Opinião|A luta central no mundo de hoje é entre liberalismo e autoritarismo. Os autoritários estão ganhando


Se o liberalismo sobreviver a esta disputa, nós teremos de celebrá-lo e ao mesmo tempo reconhecer seus limites

Por David Brooks

A luta central no planeta atualmente é travada entre o liberalismo e o autoritarismo. Entre quem acredita nos valores democráticos e os que não acreditam — sejam eles populistas pseudoautoritários, como Donald Trump, Viktor Orbán, Narendra Modi e Recep Tayyip Erdogan; ditadores puros, como Vladimir Putin e Xi Jinping; ou fascistas teocráticos, como os homens que controlam o Irã e o Hamas.

Nessa competição, nós, os liberais, deveríamos estar dando uma surra nesses caras! Mas não estamos. Trump lidera nos Estados indefinidos. Modi parece prestes a se reeleger. Rússia e Irã dão sinais de força.

Ao longo dos últimos dois séculos, o liberalismo evoluiu para um sistema que respeita a dignidade humana e celebra escolhas individuais. O liberalismo democrático afirma que nós não julgamos a maneira que você deseja definir o propósito de sua vida; nós apenas pretendemos construir sistemas justos de cooperação, para que você possa perseguir livremente qualquer objetivo que escolha individualmente. O liberalismo tende a ser agnóstico em relação ao sentido da vida e colocar foco em processos e meios: estado de direito, separação dos poderes, liberdade de expressão, revisão judicial, eleições livres e a ordem internacional com base em regras.

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Em seu inspirador e esclarecedor novo livro, Liberalismo como estilo de vida, Alexandre Lefebvre argumenta que o liberalismo não é meramente um conjunto de regras neutras que permite a convivência da diversidade; o liberalismo, escreve ele, também se tornou um ethos moral, uma filosofia de vida orientadora. Conforme outros sistemas morais, como a religião, desapareceram das vidas de muitas pessoas, o próprio liberalismo expandiu-se para ocupar o vazio em suas almas.

Ex-presidente Donald Trump sai de seu avião para cumprimentar apoiadores em um comício de campanha em Freeland, Michigan, no dia 1º de maio. Foto: Doug Mills/The New York Times

Os liberais honram o direito dos indivíduos de respeitar a si mesmos; insultos racistas tornaram-se nossa forma de blasfêmia porque atacam essa noção de respeito a si mesmo. A moralidade liberal tende a ser horizontal — liberais puros não olham para o alto para servir a um Deus vivo, olham para o lado e tentam ser gentis e decentes com todos os seres humanos.

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Liberais puros dão muito valor ao consentimento individual; qualquer tipo de relação sexual ou arranjo familiar é OK contanto que todos os envolvidos estejam de acordo. Em um determinado ponto, Lefebvre define um singelo refrão sobre todos os traços que tornam os liberais pessoas agradáveis de conviver. Nós respeitamos a autonomia e o espaço das pessoas, não gostamos de hipocrisia e esnobismo e lutamos para alcançar uma tolerância “viva e deixa viver”.

Mas confesso que terminei o livro não apenas com uma apreciação maior das forças do liberalismo, mas também mais ciente a respeito das razões para pessoas de todo o mundo rejeitarem o liberalismo e por que o autoritarismo está em marcha.

Sociedades liberais podem parecer algo tépidas e maçantes. O liberalismo tende a ser não metafísico; evita grandes questões como: Por que viemos ao mundo? Quem criou o cosmos? Nutre virtudes burguesas gentis, como bondade e decência, mas não, como descreve Lefebvre, certas virtudes elevadas, como bravura, lealdade, piedade e amor autossacrificante.

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A sociedade liberal pode produzir alguma solidão. Ao colocar tanta ênfase nas escolhas individuais, o liberalismo puro afrouxa laços sociais. Num ethos puramente liberal, uma dúvida invisível espreita todo tipo de relação: Essa pessoa me faz bem? Todas as conexões sociais tornam-se temporárias e condicionais. Até mesmo sua atitude consigo mesmo pode ser instrumentalizada: Sou um recurso e invisto para obter os resultados que desejo.

Quando se tornam totalmente liberais, as sociedades negligenciam uma verdade crucial: para prosperar, as sociedades liberais precisam se erguer sobre instituições anteriores à escolha individual — famílias, fés, apegos a lugares sagrados. As pessoas não são formadas por instituições às quais se conectam superficialmente. Suas almas e personalidades são formadas dentro de laços antigos com sua família específica, sua cultura étnica específica, com aquele determinado pedaço de terra onde seu povo tem longa história, com aquela obediência específica ao Deus de seus ancestrais.

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Essas conexões determinantes na vida não costumam ser escolhidas individualmente. Normalmente são emaranhadas desde o nascimento à existência das pessoas — às suas tradições, culturas e individualidades.

O grande rabino Jonathan Sacks explicou a diferença entre o tipo de contrato que floresce no mundo da escolha individual e os compromissos mais comuns nos campos mais profundos que a utilidade individual: “Um contrato trata de interesses. Um compromisso trata de identidade. É sobre eu e você nos juntarmos e formarmos um coletivo. É por isso que contratos são benéficos, mas compromissos são transformadores”.

A grande força dos líderes autoritários que se opõem aos princípios liberais, de Trump a Xi, ao Hamas, é que eles jogam diretamente com fontes primordiais de significado mais profundas que preferências individuais: fé, família, terra e pátria. Os líderes autoritários dizem às suas audiências que os liberais querem pegar tudo que é sólido — da sua moralidade ao seu gênero — e reduzir à instabilidade de um capricho pessoal. Dizem às suas multidões que os liberais ameaçam suas lealdades vestigiais. E vão além: nós precisamos quebrar as regras para defender esses laços sagrados, precisamos de um homem-forte para nos defender do caos social e moral.

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Esses argumentos se provaram poderosos. Uma recente pesquisa Reuters/Ipsos constatou que 52% dos republicanos acreditam que os Estados Unidos precisam de “um presidente forte, que deveria ter permissão para governar sem muita interferência dos tribunais e do Congresso”.

Nós podemos estar vivendo um ano em que líderes autoritários chegam ao poder ou seguem governando em países da Europa e da América Latina, assim como nos EUA, enquanto Putin continua a fazer avanços na Ucrânia e o Hamas sobrevive à guerra em Gaza. Em suma, os líderes autoritários ainda têm ímpeto do seu lado.

Pior, o liberalismo ocasionou uma contrarreação nas nossas sociedades. Muitas pessoas sentem-se espiritualmente inquietas; sentem-se nuas, contrariadas e sós. Então buscam na política uma maneira de suprir esse vazio moral e espiritual. Buscam na política uma sensação de pertencimento, significado moral e propósito existencial que a fé, a família, a terra e a pátria proveram aos seus ancestrais. E ao fazê-lo, transformam a política de maneira prosaica, para negociar diferenças em uma guerra santa na qual o meu lado moral é vingado e o seu lado moral é destruído. A política passa a desempenhar um papel totalizador e brutalizante em suas vidas pessoais e nas nossas vidas nacionais. Estão pedindo à política mais do que a política tem a oferecer.

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Se o liberalismo sobreviver a esta disputa, nós teremos de celebrá-lo e ao mesmo tempo reconhecer seus limites. Ajudar pessoas diversas a viver juntas em paz é uma grande maneira de construir uma sociedade justa. Mas o liberalismo não pode ser o propósito definitivo na vida. Nós precisamos ser liberais em público mas aderir em nosso âmago a lealdades transcendentes — ser católicos, judeus, estóicos, ambientalistas, marxistas ou aderir a alguma outra crença sagrada e existencial. As pessoas precisam se sentir conectadas a alguma ordem transcendental; boas regras não satisfazem esse anseio.

Políticos liberais precisam encontrar maneiras de defender instituições liberais e ao mesmo tempo honrar a fé, a família e a pátria das pessoas, assim como outras lealdades que definem o sentido das vidas da maioria das pessoas. Considero que os presidentes americanos, digamos, de Theodore Roosevelt a Ronald Reagan souberam dialogar nesses termos. Nós precisamos de uma versão disso no século 21.

Se os liberais forem meramente gentis e tolerantes e não conseguirem falar sobre os anseios mais profundos do coração e da alma, que parecem tão ameaçados para tantos, a eleição deste ano será péssima./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A luta central no planeta atualmente é travada entre o liberalismo e o autoritarismo. Entre quem acredita nos valores democráticos e os que não acreditam — sejam eles populistas pseudoautoritários, como Donald Trump, Viktor Orbán, Narendra Modi e Recep Tayyip Erdogan; ditadores puros, como Vladimir Putin e Xi Jinping; ou fascistas teocráticos, como os homens que controlam o Irã e o Hamas.

Nessa competição, nós, os liberais, deveríamos estar dando uma surra nesses caras! Mas não estamos. Trump lidera nos Estados indefinidos. Modi parece prestes a se reeleger. Rússia e Irã dão sinais de força.

Ao longo dos últimos dois séculos, o liberalismo evoluiu para um sistema que respeita a dignidade humana e celebra escolhas individuais. O liberalismo democrático afirma que nós não julgamos a maneira que você deseja definir o propósito de sua vida; nós apenas pretendemos construir sistemas justos de cooperação, para que você possa perseguir livremente qualquer objetivo que escolha individualmente. O liberalismo tende a ser agnóstico em relação ao sentido da vida e colocar foco em processos e meios: estado de direito, separação dos poderes, liberdade de expressão, revisão judicial, eleições livres e a ordem internacional com base em regras.

Em seu inspirador e esclarecedor novo livro, Liberalismo como estilo de vida, Alexandre Lefebvre argumenta que o liberalismo não é meramente um conjunto de regras neutras que permite a convivência da diversidade; o liberalismo, escreve ele, também se tornou um ethos moral, uma filosofia de vida orientadora. Conforme outros sistemas morais, como a religião, desapareceram das vidas de muitas pessoas, o próprio liberalismo expandiu-se para ocupar o vazio em suas almas.

Ex-presidente Donald Trump sai de seu avião para cumprimentar apoiadores em um comício de campanha em Freeland, Michigan, no dia 1º de maio. Foto: Doug Mills/The New York Times

Os liberais honram o direito dos indivíduos de respeitar a si mesmos; insultos racistas tornaram-se nossa forma de blasfêmia porque atacam essa noção de respeito a si mesmo. A moralidade liberal tende a ser horizontal — liberais puros não olham para o alto para servir a um Deus vivo, olham para o lado e tentam ser gentis e decentes com todos os seres humanos.

Liberais puros dão muito valor ao consentimento individual; qualquer tipo de relação sexual ou arranjo familiar é OK contanto que todos os envolvidos estejam de acordo. Em um determinado ponto, Lefebvre define um singelo refrão sobre todos os traços que tornam os liberais pessoas agradáveis de conviver. Nós respeitamos a autonomia e o espaço das pessoas, não gostamos de hipocrisia e esnobismo e lutamos para alcançar uma tolerância “viva e deixa viver”.

Mas confesso que terminei o livro não apenas com uma apreciação maior das forças do liberalismo, mas também mais ciente a respeito das razões para pessoas de todo o mundo rejeitarem o liberalismo e por que o autoritarismo está em marcha.

Sociedades liberais podem parecer algo tépidas e maçantes. O liberalismo tende a ser não metafísico; evita grandes questões como: Por que viemos ao mundo? Quem criou o cosmos? Nutre virtudes burguesas gentis, como bondade e decência, mas não, como descreve Lefebvre, certas virtudes elevadas, como bravura, lealdade, piedade e amor autossacrificante.

A sociedade liberal pode produzir alguma solidão. Ao colocar tanta ênfase nas escolhas individuais, o liberalismo puro afrouxa laços sociais. Num ethos puramente liberal, uma dúvida invisível espreita todo tipo de relação: Essa pessoa me faz bem? Todas as conexões sociais tornam-se temporárias e condicionais. Até mesmo sua atitude consigo mesmo pode ser instrumentalizada: Sou um recurso e invisto para obter os resultados que desejo.

Quando se tornam totalmente liberais, as sociedades negligenciam uma verdade crucial: para prosperar, as sociedades liberais precisam se erguer sobre instituições anteriores à escolha individual — famílias, fés, apegos a lugares sagrados. As pessoas não são formadas por instituições às quais se conectam superficialmente. Suas almas e personalidades são formadas dentro de laços antigos com sua família específica, sua cultura étnica específica, com aquele determinado pedaço de terra onde seu povo tem longa história, com aquela obediência específica ao Deus de seus ancestrais.

Essas conexões determinantes na vida não costumam ser escolhidas individualmente. Normalmente são emaranhadas desde o nascimento à existência das pessoas — às suas tradições, culturas e individualidades.

O grande rabino Jonathan Sacks explicou a diferença entre o tipo de contrato que floresce no mundo da escolha individual e os compromissos mais comuns nos campos mais profundos que a utilidade individual: “Um contrato trata de interesses. Um compromisso trata de identidade. É sobre eu e você nos juntarmos e formarmos um coletivo. É por isso que contratos são benéficos, mas compromissos são transformadores”.

A grande força dos líderes autoritários que se opõem aos princípios liberais, de Trump a Xi, ao Hamas, é que eles jogam diretamente com fontes primordiais de significado mais profundas que preferências individuais: fé, família, terra e pátria. Os líderes autoritários dizem às suas audiências que os liberais querem pegar tudo que é sólido — da sua moralidade ao seu gênero — e reduzir à instabilidade de um capricho pessoal. Dizem às suas multidões que os liberais ameaçam suas lealdades vestigiais. E vão além: nós precisamos quebrar as regras para defender esses laços sagrados, precisamos de um homem-forte para nos defender do caos social e moral.

Esses argumentos se provaram poderosos. Uma recente pesquisa Reuters/Ipsos constatou que 52% dos republicanos acreditam que os Estados Unidos precisam de “um presidente forte, que deveria ter permissão para governar sem muita interferência dos tribunais e do Congresso”.

Nós podemos estar vivendo um ano em que líderes autoritários chegam ao poder ou seguem governando em países da Europa e da América Latina, assim como nos EUA, enquanto Putin continua a fazer avanços na Ucrânia e o Hamas sobrevive à guerra em Gaza. Em suma, os líderes autoritários ainda têm ímpeto do seu lado.

Pior, o liberalismo ocasionou uma contrarreação nas nossas sociedades. Muitas pessoas sentem-se espiritualmente inquietas; sentem-se nuas, contrariadas e sós. Então buscam na política uma maneira de suprir esse vazio moral e espiritual. Buscam na política uma sensação de pertencimento, significado moral e propósito existencial que a fé, a família, a terra e a pátria proveram aos seus ancestrais. E ao fazê-lo, transformam a política de maneira prosaica, para negociar diferenças em uma guerra santa na qual o meu lado moral é vingado e o seu lado moral é destruído. A política passa a desempenhar um papel totalizador e brutalizante em suas vidas pessoais e nas nossas vidas nacionais. Estão pedindo à política mais do que a política tem a oferecer.

Se o liberalismo sobreviver a esta disputa, nós teremos de celebrá-lo e ao mesmo tempo reconhecer seus limites. Ajudar pessoas diversas a viver juntas em paz é uma grande maneira de construir uma sociedade justa. Mas o liberalismo não pode ser o propósito definitivo na vida. Nós precisamos ser liberais em público mas aderir em nosso âmago a lealdades transcendentes — ser católicos, judeus, estóicos, ambientalistas, marxistas ou aderir a alguma outra crença sagrada e existencial. As pessoas precisam se sentir conectadas a alguma ordem transcendental; boas regras não satisfazem esse anseio.

Políticos liberais precisam encontrar maneiras de defender instituições liberais e ao mesmo tempo honrar a fé, a família e a pátria das pessoas, assim como outras lealdades que definem o sentido das vidas da maioria das pessoas. Considero que os presidentes americanos, digamos, de Theodore Roosevelt a Ronald Reagan souberam dialogar nesses termos. Nós precisamos de uma versão disso no século 21.

Se os liberais forem meramente gentis e tolerantes e não conseguirem falar sobre os anseios mais profundos do coração e da alma, que parecem tão ameaçados para tantos, a eleição deste ano será péssima./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A luta central no planeta atualmente é travada entre o liberalismo e o autoritarismo. Entre quem acredita nos valores democráticos e os que não acreditam — sejam eles populistas pseudoautoritários, como Donald Trump, Viktor Orbán, Narendra Modi e Recep Tayyip Erdogan; ditadores puros, como Vladimir Putin e Xi Jinping; ou fascistas teocráticos, como os homens que controlam o Irã e o Hamas.

Nessa competição, nós, os liberais, deveríamos estar dando uma surra nesses caras! Mas não estamos. Trump lidera nos Estados indefinidos. Modi parece prestes a se reeleger. Rússia e Irã dão sinais de força.

Ao longo dos últimos dois séculos, o liberalismo evoluiu para um sistema que respeita a dignidade humana e celebra escolhas individuais. O liberalismo democrático afirma que nós não julgamos a maneira que você deseja definir o propósito de sua vida; nós apenas pretendemos construir sistemas justos de cooperação, para que você possa perseguir livremente qualquer objetivo que escolha individualmente. O liberalismo tende a ser agnóstico em relação ao sentido da vida e colocar foco em processos e meios: estado de direito, separação dos poderes, liberdade de expressão, revisão judicial, eleições livres e a ordem internacional com base em regras.

Em seu inspirador e esclarecedor novo livro, Liberalismo como estilo de vida, Alexandre Lefebvre argumenta que o liberalismo não é meramente um conjunto de regras neutras que permite a convivência da diversidade; o liberalismo, escreve ele, também se tornou um ethos moral, uma filosofia de vida orientadora. Conforme outros sistemas morais, como a religião, desapareceram das vidas de muitas pessoas, o próprio liberalismo expandiu-se para ocupar o vazio em suas almas.

Ex-presidente Donald Trump sai de seu avião para cumprimentar apoiadores em um comício de campanha em Freeland, Michigan, no dia 1º de maio. Foto: Doug Mills/The New York Times

Os liberais honram o direito dos indivíduos de respeitar a si mesmos; insultos racistas tornaram-se nossa forma de blasfêmia porque atacam essa noção de respeito a si mesmo. A moralidade liberal tende a ser horizontal — liberais puros não olham para o alto para servir a um Deus vivo, olham para o lado e tentam ser gentis e decentes com todos os seres humanos.

Liberais puros dão muito valor ao consentimento individual; qualquer tipo de relação sexual ou arranjo familiar é OK contanto que todos os envolvidos estejam de acordo. Em um determinado ponto, Lefebvre define um singelo refrão sobre todos os traços que tornam os liberais pessoas agradáveis de conviver. Nós respeitamos a autonomia e o espaço das pessoas, não gostamos de hipocrisia e esnobismo e lutamos para alcançar uma tolerância “viva e deixa viver”.

Mas confesso que terminei o livro não apenas com uma apreciação maior das forças do liberalismo, mas também mais ciente a respeito das razões para pessoas de todo o mundo rejeitarem o liberalismo e por que o autoritarismo está em marcha.

Sociedades liberais podem parecer algo tépidas e maçantes. O liberalismo tende a ser não metafísico; evita grandes questões como: Por que viemos ao mundo? Quem criou o cosmos? Nutre virtudes burguesas gentis, como bondade e decência, mas não, como descreve Lefebvre, certas virtudes elevadas, como bravura, lealdade, piedade e amor autossacrificante.

A sociedade liberal pode produzir alguma solidão. Ao colocar tanta ênfase nas escolhas individuais, o liberalismo puro afrouxa laços sociais. Num ethos puramente liberal, uma dúvida invisível espreita todo tipo de relação: Essa pessoa me faz bem? Todas as conexões sociais tornam-se temporárias e condicionais. Até mesmo sua atitude consigo mesmo pode ser instrumentalizada: Sou um recurso e invisto para obter os resultados que desejo.

Quando se tornam totalmente liberais, as sociedades negligenciam uma verdade crucial: para prosperar, as sociedades liberais precisam se erguer sobre instituições anteriores à escolha individual — famílias, fés, apegos a lugares sagrados. As pessoas não são formadas por instituições às quais se conectam superficialmente. Suas almas e personalidades são formadas dentro de laços antigos com sua família específica, sua cultura étnica específica, com aquele determinado pedaço de terra onde seu povo tem longa história, com aquela obediência específica ao Deus de seus ancestrais.

Essas conexões determinantes na vida não costumam ser escolhidas individualmente. Normalmente são emaranhadas desde o nascimento à existência das pessoas — às suas tradições, culturas e individualidades.

O grande rabino Jonathan Sacks explicou a diferença entre o tipo de contrato que floresce no mundo da escolha individual e os compromissos mais comuns nos campos mais profundos que a utilidade individual: “Um contrato trata de interesses. Um compromisso trata de identidade. É sobre eu e você nos juntarmos e formarmos um coletivo. É por isso que contratos são benéficos, mas compromissos são transformadores”.

A grande força dos líderes autoritários que se opõem aos princípios liberais, de Trump a Xi, ao Hamas, é que eles jogam diretamente com fontes primordiais de significado mais profundas que preferências individuais: fé, família, terra e pátria. Os líderes autoritários dizem às suas audiências que os liberais querem pegar tudo que é sólido — da sua moralidade ao seu gênero — e reduzir à instabilidade de um capricho pessoal. Dizem às suas multidões que os liberais ameaçam suas lealdades vestigiais. E vão além: nós precisamos quebrar as regras para defender esses laços sagrados, precisamos de um homem-forte para nos defender do caos social e moral.

Esses argumentos se provaram poderosos. Uma recente pesquisa Reuters/Ipsos constatou que 52% dos republicanos acreditam que os Estados Unidos precisam de “um presidente forte, que deveria ter permissão para governar sem muita interferência dos tribunais e do Congresso”.

Nós podemos estar vivendo um ano em que líderes autoritários chegam ao poder ou seguem governando em países da Europa e da América Latina, assim como nos EUA, enquanto Putin continua a fazer avanços na Ucrânia e o Hamas sobrevive à guerra em Gaza. Em suma, os líderes autoritários ainda têm ímpeto do seu lado.

Pior, o liberalismo ocasionou uma contrarreação nas nossas sociedades. Muitas pessoas sentem-se espiritualmente inquietas; sentem-se nuas, contrariadas e sós. Então buscam na política uma maneira de suprir esse vazio moral e espiritual. Buscam na política uma sensação de pertencimento, significado moral e propósito existencial que a fé, a família, a terra e a pátria proveram aos seus ancestrais. E ao fazê-lo, transformam a política de maneira prosaica, para negociar diferenças em uma guerra santa na qual o meu lado moral é vingado e o seu lado moral é destruído. A política passa a desempenhar um papel totalizador e brutalizante em suas vidas pessoais e nas nossas vidas nacionais. Estão pedindo à política mais do que a política tem a oferecer.

Se o liberalismo sobreviver a esta disputa, nós teremos de celebrá-lo e ao mesmo tempo reconhecer seus limites. Ajudar pessoas diversas a viver juntas em paz é uma grande maneira de construir uma sociedade justa. Mas o liberalismo não pode ser o propósito definitivo na vida. Nós precisamos ser liberais em público mas aderir em nosso âmago a lealdades transcendentes — ser católicos, judeus, estóicos, ambientalistas, marxistas ou aderir a alguma outra crença sagrada e existencial. As pessoas precisam se sentir conectadas a alguma ordem transcendental; boas regras não satisfazem esse anseio.

Políticos liberais precisam encontrar maneiras de defender instituições liberais e ao mesmo tempo honrar a fé, a família e a pátria das pessoas, assim como outras lealdades que definem o sentido das vidas da maioria das pessoas. Considero que os presidentes americanos, digamos, de Theodore Roosevelt a Ronald Reagan souberam dialogar nesses termos. Nós precisamos de uma versão disso no século 21.

Se os liberais forem meramente gentis e tolerantes e não conseguirem falar sobre os anseios mais profundos do coração e da alma, que parecem tão ameaçados para tantos, a eleição deste ano será péssima./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A luta central no planeta atualmente é travada entre o liberalismo e o autoritarismo. Entre quem acredita nos valores democráticos e os que não acreditam — sejam eles populistas pseudoautoritários, como Donald Trump, Viktor Orbán, Narendra Modi e Recep Tayyip Erdogan; ditadores puros, como Vladimir Putin e Xi Jinping; ou fascistas teocráticos, como os homens que controlam o Irã e o Hamas.

Nessa competição, nós, os liberais, deveríamos estar dando uma surra nesses caras! Mas não estamos. Trump lidera nos Estados indefinidos. Modi parece prestes a se reeleger. Rússia e Irã dão sinais de força.

Ao longo dos últimos dois séculos, o liberalismo evoluiu para um sistema que respeita a dignidade humana e celebra escolhas individuais. O liberalismo democrático afirma que nós não julgamos a maneira que você deseja definir o propósito de sua vida; nós apenas pretendemos construir sistemas justos de cooperação, para que você possa perseguir livremente qualquer objetivo que escolha individualmente. O liberalismo tende a ser agnóstico em relação ao sentido da vida e colocar foco em processos e meios: estado de direito, separação dos poderes, liberdade de expressão, revisão judicial, eleições livres e a ordem internacional com base em regras.

Em seu inspirador e esclarecedor novo livro, Liberalismo como estilo de vida, Alexandre Lefebvre argumenta que o liberalismo não é meramente um conjunto de regras neutras que permite a convivência da diversidade; o liberalismo, escreve ele, também se tornou um ethos moral, uma filosofia de vida orientadora. Conforme outros sistemas morais, como a religião, desapareceram das vidas de muitas pessoas, o próprio liberalismo expandiu-se para ocupar o vazio em suas almas.

Ex-presidente Donald Trump sai de seu avião para cumprimentar apoiadores em um comício de campanha em Freeland, Michigan, no dia 1º de maio. Foto: Doug Mills/The New York Times

Os liberais honram o direito dos indivíduos de respeitar a si mesmos; insultos racistas tornaram-se nossa forma de blasfêmia porque atacam essa noção de respeito a si mesmo. A moralidade liberal tende a ser horizontal — liberais puros não olham para o alto para servir a um Deus vivo, olham para o lado e tentam ser gentis e decentes com todos os seres humanos.

Liberais puros dão muito valor ao consentimento individual; qualquer tipo de relação sexual ou arranjo familiar é OK contanto que todos os envolvidos estejam de acordo. Em um determinado ponto, Lefebvre define um singelo refrão sobre todos os traços que tornam os liberais pessoas agradáveis de conviver. Nós respeitamos a autonomia e o espaço das pessoas, não gostamos de hipocrisia e esnobismo e lutamos para alcançar uma tolerância “viva e deixa viver”.

Mas confesso que terminei o livro não apenas com uma apreciação maior das forças do liberalismo, mas também mais ciente a respeito das razões para pessoas de todo o mundo rejeitarem o liberalismo e por que o autoritarismo está em marcha.

Sociedades liberais podem parecer algo tépidas e maçantes. O liberalismo tende a ser não metafísico; evita grandes questões como: Por que viemos ao mundo? Quem criou o cosmos? Nutre virtudes burguesas gentis, como bondade e decência, mas não, como descreve Lefebvre, certas virtudes elevadas, como bravura, lealdade, piedade e amor autossacrificante.

A sociedade liberal pode produzir alguma solidão. Ao colocar tanta ênfase nas escolhas individuais, o liberalismo puro afrouxa laços sociais. Num ethos puramente liberal, uma dúvida invisível espreita todo tipo de relação: Essa pessoa me faz bem? Todas as conexões sociais tornam-se temporárias e condicionais. Até mesmo sua atitude consigo mesmo pode ser instrumentalizada: Sou um recurso e invisto para obter os resultados que desejo.

Quando se tornam totalmente liberais, as sociedades negligenciam uma verdade crucial: para prosperar, as sociedades liberais precisam se erguer sobre instituições anteriores à escolha individual — famílias, fés, apegos a lugares sagrados. As pessoas não são formadas por instituições às quais se conectam superficialmente. Suas almas e personalidades são formadas dentro de laços antigos com sua família específica, sua cultura étnica específica, com aquele determinado pedaço de terra onde seu povo tem longa história, com aquela obediência específica ao Deus de seus ancestrais.

Essas conexões determinantes na vida não costumam ser escolhidas individualmente. Normalmente são emaranhadas desde o nascimento à existência das pessoas — às suas tradições, culturas e individualidades.

O grande rabino Jonathan Sacks explicou a diferença entre o tipo de contrato que floresce no mundo da escolha individual e os compromissos mais comuns nos campos mais profundos que a utilidade individual: “Um contrato trata de interesses. Um compromisso trata de identidade. É sobre eu e você nos juntarmos e formarmos um coletivo. É por isso que contratos são benéficos, mas compromissos são transformadores”.

A grande força dos líderes autoritários que se opõem aos princípios liberais, de Trump a Xi, ao Hamas, é que eles jogam diretamente com fontes primordiais de significado mais profundas que preferências individuais: fé, família, terra e pátria. Os líderes autoritários dizem às suas audiências que os liberais querem pegar tudo que é sólido — da sua moralidade ao seu gênero — e reduzir à instabilidade de um capricho pessoal. Dizem às suas multidões que os liberais ameaçam suas lealdades vestigiais. E vão além: nós precisamos quebrar as regras para defender esses laços sagrados, precisamos de um homem-forte para nos defender do caos social e moral.

Esses argumentos se provaram poderosos. Uma recente pesquisa Reuters/Ipsos constatou que 52% dos republicanos acreditam que os Estados Unidos precisam de “um presidente forte, que deveria ter permissão para governar sem muita interferência dos tribunais e do Congresso”.

Nós podemos estar vivendo um ano em que líderes autoritários chegam ao poder ou seguem governando em países da Europa e da América Latina, assim como nos EUA, enquanto Putin continua a fazer avanços na Ucrânia e o Hamas sobrevive à guerra em Gaza. Em suma, os líderes autoritários ainda têm ímpeto do seu lado.

Pior, o liberalismo ocasionou uma contrarreação nas nossas sociedades. Muitas pessoas sentem-se espiritualmente inquietas; sentem-se nuas, contrariadas e sós. Então buscam na política uma maneira de suprir esse vazio moral e espiritual. Buscam na política uma sensação de pertencimento, significado moral e propósito existencial que a fé, a família, a terra e a pátria proveram aos seus ancestrais. E ao fazê-lo, transformam a política de maneira prosaica, para negociar diferenças em uma guerra santa na qual o meu lado moral é vingado e o seu lado moral é destruído. A política passa a desempenhar um papel totalizador e brutalizante em suas vidas pessoais e nas nossas vidas nacionais. Estão pedindo à política mais do que a política tem a oferecer.

Se o liberalismo sobreviver a esta disputa, nós teremos de celebrá-lo e ao mesmo tempo reconhecer seus limites. Ajudar pessoas diversas a viver juntas em paz é uma grande maneira de construir uma sociedade justa. Mas o liberalismo não pode ser o propósito definitivo na vida. Nós precisamos ser liberais em público mas aderir em nosso âmago a lealdades transcendentes — ser católicos, judeus, estóicos, ambientalistas, marxistas ou aderir a alguma outra crença sagrada e existencial. As pessoas precisam se sentir conectadas a alguma ordem transcendental; boas regras não satisfazem esse anseio.

Políticos liberais precisam encontrar maneiras de defender instituições liberais e ao mesmo tempo honrar a fé, a família e a pátria das pessoas, assim como outras lealdades que definem o sentido das vidas da maioria das pessoas. Considero que os presidentes americanos, digamos, de Theodore Roosevelt a Ronald Reagan souberam dialogar nesses termos. Nós precisamos de uma versão disso no século 21.

Se os liberais forem meramente gentis e tolerantes e não conseguirem falar sobre os anseios mais profundos do coração e da alma, que parecem tão ameaçados para tantos, a eleição deste ano será péssima./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

A luta central no planeta atualmente é travada entre o liberalismo e o autoritarismo. Entre quem acredita nos valores democráticos e os que não acreditam — sejam eles populistas pseudoautoritários, como Donald Trump, Viktor Orbán, Narendra Modi e Recep Tayyip Erdogan; ditadores puros, como Vladimir Putin e Xi Jinping; ou fascistas teocráticos, como os homens que controlam o Irã e o Hamas.

Nessa competição, nós, os liberais, deveríamos estar dando uma surra nesses caras! Mas não estamos. Trump lidera nos Estados indefinidos. Modi parece prestes a se reeleger. Rússia e Irã dão sinais de força.

Ao longo dos últimos dois séculos, o liberalismo evoluiu para um sistema que respeita a dignidade humana e celebra escolhas individuais. O liberalismo democrático afirma que nós não julgamos a maneira que você deseja definir o propósito de sua vida; nós apenas pretendemos construir sistemas justos de cooperação, para que você possa perseguir livremente qualquer objetivo que escolha individualmente. O liberalismo tende a ser agnóstico em relação ao sentido da vida e colocar foco em processos e meios: estado de direito, separação dos poderes, liberdade de expressão, revisão judicial, eleições livres e a ordem internacional com base em regras.

Em seu inspirador e esclarecedor novo livro, Liberalismo como estilo de vida, Alexandre Lefebvre argumenta que o liberalismo não é meramente um conjunto de regras neutras que permite a convivência da diversidade; o liberalismo, escreve ele, também se tornou um ethos moral, uma filosofia de vida orientadora. Conforme outros sistemas morais, como a religião, desapareceram das vidas de muitas pessoas, o próprio liberalismo expandiu-se para ocupar o vazio em suas almas.

Ex-presidente Donald Trump sai de seu avião para cumprimentar apoiadores em um comício de campanha em Freeland, Michigan, no dia 1º de maio. Foto: Doug Mills/The New York Times

Os liberais honram o direito dos indivíduos de respeitar a si mesmos; insultos racistas tornaram-se nossa forma de blasfêmia porque atacam essa noção de respeito a si mesmo. A moralidade liberal tende a ser horizontal — liberais puros não olham para o alto para servir a um Deus vivo, olham para o lado e tentam ser gentis e decentes com todos os seres humanos.

Liberais puros dão muito valor ao consentimento individual; qualquer tipo de relação sexual ou arranjo familiar é OK contanto que todos os envolvidos estejam de acordo. Em um determinado ponto, Lefebvre define um singelo refrão sobre todos os traços que tornam os liberais pessoas agradáveis de conviver. Nós respeitamos a autonomia e o espaço das pessoas, não gostamos de hipocrisia e esnobismo e lutamos para alcançar uma tolerância “viva e deixa viver”.

Mas confesso que terminei o livro não apenas com uma apreciação maior das forças do liberalismo, mas também mais ciente a respeito das razões para pessoas de todo o mundo rejeitarem o liberalismo e por que o autoritarismo está em marcha.

Sociedades liberais podem parecer algo tépidas e maçantes. O liberalismo tende a ser não metafísico; evita grandes questões como: Por que viemos ao mundo? Quem criou o cosmos? Nutre virtudes burguesas gentis, como bondade e decência, mas não, como descreve Lefebvre, certas virtudes elevadas, como bravura, lealdade, piedade e amor autossacrificante.

A sociedade liberal pode produzir alguma solidão. Ao colocar tanta ênfase nas escolhas individuais, o liberalismo puro afrouxa laços sociais. Num ethos puramente liberal, uma dúvida invisível espreita todo tipo de relação: Essa pessoa me faz bem? Todas as conexões sociais tornam-se temporárias e condicionais. Até mesmo sua atitude consigo mesmo pode ser instrumentalizada: Sou um recurso e invisto para obter os resultados que desejo.

Quando se tornam totalmente liberais, as sociedades negligenciam uma verdade crucial: para prosperar, as sociedades liberais precisam se erguer sobre instituições anteriores à escolha individual — famílias, fés, apegos a lugares sagrados. As pessoas não são formadas por instituições às quais se conectam superficialmente. Suas almas e personalidades são formadas dentro de laços antigos com sua família específica, sua cultura étnica específica, com aquele determinado pedaço de terra onde seu povo tem longa história, com aquela obediência específica ao Deus de seus ancestrais.

Essas conexões determinantes na vida não costumam ser escolhidas individualmente. Normalmente são emaranhadas desde o nascimento à existência das pessoas — às suas tradições, culturas e individualidades.

O grande rabino Jonathan Sacks explicou a diferença entre o tipo de contrato que floresce no mundo da escolha individual e os compromissos mais comuns nos campos mais profundos que a utilidade individual: “Um contrato trata de interesses. Um compromisso trata de identidade. É sobre eu e você nos juntarmos e formarmos um coletivo. É por isso que contratos são benéficos, mas compromissos são transformadores”.

A grande força dos líderes autoritários que se opõem aos princípios liberais, de Trump a Xi, ao Hamas, é que eles jogam diretamente com fontes primordiais de significado mais profundas que preferências individuais: fé, família, terra e pátria. Os líderes autoritários dizem às suas audiências que os liberais querem pegar tudo que é sólido — da sua moralidade ao seu gênero — e reduzir à instabilidade de um capricho pessoal. Dizem às suas multidões que os liberais ameaçam suas lealdades vestigiais. E vão além: nós precisamos quebrar as regras para defender esses laços sagrados, precisamos de um homem-forte para nos defender do caos social e moral.

Esses argumentos se provaram poderosos. Uma recente pesquisa Reuters/Ipsos constatou que 52% dos republicanos acreditam que os Estados Unidos precisam de “um presidente forte, que deveria ter permissão para governar sem muita interferência dos tribunais e do Congresso”.

Nós podemos estar vivendo um ano em que líderes autoritários chegam ao poder ou seguem governando em países da Europa e da América Latina, assim como nos EUA, enquanto Putin continua a fazer avanços na Ucrânia e o Hamas sobrevive à guerra em Gaza. Em suma, os líderes autoritários ainda têm ímpeto do seu lado.

Pior, o liberalismo ocasionou uma contrarreação nas nossas sociedades. Muitas pessoas sentem-se espiritualmente inquietas; sentem-se nuas, contrariadas e sós. Então buscam na política uma maneira de suprir esse vazio moral e espiritual. Buscam na política uma sensação de pertencimento, significado moral e propósito existencial que a fé, a família, a terra e a pátria proveram aos seus ancestrais. E ao fazê-lo, transformam a política de maneira prosaica, para negociar diferenças em uma guerra santa na qual o meu lado moral é vingado e o seu lado moral é destruído. A política passa a desempenhar um papel totalizador e brutalizante em suas vidas pessoais e nas nossas vidas nacionais. Estão pedindo à política mais do que a política tem a oferecer.

Se o liberalismo sobreviver a esta disputa, nós teremos de celebrá-lo e ao mesmo tempo reconhecer seus limites. Ajudar pessoas diversas a viver juntas em paz é uma grande maneira de construir uma sociedade justa. Mas o liberalismo não pode ser o propósito definitivo na vida. Nós precisamos ser liberais em público mas aderir em nosso âmago a lealdades transcendentes — ser católicos, judeus, estóicos, ambientalistas, marxistas ou aderir a alguma outra crença sagrada e existencial. As pessoas precisam se sentir conectadas a alguma ordem transcendental; boas regras não satisfazem esse anseio.

Políticos liberais precisam encontrar maneiras de defender instituições liberais e ao mesmo tempo honrar a fé, a família e a pátria das pessoas, assim como outras lealdades que definem o sentido das vidas da maioria das pessoas. Considero que os presidentes americanos, digamos, de Theodore Roosevelt a Ronald Reagan souberam dialogar nesses termos. Nós precisamos de uma versão disso no século 21.

Se os liberais forem meramente gentis e tolerantes e não conseguirem falar sobre os anseios mais profundos do coração e da alma, que parecem tão ameaçados para tantos, a eleição deste ano será péssima./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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Opinião por David Brooks

David Brooks é colunista do Times desde 2003. Ele é autor do recente How to Know a Person: The Art of Seeing Others Deeply and Being Deeply Seen. @nytdavidbrooks.

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