Durante 18 anos, a princesa conhecida como Sheikha Latifa jamais havia deixado Dubai, o emirado governado por seu pai. Seus pedidos para viajar e estudar fora do país foram recusados. Seu passaporte foi confiscado. Ir ao apartamento de amigos era proibido, assim como era vetada a entrada deles no palácio.
Mas, aos 32 anos, partiu para um lugar desconhecido. “Não há justiça aqui”, disse em um vídeo que gravou secretamente no ano passado. “Especialmente se você é mulher, sua vida é descartável.”
Seus amigos no exterior reagiram com espanto quando leram uma mensagem dela no WhatsApp em março anunciando que havia deixado Dubai “para sempre”.
“Estou com uma sensação desagradável”, respondeu Chris Colwell, um mergulhador americano. “Onde está você?” “Livre”. Logo farei uma visita”, ela respondeu, com um coração.
Sua fuga – planejada durante anos com a ajuda de uma professora de capoeira finlandesa e um autoproclamado ex-espião francês, durou menos de uma semana. Dias após ela zarpar para o Oceano Índico no iate do francês, rumo à Índia e depois aos Estados Unidos, a família dela manteve silêncio. Sheikha não mais foi vista desde então, exceto em algumas fotos publicadas em dezembro pela família, dizendo que ela estava muito bem em casa depois de ter sobrevivido ao que chamaram de sequestro.
Mas graças ao vídeo que ela gravou antes da fuga, o rosto e a voz de Sheikha giraram o mundo, atraindo mais de 2 milhões de visualizações no YouTube, provocando uma intensa cobertura da mídia e arruinando a imagem de Dubai como a capital mundial da ostentação e do comércio.
Como as jovens que fugiram do regime restritivo da Arábia Saudita, Sheikha Latifa quis garantir que ninguém se esquecesse do quão poucas são as liberdades concedidas às mulheres nas sociedades mais conservadoras do Oriente Médio e como custa caro contrariar o governante de Dubai. Apesar de todos seus imensos shopping centers, a alta culinária e os arranha-céus, Dubai pode se mostrar rapidamente um Estado policial repressivo. O país provocou manchetes no Ocidente quando deteve estrangeiros por andarem de mãos dadas em público e con sumirem bebida alcoólica.
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A proibição a que as mulheres possam dirigir na Arábia Saudita, vigente durante décadas, chegou ao fim. O anúncio foi feito pelo governo saudita, neste domingo (pelo horário local).
“Não importa se você é um cidadão do emirado, um membro da família real ou mesmo um expatriado de um aliado próximo como o Reino Unido”, afirmou Hiba Zayadin, pesquisadora da organização Human Rights Watch. “Se está prejudicando a imagem cuidadosamente confeccionada sofrerá as consequências” acrescentou.
No vídeo de 39 minutos, a voz serena e contundente de Sheikha descreve, num inglês fluente, sua vida de privilégios restritos e esperanças abafadas. “Não sei como, de que modo me sentirei ao simplesmente acordar de manhã e pensar, ‘posso fazer o que quiser hoje’. Esta será uma sensação nova, diferente. Será maravilhoso.”
Temendo por sua vida, ela disse estar gravando o vídeo no caso de sua fuga fracassar. “Eles não me trarão de volta com vida. Se não sair viva disto, existe este vídeo”, contou.
Sheikha começou a sofrer restrições em sua vida pessoal depois da tentativa de fuga fracassada de sua irmã anos antes. Quando tinha 14 anos, sua irmã mais velha, Shamsa, escapou do aparato de segurança da família numa viagem à Inglaterra. Seu pai, o xeque Mohammed bin Rashid al-Maktoum, dirigente de Dubai e primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos, é dono de uma enorme propriedade e de um conhecido haras chamado Godolphin.
Notícias na época davam conta de que o pessoal da segurança dos Emirados havia encontrado Shamsa em uma rua em Cambridge e a obrigaram a entrar em um carro. Quando um detetive da Scotland Yard começou a investigar o caso, considerando-o um sequestro, as autoridades de Dubai não permitiram que ele a entrevistasse. O caso foi encerrado ali.
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Sheikha disse que Shamsa, a única dos 30 irmãos da qual era próxima, passou a ser tratada com medicamentos para se tornar mais dócil. Horrorizada com o tratamento dado à irmã, ela tentou fugir através da fronteira para Omã. Mas foi encontrada e mantida numa solitária por mais de três anos.
A lei sobre a família dos Emirados permite que as mulheres sejam punidas por desobediência e Sheikha disse que com frequência era tirada da cama para ser espancada, era privada de assistência médica e, até os últimos meses de prisão, nem mesmo a escova de dentes lhe era fornecida.
Mesmo depois de ser liberada, aos 19 anos, sua vida era definida pelas restrições impostas pela família. Ela vivia num palácio com muros altos, 40 quartos espalhados por quatro alas – uma para cada parente mulher que vivia ali, disse Tiina Jauhiainen, finlandesa que começou a dar aulas de capoeira para Sheikha em 2010. Havia 100 empregados e um centro de atletismo com piscina e spa. Sheikha era sempre acompanhada por uma criada filipina.
Ela podia gastar seu dinheiro somente em hobbies e esportes como cavalgar e mergulhar, ou convidar amigos para um almoço. Não tinha permissão para estudar medicina, como desejava, segundo seus amigos. Tampouco podia viajar, nem mesmo para Abu Dhabi, país vizinho que com os outros seis formam os Emirados Árabes.
Apresentando-se como Latifa, era vista apenas como mais uma mulher local. Sob a abaya que usava em público normalmente trajava camiseta e pantalonas de ginástica. Ela mais ouvia do que falava e jamais se queixava da sua situação, disseram amigos.
Na manhã da sua fuga, Sheikha foi levada de carro para tomar o café da manhã em um restaurante com Jauhiainen, a professora de capoeira, como ela sempre fazia. Segundo a professora, elas foram para Omã, onde pegaram um barco inflável e depois um jet ski e foram para o iate do francês Jaubert.
Quando zarparam para a Índia, as mulheres estavam prontas para se deitar quando ouviram ruídos altos. No deque, homens armados amarraram Jauhiainen, o francês e a tripulação filipina e os espancaram. Jauhiainen viu Sheikha no chão, amarrada, gritando que queria asilo político na Índia. Um homem falando árabe subiu a bordo e deixou claro, segundo Jauhiainen, que viera buscar Sheikha. “Atire em mim”, gritou ela. “Não me leve de volta.” Mas então ela se foi. / NYT