À medida que a mais recente invasão russa da Ucrânia entra em sua segunda semana, alguns observadores começam a sugerir que o lento progresso do exército russo e os problemas de abastecimento são evidências de que a invasão está em apuros.
A Rússia talvez esteja enfrentando problemas logísticos. Mas minha pesquisa sobre a logística das operações militares sugere que, no início de uma campanha, tais dificuldades podem ser superadas.
Problemas de abastecimento são a regra, não a exceção
Mesmo ofensivas bem-sucedidas costumam ter momentos de grande drama por causa da escassez de suprimentos.
Na verdade, o sucesso no campo de batalha geralmente causa escassez de suprimentos. À medida que uma força avança, suas linhas de abastecimento ficam mais longas, exigindo mais veículos para manter o mesmo ritmo de reabastecimento. A quantidade de equipamentos quebrados e com defeito também cresce, o que, por sua vez, aumenta a demanda por peças de reposição, veículos de reboque e equipes de manutenção. Como observaram dois historiadores que escreveram sobre a Segunda Guerra Mundial:
“No que diz respeito ao abastecimento das tropas, um avanço de suas próprias forças apresentava problemas quase tão formidáveis quanto um ataque inimigo, pois a disposição metódica de depósitos, oleodutos e sistemas de transporte não conseguia acompanhar o ritmo das colunas blindadas, mesmo que a capacidade das linhas de abastecimento para a retaguarda pudesse ser expandida com bastante rapidez”.
Mais recentemente, a campanha liderada pelos Estados Unidos para expulsar as forças iraquianas do Kuwait em 1991 – amplamente considerada uma das operações militares mais bem-sucedidas dos tempos modernos – teve suas dores de cabeça de abastecimento. Por exemplo, a parte terrestre da guerra durou pouco mais de quatro dias, mas a 1ª Divisão Blindada do Exército dos Estados Unidos quase ficou sem combustível no dia 3, no momento em que tentava atacar a Guarda Republicana iraquiana.
Como Michael Gordon e Bernard Trainor observam em sua história do conflito, a crise só foi evitada por causa de um comboio de emergência de 18 horas de caminhões-tanque conduzidos por uma miscelânea de soldados treinados para outras tarefas.
As coisas também ficaram por um triz durante a invasão do Iraque em 2003. A 3ª Divisão de Infantaria do Exército dos Estados Unidos deveria ser reabastecida dois dias após o início da invasão. Mas uma confluência de eventos conspirou para atrasar o primeiro reabastecimento até seis dias depois do início da ofensiva. Àquela altura, apesar de esticar ao máximo seu suprimento inicial de comida e água, algumas unidades tinham à mão apenas o suficiente para durar mais algumas horas.
Os problemas de abastecimento em 2003 raramente são lembrados agora, mas eram conhecidos e amplamente discutidos na época. Como observou uma monografia da Rand Corp. sobre a logística da campanha:
“Artigos escritos durante as operações de combate citaram temores de que as forças logo ficassem sem suprimentos críticos ou forneceram descrições de problemas isolados. Relatos posteriores catalogaram listas de deficiências, como nenhuma peça sobressalente entregue durante as operações de combate, ou descreveram o sistema de sustentação como um sistema que estava perto do colapso”.
De fato, artigos na New Yorker, no Wall Street Journal e em outros lugares documentaram os muitos problemas e expressaram preocupação de que o esforço pudesse parar ou, pior, fracassar.
Grandes operações militares se movem lentamente
Apesar da impressionante velocidade e manobrabilidade dos tanques modernos, as forças militares raramente avançam perto da velocidade máxima de seus veículos. Durante a campanha contra o Iraque em 1991, por exemplo, o ritmo médio da força americana foi de pouco mais de 1,6 quilômetros por hora. Mesmo a divisão mais rápida mal conseguiu passar dos 3 quilômetros por hora – a velocidade de uma caminhada tranquila.
A invasão do Iraque em 2003 não foi mais rápida. As forças americanas levaram cerca de duas semanas para cobrir os 560 quilômetros desde a fronteira do Kuwait até os arredores de Bagdá. Algumas unidades tomaram rotas indiretas e algumas correram em curtas distâncias, mas o ritmo geral da invasão foi aproximadamente o mesmo de 1991.
Essas velocidades parecem lentas, mas não são incomuns. Em um estudo antigo, mas ainda muito útil, sobre a rapidez com que as grandes forças avançam durante as operações militares, Robert Helmbold revelou que “até mesmo os ritmos de avanço mais rápidos das forças de combate terrestres ficam pelo menos uma ou duas ordens de magnitude abaixo de seus principais modos de movimento”. A verdade é que a maioria das unidades militares – mesmo aquelas que participam de uma invasão bem-sucedida – passam a maior parte do tempo paradas.
As unidades param por vários motivos, mas um dos mais comuns é esperar por suprimentos. Isso faz sentido quando consideramos a mecânica do reabastecimento. Em média, os comboios de reabastecimento precisam manter uma velocidade média muito mais rápida do que as unidades que abastecem devido à necessidade de ir e vir. O resultado líquido é a desaceleração do ritmo geral de avanço, mesmo que tudo esteja indo conforme o planejado.
Ainda é muito cedo
Nada disso é sugere que as coisas estejam indo exatamente como planejado para o exército russo ou que a Rússia terá sucesso na Ucrânia. No entanto, é importante distinguir as dificuldades que cada operação enfrenta daquelas que são severas o suficiente para levar ao fracasso e à derrota.
Somente com o tempo a escassez se torna decisiva. É o acúmulo de déficits de recursos que leva à derrota, não um déficit em qualquer unidade. Em operações bem-sucedidas, os problemas de abastecimento são comuns, mas isolados; em operações que fracassam na logística, o número e a escala dos problemas de abastecimento aumentam ao longo do tempo até o ponto em que não há poder de combate suficiente para prosseguir com o avanço.
Durante a invasão alemã da União Soviética em 1941 – talvez o exemplo mais famoso de problemas de abastecimento que levaram à derrota – o avanço só parou de vez quando os soldados alemães estavam nos arredores de Moscou e foram expostos a temperaturas abaixo de zero, com pouca munição e vivendo de um terço de suas rações diárias.
Resta saber se os problemas de abastecimento que o exército russo está enfrentando serão decisivos. Mas o simples fato de algumas unidades estarem com problemas e a invasão avançando lentamente não é, por si só, motivo suficiente para concluir que a operação irá fracassar.
Ryan Baker (@RyanBaker51) é analista de pesquisa em tempo integral no Center for Naval Analyzes (CNA), membro não residente do Brute Krulak Center for Innovation and Future Warfare e oficial da reserva do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU