A falsa guerra ao terror da Arábia Saudita


Combate aos terroristas não terá sucesso enquanto a expansão de ideologias como o wahabismo não for contida

Por Brahma Chellaney
Atualização:
Salman.Rei radicalizou regime 

Conter o surto de terrorismo islâmico será impossível sem conter a ideologia que o conduz: o wahabismo, uma forma messiânica e jihadista do fundamentalismo sunita, cuja expansão internacional tem sido financiada por países árabes ricos em petróleo, especialmente a Arábia Saudita. Por isso, a coalizão antiterror liderada pelos sauditas tem de ser vista com profundo ceticismo.

O wahabismo promove, entre outras coisas, que mulheres sejam subjugadas e a morte aos “infiéis”. Trata-se - na descrição do presidente americano Barak Obama - de uma “interpretação pervertida de Islã” e a mãe ideológica do terrorismo jihadista. Sua descendência inclui a Al-Qaeda, o Taleban, o Boko Haram, o Al-Shabab e o Estado Islâmico - todos eles misturando hostilidade aos não sunitas e um antiquado romantismo num coquetel de ódio niilista.

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A Arábia Saudita vem bancando o terrorismo islâmico desde que o boom dos preços do petróleo nos anos 1970 ampliou enormemente a riqueza do país. Segundo relatório de 2013 do Parlamento Europeu, parte dos US$ 10 bilhões investidos pela Arábia Saudita em sua “agenda wahabista” no sul e sudeste da Ásia, “foi desviada” para grupos terroristas, incluindo o Lashkar-e-Taiba, responsável pelos atos terroristas em Mumbai em 2008.

Líderes ocidentais reconhecem há muitos anos o papel da Arábia Saudita. Num telegrama diplomático de 2009, a então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, identifica a Arábia Saudita como “a mais significativa fonte de recursos para grupos terroristas sunitas em todo o mundo”. Em virtude, em grande parte, do interesse ocidental no petróleo saudita, o reino não sofre sanções internacionais.

Agora, com o crescimento de movimentos terroristas como o EI, as prioridades estão mudando. Como disse o vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, em recente entrevista: “Precisamos deixar claro aos sauditas que o tempo de olhar para o outro lado acabou”.

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Essa mudança forçou o reino saudita a anunciar uma “repressão” contra pessoas e grupos que financiam o terror. Mas, de acordo com recente relatório do Departamento de Estado dos EUA, doadores e instituições de caridade com base na Arábia Saudita continuam apoiando militantes sunitas.

Dessa perspectiva, o surpreendente anúncio de uma aliança antiterror de 34 países, com centro de operações em Riad, é um passo lógico, destinado a sufocar as críticas ocidentais enquanto alimenta a influência sunita no Oriente Médio. Mas é claro que a aliança é uma vergonha. Basta dar uma boa olhada em seus membros.

A aliança inclui todos os principais patrocinadores de grupos extremistas e terroristas, do Catar ao Paquistão. É como se um cartel de droga anunciasse que está liderando uma campanha antinarcóticos. Na lista de membros da aliança também estão, com a exceção do Afeganistão, todas as fortalezas jihadistas, incluindo os conflagrados Líbia e Iêmen.

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Além disso, apesar de chamada de aliança “islâmica’, com membros “de todo o mundo islâmico”, o grupo inclui predominantemente os cristãos Uganda e Gabão, mas não Omã (país do Golfo), Argélia (maior país da África) e Indonésia (país de maior população muçulmana do mundo).

A falha em incluir a Indonésia, que tem quase duas vezes mais muçulmanos que todo o Oriente Médio, espanta não apenas pelo tamanho do país: enquanto a maioria dos países da aliança é governada por déspotas ou ditadores, a Indonésia é uma robusta democracia.

A abordagem disfuncional da iniciativa saudita é revelada no fato de que alguns membros da aliança - incluindo Paquistão, Malásia, Líbano e Autoridade Palestina - declararam imediatamente nunca haver de fato aderido ao movimento. O reino saudita parece pensar que pode tomar tal decisão em nome dos receptores de sua ajuda.

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Some-se a nada surpreendente exclusão do Irã e Iraque, de governos xiitas, além da alauita Síria, fica claro que a Arábia Saudita simplesmente montou um novo grupo predominantemente sunita para impulsionar seus objetivos sectários e estratégicos. Isso confirma a linha política mais dura dominante desde que o rei Salman subiu ao trono, em janeiro.

Em casa, o reinado de Salman até agora assinala um crescente número de sentenças de morte por decapitação, frequentemente em público - método copiado pelo EI. No exterior, significa uma clara preferência por soluções violentas em Bahrein, Iraque, Síria e Iêmen.

As soluções da Arábia Saudita frequentemente contrariam os objetivos de seus aliados americanos. Por exemplo, os sauditas e seus parceiros árabes discretamente abandonaram a guerra aérea liderada pelos EUA na Síria. Mas, além das manipulações estratégicas da Arábia Saudita está o problema fundamental com que começamos o artigo: a ideologia oficial do reino forma o núcleo do credo terrorista.

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Isso diz muito da principal falha na atual abordagem do combate ao terrorismo. Enquanto a expansão de ideologias perigosas como o wahabismo não for contida, a guerra global ao terror, que já dura uma geração, não será ganha. Não importa quantas bombas os EUA e seus aliados joguem, as madrassas financiadas pela Arábia Saudita continuarão doutrinando os jihadistas de amanhã. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

É PROFESSOR DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS NO CENTRO DE PESQUISA POLÍTICA EM NOVA DÉLHI E FELLOW NA ACADEMIA ROBERT BOSCH DE BERLIM

Salman.Rei radicalizou regime 

Conter o surto de terrorismo islâmico será impossível sem conter a ideologia que o conduz: o wahabismo, uma forma messiânica e jihadista do fundamentalismo sunita, cuja expansão internacional tem sido financiada por países árabes ricos em petróleo, especialmente a Arábia Saudita. Por isso, a coalizão antiterror liderada pelos sauditas tem de ser vista com profundo ceticismo.

O wahabismo promove, entre outras coisas, que mulheres sejam subjugadas e a morte aos “infiéis”. Trata-se - na descrição do presidente americano Barak Obama - de uma “interpretação pervertida de Islã” e a mãe ideológica do terrorismo jihadista. Sua descendência inclui a Al-Qaeda, o Taleban, o Boko Haram, o Al-Shabab e o Estado Islâmico - todos eles misturando hostilidade aos não sunitas e um antiquado romantismo num coquetel de ódio niilista.

A Arábia Saudita vem bancando o terrorismo islâmico desde que o boom dos preços do petróleo nos anos 1970 ampliou enormemente a riqueza do país. Segundo relatório de 2013 do Parlamento Europeu, parte dos US$ 10 bilhões investidos pela Arábia Saudita em sua “agenda wahabista” no sul e sudeste da Ásia, “foi desviada” para grupos terroristas, incluindo o Lashkar-e-Taiba, responsável pelos atos terroristas em Mumbai em 2008.

Líderes ocidentais reconhecem há muitos anos o papel da Arábia Saudita. Num telegrama diplomático de 2009, a então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, identifica a Arábia Saudita como “a mais significativa fonte de recursos para grupos terroristas sunitas em todo o mundo”. Em virtude, em grande parte, do interesse ocidental no petróleo saudita, o reino não sofre sanções internacionais.

Agora, com o crescimento de movimentos terroristas como o EI, as prioridades estão mudando. Como disse o vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, em recente entrevista: “Precisamos deixar claro aos sauditas que o tempo de olhar para o outro lado acabou”.

Essa mudança forçou o reino saudita a anunciar uma “repressão” contra pessoas e grupos que financiam o terror. Mas, de acordo com recente relatório do Departamento de Estado dos EUA, doadores e instituições de caridade com base na Arábia Saudita continuam apoiando militantes sunitas.

Dessa perspectiva, o surpreendente anúncio de uma aliança antiterror de 34 países, com centro de operações em Riad, é um passo lógico, destinado a sufocar as críticas ocidentais enquanto alimenta a influência sunita no Oriente Médio. Mas é claro que a aliança é uma vergonha. Basta dar uma boa olhada em seus membros.

A aliança inclui todos os principais patrocinadores de grupos extremistas e terroristas, do Catar ao Paquistão. É como se um cartel de droga anunciasse que está liderando uma campanha antinarcóticos. Na lista de membros da aliança também estão, com a exceção do Afeganistão, todas as fortalezas jihadistas, incluindo os conflagrados Líbia e Iêmen.

Além disso, apesar de chamada de aliança “islâmica’, com membros “de todo o mundo islâmico”, o grupo inclui predominantemente os cristãos Uganda e Gabão, mas não Omã (país do Golfo), Argélia (maior país da África) e Indonésia (país de maior população muçulmana do mundo).

A falha em incluir a Indonésia, que tem quase duas vezes mais muçulmanos que todo o Oriente Médio, espanta não apenas pelo tamanho do país: enquanto a maioria dos países da aliança é governada por déspotas ou ditadores, a Indonésia é uma robusta democracia.

A abordagem disfuncional da iniciativa saudita é revelada no fato de que alguns membros da aliança - incluindo Paquistão, Malásia, Líbano e Autoridade Palestina - declararam imediatamente nunca haver de fato aderido ao movimento. O reino saudita parece pensar que pode tomar tal decisão em nome dos receptores de sua ajuda.

Some-se a nada surpreendente exclusão do Irã e Iraque, de governos xiitas, além da alauita Síria, fica claro que a Arábia Saudita simplesmente montou um novo grupo predominantemente sunita para impulsionar seus objetivos sectários e estratégicos. Isso confirma a linha política mais dura dominante desde que o rei Salman subiu ao trono, em janeiro.

Em casa, o reinado de Salman até agora assinala um crescente número de sentenças de morte por decapitação, frequentemente em público - método copiado pelo EI. No exterior, significa uma clara preferência por soluções violentas em Bahrein, Iraque, Síria e Iêmen.

As soluções da Arábia Saudita frequentemente contrariam os objetivos de seus aliados americanos. Por exemplo, os sauditas e seus parceiros árabes discretamente abandonaram a guerra aérea liderada pelos EUA na Síria. Mas, além das manipulações estratégicas da Arábia Saudita está o problema fundamental com que começamos o artigo: a ideologia oficial do reino forma o núcleo do credo terrorista.

Isso diz muito da principal falha na atual abordagem do combate ao terrorismo. Enquanto a expansão de ideologias perigosas como o wahabismo não for contida, a guerra global ao terror, que já dura uma geração, não será ganha. Não importa quantas bombas os EUA e seus aliados joguem, as madrassas financiadas pela Arábia Saudita continuarão doutrinando os jihadistas de amanhã. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

É PROFESSOR DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS NO CENTRO DE PESQUISA POLÍTICA EM NOVA DÉLHI E FELLOW NA ACADEMIA ROBERT BOSCH DE BERLIM

Salman.Rei radicalizou regime 

Conter o surto de terrorismo islâmico será impossível sem conter a ideologia que o conduz: o wahabismo, uma forma messiânica e jihadista do fundamentalismo sunita, cuja expansão internacional tem sido financiada por países árabes ricos em petróleo, especialmente a Arábia Saudita. Por isso, a coalizão antiterror liderada pelos sauditas tem de ser vista com profundo ceticismo.

O wahabismo promove, entre outras coisas, que mulheres sejam subjugadas e a morte aos “infiéis”. Trata-se - na descrição do presidente americano Barak Obama - de uma “interpretação pervertida de Islã” e a mãe ideológica do terrorismo jihadista. Sua descendência inclui a Al-Qaeda, o Taleban, o Boko Haram, o Al-Shabab e o Estado Islâmico - todos eles misturando hostilidade aos não sunitas e um antiquado romantismo num coquetel de ódio niilista.

A Arábia Saudita vem bancando o terrorismo islâmico desde que o boom dos preços do petróleo nos anos 1970 ampliou enormemente a riqueza do país. Segundo relatório de 2013 do Parlamento Europeu, parte dos US$ 10 bilhões investidos pela Arábia Saudita em sua “agenda wahabista” no sul e sudeste da Ásia, “foi desviada” para grupos terroristas, incluindo o Lashkar-e-Taiba, responsável pelos atos terroristas em Mumbai em 2008.

Líderes ocidentais reconhecem há muitos anos o papel da Arábia Saudita. Num telegrama diplomático de 2009, a então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, identifica a Arábia Saudita como “a mais significativa fonte de recursos para grupos terroristas sunitas em todo o mundo”. Em virtude, em grande parte, do interesse ocidental no petróleo saudita, o reino não sofre sanções internacionais.

Agora, com o crescimento de movimentos terroristas como o EI, as prioridades estão mudando. Como disse o vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, em recente entrevista: “Precisamos deixar claro aos sauditas que o tempo de olhar para o outro lado acabou”.

Essa mudança forçou o reino saudita a anunciar uma “repressão” contra pessoas e grupos que financiam o terror. Mas, de acordo com recente relatório do Departamento de Estado dos EUA, doadores e instituições de caridade com base na Arábia Saudita continuam apoiando militantes sunitas.

Dessa perspectiva, o surpreendente anúncio de uma aliança antiterror de 34 países, com centro de operações em Riad, é um passo lógico, destinado a sufocar as críticas ocidentais enquanto alimenta a influência sunita no Oriente Médio. Mas é claro que a aliança é uma vergonha. Basta dar uma boa olhada em seus membros.

A aliança inclui todos os principais patrocinadores de grupos extremistas e terroristas, do Catar ao Paquistão. É como se um cartel de droga anunciasse que está liderando uma campanha antinarcóticos. Na lista de membros da aliança também estão, com a exceção do Afeganistão, todas as fortalezas jihadistas, incluindo os conflagrados Líbia e Iêmen.

Além disso, apesar de chamada de aliança “islâmica’, com membros “de todo o mundo islâmico”, o grupo inclui predominantemente os cristãos Uganda e Gabão, mas não Omã (país do Golfo), Argélia (maior país da África) e Indonésia (país de maior população muçulmana do mundo).

A falha em incluir a Indonésia, que tem quase duas vezes mais muçulmanos que todo o Oriente Médio, espanta não apenas pelo tamanho do país: enquanto a maioria dos países da aliança é governada por déspotas ou ditadores, a Indonésia é uma robusta democracia.

A abordagem disfuncional da iniciativa saudita é revelada no fato de que alguns membros da aliança - incluindo Paquistão, Malásia, Líbano e Autoridade Palestina - declararam imediatamente nunca haver de fato aderido ao movimento. O reino saudita parece pensar que pode tomar tal decisão em nome dos receptores de sua ajuda.

Some-se a nada surpreendente exclusão do Irã e Iraque, de governos xiitas, além da alauita Síria, fica claro que a Arábia Saudita simplesmente montou um novo grupo predominantemente sunita para impulsionar seus objetivos sectários e estratégicos. Isso confirma a linha política mais dura dominante desde que o rei Salman subiu ao trono, em janeiro.

Em casa, o reinado de Salman até agora assinala um crescente número de sentenças de morte por decapitação, frequentemente em público - método copiado pelo EI. No exterior, significa uma clara preferência por soluções violentas em Bahrein, Iraque, Síria e Iêmen.

As soluções da Arábia Saudita frequentemente contrariam os objetivos de seus aliados americanos. Por exemplo, os sauditas e seus parceiros árabes discretamente abandonaram a guerra aérea liderada pelos EUA na Síria. Mas, além das manipulações estratégicas da Arábia Saudita está o problema fundamental com que começamos o artigo: a ideologia oficial do reino forma o núcleo do credo terrorista.

Isso diz muito da principal falha na atual abordagem do combate ao terrorismo. Enquanto a expansão de ideologias perigosas como o wahabismo não for contida, a guerra global ao terror, que já dura uma geração, não será ganha. Não importa quantas bombas os EUA e seus aliados joguem, as madrassas financiadas pela Arábia Saudita continuarão doutrinando os jihadistas de amanhã. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

É PROFESSOR DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS NO CENTRO DE PESQUISA POLÍTICA EM NOVA DÉLHI E FELLOW NA ACADEMIA ROBERT BOSCH DE BERLIM

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