A politização de Elon Musk e do Vale do Silício; leia o artigo de Paul Krugman


As redes sociais, antes louvadas como força a serviço da liberdade, agora são denunciadas como vetores de desinformação

Por Paul Krugman

THE NEW YORK TIMES - Os sultões do Vale do Silício passam por uma irritação política, em que alguns bilionários têm subitamente se voltado contra os democratas. Não apenas Elon Musk. Outros jogadores proeminentes, incluindo Jeff Bezos, atacaram o governo de Joe Biden, e nós sabemos que Larry Ellison, da Oracle, participou de uma chamada com Sean Hannity e Lindsey Graham a respeito de reverter a eleição de 2020.

O momento dessa mudança para a direita linha-dura por parte de alguns aristocratas da tecnologia é marcante em face ao que está ocorrendo na política americana. É difícil, por exemplo, imaginar o tipo de bolha em que Musk vive para ele chegar a apontar o Partido Democrata como “o partido da divisão e do ódio”, num momento em que Tucker Carlson, que não é político, mas mesmo assim é uma das figuras mais influentes no Partido Republicano moderno, dedica programa após programa à “teoria da substituição”, a alegação de que as elites progressistas trazem deliberadamente imigrantes para os EUA para substituir eleitores brancos (pesquisas mostram que aproximadamente metade dos republicanos concordam com essa teoria).

Os plutocratas que ralham contra os democratas também são marcadamente mesquinhos; nada expressa um “titã visionário da indústria” mais do que mandar emojis de cocôs. Mas a mesquinhez pode na realidade ser central para a história política. O que acontece aqui, eu argumentaria, não decorre principalmente de ganância (apesar de também tratar disso). Decorre principalmente de egos frágeis.

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Elon Musk deixa o tribunal federal de Manhattan após uma audiência sobre seu acordo de fraude com a Securities and Exchange Commission (SEC), em 4 de abril de 2019. Foto: Shannon Stapleton/Reuters Foto: Shannon Stapleton/Reuters

É verdade que alguns interesses econômicos reais estão em jogo. Os democratas propuseram novos impostos sobre os ricos, enquanto o presidente Biden nomeou para cargos de autoridade pessoas conhecidas por defender políticas antitruste mais rígidas. Também é verdade que o valor das ações de empresas de tecnologia caiu substancialmente nos últimos meses, reduzindo no papel a riqueza de magnatas como Musk e Bezos.

Mas neste momento essas políticas parecem apartadas. Mesmo se os democratas desafiarem as expectativas e mantiverem o controle do Congresso, em novembro, não há perspectiva realista de uma campanha do tipo New Deal contra a desigualdade extrema. Além disso, qualquer política de redistribuição de renda concebível ainda deixaria os bilionários incrivelmente ricos, capazes de comprar o que bem entendessem (exceto, possivelmente, o Twitter).

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O que o dinheiro nem sempre consegue comprar, porém, é admiração. E esta é uma área em que os titãs da tecnologia sofreram grandes derrotas.

Permita-me dar uma de intelectual por um instante. Pelo menos desde que Max Weber escreveu, um século atrás, os cientistas sociais perceberam que a desigualdade social possui múltiplas dimensões. No mínimo, precisamos distinguir a hierarquia do dinheiro, na qual poucas pessoas detêm uma fatia desproporcional da riqueza da sociedade, da hierarquia do prestígio, na qual poucas pessoas são especialmente respeitadas e admiradas.

Fim do glamour

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Os indivíduos podem ocupar posições muito diferentes nessas hierarquias. Lendas do esporte, estrelas pop, “influenciadores” em redes sociais e, sim, laureados com o Nobel em geral são bem-sucedidos financeiramente, mas sua riqueza certamente é miséria em comparação com as atuais grandes fortunas. Os bilionários, em contraste, impõem deferência, até servilismo, sobre quem depende de sua generosidade, mas poucos deles são figuras amplamente conhecidas do público, muito menos possuem fãs.

A elite da tecnologia, porém, teve tudo. Sheryl Sandberg, do Facebook, foi, por certo período, um ícone do feminismo. Musk tem milhões de seguidores no Twitter, muitos deles seres humanos de verdade, não bots, e esses seguidores com frequência se mostram defensores ardentes da Tesla.

Agora o glamour acabou. As redes sociais, antes louvadas como força a serviço da liberdade, agora são denunciadas como vetores de desinformação. A popularidade da Tesla foi manchada por histórias sobre combustões espontâneas e acidentes com o piloto automático. Magnatas de tecnologia ainda possuem fortunas imensas, mas o público — e o governo — não lhes está retribuindo com o nível de adulação anterior.

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E isso os deixa loucos da vida.

Já vimos este filme antes. Em 2010, grande parte da elite de Wall Street, em vez de se sentir agradecida por ter sido resgatada, foi consumida por um “ódio a Obama”. Os engenhosos executivos das finanças ficaram furiosos por não receber, segundo sua visão, o respeito que mereciam por — uhm… — arruinar a economia mundial.

Infelizmente, mesquinhezes plutocráticas importam. Dinheiro não compra admiração, mas compra poder político; é desalentador o fato de que parte desse poder será acionado em benefício de um Partido Republicano que descamba cada vez mais profundamente para o autoritarismo.

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Guinada à direita

Já mencionei que a mais recente cúpula da direita — a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), que incluiu um discurso por vídeo de Donald Trump — foi realizada na Hungria, sob os auspícios de Viktor Orbán, que de fato assassinou a democracia de seu país?

A guinada à direita de alguns bilionários da tecnologia também é, devo dizer, uma burrice extrema.

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É verdade que oligarcas conseguem enriquecer bastante sob regimes de autocratas como Orbán ou Vladimir Putin, que grande parte da direita americana admirava profundamente antes dele começar a perder sua guerra na Ucrânia.

Mas hoje os oligarcas russos estão, segundo muitos relatos, apavorados. Pois nem suas vastas fortunas são capazes de protegê-los do comportamento errático e vingativo de líderes que não respondem ao estado de direito.

Mas não espero que tipos como Musk ou Ellison aprendam qualquer coisa dessa experiência. Os ricaços são diferentes de mim ou de você: Normalmente ficam cercados de pessoas que lhes dizem apenas o que eles querem escutar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Os sultões do Vale do Silício passam por uma irritação política, em que alguns bilionários têm subitamente se voltado contra os democratas. Não apenas Elon Musk. Outros jogadores proeminentes, incluindo Jeff Bezos, atacaram o governo de Joe Biden, e nós sabemos que Larry Ellison, da Oracle, participou de uma chamada com Sean Hannity e Lindsey Graham a respeito de reverter a eleição de 2020.

O momento dessa mudança para a direita linha-dura por parte de alguns aristocratas da tecnologia é marcante em face ao que está ocorrendo na política americana. É difícil, por exemplo, imaginar o tipo de bolha em que Musk vive para ele chegar a apontar o Partido Democrata como “o partido da divisão e do ódio”, num momento em que Tucker Carlson, que não é político, mas mesmo assim é uma das figuras mais influentes no Partido Republicano moderno, dedica programa após programa à “teoria da substituição”, a alegação de que as elites progressistas trazem deliberadamente imigrantes para os EUA para substituir eleitores brancos (pesquisas mostram que aproximadamente metade dos republicanos concordam com essa teoria).

Os plutocratas que ralham contra os democratas também são marcadamente mesquinhos; nada expressa um “titã visionário da indústria” mais do que mandar emojis de cocôs. Mas a mesquinhez pode na realidade ser central para a história política. O que acontece aqui, eu argumentaria, não decorre principalmente de ganância (apesar de também tratar disso). Decorre principalmente de egos frágeis.

Elon Musk deixa o tribunal federal de Manhattan após uma audiência sobre seu acordo de fraude com a Securities and Exchange Commission (SEC), em 4 de abril de 2019. Foto: Shannon Stapleton/Reuters Foto: Shannon Stapleton/Reuters

É verdade que alguns interesses econômicos reais estão em jogo. Os democratas propuseram novos impostos sobre os ricos, enquanto o presidente Biden nomeou para cargos de autoridade pessoas conhecidas por defender políticas antitruste mais rígidas. Também é verdade que o valor das ações de empresas de tecnologia caiu substancialmente nos últimos meses, reduzindo no papel a riqueza de magnatas como Musk e Bezos.

Mas neste momento essas políticas parecem apartadas. Mesmo se os democratas desafiarem as expectativas e mantiverem o controle do Congresso, em novembro, não há perspectiva realista de uma campanha do tipo New Deal contra a desigualdade extrema. Além disso, qualquer política de redistribuição de renda concebível ainda deixaria os bilionários incrivelmente ricos, capazes de comprar o que bem entendessem (exceto, possivelmente, o Twitter).

O que o dinheiro nem sempre consegue comprar, porém, é admiração. E esta é uma área em que os titãs da tecnologia sofreram grandes derrotas.

Permita-me dar uma de intelectual por um instante. Pelo menos desde que Max Weber escreveu, um século atrás, os cientistas sociais perceberam que a desigualdade social possui múltiplas dimensões. No mínimo, precisamos distinguir a hierarquia do dinheiro, na qual poucas pessoas detêm uma fatia desproporcional da riqueza da sociedade, da hierarquia do prestígio, na qual poucas pessoas são especialmente respeitadas e admiradas.

Fim do glamour

Os indivíduos podem ocupar posições muito diferentes nessas hierarquias. Lendas do esporte, estrelas pop, “influenciadores” em redes sociais e, sim, laureados com o Nobel em geral são bem-sucedidos financeiramente, mas sua riqueza certamente é miséria em comparação com as atuais grandes fortunas. Os bilionários, em contraste, impõem deferência, até servilismo, sobre quem depende de sua generosidade, mas poucos deles são figuras amplamente conhecidas do público, muito menos possuem fãs.

A elite da tecnologia, porém, teve tudo. Sheryl Sandberg, do Facebook, foi, por certo período, um ícone do feminismo. Musk tem milhões de seguidores no Twitter, muitos deles seres humanos de verdade, não bots, e esses seguidores com frequência se mostram defensores ardentes da Tesla.

Agora o glamour acabou. As redes sociais, antes louvadas como força a serviço da liberdade, agora são denunciadas como vetores de desinformação. A popularidade da Tesla foi manchada por histórias sobre combustões espontâneas e acidentes com o piloto automático. Magnatas de tecnologia ainda possuem fortunas imensas, mas o público — e o governo — não lhes está retribuindo com o nível de adulação anterior.

E isso os deixa loucos da vida.

Já vimos este filme antes. Em 2010, grande parte da elite de Wall Street, em vez de se sentir agradecida por ter sido resgatada, foi consumida por um “ódio a Obama”. Os engenhosos executivos das finanças ficaram furiosos por não receber, segundo sua visão, o respeito que mereciam por — uhm… — arruinar a economia mundial.

Infelizmente, mesquinhezes plutocráticas importam. Dinheiro não compra admiração, mas compra poder político; é desalentador o fato de que parte desse poder será acionado em benefício de um Partido Republicano que descamba cada vez mais profundamente para o autoritarismo.

Guinada à direita

Já mencionei que a mais recente cúpula da direita — a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), que incluiu um discurso por vídeo de Donald Trump — foi realizada na Hungria, sob os auspícios de Viktor Orbán, que de fato assassinou a democracia de seu país?

A guinada à direita de alguns bilionários da tecnologia também é, devo dizer, uma burrice extrema.

É verdade que oligarcas conseguem enriquecer bastante sob regimes de autocratas como Orbán ou Vladimir Putin, que grande parte da direita americana admirava profundamente antes dele começar a perder sua guerra na Ucrânia.

Mas hoje os oligarcas russos estão, segundo muitos relatos, apavorados. Pois nem suas vastas fortunas são capazes de protegê-los do comportamento errático e vingativo de líderes que não respondem ao estado de direito.

Mas não espero que tipos como Musk ou Ellison aprendam qualquer coisa dessa experiência. Os ricaços são diferentes de mim ou de você: Normalmente ficam cercados de pessoas que lhes dizem apenas o que eles querem escutar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Os sultões do Vale do Silício passam por uma irritação política, em que alguns bilionários têm subitamente se voltado contra os democratas. Não apenas Elon Musk. Outros jogadores proeminentes, incluindo Jeff Bezos, atacaram o governo de Joe Biden, e nós sabemos que Larry Ellison, da Oracle, participou de uma chamada com Sean Hannity e Lindsey Graham a respeito de reverter a eleição de 2020.

O momento dessa mudança para a direita linha-dura por parte de alguns aristocratas da tecnologia é marcante em face ao que está ocorrendo na política americana. É difícil, por exemplo, imaginar o tipo de bolha em que Musk vive para ele chegar a apontar o Partido Democrata como “o partido da divisão e do ódio”, num momento em que Tucker Carlson, que não é político, mas mesmo assim é uma das figuras mais influentes no Partido Republicano moderno, dedica programa após programa à “teoria da substituição”, a alegação de que as elites progressistas trazem deliberadamente imigrantes para os EUA para substituir eleitores brancos (pesquisas mostram que aproximadamente metade dos republicanos concordam com essa teoria).

Os plutocratas que ralham contra os democratas também são marcadamente mesquinhos; nada expressa um “titã visionário da indústria” mais do que mandar emojis de cocôs. Mas a mesquinhez pode na realidade ser central para a história política. O que acontece aqui, eu argumentaria, não decorre principalmente de ganância (apesar de também tratar disso). Decorre principalmente de egos frágeis.

Elon Musk deixa o tribunal federal de Manhattan após uma audiência sobre seu acordo de fraude com a Securities and Exchange Commission (SEC), em 4 de abril de 2019. Foto: Shannon Stapleton/Reuters Foto: Shannon Stapleton/Reuters

É verdade que alguns interesses econômicos reais estão em jogo. Os democratas propuseram novos impostos sobre os ricos, enquanto o presidente Biden nomeou para cargos de autoridade pessoas conhecidas por defender políticas antitruste mais rígidas. Também é verdade que o valor das ações de empresas de tecnologia caiu substancialmente nos últimos meses, reduzindo no papel a riqueza de magnatas como Musk e Bezos.

Mas neste momento essas políticas parecem apartadas. Mesmo se os democratas desafiarem as expectativas e mantiverem o controle do Congresso, em novembro, não há perspectiva realista de uma campanha do tipo New Deal contra a desigualdade extrema. Além disso, qualquer política de redistribuição de renda concebível ainda deixaria os bilionários incrivelmente ricos, capazes de comprar o que bem entendessem (exceto, possivelmente, o Twitter).

O que o dinheiro nem sempre consegue comprar, porém, é admiração. E esta é uma área em que os titãs da tecnologia sofreram grandes derrotas.

Permita-me dar uma de intelectual por um instante. Pelo menos desde que Max Weber escreveu, um século atrás, os cientistas sociais perceberam que a desigualdade social possui múltiplas dimensões. No mínimo, precisamos distinguir a hierarquia do dinheiro, na qual poucas pessoas detêm uma fatia desproporcional da riqueza da sociedade, da hierarquia do prestígio, na qual poucas pessoas são especialmente respeitadas e admiradas.

Fim do glamour

Os indivíduos podem ocupar posições muito diferentes nessas hierarquias. Lendas do esporte, estrelas pop, “influenciadores” em redes sociais e, sim, laureados com o Nobel em geral são bem-sucedidos financeiramente, mas sua riqueza certamente é miséria em comparação com as atuais grandes fortunas. Os bilionários, em contraste, impõem deferência, até servilismo, sobre quem depende de sua generosidade, mas poucos deles são figuras amplamente conhecidas do público, muito menos possuem fãs.

A elite da tecnologia, porém, teve tudo. Sheryl Sandberg, do Facebook, foi, por certo período, um ícone do feminismo. Musk tem milhões de seguidores no Twitter, muitos deles seres humanos de verdade, não bots, e esses seguidores com frequência se mostram defensores ardentes da Tesla.

Agora o glamour acabou. As redes sociais, antes louvadas como força a serviço da liberdade, agora são denunciadas como vetores de desinformação. A popularidade da Tesla foi manchada por histórias sobre combustões espontâneas e acidentes com o piloto automático. Magnatas de tecnologia ainda possuem fortunas imensas, mas o público — e o governo — não lhes está retribuindo com o nível de adulação anterior.

E isso os deixa loucos da vida.

Já vimos este filme antes. Em 2010, grande parte da elite de Wall Street, em vez de se sentir agradecida por ter sido resgatada, foi consumida por um “ódio a Obama”. Os engenhosos executivos das finanças ficaram furiosos por não receber, segundo sua visão, o respeito que mereciam por — uhm… — arruinar a economia mundial.

Infelizmente, mesquinhezes plutocráticas importam. Dinheiro não compra admiração, mas compra poder político; é desalentador o fato de que parte desse poder será acionado em benefício de um Partido Republicano que descamba cada vez mais profundamente para o autoritarismo.

Guinada à direita

Já mencionei que a mais recente cúpula da direita — a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), que incluiu um discurso por vídeo de Donald Trump — foi realizada na Hungria, sob os auspícios de Viktor Orbán, que de fato assassinou a democracia de seu país?

A guinada à direita de alguns bilionários da tecnologia também é, devo dizer, uma burrice extrema.

É verdade que oligarcas conseguem enriquecer bastante sob regimes de autocratas como Orbán ou Vladimir Putin, que grande parte da direita americana admirava profundamente antes dele começar a perder sua guerra na Ucrânia.

Mas hoje os oligarcas russos estão, segundo muitos relatos, apavorados. Pois nem suas vastas fortunas são capazes de protegê-los do comportamento errático e vingativo de líderes que não respondem ao estado de direito.

Mas não espero que tipos como Musk ou Ellison aprendam qualquer coisa dessa experiência. Os ricaços são diferentes de mim ou de você: Normalmente ficam cercados de pessoas que lhes dizem apenas o que eles querem escutar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

THE NEW YORK TIMES - Os sultões do Vale do Silício passam por uma irritação política, em que alguns bilionários têm subitamente se voltado contra os democratas. Não apenas Elon Musk. Outros jogadores proeminentes, incluindo Jeff Bezos, atacaram o governo de Joe Biden, e nós sabemos que Larry Ellison, da Oracle, participou de uma chamada com Sean Hannity e Lindsey Graham a respeito de reverter a eleição de 2020.

O momento dessa mudança para a direita linha-dura por parte de alguns aristocratas da tecnologia é marcante em face ao que está ocorrendo na política americana. É difícil, por exemplo, imaginar o tipo de bolha em que Musk vive para ele chegar a apontar o Partido Democrata como “o partido da divisão e do ódio”, num momento em que Tucker Carlson, que não é político, mas mesmo assim é uma das figuras mais influentes no Partido Republicano moderno, dedica programa após programa à “teoria da substituição”, a alegação de que as elites progressistas trazem deliberadamente imigrantes para os EUA para substituir eleitores brancos (pesquisas mostram que aproximadamente metade dos republicanos concordam com essa teoria).

Os plutocratas que ralham contra os democratas também são marcadamente mesquinhos; nada expressa um “titã visionário da indústria” mais do que mandar emojis de cocôs. Mas a mesquinhez pode na realidade ser central para a história política. O que acontece aqui, eu argumentaria, não decorre principalmente de ganância (apesar de também tratar disso). Decorre principalmente de egos frágeis.

Elon Musk deixa o tribunal federal de Manhattan após uma audiência sobre seu acordo de fraude com a Securities and Exchange Commission (SEC), em 4 de abril de 2019. Foto: Shannon Stapleton/Reuters Foto: Shannon Stapleton/Reuters

É verdade que alguns interesses econômicos reais estão em jogo. Os democratas propuseram novos impostos sobre os ricos, enquanto o presidente Biden nomeou para cargos de autoridade pessoas conhecidas por defender políticas antitruste mais rígidas. Também é verdade que o valor das ações de empresas de tecnologia caiu substancialmente nos últimos meses, reduzindo no papel a riqueza de magnatas como Musk e Bezos.

Mas neste momento essas políticas parecem apartadas. Mesmo se os democratas desafiarem as expectativas e mantiverem o controle do Congresso, em novembro, não há perspectiva realista de uma campanha do tipo New Deal contra a desigualdade extrema. Além disso, qualquer política de redistribuição de renda concebível ainda deixaria os bilionários incrivelmente ricos, capazes de comprar o que bem entendessem (exceto, possivelmente, o Twitter).

O que o dinheiro nem sempre consegue comprar, porém, é admiração. E esta é uma área em que os titãs da tecnologia sofreram grandes derrotas.

Permita-me dar uma de intelectual por um instante. Pelo menos desde que Max Weber escreveu, um século atrás, os cientistas sociais perceberam que a desigualdade social possui múltiplas dimensões. No mínimo, precisamos distinguir a hierarquia do dinheiro, na qual poucas pessoas detêm uma fatia desproporcional da riqueza da sociedade, da hierarquia do prestígio, na qual poucas pessoas são especialmente respeitadas e admiradas.

Fim do glamour

Os indivíduos podem ocupar posições muito diferentes nessas hierarquias. Lendas do esporte, estrelas pop, “influenciadores” em redes sociais e, sim, laureados com o Nobel em geral são bem-sucedidos financeiramente, mas sua riqueza certamente é miséria em comparação com as atuais grandes fortunas. Os bilionários, em contraste, impõem deferência, até servilismo, sobre quem depende de sua generosidade, mas poucos deles são figuras amplamente conhecidas do público, muito menos possuem fãs.

A elite da tecnologia, porém, teve tudo. Sheryl Sandberg, do Facebook, foi, por certo período, um ícone do feminismo. Musk tem milhões de seguidores no Twitter, muitos deles seres humanos de verdade, não bots, e esses seguidores com frequência se mostram defensores ardentes da Tesla.

Agora o glamour acabou. As redes sociais, antes louvadas como força a serviço da liberdade, agora são denunciadas como vetores de desinformação. A popularidade da Tesla foi manchada por histórias sobre combustões espontâneas e acidentes com o piloto automático. Magnatas de tecnologia ainda possuem fortunas imensas, mas o público — e o governo — não lhes está retribuindo com o nível de adulação anterior.

E isso os deixa loucos da vida.

Já vimos este filme antes. Em 2010, grande parte da elite de Wall Street, em vez de se sentir agradecida por ter sido resgatada, foi consumida por um “ódio a Obama”. Os engenhosos executivos das finanças ficaram furiosos por não receber, segundo sua visão, o respeito que mereciam por — uhm… — arruinar a economia mundial.

Infelizmente, mesquinhezes plutocráticas importam. Dinheiro não compra admiração, mas compra poder político; é desalentador o fato de que parte desse poder será acionado em benefício de um Partido Republicano que descamba cada vez mais profundamente para o autoritarismo.

Guinada à direita

Já mencionei que a mais recente cúpula da direita — a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), que incluiu um discurso por vídeo de Donald Trump — foi realizada na Hungria, sob os auspícios de Viktor Orbán, que de fato assassinou a democracia de seu país?

A guinada à direita de alguns bilionários da tecnologia também é, devo dizer, uma burrice extrema.

É verdade que oligarcas conseguem enriquecer bastante sob regimes de autocratas como Orbán ou Vladimir Putin, que grande parte da direita americana admirava profundamente antes dele começar a perder sua guerra na Ucrânia.

Mas hoje os oligarcas russos estão, segundo muitos relatos, apavorados. Pois nem suas vastas fortunas são capazes de protegê-los do comportamento errático e vingativo de líderes que não respondem ao estado de direito.

Mas não espero que tipos como Musk ou Ellison aprendam qualquer coisa dessa experiência. Os ricaços são diferentes de mim ou de você: Normalmente ficam cercados de pessoas que lhes dizem apenas o que eles querem escutar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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