notem que o índice de desemprego entre jovens na China é muito maior do que o japonês em todos os tempos.

Portanto não, a China não deverá ser o próximo Japão economicamente. Provavelmente será muito pior. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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