THE WASHINGTON POST - A Ucrânia recebeu um impulso diplomático de boas-vindas no fim da semana passada. Na sexta-feira, a Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, emitiu uma opinião recomendando para a Ucrânia (e para Moldávia, sua vizinha menor, também ex-república soviética) status de candidata a adesão à União Europeia. Vários líderes europeus proeminentes afirmaram que a decisão foi necessária, principalmente enquanto gesto de solidariedade e de reconhecimento da coragem dos ucranianos e seu valor em campo de batalha em face à atual invasão russa.
“Os ucranianos estão dispostos a morrer pela perspectiva europeia”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante uma conferência de imprensa na sexta-feira, vestida com um blazer amarelo sobre uma blusa azul — as cores da bandeira da Ucrânia. “Queremos que eles vivam (…) o sonho europeu.”
No dia anterior, os líderes das três maiores economias da União Europeia viajaram para Kiev em um trem noturno partindo da Polônia, e também expressaram seu apoio à adesão da Ucrânia à União Europeia. O presidente francês, Emmanuel Macron, o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, apareceram ao lado do presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, em uma conferência de imprensa conjunta.
“Estamos em um momento de inflexão na nossa história”, afirmou Draghi, ecoando uma retórica popularizada inicialmente por Scholz. “Todos os dias”, acrescentou ele, “o povo ucraniano está defendendo os valores da democracia e da liberdade, que são os pilares do projeto europeu, do nosso projeto”.
A adesão ao bloco continental não está totalmente garantida. Primeiro, todos os 27 Estados-membros da UE têm de concordar em conceder à Ucrânia status de candidata. E posteriormente um intrincado processo político e burocrático estará à espera de Kiev, enquanto o governo ucraniano tenta alinhar suas instituições e regulações às do restante do bloco. Os atuais candidatos para adesão à UE são Albânia, Macedônia do Norte, Montenegro, Sérvia e Turquia.
A Ucrânia já tem motivo para desapontamento. Kiev queria um status de candidatura “expressa”, sem condições atreladas à adesão. “Mas a comissão listou seis medidas que quer ver a Ucrânia adotar”, noticiaram meus colegas. “Entre elas: implementar leis que garantam a escolha de juízes qualificados e limitar a influência de oligarcas. A comissão também pediu que a Ucrânia melhore seus registros em relação a investigações, processos judiciais e condenações em casos de corrupção.”
“A Ucrânia não estava perto (de entrar para a UE) antes e não está perto agora”, afirmou um diplomata da UE que conversou com meus colegas sob condição de anonimato, para descrever conversas privadas.
A adesão da Ucrânia ao bloco europeu poderia demorar anos, por razões como o fato de o país estar no meio de uma guerra total com a Rússia. E pode simplesmente não acontecer, pois há o risco de que desdobramentos futuros em Kiev e outras capitais europeias atrapalhem o processo.
A Turquia, por exemplo, recebeu status de candidata em 1999 e iniciou negociações para adesão em 2005. Mas a rejeição do Ocidente por parte do presidente autocrático Recep Tayyip Erdogan, há muito no poder, combinada à hostilidade em alguns cantos da Europa em relação à entrada de um país grande de maioria muçulmana no bloco, efetivamente congelaram o processo de adesão da Turquia.
A Ucrânia não encara uma aflição civilizacional desse tipo — e tornou-se um tipo de estrela-guia de políticos e comentaristas europeus que veem em sua luta um momento unificador e mobilizador para o Ocidente geopolítico. Por semanas, autoridades e parlamentares ucranianos têm apresentado seus argumentos a governos em todo o continente com bases ideológicas amplas.
Ivanna Klimpush-Tsintsadze, uma parlamentar ucraniana, disse-me no mês passado que a adesão da Ucrânia à União Europeia abalaria as ambições neoimperialistas do presidente russo, Vladimir Putin, e o forçaria a “entender que a Ucrânia é parte de outra civilização”.
Os soldados ucranianos “não estão lutando apenas por seu território”, mas pela esperança de estender o projeto de liberdade da Europa para seu país, afirmou ela. “Precisamos acender uma luz no fim do túnel para os ucranianos.”
Por agora, no entanto, o túnel da guerra continua longo, tortuoso e escuro. No domingo, Zelenski retornou de uma visita às linhas de frente no sul da Ucrânia, onde a Rússia tenta consolidar significativos ganhos territoriais. “Não entregaremos o sul para ninguém”, afirmou ele, parte como uma afirmação de resistência, enquanto os combatentes ucranianos superados em armas mantêm a linha, mas também enquanto rejeição implícita a sugestões de certos países de que Kiev pode ter de aceitar concessões territoriais.
Suas declarações foram também um lembrete de que o equilíbrio da batalha está pendendo ameaçadoramente para o lado do Kremlin em algumas partes do país e de que a Rússia pode estar se preparando para novas ofensivas nas próximas semanas. Em sua segunda visita a Kiev, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, alertou para uma “fadiga de guerra” que desmoraliza o Ocidente, enquanto a Rússia “persiste e avança, centímetro a centímetro” na Ucrânia.
As bravatas durante a visita dos dignitários europeus a Kiev revelam uma realidade mais frágil. A unidade entre os países do bloco europeu será ameaçada por pressões econômicas; a recente decisão da Rússia de reduzir acentuadamente as exportações de gás natural ao continente fez analistas alertarem para um inverno amargo e custoso diante de grande parte da Europa.
Uma pesquisa publicada pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR) na semana passada constatou o surgimento de dois campos políticos distintos entre o público europeu em relação à guerra na Ucrânia. De um lado, há o campo da “paz”, que busca o fim da guerra o quanto antes — “mesmo que isso implique em concessões da Ucrânia”, notou o ECFR. E há o campo da “justiça”, que considera punir a Rússia e restabelecer a integridade territorial da Ucrânia mais importante que as demandas por paz.
Dos 10 países pesquisados, a Itália se colocou firmemente no primeiro campo, e a Polônia, no segundo. “Há divisões potenciais em relação a custo de vida, refugiados e escalada nuclear, mas a grande divisão é entre os que querem o fim da guerra o mais rapidamente possível e os que querem ver a Rússia punida”, notou o diretor do ECFR, Mark Leonard, em um comunicado por e-mail. “Se for mal administrado, o lapso entre o ‘campo da paz’ e o ‘campo da justiça’ em relação à Ucrânia pode ser tão prejudicial quanto as diferenças de posicionamento entre credores e devedores durante a crise do euro.”
Por agora, os líderes europeus defendem coragem e resiliência. “Não devemos esmorecer em nosso apoio à Ucrânia”, afirmou o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, ao jornal alemão Bild am Sonntag, durante o fim de semana. “Mesmo se os custos forem elevados; e não apenas em razão do apoio militar, mas também pelos crescentes preços de energia e alimentos.”
Putin, contudo, pode estar sentindo alguma vulnerabilidade no ar. “Eles pensam que o domínio do Ocidente na política e na economia global é constante e eterno”, declarou ele em tom grandiloquente durante uma conferência em São Petersburgo. “Mas nada é eterno.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL