Energia nuclear ajudará Europa a cortar laços energéticos com a Rússia, mas não no futuro próximo


A corrida para encontrar alternativas imediatas para o combustível russo amplificou uma divisão política na Europa a respeito de energia nuclear, mas transformar em realidade uma retomada atômica é problemático

Por Liz Alderman e Stanley Reed
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Na costa fustigada pelo vento onde fica Flamanville, uma cidade industrial no noroeste da França localizada diante das águas agitadas do Canal da Mancha, uma enorme cúpula de concreto abriga um dos reatores nucleares mais poderosos do mundo.

Mas ninguém sabe quando esse gigante vai começar a fornecer energia para a rede de eletricidade francesa. A construção está uma década atrasada em relação à previsão original e estourou o orçamento em 12 bilhões de euros, ou US$13 bilhões.

Planos de iniciar as operações este ano foram adiados novamente, desta vez para 2024. E os problemas em Flamanville não são únicos. A mais nova usina nuclear da Finlândia, que começou a operar no mês passado, deveria ter ficado pronta em 2009.

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Depois que autoridades do alto escalão americano visitaram a Ucrânia e garantiram que é possível ganhar o conflito com o "equipamento adequado".

Conforme a guerra do presidente Vladimir Putin estimula a Europa a cortar sua dependência do gás natural e do petróleo da Rússia, a imagem da energia nuclear tem melhorado, prometendo uma fonte confiável de eletricidade produzida domesticamente.

A energia nuclear poderia ajudar a resolver a crise energética que espreita a Europa, afirmam defensores de sua utilização, complementando o importante esforço, já em andamento antes da guerra, de adotar energia solar, eólica e outras fontes renováveis para atender ambiciosas metas ambientais.

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“A invasão de Putin redefiniu nossas considerações a respeito de energia na Europa”, afirmou Fatih Birol, diretor da Agência Internacional de Energia. Ele acrescentou, “Minha expectativa é que a energia nuclear poderá muito bem retornar para a Europa e outros lugares como resultado da insegurança energética”.

Mas transformar em realidade uma retomada atômica é algo problemático.

A corrida para encontrar alternativas imediatas para o combustível russo amplificou uma divisão política na Europa a respeito de energia nuclear, enquanto um bloco de países pró-energia atômica liderado pela França, a maior produtora nuclear da Europa, pressiona por um fortalecimento no setor; e a Alemanha e outros países de mentalidade parecida se opõem, citando os perigos do lixo radioativo. Um plano recente da Comissão Europeia para diminuir a dependência em relação à Rússia deixou a energia nuclear explicitamente fora de uma lista de fontes de energia a serem consideradas.

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Os longos atrasos e os estouros de orçamento que assolaram o gigantesco projeto Flamanville-3, um reator de última geração que utiliza água pressurizada projetado para produzir 1,6 mil megawatts de energia, são emblemáticos em relação aos desafios técnicos, logísticos e financeiros que essa expansão enfrentaria.

Um quarto de toda a eletricidade consumida na União Europeia vem de centrais nucleares localizadas em uma dúzia de países, usinas envelhecidas em sua maioria, construídas nos anos 80. A França, com 56 reatores, produz mais da metade desse total.

Do outro lado do canal, o Reino Unido anunciou recentemente sua intenção de construir até oito usinas nucleares novas, mas a realidade é mais sóbria. Cinco dos seis reatores em operação atualmente no país deverão ser aposentados em até uma década por causa da idade; enquanto apenas uma central nuclear — de tecnologia francesa, custando 20 bilhões de libras — e está em construção, com o cronograma bastante atrasado, em Hinkley Point, no sudoeste da Inglaterra. A primeira parte da usina deverá começar a operar em 2026.

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Outras usinas planejadas no Leste Europeu não deverão começar a operar antes de 2030.

“A alternativa nuclear vai demorar muito”, porque os projetos demoram pelo menos 10 anos para ficar prontos, afirmou Jonathan Stern, pesquisador sênior do Instituto Oxford para Estudos de Energia, uma entidade independente.

Um trabalhador faz plantão em uma estação de compressor de gás do gasoduto Yamal-Europa; UE tem grande dependência do gás russo Foto: Sergei Grits/AP
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“O grande problema é como se livrar do gás russo, e esse problema ocorre agora — não daqui a uma década, quando talvez tenhamos construído outra geração de reatores nucleares”, acrescentou ele.

Defensores da energia atômica afirmam que ela pode ser a solução se houver vontade política.

O governo da Bélgica, em acordo com o partido Verde do país, reverteu uma decisão de prescindir da energia nuclear até 2025 e estendeu a vida de dois reatores que possui por mais uma década enquanto a Rússia intensificava seu ataque contra a Ucrânia, no mês passado. Essa energia ajudará a Bélgica a evitar depender do gás russo enquanto constrói fontes renováveis de energia, incluindo turbinas eólicas e campos para captação de energia solar, para atender às metas climáticas europeias até 2035.

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“A invasão da Ucrânia mudou nossas vidas”, afirmou na semana passada a ministra belga da Energia, Tinne Van der Straeten, explicando a mudança de rumo do governo. “Quisemos reduzir nossas importações da Rússia.”

Mas na Alemanha, que é mais dependente do gás e do carvão da Rússia do que qualquer outro país europeu, a ideia de usar a energia nuclear para superar a crise energética parece empacada.

A Alemanha prevê para o fim do ano o fechamento de suas três últimas usinas nucleares ainda em funcionamento, o capítulo final do programa aprovado pelo Legislativo para desativar os 17 reatores do país em seguida ao desastre nuclear em Fukushima, no Japão, em 2011.

Duas das maiores empresas de energia da Alemanha afirmaram estar abertas para adiar o fechamento para ajudar a aliviar a dependência do país em relação à Rússia. Mas os Verdes, que compõem a coalizão de governo, descartaram planos para a continuidade de sua operação — assim como para reativar centrais nucleares fechadas em dezembro.

“Decidimos, por razões que considero muito boas e direitas, que queremos desativá-las”, afirmou o chanceler Olaf Scholz ao Parlamento este mês, acrescentando que a ideia de adiar o fim do uso da energia nuclear na Alemanha “não é um bom plano”.

Mesmo em países que consideram a energia nuclear uma opção válida, uma série de obstáculos atrapalha esse caminho. “Isso não ocorrerá da noite para o dia”, afirmou Mark Hibbs, especialista nuclear do Fundo Carnegie para Paz Internacional, um instituto de pesquisa.

Os planos do presidente Emmanuel Macron para um renascimento da energia nuclear na França vislumbram uma nova geração de reatores atômicos de grande e pequeno porte, a serem negociados por preços a partir de €50 bilhões (US$ 57 bilhões) — um valor estarrecedor, que outros países europeus são incapazes de pagar ou não estão dispostos a gastar. A construção não será rápida, reconheceu ele, em parte porque a indústria também precisará treinar uma nova geração de engenheiros nucleares.

“A maioria dos governos pressiona e pressiona — e mesmo se começarem a construir já, isso levaria muito tempo”, afirmou Stern, do Instituto Oxford para Estudos de Energia. “Todas essas outras tecnologias estão avançando rapidamente e ficando mais baratas, enquanto a energia nuclear não avança e fica cada vez mais cara.”

Enquanto isso, muitos dos envelhecidos reatores franceses, construídos para forjar independência energética após as crises do petróleo dos anos 70, foram pausados para inspeções de segurança, dificultando para a energia nuclear francesa ajudar a aliviar alguma falta na energia russa, afirmou Anne-Sophie Corbeau, do Centro para Política Energética Global da Universidade Columbia.

“A produção de energia nuclear diminuirá este ano na França a não ser que uma solução mágica seja encontrada, mas uma solução mágica não existe”, afirmou ela.

Ainda assim, a agressão de Moscou poderá ajudar a reverter o que tem sido um arco de declínio gradual do setor.

Recentemente, foram feitas várias declarações esperançosas. Além do anúncio do Reino Unido de que este mês a capacidade nuclear do país será expandida, os Países Baixos, que possuem um reator, planejam construir outros dois para complementar sua produção de energia solar, eólica e geotérmica.

E no Leste Europeu, vários países sob a sombra russa têm planos de construir reatores nucleares — um fenômeno que seus defensores dizem parecer premonitório em face à invasão da Rússia à Ucrânia.

A NuScale Power, empresa do Estado americano do Oregon que vende um novo projeto de reator que a companhia afirma ser mais barato e mais rápido de construir, pois componentes cruciais serão montados em fábricas, assinou contratos preliminares na Romênia e na Polônia.

A invasão russa reforçou o “desejo (de clientes) de considerar a energia nuclear parte do cardápio energético para seus portfólios”, afirmou Tom Mundy, diretor comercial da empresa.

A Nuclearelectrica, empresa romena de energia, está avançando com projetos de uma usina da NuScale e de dois reatores de fabricação canadense, para integrar os equipamentos a duas centrais nucleares que geram cerca de 20% da eletricidade consumida no país, afirmou Cosmin Ghita, diretor executivo da companhia.

“A crise ucraniana demonstrou definitivamente que precisamos melhorar nossa segurança energética”, afirmou Ghita. “Estamos avançando mais com nossos projetos.”

Meike Becker, analista de serviços públicos da firma de pesquisa Bernstein, afirmou que, no longo prazo, a guerra da Rússia deverá “colaborar com a ideia de uma Europa” mais independente energeticamente.

“Isso é algo que a energia nuclear é capaz de prover”, acrescentou ela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES - Na costa fustigada pelo vento onde fica Flamanville, uma cidade industrial no noroeste da França localizada diante das águas agitadas do Canal da Mancha, uma enorme cúpula de concreto abriga um dos reatores nucleares mais poderosos do mundo.

Mas ninguém sabe quando esse gigante vai começar a fornecer energia para a rede de eletricidade francesa. A construção está uma década atrasada em relação à previsão original e estourou o orçamento em 12 bilhões de euros, ou US$13 bilhões.

Planos de iniciar as operações este ano foram adiados novamente, desta vez para 2024. E os problemas em Flamanville não são únicos. A mais nova usina nuclear da Finlândia, que começou a operar no mês passado, deveria ter ficado pronta em 2009.

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Depois que autoridades do alto escalão americano visitaram a Ucrânia e garantiram que é possível ganhar o conflito com o "equipamento adequado".

Conforme a guerra do presidente Vladimir Putin estimula a Europa a cortar sua dependência do gás natural e do petróleo da Rússia, a imagem da energia nuclear tem melhorado, prometendo uma fonte confiável de eletricidade produzida domesticamente.

A energia nuclear poderia ajudar a resolver a crise energética que espreita a Europa, afirmam defensores de sua utilização, complementando o importante esforço, já em andamento antes da guerra, de adotar energia solar, eólica e outras fontes renováveis para atender ambiciosas metas ambientais.

“A invasão de Putin redefiniu nossas considerações a respeito de energia na Europa”, afirmou Fatih Birol, diretor da Agência Internacional de Energia. Ele acrescentou, “Minha expectativa é que a energia nuclear poderá muito bem retornar para a Europa e outros lugares como resultado da insegurança energética”.

Mas transformar em realidade uma retomada atômica é algo problemático.

A corrida para encontrar alternativas imediatas para o combustível russo amplificou uma divisão política na Europa a respeito de energia nuclear, enquanto um bloco de países pró-energia atômica liderado pela França, a maior produtora nuclear da Europa, pressiona por um fortalecimento no setor; e a Alemanha e outros países de mentalidade parecida se opõem, citando os perigos do lixo radioativo. Um plano recente da Comissão Europeia para diminuir a dependência em relação à Rússia deixou a energia nuclear explicitamente fora de uma lista de fontes de energia a serem consideradas.

Os longos atrasos e os estouros de orçamento que assolaram o gigantesco projeto Flamanville-3, um reator de última geração que utiliza água pressurizada projetado para produzir 1,6 mil megawatts de energia, são emblemáticos em relação aos desafios técnicos, logísticos e financeiros que essa expansão enfrentaria.

Um quarto de toda a eletricidade consumida na União Europeia vem de centrais nucleares localizadas em uma dúzia de países, usinas envelhecidas em sua maioria, construídas nos anos 80. A França, com 56 reatores, produz mais da metade desse total.

Do outro lado do canal, o Reino Unido anunciou recentemente sua intenção de construir até oito usinas nucleares novas, mas a realidade é mais sóbria. Cinco dos seis reatores em operação atualmente no país deverão ser aposentados em até uma década por causa da idade; enquanto apenas uma central nuclear — de tecnologia francesa, custando 20 bilhões de libras — e está em construção, com o cronograma bastante atrasado, em Hinkley Point, no sudoeste da Inglaterra. A primeira parte da usina deverá começar a operar em 2026.

Outras usinas planejadas no Leste Europeu não deverão começar a operar antes de 2030.

“A alternativa nuclear vai demorar muito”, porque os projetos demoram pelo menos 10 anos para ficar prontos, afirmou Jonathan Stern, pesquisador sênior do Instituto Oxford para Estudos de Energia, uma entidade independente.

Um trabalhador faz plantão em uma estação de compressor de gás do gasoduto Yamal-Europa; UE tem grande dependência do gás russo Foto: Sergei Grits/AP

“O grande problema é como se livrar do gás russo, e esse problema ocorre agora — não daqui a uma década, quando talvez tenhamos construído outra geração de reatores nucleares”, acrescentou ele.

Defensores da energia atômica afirmam que ela pode ser a solução se houver vontade política.

O governo da Bélgica, em acordo com o partido Verde do país, reverteu uma decisão de prescindir da energia nuclear até 2025 e estendeu a vida de dois reatores que possui por mais uma década enquanto a Rússia intensificava seu ataque contra a Ucrânia, no mês passado. Essa energia ajudará a Bélgica a evitar depender do gás russo enquanto constrói fontes renováveis de energia, incluindo turbinas eólicas e campos para captação de energia solar, para atender às metas climáticas europeias até 2035.

“A invasão da Ucrânia mudou nossas vidas”, afirmou na semana passada a ministra belga da Energia, Tinne Van der Straeten, explicando a mudança de rumo do governo. “Quisemos reduzir nossas importações da Rússia.”

Mas na Alemanha, que é mais dependente do gás e do carvão da Rússia do que qualquer outro país europeu, a ideia de usar a energia nuclear para superar a crise energética parece empacada.

A Alemanha prevê para o fim do ano o fechamento de suas três últimas usinas nucleares ainda em funcionamento, o capítulo final do programa aprovado pelo Legislativo para desativar os 17 reatores do país em seguida ao desastre nuclear em Fukushima, no Japão, em 2011.

Duas das maiores empresas de energia da Alemanha afirmaram estar abertas para adiar o fechamento para ajudar a aliviar a dependência do país em relação à Rússia. Mas os Verdes, que compõem a coalizão de governo, descartaram planos para a continuidade de sua operação — assim como para reativar centrais nucleares fechadas em dezembro.

“Decidimos, por razões que considero muito boas e direitas, que queremos desativá-las”, afirmou o chanceler Olaf Scholz ao Parlamento este mês, acrescentando que a ideia de adiar o fim do uso da energia nuclear na Alemanha “não é um bom plano”.

Mesmo em países que consideram a energia nuclear uma opção válida, uma série de obstáculos atrapalha esse caminho. “Isso não ocorrerá da noite para o dia”, afirmou Mark Hibbs, especialista nuclear do Fundo Carnegie para Paz Internacional, um instituto de pesquisa.

Os planos do presidente Emmanuel Macron para um renascimento da energia nuclear na França vislumbram uma nova geração de reatores atômicos de grande e pequeno porte, a serem negociados por preços a partir de €50 bilhões (US$ 57 bilhões) — um valor estarrecedor, que outros países europeus são incapazes de pagar ou não estão dispostos a gastar. A construção não será rápida, reconheceu ele, em parte porque a indústria também precisará treinar uma nova geração de engenheiros nucleares.

“A maioria dos governos pressiona e pressiona — e mesmo se começarem a construir já, isso levaria muito tempo”, afirmou Stern, do Instituto Oxford para Estudos de Energia. “Todas essas outras tecnologias estão avançando rapidamente e ficando mais baratas, enquanto a energia nuclear não avança e fica cada vez mais cara.”

Enquanto isso, muitos dos envelhecidos reatores franceses, construídos para forjar independência energética após as crises do petróleo dos anos 70, foram pausados para inspeções de segurança, dificultando para a energia nuclear francesa ajudar a aliviar alguma falta na energia russa, afirmou Anne-Sophie Corbeau, do Centro para Política Energética Global da Universidade Columbia.

“A produção de energia nuclear diminuirá este ano na França a não ser que uma solução mágica seja encontrada, mas uma solução mágica não existe”, afirmou ela.

Ainda assim, a agressão de Moscou poderá ajudar a reverter o que tem sido um arco de declínio gradual do setor.

Recentemente, foram feitas várias declarações esperançosas. Além do anúncio do Reino Unido de que este mês a capacidade nuclear do país será expandida, os Países Baixos, que possuem um reator, planejam construir outros dois para complementar sua produção de energia solar, eólica e geotérmica.

E no Leste Europeu, vários países sob a sombra russa têm planos de construir reatores nucleares — um fenômeno que seus defensores dizem parecer premonitório em face à invasão da Rússia à Ucrânia.

A NuScale Power, empresa do Estado americano do Oregon que vende um novo projeto de reator que a companhia afirma ser mais barato e mais rápido de construir, pois componentes cruciais serão montados em fábricas, assinou contratos preliminares na Romênia e na Polônia.

A invasão russa reforçou o “desejo (de clientes) de considerar a energia nuclear parte do cardápio energético para seus portfólios”, afirmou Tom Mundy, diretor comercial da empresa.

A Nuclearelectrica, empresa romena de energia, está avançando com projetos de uma usina da NuScale e de dois reatores de fabricação canadense, para integrar os equipamentos a duas centrais nucleares que geram cerca de 20% da eletricidade consumida no país, afirmou Cosmin Ghita, diretor executivo da companhia.

“A crise ucraniana demonstrou definitivamente que precisamos melhorar nossa segurança energética”, afirmou Ghita. “Estamos avançando mais com nossos projetos.”

Meike Becker, analista de serviços públicos da firma de pesquisa Bernstein, afirmou que, no longo prazo, a guerra da Rússia deverá “colaborar com a ideia de uma Europa” mais independente energeticamente.

“Isso é algo que a energia nuclear é capaz de prover”, acrescentou ela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES - Na costa fustigada pelo vento onde fica Flamanville, uma cidade industrial no noroeste da França localizada diante das águas agitadas do Canal da Mancha, uma enorme cúpula de concreto abriga um dos reatores nucleares mais poderosos do mundo.

Mas ninguém sabe quando esse gigante vai começar a fornecer energia para a rede de eletricidade francesa. A construção está uma década atrasada em relação à previsão original e estourou o orçamento em 12 bilhões de euros, ou US$13 bilhões.

Planos de iniciar as operações este ano foram adiados novamente, desta vez para 2024. E os problemas em Flamanville não são únicos. A mais nova usina nuclear da Finlândia, que começou a operar no mês passado, deveria ter ficado pronta em 2009.

Seu navegador não suporta esse video.

Depois que autoridades do alto escalão americano visitaram a Ucrânia e garantiram que é possível ganhar o conflito com o "equipamento adequado".

Conforme a guerra do presidente Vladimir Putin estimula a Europa a cortar sua dependência do gás natural e do petróleo da Rússia, a imagem da energia nuclear tem melhorado, prometendo uma fonte confiável de eletricidade produzida domesticamente.

A energia nuclear poderia ajudar a resolver a crise energética que espreita a Europa, afirmam defensores de sua utilização, complementando o importante esforço, já em andamento antes da guerra, de adotar energia solar, eólica e outras fontes renováveis para atender ambiciosas metas ambientais.

“A invasão de Putin redefiniu nossas considerações a respeito de energia na Europa”, afirmou Fatih Birol, diretor da Agência Internacional de Energia. Ele acrescentou, “Minha expectativa é que a energia nuclear poderá muito bem retornar para a Europa e outros lugares como resultado da insegurança energética”.

Mas transformar em realidade uma retomada atômica é algo problemático.

A corrida para encontrar alternativas imediatas para o combustível russo amplificou uma divisão política na Europa a respeito de energia nuclear, enquanto um bloco de países pró-energia atômica liderado pela França, a maior produtora nuclear da Europa, pressiona por um fortalecimento no setor; e a Alemanha e outros países de mentalidade parecida se opõem, citando os perigos do lixo radioativo. Um plano recente da Comissão Europeia para diminuir a dependência em relação à Rússia deixou a energia nuclear explicitamente fora de uma lista de fontes de energia a serem consideradas.

Os longos atrasos e os estouros de orçamento que assolaram o gigantesco projeto Flamanville-3, um reator de última geração que utiliza água pressurizada projetado para produzir 1,6 mil megawatts de energia, são emblemáticos em relação aos desafios técnicos, logísticos e financeiros que essa expansão enfrentaria.

Um quarto de toda a eletricidade consumida na União Europeia vem de centrais nucleares localizadas em uma dúzia de países, usinas envelhecidas em sua maioria, construídas nos anos 80. A França, com 56 reatores, produz mais da metade desse total.

Do outro lado do canal, o Reino Unido anunciou recentemente sua intenção de construir até oito usinas nucleares novas, mas a realidade é mais sóbria. Cinco dos seis reatores em operação atualmente no país deverão ser aposentados em até uma década por causa da idade; enquanto apenas uma central nuclear — de tecnologia francesa, custando 20 bilhões de libras — e está em construção, com o cronograma bastante atrasado, em Hinkley Point, no sudoeste da Inglaterra. A primeira parte da usina deverá começar a operar em 2026.

Outras usinas planejadas no Leste Europeu não deverão começar a operar antes de 2030.

“A alternativa nuclear vai demorar muito”, porque os projetos demoram pelo menos 10 anos para ficar prontos, afirmou Jonathan Stern, pesquisador sênior do Instituto Oxford para Estudos de Energia, uma entidade independente.

Um trabalhador faz plantão em uma estação de compressor de gás do gasoduto Yamal-Europa; UE tem grande dependência do gás russo Foto: Sergei Grits/AP

“O grande problema é como se livrar do gás russo, e esse problema ocorre agora — não daqui a uma década, quando talvez tenhamos construído outra geração de reatores nucleares”, acrescentou ele.

Defensores da energia atômica afirmam que ela pode ser a solução se houver vontade política.

O governo da Bélgica, em acordo com o partido Verde do país, reverteu uma decisão de prescindir da energia nuclear até 2025 e estendeu a vida de dois reatores que possui por mais uma década enquanto a Rússia intensificava seu ataque contra a Ucrânia, no mês passado. Essa energia ajudará a Bélgica a evitar depender do gás russo enquanto constrói fontes renováveis de energia, incluindo turbinas eólicas e campos para captação de energia solar, para atender às metas climáticas europeias até 2035.

“A invasão da Ucrânia mudou nossas vidas”, afirmou na semana passada a ministra belga da Energia, Tinne Van der Straeten, explicando a mudança de rumo do governo. “Quisemos reduzir nossas importações da Rússia.”

Mas na Alemanha, que é mais dependente do gás e do carvão da Rússia do que qualquer outro país europeu, a ideia de usar a energia nuclear para superar a crise energética parece empacada.

A Alemanha prevê para o fim do ano o fechamento de suas três últimas usinas nucleares ainda em funcionamento, o capítulo final do programa aprovado pelo Legislativo para desativar os 17 reatores do país em seguida ao desastre nuclear em Fukushima, no Japão, em 2011.

Duas das maiores empresas de energia da Alemanha afirmaram estar abertas para adiar o fechamento para ajudar a aliviar a dependência do país em relação à Rússia. Mas os Verdes, que compõem a coalizão de governo, descartaram planos para a continuidade de sua operação — assim como para reativar centrais nucleares fechadas em dezembro.

“Decidimos, por razões que considero muito boas e direitas, que queremos desativá-las”, afirmou o chanceler Olaf Scholz ao Parlamento este mês, acrescentando que a ideia de adiar o fim do uso da energia nuclear na Alemanha “não é um bom plano”.

Mesmo em países que consideram a energia nuclear uma opção válida, uma série de obstáculos atrapalha esse caminho. “Isso não ocorrerá da noite para o dia”, afirmou Mark Hibbs, especialista nuclear do Fundo Carnegie para Paz Internacional, um instituto de pesquisa.

Os planos do presidente Emmanuel Macron para um renascimento da energia nuclear na França vislumbram uma nova geração de reatores atômicos de grande e pequeno porte, a serem negociados por preços a partir de €50 bilhões (US$ 57 bilhões) — um valor estarrecedor, que outros países europeus são incapazes de pagar ou não estão dispostos a gastar. A construção não será rápida, reconheceu ele, em parte porque a indústria também precisará treinar uma nova geração de engenheiros nucleares.

“A maioria dos governos pressiona e pressiona — e mesmo se começarem a construir já, isso levaria muito tempo”, afirmou Stern, do Instituto Oxford para Estudos de Energia. “Todas essas outras tecnologias estão avançando rapidamente e ficando mais baratas, enquanto a energia nuclear não avança e fica cada vez mais cara.”

Enquanto isso, muitos dos envelhecidos reatores franceses, construídos para forjar independência energética após as crises do petróleo dos anos 70, foram pausados para inspeções de segurança, dificultando para a energia nuclear francesa ajudar a aliviar alguma falta na energia russa, afirmou Anne-Sophie Corbeau, do Centro para Política Energética Global da Universidade Columbia.

“A produção de energia nuclear diminuirá este ano na França a não ser que uma solução mágica seja encontrada, mas uma solução mágica não existe”, afirmou ela.

Ainda assim, a agressão de Moscou poderá ajudar a reverter o que tem sido um arco de declínio gradual do setor.

Recentemente, foram feitas várias declarações esperançosas. Além do anúncio do Reino Unido de que este mês a capacidade nuclear do país será expandida, os Países Baixos, que possuem um reator, planejam construir outros dois para complementar sua produção de energia solar, eólica e geotérmica.

E no Leste Europeu, vários países sob a sombra russa têm planos de construir reatores nucleares — um fenômeno que seus defensores dizem parecer premonitório em face à invasão da Rússia à Ucrânia.

A NuScale Power, empresa do Estado americano do Oregon que vende um novo projeto de reator que a companhia afirma ser mais barato e mais rápido de construir, pois componentes cruciais serão montados em fábricas, assinou contratos preliminares na Romênia e na Polônia.

A invasão russa reforçou o “desejo (de clientes) de considerar a energia nuclear parte do cardápio energético para seus portfólios”, afirmou Tom Mundy, diretor comercial da empresa.

A Nuclearelectrica, empresa romena de energia, está avançando com projetos de uma usina da NuScale e de dois reatores de fabricação canadense, para integrar os equipamentos a duas centrais nucleares que geram cerca de 20% da eletricidade consumida no país, afirmou Cosmin Ghita, diretor executivo da companhia.

“A crise ucraniana demonstrou definitivamente que precisamos melhorar nossa segurança energética”, afirmou Ghita. “Estamos avançando mais com nossos projetos.”

Meike Becker, analista de serviços públicos da firma de pesquisa Bernstein, afirmou que, no longo prazo, a guerra da Rússia deverá “colaborar com a ideia de uma Europa” mais independente energeticamente.

“Isso é algo que a energia nuclear é capaz de prover”, acrescentou ela. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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