WASHINGTON - O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, continua pressionando seu vice, Mike Pence a não ratificar o resultado do colégio eleitoral na sessão do Congresso que acontece nesta quarta-feira, 6. A plenária, que é presidida por Pence, deve proclamar a vitória do democrata, Joe Biden, na corrida presidencial deste ano.
Trump acredita que Pence pode, de forma unilateral, rejeitar os votos do colégio eleitoral em Estados em que o presidente afirma, sem provas, que sua derrota foi resultado de fraude.
Segundo o The New York Times, Pence disse na terça-feira, 5, a Trump que ele não tem autoridade para bloquear a certificação da vitória de Joe Biden quando o Congresso se reunir para contar os votos eleitorais.
Trump teria advertido Pence de que seria politicamente "prejudicial" para ele se recusar a bloquear a certificação. Ainda segundo uma fonte próxima ouvida pela CNN, Pence, “gentilmente”, informou Trump durante a reunião que não tem poder para inviabilizar o processo.
Há dias Trump tenta convencer Pence a agir na sessão. Discursando a apoiadores na segunda feira, na Igreja Rock Springs, em Milner, Geórgia, o vice-presidente Mike Pence implorou à multidão que fosse votar no segundo turno das eleições para o Senado, na terça feira, que determinarão se os republicanos conseguirão manter o controle da Câmara.
“Estou aqui por uma razão, por uma única razão, que é: a Geórgia e os Estados Unidos precisam de David Perdue e Kelly Loeffler de volta à maioria republicana”, afirmou Pence.
Mas a multidão também tinha uma mensagem para ele. “Precisamos que você faça a coisa certa em 6 de janeiro!”, berrou um apoiador. “Parem com a fraude!”, gritaram outros. A multidão aplaudiu.
Se Pence tentou evitar os esforços de Trump de se manter no poder, a recepção que ele teve na Geórgia na segunda feira serviu como um último lembrete a respeito do delicado papel que ele assumirá na quarta feira, quando o Congresso cumprirá uma função tipicamente cerimonial, de abertura e certificação da contagem dos votos do Colégio Eleitoral.
Como é presidente do Senado, Pence deverá presidir a certificação formal da contagem dos votos no Colégio Eleitoral, realizada em uma sessão conjunta do Congresso. Trata-se de uma cerimônia prevista na Constituição, que é televisionada, na qual Pence nomeará o vencedor da eleição presidencial de 2020, Joe Biden.
Trata-se também de um momento para o qual alguns conselheiros de Pence se preparam desde que Trump perdeu a eleição e passou a intensificar suas alegações infundadas de fraudes generalizadas na votação. Não há nenhuma chance de Pence não comparecer à sessão, afirmaram fontes próximas a ele. Assessores de Pence afirmaram que consideram esse papel do vice-presidente, em grande medida, cerimonial.
“Sei que todos temos nossas dúvidas a respeito da eleição mais recente", afirmou Pence segunda-feira na Geórgia, tentando dar alívio aos apoiadores de Trump. “Quero garantir a vocês que compartilho das preocupações de milhões de americanos a respeito de irregularidades na votação. Eu prometo a vocês que, na quarta feira, nós teremos nosso dia no Congresso.”
Não ficou claro, talvez intencionalmente, o que ele quis dizer. Pence não possui um poder unilateral para influenciar o desfecho do procedimento da quarta-feira. Mas ele tem tentado cuidadosamente dar a entender que está seguindo lealmente a liderança do presidente, mesmo durante um procedimento previsto para culminar com ele lendo a declaração de que Biden é o ganhador.
Depois de quase uma dúzia de senadores republicanos afirmarem que planejam se opor à certificação da votação na quarta-feira, o chefe de gabinete do vice-presidente, Marc Short, fez um comentário cuidadoso, sem intenção de enfurecer ninguém.
“O vice-presidente reconhece os esforços dos membros da Câmara e do Senado de usar a autoridade que detém, sob a lei, de levantar objeções e revelar evidências ao Congresso e ao povo americano no dia 6 de janeiro”, afirmou ele.
A declaração, frustrante para os senadores que acusam Trump de tentar arruinar a democracia, ajudou a apaziguar o presidente, de acordo com uma fonte próxima a ele.
Mas não foi suficiente para esmagar a crença de muitos apoiadores de Trump — e do próprio presidente — de que o vice-presidente ainda poderia, de alguma maneira, alterar o resultado das eleições.
Duas fontes a par das discussões afirmaram que Trump pressionou Pence diretamente para que ele encontrasse uma alternativa para não certificar a vitória de Biden, como evitar que ele alcance os 270 votos do Colégio Eleitoral e fazer com que a eleição seja decidida na Câmara.
Na Geórgia, segunda-feira à noite, em um comício de Perdue e Loeffler, Trump pressionou abertamente o vice-presidente, afirmando, “Preciso dizer que espero que Mike Pence faça o que tem de fazer por nós”. Ele acrescentou, “Claro que, se ele não fizer, não gostarei mais dele tanto assim”, antes de afirmar que gosta muito de Pence.
Na segunda-feira, depois que Pence voltou da Geórgia, o vice-presidente e Trump tinham marcado uma reunião de última hora na Casa Branca com John Eastman, outro advogado de Trump. Pence também se reuniu por horas com senadores, no domingo, para preparar a si mesmo e ao presidente para o que ele falaria diante do Senado.
O fato de a função de Pence ser quase totalmente roteirizada por esses parlamentares não deverá aliviar o raro momento de tensão entre ele e o presidente, que passou a acreditar que o papel de Pence é parecido com o do presidente da Suprema Corte, que atua como árbitro do resultado da eleição. Na realidade, o papel de Pence será mais parecido com o da personalidade que abre o envelope na entrega do Oscar e lê o nome do ganhador na categoria Melhor Filme, que não tem voz na definição do vencedor.
“O entendimento real do presidente Trump a respeito desse processo é mínimo”, afirmou Scott Reed, estrategista do Partido Republicano.
Uma fonte próxima a Pence descreveu as funções da quarta-feira como angustiantes, afirmando que ele terá de equilibrar as crenças distorcidas do presidente a respeito do governo com seus anos de discursos defendendo o respeito à Constituição.
Os mais próximos ao vice-presidente esperam que Pence siga as regras quando comparecer ao Senado e cumpra sua função cerimonial sem sair do roteiro, afirmaram assessores. Mas, depois disso, ele terá de compensar de alguma forma, demonstrando sua lealdade a Trump.
A possibilidade de uma última viagem ao exterior de Pence, que passaria por Israel, Bahrein e Bélgica, foi descartada, enquanto mais eventos para promover o legado de Trump nos Estados Unidos são levados em consideração, de acordo com uma fonte familiarizada com os planos. Assessores não sabem dizer se Pence comparecerá à posse de Biden.
Assessores de Pence afirmam esperar que o vice-presidente explique a Trump o que está previsto para acontecer no Capitólio antes da quarta-feira, em parte para se defender contra críticas públicas em tempo real.
Mas, apesar de sua experiência em manobrar o presidente, estrategistas republicanos afirmaram que Pence está na posição política mais precária entre os principais candidatos republicanos à presidência em 2024. O vice-presidente não terá como evitar o momento televisionado nacionalmente em que declara Biden vencedor, potencialmente decepcionando aqueles que acreditam que Trump foi o vitorioso e enfurecendo aqueles que pensam que ele tem o poder de alterar o resultado da eleição.
“A melhor opção para ele é se esquivar como puder na tentativa de fazer o que tem de fazer sem enfurecer nenhum dos lados”, afirmou William Kristol, colunista conservador e proeminente republicano do movimento “Never Trump” (Trump Jamais), que foi chefe de gabinete do vice-presidente Dan Quayle.
“Ele tem de torcer para que os aliados de Trump estejam furiosos com Tom Cotton e qualquer outro que não esteja de acordo”, afirmou Kristol, referindo-se ao senador Tom Cotton, do Arkansas, um aliado do presidente que afirmou que não se juntará ao esforço para desafiar o resultado da votação do Colégio Eleitoral. “Ele tem de torcer para que os republicanos do establishment fiquem furiosos com Josh Hawley e Ted Cruz. Nesse caso, ele seria o nome que não teria ofendido ninguém.”
Desde a eleição, os conselheiros políticos de Pence queriam que ele se concentrasse somente no segundo turno das eleições para o Senado na Geórgia e na distribuição da vacina contra o coronavírus.
Nenhum desses assuntos levantou interesse significativo do presidente.
“O único plano de Pence é ser leal, subserviente e solícito até seu último minuto como vice-presidente”, afirmou Michael Feldman, ex-chefe de gabinete do vice-presidente Al Gore, recordando que seu ex-chefe cumpriu o embaraçoso papel previsto na Constituição e anunciou sua própria derrota depois de perder a eleição presidencial de 2000. “Pence fará qualquer coisa que, segundo seu julgamento, agrade ao presidente e a seus apoiadores nesse caso.” / Tradução de Augusto Calil