‘A democracia está sendo atacada por dentro’, diz Moisés Naím, em entrevista


Em seu novo livro, o colunista venezuelano diz que líderes autocratas usam a mesma cartilha ao redor do mundo para minar as instituições e permanecer no poder

Por Fernanda Simas
Foto: Estadão
Entrevista comMoisés NaímÉ escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment. Seu novo livro, A Vingança do Poder (Cultrix) será lançado em 6 de março

Ataques à democracia, falta de independência entre os Poderes, tentativas de golpe e desmonte das instituições. Cenários comuns em diversos países, com governos de diferentes ideologias, que levam à disputa política os democratas e os autocratas.

“O que estamos vendo em todo o mundo é essa tendência de chefes de Estado fazerem as manobras constitucionais, truques necessários para permanecerem no poder uma vez que chegam ali”, afirma o venezuelano Moisés Naím, colunista do Estadão e membro do Carnegie Endowmen. Em seu novo livro “A Vingança do Poder”, da editora Cultrix, Naím descreve a cartilha dos líderes que tentam minar a democracia por dentro do sistema e como isso é visto em diferentes regiões.

Quando o poder se tornou algo perigoso?

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O poder sempre é perigoso quando não tem contrapesos. Se o deixarmos sem contrapesos, sempre será ameaçador. Por isso, existem os controles, filtros, regras, normas, algumas nas constituições dos países e outras, na cultura. Quando essas forças que contrapõem o poder são debilitadas ou ficam acobertadas pelas ações dos autocratas, temos o poder perigoso. Isso em diferentes países.

Apoiadores do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obradorenchem a praça principal na Cidade do México em apoio `sa reformas políticas propostas por ele  Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times

Acabar com esses controles se tornou uma forma de governar. É possível dizer que a dualidade esquerda X direita mudou para democracia X autocracia?

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Com certeza. Essa é a história. Já não me importa se é direita ou esquerda, norte ou sul. O que importa é se alguém é democrata e respeita os pesos e contrapesos, as instituições, sem abusar do poder e sem fazer manobras para ficar nos cargos públicos por mais tempo do que o determinado pela eleição. O que estamos vendo em todo o mundo é essa tendência de chefes de Estado fazerem as manobras constitucionais, truques necessários para permanecerem no poder uma vez que chegam ali. Isso sempre existiu, mas agora se tornou mais viável.

A ideologia sai do centro da disputa, mas continua sendo usada no discurso desses líderes. Por que?

Esses líderes são muito eficazes vendendo esperança, expectativas, anunciando que vão acabar com as injustiças e desigualdades. O mundo está cheio de problemas muito graves e há muito mais problemas do que soluções eficazes. Assim, o que estamos vendo é a busca por esse homem ou mulher que vá resolver os problemas do país e isso é o populismo. A essência do populismo é ter um grupo, uma casta e um povo que precisa ser salvo. Chegam então os populistas que vão salvar o povo dos abusos dessa casta. E é tudo mentira.

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Outro ponto importante tem relação com algo que falo há muito tempo, que é a necrofilia política, ou seja, o amor apaixonado por ideias mortas, por políticas públicas mortas. Essas más ideias já foram testadas mais de uma vez em um mesmo país, em diferentes países, em diferentes momentos, com diferentes líderes, diferentes ideologias, mas no fim são ideias mortas, que parecem funcionar, mas sempre terminam em mais corrupção, desigualdade, pobreza, sangue, suor e lágrimas.

Pode dar um exemplo?

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É fácil. O campeão mundial é a Argentina. Os argentinos nunca perdem a oportunidade de voltar a fazer o que já fizeram muitas vezes e não funcionou. Estamos vendo agora, como o governo de (Alberto) Fernández e da senhora (Cristina) Kirchner está fazendo tudo o que estava no menu em tempos atrás e sempre fracassou e empobreceu os argentinos. É o controle de exportação, controle de preços, das finanças. Claro que o governo deve ter um papel, acredito que precisamos de um governo (atuante), mas não da maneira como tem sido implementado.

O presidente argentino, Alberto Fernández (centro), ao lado da vice-presidente, Cristina Kirchner, na abertura da sessão do congresso argentino, em 2022  Foto: Matias Baglietto/Reuters

No seu livro, o senhor fala dos três P: populismo, polarização e a pós-verdade. O populismo é o P mais importante para os autocratas?

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Os três P andam juntos, num mesmo pacote, e sempre existiram. O populismo sempre existiu, a polarização entre diferentes grupos que rivalizam pelo poder e se enfrentam e a propaganda política, que agora chamamos de pós-verdade, sempre foi usada para manipular a informação e as pessoas. Mas agora, como sustento no livro, ganharam uma potência que nunca tinham tido porque têm o apoio da tecnologia. Antes, a propaganda era apenas um instrumento de países, governos e grupos muito específicos. Agora, qualquer um desde sua casa pode emitir opiniões, ideias, propostas, acusações, agressões, etc...Como sabemos, nunca antes fomos tão manipulados como com as redes sociais.

Eu não me preocupo com o populismo. Me preocupo com o continuísmo. Ou seja, não me importa se o populista é de direita ou de esquerda, e há dos dois lados, Donald Trump é um populista e Hugo Chávez foi um populista. (Silvio) Berlusconi foi um populista na Itália e Jair Bolsonaro foi um populista no Brasil. O que importa é que (os líderes) sejam democratas, não ataquem e debilitem, ou eliminem, os pesos e contrapesos que o poder tem. O populismo por si só não é uma arma. A arma é o continuísmo.

Grupos de Bolsonaristas radicais invadiram as sedes dos três Poderes em Brasília, em janeiro  Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo
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E como isso se aplica ao momento atual da América Latina?

Uma das características que está distinguindo a América Latina do resto do mundo hoje é a tendência daqueles que estiveram ou estão no poder de querer continuar no poder, ou seja, ‘os que não se vão’. Aqui entra todo o grupo em torno: presidentes, ex-presidentes, parentes de ex-presidentes, amigos, filhos, etc... e o poder se mantém, o continuísmo acontece porque o presidente se mantém no poder ou porque nomeia alguém que o representa. Vimos isso na Colômbia, na Argentina, na Venezuela.

A política interna na América Latina está definida pelos presidentes que estão ou estiveram e querem continuar no poder, e pelos ‘caras novas’, o anti-política que diz que tudo que tem relação com a política é ruim ou negativo, corrupto, é o outsider. Vemos uma luta entre os presidentes que fazem de tudo para permanecer no cargo e os caras novas. E, de forma geral, em todo o mundo, os eleitores têm demonstrado simpatia pelos novatos. Não importa que esses líderes não tenham experiência, nunca tenham estado no poder, o único critério que importa é que sejam figuras novas, alguém que venha com ideias novas.

E isso é tão perigoso como o populismo sem controle porque quando se busca apenas essas figuras novas, se acaba elegendo algum Hugo Chávez ou Pedro Castillo ou Xi Jinping, que mudou a Constituição para ficar no poder. A dinâmica política na América Latina está caracterizada pela competição entre os que estão e querem continuar no poder e a simpatia dos eleitores por ter figuras novas.

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Analista diz que teme que essa seja o início da era dos populistas

Qual é o papel da mídia para tentar combater esse ciclo?

Primeiro, vivemos num tempo em que nem sabemos o que significa a mídia. Estamos falando de um jornal ou de um influencer que tem 1 milhão, 2 milhões de leitores, seguidores. Começamos com o problema da definição, a mídia não é mais apenas uma instituição. Um indivíduo em sua casa pode escrever algo de pijama e milhares de pessoas o estão seguindo.

Por outro lado, o que acontece, é o sequestro dos meios de comunicação, que prestam serviço a essa batalha ideológica e política dentro dos países. Ou seja, nos damos conta de que os meios de comunicação estão afiliados e defendem uma pessoa, uma equipe, uma família, como a família Murdoch nos EUA, que é dona da Fox News.

Há um tema importante relacionado com a pós-verdade muito associado com a perda de confiança por parte da sociedade. Todas as pesquisas mostram que a cada ano as pessoas confiam menos no governo, nas Forças Armadas, nos políticos, nos jornalistas, nos intelectuais, nos banqueiros, em tudo. Não há confiança. Só confiam em pequenos grupos de amigos, vizinhos. Porque não sabem em quem acreditar. As novas tecnologias levaram a uma confusão muito grande e as pessoas não sabem mais em que ou quem acreditar, quem seguir e quem não. E há muito interesse em provocar cada vez mais confusão nesse sentido.

A imprensa tradicional pode fazer algo para combater essa questão? O que precisa mudar?

Sou otimista nesse âmbito. Esse problema não vai desaparecer, parte dele estará sempre com a gente. Mas acredito que estamos nos aproximando da mudança. Há três caminhos de mudança importantes: um tecnológico, um legislativo e um cultural.

A mudança tecnológica é que pessoas comuns, como eu e você, terão mais proteção como consumidores digitais. Teremos tecnologia para nos ajudar a saber o que é verdade ou não, como um semáforo vermelho que te fale ‘pare, o que acaba de chegar é mentira, apague’, amarelo para ‘partes disso podem ser mentiras, não está totalmente verificado’, e verde que diga ‘ok, pode seguir, isso é verdade’. Essas tecnologias já existem de certa maneira  e vamos ver como se desenvolvem. A outra mudança é legislativa. Hoje já existe uma situação política no mundo que permite propor limites e controles aos abusos que se cometem pela internet. E a terceira mudança em curso é cultural. Todos estamos acostumados a ser precavidos, ter mais cuidado com o que lemos e o que nos chega pela internet.

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Nos EUA, a violência eleitoral é estrutural

Há uma cartilha dos três P seguida pelos líderes independente dos países, independente de suas especificidades. É isso?

Isso mesmo. Vou te contar uma experiência nova que tem relação com andar pelo mundo discutindo o que coloquei no livro. Eu já escrevi outros livros e viajei pelo mundo explicando os conteúdos. Mas com este livro, já não viajo, realizo entrevistas on-line, e isso me permitiu ir a muitos países mais. Uma das coisas que me parecem mais interessantes é que em todos os países as pessoas me falam ‘por que você utilizou meu país como modelo?’. E eu digo ‘bom, vá para a fila porque todos sentem isso’. Estou falando de uma tendência, dos três P, que são universais. Você vai encontrar essa receita em Uganda e na Hungria, na Rússia e na Colômbia.

E qual é o papel da educação hoje na formação política desses cidadãos?

A educação se transformou em uma espécie de canivete suíço, um objeto que pode ser usado para 35 coisas diferentes. Quando há um problema de corrupção dizem que é porque há um problema de educação. Se há um problema de desigualdade...Qualquer problema que uma sociedade tem dizem que a solução é a educação. Claro que a educação tem que ser uma prioridade. No entanto, na maior parte dos países da América Latina, a educação está fracassando, os estudantes não sabem ler, escrever, somar, multiplicar. Estou exagerando, mas há uma deficiência importante e todos os indicadores internacionais na região são muito ruins. Então, ao mesmo tempo em que a educação é usada como instrumento para muitas coisas e é muito importante, é também muito pouco eficaz, não está funcionando.

Quando alguém fala que a solução é a educação, qual educação? A que estamos vendo agora, ou seja, uma fraude, ou outro tipo e, aí sim, como se chega a esse outro tipo de educação que dê soluções a alguns problemas que os países apresentam?

Aí chegamos a um paradoxo porque os autocratas não querem que haja uma mudança de consciência política.

É isso mesmo. Essa é uma parte do problema. E a outra parte é que os sindicatos de educação são um obstáculo à inovação e à modernização da educação. É muito interessante, e talvez trágico, mas de forma mundial, a importância e o poder dos sindicatos baixaram. Com exceção dos sindicatos de educação e de saúde do setor público. São politicamente muito influentes.

Vou usar o caso do México como exemplo. Ali existe a figura de líder dos sindicatos de educação e professores. Ao mesmo tempo, as eleições ocorrem em colégios controlados por esses sindicatos. Então, todos os políticos estão muito interessados em ter esses sindicatos a seu favor. Aí você se dá conta de que há uma perversão da educação, da democracia, do ato de votar. Então, se descobriu que essa senhora que era a líder do sindicato de educação era literalmente milionária porque usava o poder que tinha ao controlar os centros de votação para ter benefícios do governo e do Estado.

Quando entendemos que os mecanismos para destruir a democracia são agir dentro da democracia, como levar essa consciência ao povo?

Esse tema vai estar com a gente por um tempo e não é de fácil solução. A grande preocupação é que a democracia está sendo atacada de dentro, então situações parecem democráticas, mas não são, têm todo cenário de democracia, mas são mentira. Ou seja, o Congresso é controlado pelo presidente, a Corte Suprema está cheia de amigos e empregados do presidente ou presidenta. Aos olhos do mundo e da sociedade, os três poderes estão divididos, nenhum tem força para se sobrepor aos outros. Mas é mentira. É contra isso que precisamos lutar e a melhor maneira de começar é denunciando, reconhecendo a situação e entendendo.

Ataques à democracia, falta de independência entre os Poderes, tentativas de golpe e desmonte das instituições. Cenários comuns em diversos países, com governos de diferentes ideologias, que levam à disputa política os democratas e os autocratas.

“O que estamos vendo em todo o mundo é essa tendência de chefes de Estado fazerem as manobras constitucionais, truques necessários para permanecerem no poder uma vez que chegam ali”, afirma o venezuelano Moisés Naím, colunista do Estadão e membro do Carnegie Endowmen. Em seu novo livro “A Vingança do Poder”, da editora Cultrix, Naím descreve a cartilha dos líderes que tentam minar a democracia por dentro do sistema e como isso é visto em diferentes regiões.

Quando o poder se tornou algo perigoso?

O poder sempre é perigoso quando não tem contrapesos. Se o deixarmos sem contrapesos, sempre será ameaçador. Por isso, existem os controles, filtros, regras, normas, algumas nas constituições dos países e outras, na cultura. Quando essas forças que contrapõem o poder são debilitadas ou ficam acobertadas pelas ações dos autocratas, temos o poder perigoso. Isso em diferentes países.

Apoiadores do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obradorenchem a praça principal na Cidade do México em apoio `sa reformas políticas propostas por ele  Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times

Acabar com esses controles se tornou uma forma de governar. É possível dizer que a dualidade esquerda X direita mudou para democracia X autocracia?

Com certeza. Essa é a história. Já não me importa se é direita ou esquerda, norte ou sul. O que importa é se alguém é democrata e respeita os pesos e contrapesos, as instituições, sem abusar do poder e sem fazer manobras para ficar nos cargos públicos por mais tempo do que o determinado pela eleição. O que estamos vendo em todo o mundo é essa tendência de chefes de Estado fazerem as manobras constitucionais, truques necessários para permanecerem no poder uma vez que chegam ali. Isso sempre existiu, mas agora se tornou mais viável.

A ideologia sai do centro da disputa, mas continua sendo usada no discurso desses líderes. Por que?

Esses líderes são muito eficazes vendendo esperança, expectativas, anunciando que vão acabar com as injustiças e desigualdades. O mundo está cheio de problemas muito graves e há muito mais problemas do que soluções eficazes. Assim, o que estamos vendo é a busca por esse homem ou mulher que vá resolver os problemas do país e isso é o populismo. A essência do populismo é ter um grupo, uma casta e um povo que precisa ser salvo. Chegam então os populistas que vão salvar o povo dos abusos dessa casta. E é tudo mentira.

Outro ponto importante tem relação com algo que falo há muito tempo, que é a necrofilia política, ou seja, o amor apaixonado por ideias mortas, por políticas públicas mortas. Essas más ideias já foram testadas mais de uma vez em um mesmo país, em diferentes países, em diferentes momentos, com diferentes líderes, diferentes ideologias, mas no fim são ideias mortas, que parecem funcionar, mas sempre terminam em mais corrupção, desigualdade, pobreza, sangue, suor e lágrimas.

Pode dar um exemplo?

É fácil. O campeão mundial é a Argentina. Os argentinos nunca perdem a oportunidade de voltar a fazer o que já fizeram muitas vezes e não funcionou. Estamos vendo agora, como o governo de (Alberto) Fernández e da senhora (Cristina) Kirchner está fazendo tudo o que estava no menu em tempos atrás e sempre fracassou e empobreceu os argentinos. É o controle de exportação, controle de preços, das finanças. Claro que o governo deve ter um papel, acredito que precisamos de um governo (atuante), mas não da maneira como tem sido implementado.

O presidente argentino, Alberto Fernández (centro), ao lado da vice-presidente, Cristina Kirchner, na abertura da sessão do congresso argentino, em 2022  Foto: Matias Baglietto/Reuters

No seu livro, o senhor fala dos três P: populismo, polarização e a pós-verdade. O populismo é o P mais importante para os autocratas?

Os três P andam juntos, num mesmo pacote, e sempre existiram. O populismo sempre existiu, a polarização entre diferentes grupos que rivalizam pelo poder e se enfrentam e a propaganda política, que agora chamamos de pós-verdade, sempre foi usada para manipular a informação e as pessoas. Mas agora, como sustento no livro, ganharam uma potência que nunca tinham tido porque têm o apoio da tecnologia. Antes, a propaganda era apenas um instrumento de países, governos e grupos muito específicos. Agora, qualquer um desde sua casa pode emitir opiniões, ideias, propostas, acusações, agressões, etc...Como sabemos, nunca antes fomos tão manipulados como com as redes sociais.

Eu não me preocupo com o populismo. Me preocupo com o continuísmo. Ou seja, não me importa se o populista é de direita ou de esquerda, e há dos dois lados, Donald Trump é um populista e Hugo Chávez foi um populista. (Silvio) Berlusconi foi um populista na Itália e Jair Bolsonaro foi um populista no Brasil. O que importa é que (os líderes) sejam democratas, não ataquem e debilitem, ou eliminem, os pesos e contrapesos que o poder tem. O populismo por si só não é uma arma. A arma é o continuísmo.

Grupos de Bolsonaristas radicais invadiram as sedes dos três Poderes em Brasília, em janeiro  Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

E como isso se aplica ao momento atual da América Latina?

Uma das características que está distinguindo a América Latina do resto do mundo hoje é a tendência daqueles que estiveram ou estão no poder de querer continuar no poder, ou seja, ‘os que não se vão’. Aqui entra todo o grupo em torno: presidentes, ex-presidentes, parentes de ex-presidentes, amigos, filhos, etc... e o poder se mantém, o continuísmo acontece porque o presidente se mantém no poder ou porque nomeia alguém que o representa. Vimos isso na Colômbia, na Argentina, na Venezuela.

A política interna na América Latina está definida pelos presidentes que estão ou estiveram e querem continuar no poder, e pelos ‘caras novas’, o anti-política que diz que tudo que tem relação com a política é ruim ou negativo, corrupto, é o outsider. Vemos uma luta entre os presidentes que fazem de tudo para permanecer no cargo e os caras novas. E, de forma geral, em todo o mundo, os eleitores têm demonstrado simpatia pelos novatos. Não importa que esses líderes não tenham experiência, nunca tenham estado no poder, o único critério que importa é que sejam figuras novas, alguém que venha com ideias novas.

E isso é tão perigoso como o populismo sem controle porque quando se busca apenas essas figuras novas, se acaba elegendo algum Hugo Chávez ou Pedro Castillo ou Xi Jinping, que mudou a Constituição para ficar no poder. A dinâmica política na América Latina está caracterizada pela competição entre os que estão e querem continuar no poder e a simpatia dos eleitores por ter figuras novas.

Seu navegador não suporta esse video.

Analista diz que teme que essa seja o início da era dos populistas

Qual é o papel da mídia para tentar combater esse ciclo?

Primeiro, vivemos num tempo em que nem sabemos o que significa a mídia. Estamos falando de um jornal ou de um influencer que tem 1 milhão, 2 milhões de leitores, seguidores. Começamos com o problema da definição, a mídia não é mais apenas uma instituição. Um indivíduo em sua casa pode escrever algo de pijama e milhares de pessoas o estão seguindo.

Por outro lado, o que acontece, é o sequestro dos meios de comunicação, que prestam serviço a essa batalha ideológica e política dentro dos países. Ou seja, nos damos conta de que os meios de comunicação estão afiliados e defendem uma pessoa, uma equipe, uma família, como a família Murdoch nos EUA, que é dona da Fox News.

Há um tema importante relacionado com a pós-verdade muito associado com a perda de confiança por parte da sociedade. Todas as pesquisas mostram que a cada ano as pessoas confiam menos no governo, nas Forças Armadas, nos políticos, nos jornalistas, nos intelectuais, nos banqueiros, em tudo. Não há confiança. Só confiam em pequenos grupos de amigos, vizinhos. Porque não sabem em quem acreditar. As novas tecnologias levaram a uma confusão muito grande e as pessoas não sabem mais em que ou quem acreditar, quem seguir e quem não. E há muito interesse em provocar cada vez mais confusão nesse sentido.

A imprensa tradicional pode fazer algo para combater essa questão? O que precisa mudar?

Sou otimista nesse âmbito. Esse problema não vai desaparecer, parte dele estará sempre com a gente. Mas acredito que estamos nos aproximando da mudança. Há três caminhos de mudança importantes: um tecnológico, um legislativo e um cultural.

A mudança tecnológica é que pessoas comuns, como eu e você, terão mais proteção como consumidores digitais. Teremos tecnologia para nos ajudar a saber o que é verdade ou não, como um semáforo vermelho que te fale ‘pare, o que acaba de chegar é mentira, apague’, amarelo para ‘partes disso podem ser mentiras, não está totalmente verificado’, e verde que diga ‘ok, pode seguir, isso é verdade’. Essas tecnologias já existem de certa maneira  e vamos ver como se desenvolvem. A outra mudança é legislativa. Hoje já existe uma situação política no mundo que permite propor limites e controles aos abusos que se cometem pela internet. E a terceira mudança em curso é cultural. Todos estamos acostumados a ser precavidos, ter mais cuidado com o que lemos e o que nos chega pela internet.

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Nos EUA, a violência eleitoral é estrutural

Há uma cartilha dos três P seguida pelos líderes independente dos países, independente de suas especificidades. É isso?

Isso mesmo. Vou te contar uma experiência nova que tem relação com andar pelo mundo discutindo o que coloquei no livro. Eu já escrevi outros livros e viajei pelo mundo explicando os conteúdos. Mas com este livro, já não viajo, realizo entrevistas on-line, e isso me permitiu ir a muitos países mais. Uma das coisas que me parecem mais interessantes é que em todos os países as pessoas me falam ‘por que você utilizou meu país como modelo?’. E eu digo ‘bom, vá para a fila porque todos sentem isso’. Estou falando de uma tendência, dos três P, que são universais. Você vai encontrar essa receita em Uganda e na Hungria, na Rússia e na Colômbia.

E qual é o papel da educação hoje na formação política desses cidadãos?

A educação se transformou em uma espécie de canivete suíço, um objeto que pode ser usado para 35 coisas diferentes. Quando há um problema de corrupção dizem que é porque há um problema de educação. Se há um problema de desigualdade...Qualquer problema que uma sociedade tem dizem que a solução é a educação. Claro que a educação tem que ser uma prioridade. No entanto, na maior parte dos países da América Latina, a educação está fracassando, os estudantes não sabem ler, escrever, somar, multiplicar. Estou exagerando, mas há uma deficiência importante e todos os indicadores internacionais na região são muito ruins. Então, ao mesmo tempo em que a educação é usada como instrumento para muitas coisas e é muito importante, é também muito pouco eficaz, não está funcionando.

Quando alguém fala que a solução é a educação, qual educação? A que estamos vendo agora, ou seja, uma fraude, ou outro tipo e, aí sim, como se chega a esse outro tipo de educação que dê soluções a alguns problemas que os países apresentam?

Aí chegamos a um paradoxo porque os autocratas não querem que haja uma mudança de consciência política.

É isso mesmo. Essa é uma parte do problema. E a outra parte é que os sindicatos de educação são um obstáculo à inovação e à modernização da educação. É muito interessante, e talvez trágico, mas de forma mundial, a importância e o poder dos sindicatos baixaram. Com exceção dos sindicatos de educação e de saúde do setor público. São politicamente muito influentes.

Vou usar o caso do México como exemplo. Ali existe a figura de líder dos sindicatos de educação e professores. Ao mesmo tempo, as eleições ocorrem em colégios controlados por esses sindicatos. Então, todos os políticos estão muito interessados em ter esses sindicatos a seu favor. Aí você se dá conta de que há uma perversão da educação, da democracia, do ato de votar. Então, se descobriu que essa senhora que era a líder do sindicato de educação era literalmente milionária porque usava o poder que tinha ao controlar os centros de votação para ter benefícios do governo e do Estado.

Quando entendemos que os mecanismos para destruir a democracia são agir dentro da democracia, como levar essa consciência ao povo?

Esse tema vai estar com a gente por um tempo e não é de fácil solução. A grande preocupação é que a democracia está sendo atacada de dentro, então situações parecem democráticas, mas não são, têm todo cenário de democracia, mas são mentira. Ou seja, o Congresso é controlado pelo presidente, a Corte Suprema está cheia de amigos e empregados do presidente ou presidenta. Aos olhos do mundo e da sociedade, os três poderes estão divididos, nenhum tem força para se sobrepor aos outros. Mas é mentira. É contra isso que precisamos lutar e a melhor maneira de começar é denunciando, reconhecendo a situação e entendendo.

Ataques à democracia, falta de independência entre os Poderes, tentativas de golpe e desmonte das instituições. Cenários comuns em diversos países, com governos de diferentes ideologias, que levam à disputa política os democratas e os autocratas.

“O que estamos vendo em todo o mundo é essa tendência de chefes de Estado fazerem as manobras constitucionais, truques necessários para permanecerem no poder uma vez que chegam ali”, afirma o venezuelano Moisés Naím, colunista do Estadão e membro do Carnegie Endowmen. Em seu novo livro “A Vingança do Poder”, da editora Cultrix, Naím descreve a cartilha dos líderes que tentam minar a democracia por dentro do sistema e como isso é visto em diferentes regiões.

Quando o poder se tornou algo perigoso?

O poder sempre é perigoso quando não tem contrapesos. Se o deixarmos sem contrapesos, sempre será ameaçador. Por isso, existem os controles, filtros, regras, normas, algumas nas constituições dos países e outras, na cultura. Quando essas forças que contrapõem o poder são debilitadas ou ficam acobertadas pelas ações dos autocratas, temos o poder perigoso. Isso em diferentes países.

Apoiadores do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obradorenchem a praça principal na Cidade do México em apoio `sa reformas políticas propostas por ele  Foto: Luis Antonio Rojas/The New York Times

Acabar com esses controles se tornou uma forma de governar. É possível dizer que a dualidade esquerda X direita mudou para democracia X autocracia?

Com certeza. Essa é a história. Já não me importa se é direita ou esquerda, norte ou sul. O que importa é se alguém é democrata e respeita os pesos e contrapesos, as instituições, sem abusar do poder e sem fazer manobras para ficar nos cargos públicos por mais tempo do que o determinado pela eleição. O que estamos vendo em todo o mundo é essa tendência de chefes de Estado fazerem as manobras constitucionais, truques necessários para permanecerem no poder uma vez que chegam ali. Isso sempre existiu, mas agora se tornou mais viável.

A ideologia sai do centro da disputa, mas continua sendo usada no discurso desses líderes. Por que?

Esses líderes são muito eficazes vendendo esperança, expectativas, anunciando que vão acabar com as injustiças e desigualdades. O mundo está cheio de problemas muito graves e há muito mais problemas do que soluções eficazes. Assim, o que estamos vendo é a busca por esse homem ou mulher que vá resolver os problemas do país e isso é o populismo. A essência do populismo é ter um grupo, uma casta e um povo que precisa ser salvo. Chegam então os populistas que vão salvar o povo dos abusos dessa casta. E é tudo mentira.

Outro ponto importante tem relação com algo que falo há muito tempo, que é a necrofilia política, ou seja, o amor apaixonado por ideias mortas, por políticas públicas mortas. Essas más ideias já foram testadas mais de uma vez em um mesmo país, em diferentes países, em diferentes momentos, com diferentes líderes, diferentes ideologias, mas no fim são ideias mortas, que parecem funcionar, mas sempre terminam em mais corrupção, desigualdade, pobreza, sangue, suor e lágrimas.

Pode dar um exemplo?

É fácil. O campeão mundial é a Argentina. Os argentinos nunca perdem a oportunidade de voltar a fazer o que já fizeram muitas vezes e não funcionou. Estamos vendo agora, como o governo de (Alberto) Fernández e da senhora (Cristina) Kirchner está fazendo tudo o que estava no menu em tempos atrás e sempre fracassou e empobreceu os argentinos. É o controle de exportação, controle de preços, das finanças. Claro que o governo deve ter um papel, acredito que precisamos de um governo (atuante), mas não da maneira como tem sido implementado.

O presidente argentino, Alberto Fernández (centro), ao lado da vice-presidente, Cristina Kirchner, na abertura da sessão do congresso argentino, em 2022  Foto: Matias Baglietto/Reuters

No seu livro, o senhor fala dos três P: populismo, polarização e a pós-verdade. O populismo é o P mais importante para os autocratas?

Os três P andam juntos, num mesmo pacote, e sempre existiram. O populismo sempre existiu, a polarização entre diferentes grupos que rivalizam pelo poder e se enfrentam e a propaganda política, que agora chamamos de pós-verdade, sempre foi usada para manipular a informação e as pessoas. Mas agora, como sustento no livro, ganharam uma potência que nunca tinham tido porque têm o apoio da tecnologia. Antes, a propaganda era apenas um instrumento de países, governos e grupos muito específicos. Agora, qualquer um desde sua casa pode emitir opiniões, ideias, propostas, acusações, agressões, etc...Como sabemos, nunca antes fomos tão manipulados como com as redes sociais.

Eu não me preocupo com o populismo. Me preocupo com o continuísmo. Ou seja, não me importa se o populista é de direita ou de esquerda, e há dos dois lados, Donald Trump é um populista e Hugo Chávez foi um populista. (Silvio) Berlusconi foi um populista na Itália e Jair Bolsonaro foi um populista no Brasil. O que importa é que (os líderes) sejam democratas, não ataquem e debilitem, ou eliminem, os pesos e contrapesos que o poder tem. O populismo por si só não é uma arma. A arma é o continuísmo.

Grupos de Bolsonaristas radicais invadiram as sedes dos três Poderes em Brasília, em janeiro  Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

E como isso se aplica ao momento atual da América Latina?

Uma das características que está distinguindo a América Latina do resto do mundo hoje é a tendência daqueles que estiveram ou estão no poder de querer continuar no poder, ou seja, ‘os que não se vão’. Aqui entra todo o grupo em torno: presidentes, ex-presidentes, parentes de ex-presidentes, amigos, filhos, etc... e o poder se mantém, o continuísmo acontece porque o presidente se mantém no poder ou porque nomeia alguém que o representa. Vimos isso na Colômbia, na Argentina, na Venezuela.

A política interna na América Latina está definida pelos presidentes que estão ou estiveram e querem continuar no poder, e pelos ‘caras novas’, o anti-política que diz que tudo que tem relação com a política é ruim ou negativo, corrupto, é o outsider. Vemos uma luta entre os presidentes que fazem de tudo para permanecer no cargo e os caras novas. E, de forma geral, em todo o mundo, os eleitores têm demonstrado simpatia pelos novatos. Não importa que esses líderes não tenham experiência, nunca tenham estado no poder, o único critério que importa é que sejam figuras novas, alguém que venha com ideias novas.

E isso é tão perigoso como o populismo sem controle porque quando se busca apenas essas figuras novas, se acaba elegendo algum Hugo Chávez ou Pedro Castillo ou Xi Jinping, que mudou a Constituição para ficar no poder. A dinâmica política na América Latina está caracterizada pela competição entre os que estão e querem continuar no poder e a simpatia dos eleitores por ter figuras novas.

Seu navegador não suporta esse video.

Analista diz que teme que essa seja o início da era dos populistas

Qual é o papel da mídia para tentar combater esse ciclo?

Primeiro, vivemos num tempo em que nem sabemos o que significa a mídia. Estamos falando de um jornal ou de um influencer que tem 1 milhão, 2 milhões de leitores, seguidores. Começamos com o problema da definição, a mídia não é mais apenas uma instituição. Um indivíduo em sua casa pode escrever algo de pijama e milhares de pessoas o estão seguindo.

Por outro lado, o que acontece, é o sequestro dos meios de comunicação, que prestam serviço a essa batalha ideológica e política dentro dos países. Ou seja, nos damos conta de que os meios de comunicação estão afiliados e defendem uma pessoa, uma equipe, uma família, como a família Murdoch nos EUA, que é dona da Fox News.

Há um tema importante relacionado com a pós-verdade muito associado com a perda de confiança por parte da sociedade. Todas as pesquisas mostram que a cada ano as pessoas confiam menos no governo, nas Forças Armadas, nos políticos, nos jornalistas, nos intelectuais, nos banqueiros, em tudo. Não há confiança. Só confiam em pequenos grupos de amigos, vizinhos. Porque não sabem em quem acreditar. As novas tecnologias levaram a uma confusão muito grande e as pessoas não sabem mais em que ou quem acreditar, quem seguir e quem não. E há muito interesse em provocar cada vez mais confusão nesse sentido.

A imprensa tradicional pode fazer algo para combater essa questão? O que precisa mudar?

Sou otimista nesse âmbito. Esse problema não vai desaparecer, parte dele estará sempre com a gente. Mas acredito que estamos nos aproximando da mudança. Há três caminhos de mudança importantes: um tecnológico, um legislativo e um cultural.

A mudança tecnológica é que pessoas comuns, como eu e você, terão mais proteção como consumidores digitais. Teremos tecnologia para nos ajudar a saber o que é verdade ou não, como um semáforo vermelho que te fale ‘pare, o que acaba de chegar é mentira, apague’, amarelo para ‘partes disso podem ser mentiras, não está totalmente verificado’, e verde que diga ‘ok, pode seguir, isso é verdade’. Essas tecnologias já existem de certa maneira  e vamos ver como se desenvolvem. A outra mudança é legislativa. Hoje já existe uma situação política no mundo que permite propor limites e controles aos abusos que se cometem pela internet. E a terceira mudança em curso é cultural. Todos estamos acostumados a ser precavidos, ter mais cuidado com o que lemos e o que nos chega pela internet.

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Nos EUA, a violência eleitoral é estrutural

Há uma cartilha dos três P seguida pelos líderes independente dos países, independente de suas especificidades. É isso?

Isso mesmo. Vou te contar uma experiência nova que tem relação com andar pelo mundo discutindo o que coloquei no livro. Eu já escrevi outros livros e viajei pelo mundo explicando os conteúdos. Mas com este livro, já não viajo, realizo entrevistas on-line, e isso me permitiu ir a muitos países mais. Uma das coisas que me parecem mais interessantes é que em todos os países as pessoas me falam ‘por que você utilizou meu país como modelo?’. E eu digo ‘bom, vá para a fila porque todos sentem isso’. Estou falando de uma tendência, dos três P, que são universais. Você vai encontrar essa receita em Uganda e na Hungria, na Rússia e na Colômbia.

E qual é o papel da educação hoje na formação política desses cidadãos?

A educação se transformou em uma espécie de canivete suíço, um objeto que pode ser usado para 35 coisas diferentes. Quando há um problema de corrupção dizem que é porque há um problema de educação. Se há um problema de desigualdade...Qualquer problema que uma sociedade tem dizem que a solução é a educação. Claro que a educação tem que ser uma prioridade. No entanto, na maior parte dos países da América Latina, a educação está fracassando, os estudantes não sabem ler, escrever, somar, multiplicar. Estou exagerando, mas há uma deficiência importante e todos os indicadores internacionais na região são muito ruins. Então, ao mesmo tempo em que a educação é usada como instrumento para muitas coisas e é muito importante, é também muito pouco eficaz, não está funcionando.

Quando alguém fala que a solução é a educação, qual educação? A que estamos vendo agora, ou seja, uma fraude, ou outro tipo e, aí sim, como se chega a esse outro tipo de educação que dê soluções a alguns problemas que os países apresentam?

Aí chegamos a um paradoxo porque os autocratas não querem que haja uma mudança de consciência política.

É isso mesmo. Essa é uma parte do problema. E a outra parte é que os sindicatos de educação são um obstáculo à inovação e à modernização da educação. É muito interessante, e talvez trágico, mas de forma mundial, a importância e o poder dos sindicatos baixaram. Com exceção dos sindicatos de educação e de saúde do setor público. São politicamente muito influentes.

Vou usar o caso do México como exemplo. Ali existe a figura de líder dos sindicatos de educação e professores. Ao mesmo tempo, as eleições ocorrem em colégios controlados por esses sindicatos. Então, todos os políticos estão muito interessados em ter esses sindicatos a seu favor. Aí você se dá conta de que há uma perversão da educação, da democracia, do ato de votar. Então, se descobriu que essa senhora que era a líder do sindicato de educação era literalmente milionária porque usava o poder que tinha ao controlar os centros de votação para ter benefícios do governo e do Estado.

Quando entendemos que os mecanismos para destruir a democracia são agir dentro da democracia, como levar essa consciência ao povo?

Esse tema vai estar com a gente por um tempo e não é de fácil solução. A grande preocupação é que a democracia está sendo atacada de dentro, então situações parecem democráticas, mas não são, têm todo cenário de democracia, mas são mentira. Ou seja, o Congresso é controlado pelo presidente, a Corte Suprema está cheia de amigos e empregados do presidente ou presidenta. Aos olhos do mundo e da sociedade, os três poderes estão divididos, nenhum tem força para se sobrepor aos outros. Mas é mentira. É contra isso que precisamos lutar e a melhor maneira de começar é denunciando, reconhecendo a situação e entendendo.

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