THE NEW YORK TIMES — Eu quis escrever uma coluna normal sobre disputa política nesta semana, a respeito do que nós podemos depreender das pesquisas que saíram depois do primeiro debate republicano. A ênfase recairia sobre a resiliência de Ron DeSantis, o sucesso de Nikki Haley, os modestos perigos para Donald Trump ao não se apresentar para a discussão — e finalmente sobre o problema maior a respeito da maneira que DeSantis, Haley ou qualquer outro republicano seria capaz de concentrar o voto anti-Trump em vez de simplesmente repetir a fragmentação de 2016.
Mas qualquer coisa que nós poderíamos depreender do debate republicano seria mais significativa do que a notícia de que o mais importante processo contra Trump, seu indiciamento federal por supostos crimes eleitorais, será julgado na véspera da Super Terça? Provavelmente não. Então deixemos DeSantis e Haley para outro dia e falemos sobre o que significa o julgamento de um pré-candidato presidencial bem-colocado ocorrendo em meio à campanha para as primárias de seu partido.
A partir de qualquer teoria que relacione o direito com a deliberação democrática, a coisa parece uma convergência extremamente aquém do adequado. Se nós levarmos o processo judicial a sério — como um exercício de determinação de fatos e contraposição de argumentos, com a presunção da inocência como premissa e resultando num veredicto legítimo em seu desfecho— então claramente sob circunstâncias ideais o julgamento de um dos principais postulantes à presidência seria concluído antes dos eleitores começarem fazer seu próprios julgamentos. Sob circunstâncias menos ideais, um veredicto sairia antes da maioria dos votos ser depositada, incutindo confiança de que uma maioria do eleitorado compartilhava do mesmo conhecimento a respeito da decisão da Justiça.
Para seu mérito, foi isso que a acusação pediu: uma data de início em janeiro, com o julgamento possivelmente concluindo-se em torno do fim da primeira fase da campanha. Mas em vez disso, nós estamos a caminho de uma situação em que o julgamento e a campanha serão completamente entrelaçados, com cada primária associada a um momento diferente do avanço do caso — alguns votos serão depositados antes do julgamento, alguns após as declarações iniciais, alguns concomitantemente aos argumentos da acusação e outros após as contra-argumentações da defesa.
Isso significa, por sua vez, que um problema subjacente para esses julgamentos enquanto tentativas de cumprimento do estado de direito — o fato de que todos assistindo poderão ver que as decisões da Justiça são provisionais e que o árbitro final do destino de Trump é o eleitorado — será ressaltado consecutivamente ao longo do próprio processo judicial. Os eleitores das primárias republicanas serão como um júri nas sombras, oferecendo reações em tempo real, constantemente aumentando ou baixando probabilidades de que o réu seja capaz de reverter um veredicto de culpado por meio do simples expediente de se tornar o próximo presidente dos Estados Unidos.
A resposta resignada de muitos progressistas de que aqui simplesmente não cabe alternativa, que Trump cometeu tantos possíveis crimes que o acúmulo de casos requer que pelo que menos um — e possivelmente vários — vá a julgamento durante a campanha das primárias.
Mas apenas um dos quatro indiciamentos, o caso dos documentos secretos, envolve supostos crimes cometidos com as eleições de 2024 já se aproximando. Em todos os outros casos houve caminhos sinuosos e de vários anos para a acusação capazes de ter sido acionados plausivelmente para que Trump encarasse um júri ainda em 2023.
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O acúmulo não é deliberado; as Procuradorias de Nova York e Geórgia não se reuniram com Merrick Garland e Jack Smith para planejar que as coisas sucedessem desta maneira, e parte do atraso na instância federal refletiu, pode-se argumentar, uma relutância em perseguir um indiciamento. Mas ainda há um padrão recorrente nesses esforços anti-Trump e antipopulistas que com tanta frequência parecem convergir em estratagemas e escolhas que minam ainda mais na confiança em instituições oficialmente neutras.
Essas escolhas são com frequência defendidas com a sugestão de que qualquer crítica não passa de uma tentativa de má-fé de livrar a barra de Trump ou seus eleitores. Portanto, nessa veia, há que se enfatizar, não pela primeira vez nesta coluna, que os eleitores de Trump são os responsáveis por sua contínua popularidade, que ele pode muito bem caminhar para uma nova indicação sem o acúmulo de processos e que os promotores não estão forçando os eleitores republicanos a fazer nada que eles já não estavam inclinados a fazer.
Mas esse acúmulo parece um trunfo para o esforço de Trump se candidatar novamente. Sim, sempre há “a possibilidade de que Trump colapse sob o peso de seus problemas jurídicos”, conforme coloca meu colega Nate Cohn. Mas nós teremos meses de pesquisas sob a sombra desses promotores, o que sugere fortemente que entre o bloco trumpista (30% a 40% do eleitorado republicano, digamos), que vota em Trump não importando o que aconteça, há um outro bloco aberto a alternativas mas que se deixa seduzir quando ele é percebido como o maior alvo dos progressistas, num espírito muito parecido ao que uniu progressistas e feministas em torno do suposto predador sexual chamado Bill Clinton quando ele foi alvo da direita religiosa.
Para superar Trump nas primárias, seus competidores precisariam de parte desse bloco para resistir ao impulso de união em torno do ex-presidente e concentrar esses eleitores em seu favor. Portanto, concatenar a acusação de Trump mas não o desfecho final do julgamento a algumas das primárias mais importantes parece mais cimentar sua indicação do que fazer seus números finalmente caírem nas pesquisas.
Uma condenação poderia ser outra coisa. Pode haver republicanos que consideram as acusações um teatro projetado para evitar que Trump seja indicado e portanto esperam que os processos se dissolvam quando seus advogados apresentarem a defesa. Uma pesquisa Reuters/Ipsos publicada há algumas semanas constatou que 45% dos eleitores republicanos afirmam que não votariam em Trump se ele fosse condenado por um crime, 35% (novamente aquele bloco trumpista) afirmam que votariam nele de qualquer jeito e mais de 50% afirmam que não o apoiariam na campanha do outono (Hemisfério Norte) se ele fosse preso.
Eu não acredito neste último índice, mas minimamente a pesquisa sugere que ainda existe fé suficiente no sistema Judiciário para que uma eventual condenação surta um efeito nas primárias republicanas diferente do que os indiciamentos surtiram até aqui. Mas segundo o cronograma atual, uma condenação antes das primárias serem decididas é exatamente o que nós não teremos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
*Ross Douthat é colunista de opinião do The Times desde 2009 e autor de “The Deep Places: A Memoir of Illness and Discovery”