O proeminente escritor chinês Deng Yuwen, que atualmente vive exilado nos subúrbios da Filadélfia, critica regularmente a China e seu líder autoritário, Xi Jinping. A reação mais recente do regime chinês tem sido severa, com ataques online diretos e ameaçadoramente pessoais.
Uma rede secreta de propaganda ligada aos serviços de segurança chineses tem tido como alvo não apenas Deng, mas também sua filha adolescente, publicando posts sexualmente sugestivos e ameaçadores em populares plataformas de redes sociais, de acordo com pesquisadores da Universidade Clemson e da Meta, a empresa proprietária do Facebook e do Instagram.
Os conteúdos, postados por usuários com identidades falsas, apareceram em comentários a posts de Deng na rede social X, assim como em perfis de escolas públicas da comunidade em que eles vivem, nos quais a filha, de 16 anos, foi falsamente retratada como usuária de drogas, incendiária e prostituta.
“Eu tentei deletar esses posts”, afirmou Deng em entrevista a respeito dos ataques online, falando em mandarim, “mas não consegui, porque hoje você tenta deletar e amanhã eles mudam para perfis novos para deixar textos e terminologias nos atacando”.
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Comentários vulgares sobre a jovem também apareceram em páginas de comunidades no Facebook e até em websites como TripAdvisor; Patch, uma plataforma de notícias locais; e Niche, um website que ajuda pais a escolherem escolas, de acordo com os pesquisadores.
O assédio segue um padrão de intimidação online que disparou alertas em Washington, no Canadá e em outros países onde os ataques da China têm sido cada vez mais escancarados. A campanha incluiu milhares de posts que os pesquisadores ligaram a uma rede de perfis em plataformas de redes sociais conhecida como Spamouflage, ou Dragonbridge, um ramo do vasto aparato chinês de propaganda.
A China trabalha há muito tempo para desacreditar críticos chineses, mas mirar uma adolescente que vive nos Estados Unidos significa uma escalada, afirmou Darren Linvill, fundador do Polo de Mídia Fosense, em Clemson, cujos pesquisadores documentaram a campanha contra Deng. A legislação federal dos EUA proíbe assédios severos ou ameaças online, mas isso parece não dissuadir os esforços chineses.
“Não há dúvida de que isso cruza um limite que eles não tinham cruzado anteriormente”, afirmou Linvill. “Isso sugere que os limites estão ficando sem sentido.”
O aparato chinês de propaganda também intensificou seus ataques aos EUA mais amplamente, incluindo em esforços para desacreditar o presidente Joe Biden durante a campanha para a eleição presidencial de novembro.
“Eles estão exportando seus esforços de repressão e abusos de direitos humanos — perseguindo, ameaçando e assediando aqueles que ousam questionar sua legitimidade ou autoridade mesmo fora da China, incluindo aqui nos EUA”, disse o diretor do FBI, Christopher Wray, à American Bar Association, em Washington, em abril.
Wray afirmou que a China estava exercendo “uma pressão intensa, quase em estilo mafioso”, para tentar silenciar dissidentes que vivem hoje legalmente nos EUA, inclusive além do ambiente online, por exemplo espalhando panfletos próximo de suas residências.
O porta-voz da Embaixada Chinesa em Washington, Liu Pengyu, afirmou em um comunicado que não tinha conhecimento a respeito do caso de Deng e que não iria comentar. E acrescentou que o Conselho de Estado do governo chinês emitiu regulações na China no ano passado para proteger a segurança de adolescentes online.
Em um comunicado, a Meta afirmou que derrubou perfis no Facebook que atacaram os Dengs como parte de seu monitoramento das atividades da Spamouflage. O comunicado afirmou que a atividade não ganhou muita tração no Facebook. Os websites Patch e Niche afirmaram que também removeram perfis por violações de seus padrões de uso. O X e o TripAdvisor não responderam pedidos de comentário.
Nem todos os posts contra os Dengs foram removidos, segundo a equipe de Linvill em Clemson. Novos posts também continuam a aparecer, e rastros de posts removidos podem permanecer online por anos. Os ataques da Spamouflage ainda aparecem em buscas por Deng e sua filha no Google, por exemplo.
Os ataques da China têm constituído um desafio para o governo e as autoridades policiais dos EUA. No ano passado, o Departamento de Justiça indiciou 34 policiais que trabalham para o Ministério da Segurança de Estado da China sob acusações de assediar moradores dos EUA, como Deng, mas os indiciados vivem — e presumivelmente continuam a trabalhar — na China, fora do alcance das autoridades policiais americanas.
Alguns pedem uma resposta mais agressiva, incluindo o deputado republicano John Moolenaar, do Michigan, que preside a Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre o Partido Comunista Chinês.
“Nós precisamos educar e dar poder aos policiais e ao povo americano para entender as táticas do PCC”, afirmou ele em um comunicado, referindo-se ao partido, “e proteger as pessoas que buscam abrigo seguro no nosso país”.
A rede Spamouflage foi identificada originalmente em 2019, durante os protestos massivos anti-Pequim em Hong Kong. Ela cria perfis falsos em redes sociais ou plataformas de tecnologia para bombardear usuários reais com conteúdos spam — daí vem o nome que os pesquisadores deram à rede. Mesmo que os conteúdos com frequência não viralizem, a natureza torrencial dos ataques podem virar um transtorno, ou coisa pior, para os alvos.
A rede, que a Meta associou no ano passado a agências policiais chinesas, tinha no passado um foco principalmente doméstico, buscando desacreditar e intimidar críticos do Partido Comunista, como os manifestantes em Hong Kong.
A Spamouflage tem se tornado cada vez mais ativa no exterior, tentando influenciar debates políticos e eleições em Taiwan, no Canadá e, pelo menos desde a eleição de meio de mandato de 2022, nos EUA. Uma skatista da equipe olímpica americana e seu pai, um ex-refugiado político chinês, foram alvo do que o Departamento de Justiça descreveu como uma operação de espionagem ordenada por Pequim. Jornalistas chineses trabalhando no exterior, especialmente mulheres, tiveram suas imagens exibidas em falsos anúncios de prostituição e foram alvo de ameaças de bomba e estupro.
O indiciamento do Departamento de Justiça dos EUA contra os policiais do Ministério da Segurança de Estado da China não os associa diretamente à rede Spamouflage, mas as atividades descritas são proximamente semelhantes, e parece “extremamente provável” tratar-se da mesma operação, de acordo com um relatório recente do Instituto para o Diálogo Estratégico, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos. O instituto também alertou que a rede tem foco cada vez maior na eleição presidencial americana.
No caso de Deng, como em outros, a intenção parece ser silenciar a crítica. Deng, nascido em Xinyu, no sudeste da China, trabalhava como editor-assistente da revista Tempos de Estudo, uma publicação semanal da Escola Central do Partido Comunista que treina autoridades em ascensão.
Seus comentários às vezes testavam os limites das linha do partido. Deng foi demitido em 2013, após escrever um ensaio para o Financial Times — publicado nas edições em chinês e inglês — pedindo que a China abandonasse suas relações estratégicas com o errático líder norte-coreano, Kim Jong-un. Eventualmente, ele deixou o país.
Deng, de 56 anos, vive nos EUA com sua mulher e seus dois filhos desde 2018. E continua publicando ensaios em vários meios de imprensa e livros sobre política chinesa e geopolítica. Sua obra mais recente, O último totalitário, foi publicada em chinês em abril pela editora Bouden House, de Nova York. No livro, ele argumenta que o Partido Comunista perdeu a confiança das pessoas e precisa ser reformado.
Durante a entrevista, Deng afirmou que está acostumado com as críticas da oficialidade chinesa e que os ataques pessoais começaram em fevereiro, depois que ele publicou um artigo no qual comparou as mais altas autoridades de Xi à Camarilha dos Quatro, de Mao Tsé-tung.
O primeiro post que os pesquisadores de Clemson detectaram apareceu naquele mesmo mês no X, onde o perfil de Deng tem mais de 100 mil seguidores. O texto mencionava sua filha e uma escola de ensino médio na cidade onde ele vive com sua família. O assédio se espalhou para outros perfis no X e posteriormente por várias plataformas, incluindo Facebook, Medium, Pinterest, DeviantArt e Pixiv, um site japonês para artistas.
Os posts chamavam Deng de traidor e plagiador, classificando-o como um fantoche dos EUA. Até aqui, mais de 5,7 mil posts mencionaram sua filha somente no X, de acordo com a pesquisa de Clemson.
Os perfis com frequência faziam os falsos usuários parecerem americanos, apesar de terem poucos seguidores, ou nenhum. Muitos posts usavam um inglês pomposo e com erros de gramática, característicos das campanhas da Spamouflage.
Os posts foram ficando cada vez mais ofensivos e ameaçadores. Imagens manipuladas, com o rosto da filha de Deng sobreposto ao de mulheres com pouca roupa apareceram no Facebook, anunciando sexo por U$ 300. Pelo menos um post pedia que ela fosse atacada sexualmente, oferecendo uma recompensa de U$ 8 mil.
A filha de Deng, que fala inglês fluente na gíria adolescente da Geração Z, também ficou furiosa com os ataques no início, afirmou seu pai, mas ele disse que a encorajou a também a tentar deixar de se importar. “Quero dar meu melhor para que minha família não seja envolvida nos meus assuntos”, afirmou ele.
A Meta, o Google e outras grandes plataformas de tecnologia têm ciência há muito tempo das atividades da Spamouflage e buscaram conter seu alcance. No ano passado, a Meta anunciou que removeu mais de 7,7 mil perfis falsos no Facebook ligados à rede em três meses.
Linvill, da Universidade Clemson, afirmou que as táticas da China deverão continuar, porque o país “ainda não enfrentou repercussões significativas além dos perfis serem tirados do ar, e de sua perspectiva esse custo é nulo”./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO