A questão racial nos EUA após a morte de George Floyd


Há um ano, o assassinato de um negro deu origem a um movimento pelo fim das disparidades raciais no país 

Por The Economist
Atualização:

Quando George Floyd foi assassinado por Derek Chauvin, há um ano, a sensação de injustiça adquiriu o tom do desespero. Por que, muitos americanos perguntaram, isto ainda está acontecendo no país? Por que, muitos estrangeiros perguntaram, a história da raça nos Estados Unidos nunca muda? Mas, desta vez, foi diferente. A morte de Floyd provocou os maiores protestos da história americana. Chauvin foi condenado por assassinato. E as instituições dos EUA e de outros países olharam para si mesmas sob uma luz diferente. Algo precisava mudar. Mas o que exatamente? 

Joe Biden e o Partido Democrata definiram a redução das disparidades raciais como princípio organizador do governo. O que soa como óbvio, mas não é. Apesar das conquistas no campo dos direitos legais e políticos dos negros desde a era dos direitos civis, os padrões de relativa pobreza e de segregação praticamente não mudam há meio século. O combate às persistentes injustiças exige ideias claras a respeito de suas causas. 

A maioria das disparidades raciais ocorre quando se dá a colisão de três fatores: tendências econômicas seculares, os abalos secundários da escravidão e da segregação e o fanatismo e o racismo de hoje. As duas primeiras são as maiores causas dos péssimos resultados para os negros, mas a terceira – o racismo hoje – chama mais a atenção.

continua após a publicidade
Marcha contra a morte de George Floyd em Minneapolis Foto: Kerem Yucel / AFP

É um retrocesso. A covid-19 matou um número muito maior de negros do que brancos ou asiáticos-americanos. As causas são pouco claras, mas é improvável que a culpa recaia sobre médicos, enfermeiros e seguradoras racistas. Ao contrário, por razões que incluem o racismo passado e a pobreza presente, é mais provável que os negros sofram com condições preexistentes e tenham de trabalhar fora da segurança de suas casas, e menos provável que sejam protegidos pelo seguro saúde. 

O racismo continua sendo uma maldição nos EUA, embora esteja menos difundido do que há 30 anos. Mas, como está arraigado em mentes fanáticas, arrancá-lo é algo que está em grande parte além do poder de qualquer governo. A pobreza e o legado estrutural do racismo nas instituições são diferentes. Consideremos o crédito de imposto infantil pelo governo Biden, que reduzirá a pobreza infantil em 40%. Como os negros são desproporcionalmente pobres, esta política neutra em relação à raça deverá reduzir pela metade o número de crianças negras pobres.

continua após a publicidade

Considerando que o problema está nas disparidades raciais, por que não adotar uma ajuda direta aos negros? Uma das razões é prática. As pessoas apoiarão mais medidas das quais elas mesmas devem se beneficiar. O crédito tem amplo apoio. Se beneficiasse um grupo apenas, o apoio despencaria. Todo governo que adotasse medidas de uso exclusivo para os negros, como reparações e uma ação afirmativa, logo perderia o poder.

Por outro lado, medidas que ajudam todos os americanos pobres são populares e eficazes. Desde o Obamacare, de 2010, 39 Estados ampliaram o Medicaid, programa de seguro saúde para americanos de baixa renda. Com isso, a parcela de negros sem este tipo de seguro caiu 40% em dez anos. Um governo que quisesse gastar mais poderia oferecer títulos para os filhos de americanos pobres e vouchers para que saíssem das áreas de pobreza concentrada. Um governo menos disposto a gastar poderia relaxar as normas de zoneamento, tornando mais fácil a construção de moradias perto de boas escolas. Nenhuma destas medidas se baseia na raça, mas todas reduziriam a disparidade.

Estas políticas não são apenas práticas, mas também morais. A injustiça racial é feroz nos EUA em razão dos horrores da escravidão, da violência da Reconstrução e do racismo institucionalizado. Os negros tiveram o direito de voto, de casar com quem quisessem e de viver onde escolhessem há pouco tempo. Mas nem todos os negros precisam de ajuda. Apesar das desvantagens que enfrentam, a grande e florescente classe média negra muitas vezes não é lembrada quando se fala da raça. Além disso, cidadãos que não são negros também enfrentam o preconceito e as desvantagens herdadas. 

continua após a publicidade

O que é verdade a respeito da pobreza é também verdade a respeito da reforma da polícia. Neste campo, houve avanços no ano passado, quando cidades e Estados eliminaram a “imunidade qualificada”, uma defesa disponível aos policiais que matam civis. Os assassinatos de jovens desarmados são frequentemente apresentados como uma questão racial, porque a polícia mata um número desproporcional de negros. Antes do assassinato de Floyd, as mortes de Michael Brown, em Ferguson, de Freddy Gray, em Baltimore, Eric Garner, em Nova York e Breonna Taylor, em Louisville, chamaram a atenção para este fato.

No entanto, a polícia mata americanos de todas as raças mais frequentemente do que deveria. Separar os muitos tiroteios que são justificados dos que nunca deveriam ter acontecido teria de ser prioridade. Isto seria mais fácil se o policiamento fosse entendido como uma questão de direitos civis que afeta todos os americanos.

A abordagem neutra nem sempre funcionará. Na hora de criar organizações mais variadas, as empresas, frequentemente dirigidas por brancos, precisam prestar mais atenção à raça na contratação. A não ser que as universidades de elite tomem medidas positivas, seu corpo discente não será representativo do país. Mas, sempre que for prática, uma abordagem neutra em relação à raça, no que se refere à abertura de oportunidades, ajudará os EUA e seus cidadãos negros.

continua após a publicidade

Um ano após uma terrível injustiça, os EUA estão se confrontando não apenas com o seu passado, mas com o seu futuro. Nos próximos 50 anos, este será o primeiro grande país rico onde nenhum grupo racial, etnia ou religião estará em maioria. Quanto mais os políticos explorarem os temores tribais, mais turbulenta será a transição. O entusiasmo do Partido Republicano com a reforma eleitoral mostra o quanto a democracia pode sofrer. 

No entanto, os EUA também têm a chance de se tornarem um exemplo para outros países. Uma transição tranquila será mais provável se a política não for considerada uma luta por recursos entre grupos raciais. Ao contrário, o país poderá fazer causa comum para reduzir as disparidades ajudando, ao mesmo tempo, todos os americanos a deixar para trás as injustiças. O objetivo deve ser este. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA © 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Quando George Floyd foi assassinado por Derek Chauvin, há um ano, a sensação de injustiça adquiriu o tom do desespero. Por que, muitos americanos perguntaram, isto ainda está acontecendo no país? Por que, muitos estrangeiros perguntaram, a história da raça nos Estados Unidos nunca muda? Mas, desta vez, foi diferente. A morte de Floyd provocou os maiores protestos da história americana. Chauvin foi condenado por assassinato. E as instituições dos EUA e de outros países olharam para si mesmas sob uma luz diferente. Algo precisava mudar. Mas o que exatamente? 

Joe Biden e o Partido Democrata definiram a redução das disparidades raciais como princípio organizador do governo. O que soa como óbvio, mas não é. Apesar das conquistas no campo dos direitos legais e políticos dos negros desde a era dos direitos civis, os padrões de relativa pobreza e de segregação praticamente não mudam há meio século. O combate às persistentes injustiças exige ideias claras a respeito de suas causas. 

A maioria das disparidades raciais ocorre quando se dá a colisão de três fatores: tendências econômicas seculares, os abalos secundários da escravidão e da segregação e o fanatismo e o racismo de hoje. As duas primeiras são as maiores causas dos péssimos resultados para os negros, mas a terceira – o racismo hoje – chama mais a atenção.

Marcha contra a morte de George Floyd em Minneapolis Foto: Kerem Yucel / AFP

É um retrocesso. A covid-19 matou um número muito maior de negros do que brancos ou asiáticos-americanos. As causas são pouco claras, mas é improvável que a culpa recaia sobre médicos, enfermeiros e seguradoras racistas. Ao contrário, por razões que incluem o racismo passado e a pobreza presente, é mais provável que os negros sofram com condições preexistentes e tenham de trabalhar fora da segurança de suas casas, e menos provável que sejam protegidos pelo seguro saúde. 

O racismo continua sendo uma maldição nos EUA, embora esteja menos difundido do que há 30 anos. Mas, como está arraigado em mentes fanáticas, arrancá-lo é algo que está em grande parte além do poder de qualquer governo. A pobreza e o legado estrutural do racismo nas instituições são diferentes. Consideremos o crédito de imposto infantil pelo governo Biden, que reduzirá a pobreza infantil em 40%. Como os negros são desproporcionalmente pobres, esta política neutra em relação à raça deverá reduzir pela metade o número de crianças negras pobres.

Considerando que o problema está nas disparidades raciais, por que não adotar uma ajuda direta aos negros? Uma das razões é prática. As pessoas apoiarão mais medidas das quais elas mesmas devem se beneficiar. O crédito tem amplo apoio. Se beneficiasse um grupo apenas, o apoio despencaria. Todo governo que adotasse medidas de uso exclusivo para os negros, como reparações e uma ação afirmativa, logo perderia o poder.

Por outro lado, medidas que ajudam todos os americanos pobres são populares e eficazes. Desde o Obamacare, de 2010, 39 Estados ampliaram o Medicaid, programa de seguro saúde para americanos de baixa renda. Com isso, a parcela de negros sem este tipo de seguro caiu 40% em dez anos. Um governo que quisesse gastar mais poderia oferecer títulos para os filhos de americanos pobres e vouchers para que saíssem das áreas de pobreza concentrada. Um governo menos disposto a gastar poderia relaxar as normas de zoneamento, tornando mais fácil a construção de moradias perto de boas escolas. Nenhuma destas medidas se baseia na raça, mas todas reduziriam a disparidade.

Estas políticas não são apenas práticas, mas também morais. A injustiça racial é feroz nos EUA em razão dos horrores da escravidão, da violência da Reconstrução e do racismo institucionalizado. Os negros tiveram o direito de voto, de casar com quem quisessem e de viver onde escolhessem há pouco tempo. Mas nem todos os negros precisam de ajuda. Apesar das desvantagens que enfrentam, a grande e florescente classe média negra muitas vezes não é lembrada quando se fala da raça. Além disso, cidadãos que não são negros também enfrentam o preconceito e as desvantagens herdadas. 

O que é verdade a respeito da pobreza é também verdade a respeito da reforma da polícia. Neste campo, houve avanços no ano passado, quando cidades e Estados eliminaram a “imunidade qualificada”, uma defesa disponível aos policiais que matam civis. Os assassinatos de jovens desarmados são frequentemente apresentados como uma questão racial, porque a polícia mata um número desproporcional de negros. Antes do assassinato de Floyd, as mortes de Michael Brown, em Ferguson, de Freddy Gray, em Baltimore, Eric Garner, em Nova York e Breonna Taylor, em Louisville, chamaram a atenção para este fato.

No entanto, a polícia mata americanos de todas as raças mais frequentemente do que deveria. Separar os muitos tiroteios que são justificados dos que nunca deveriam ter acontecido teria de ser prioridade. Isto seria mais fácil se o policiamento fosse entendido como uma questão de direitos civis que afeta todos os americanos.

A abordagem neutra nem sempre funcionará. Na hora de criar organizações mais variadas, as empresas, frequentemente dirigidas por brancos, precisam prestar mais atenção à raça na contratação. A não ser que as universidades de elite tomem medidas positivas, seu corpo discente não será representativo do país. Mas, sempre que for prática, uma abordagem neutra em relação à raça, no que se refere à abertura de oportunidades, ajudará os EUA e seus cidadãos negros.

Um ano após uma terrível injustiça, os EUA estão se confrontando não apenas com o seu passado, mas com o seu futuro. Nos próximos 50 anos, este será o primeiro grande país rico onde nenhum grupo racial, etnia ou religião estará em maioria. Quanto mais os políticos explorarem os temores tribais, mais turbulenta será a transição. O entusiasmo do Partido Republicano com a reforma eleitoral mostra o quanto a democracia pode sofrer. 

No entanto, os EUA também têm a chance de se tornarem um exemplo para outros países. Uma transição tranquila será mais provável se a política não for considerada uma luta por recursos entre grupos raciais. Ao contrário, o país poderá fazer causa comum para reduzir as disparidades ajudando, ao mesmo tempo, todos os americanos a deixar para trás as injustiças. O objetivo deve ser este. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA © 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Quando George Floyd foi assassinado por Derek Chauvin, há um ano, a sensação de injustiça adquiriu o tom do desespero. Por que, muitos americanos perguntaram, isto ainda está acontecendo no país? Por que, muitos estrangeiros perguntaram, a história da raça nos Estados Unidos nunca muda? Mas, desta vez, foi diferente. A morte de Floyd provocou os maiores protestos da história americana. Chauvin foi condenado por assassinato. E as instituições dos EUA e de outros países olharam para si mesmas sob uma luz diferente. Algo precisava mudar. Mas o que exatamente? 

Joe Biden e o Partido Democrata definiram a redução das disparidades raciais como princípio organizador do governo. O que soa como óbvio, mas não é. Apesar das conquistas no campo dos direitos legais e políticos dos negros desde a era dos direitos civis, os padrões de relativa pobreza e de segregação praticamente não mudam há meio século. O combate às persistentes injustiças exige ideias claras a respeito de suas causas. 

A maioria das disparidades raciais ocorre quando se dá a colisão de três fatores: tendências econômicas seculares, os abalos secundários da escravidão e da segregação e o fanatismo e o racismo de hoje. As duas primeiras são as maiores causas dos péssimos resultados para os negros, mas a terceira – o racismo hoje – chama mais a atenção.

Marcha contra a morte de George Floyd em Minneapolis Foto: Kerem Yucel / AFP

É um retrocesso. A covid-19 matou um número muito maior de negros do que brancos ou asiáticos-americanos. As causas são pouco claras, mas é improvável que a culpa recaia sobre médicos, enfermeiros e seguradoras racistas. Ao contrário, por razões que incluem o racismo passado e a pobreza presente, é mais provável que os negros sofram com condições preexistentes e tenham de trabalhar fora da segurança de suas casas, e menos provável que sejam protegidos pelo seguro saúde. 

O racismo continua sendo uma maldição nos EUA, embora esteja menos difundido do que há 30 anos. Mas, como está arraigado em mentes fanáticas, arrancá-lo é algo que está em grande parte além do poder de qualquer governo. A pobreza e o legado estrutural do racismo nas instituições são diferentes. Consideremos o crédito de imposto infantil pelo governo Biden, que reduzirá a pobreza infantil em 40%. Como os negros são desproporcionalmente pobres, esta política neutra em relação à raça deverá reduzir pela metade o número de crianças negras pobres.

Considerando que o problema está nas disparidades raciais, por que não adotar uma ajuda direta aos negros? Uma das razões é prática. As pessoas apoiarão mais medidas das quais elas mesmas devem se beneficiar. O crédito tem amplo apoio. Se beneficiasse um grupo apenas, o apoio despencaria. Todo governo que adotasse medidas de uso exclusivo para os negros, como reparações e uma ação afirmativa, logo perderia o poder.

Por outro lado, medidas que ajudam todos os americanos pobres são populares e eficazes. Desde o Obamacare, de 2010, 39 Estados ampliaram o Medicaid, programa de seguro saúde para americanos de baixa renda. Com isso, a parcela de negros sem este tipo de seguro caiu 40% em dez anos. Um governo que quisesse gastar mais poderia oferecer títulos para os filhos de americanos pobres e vouchers para que saíssem das áreas de pobreza concentrada. Um governo menos disposto a gastar poderia relaxar as normas de zoneamento, tornando mais fácil a construção de moradias perto de boas escolas. Nenhuma destas medidas se baseia na raça, mas todas reduziriam a disparidade.

Estas políticas não são apenas práticas, mas também morais. A injustiça racial é feroz nos EUA em razão dos horrores da escravidão, da violência da Reconstrução e do racismo institucionalizado. Os negros tiveram o direito de voto, de casar com quem quisessem e de viver onde escolhessem há pouco tempo. Mas nem todos os negros precisam de ajuda. Apesar das desvantagens que enfrentam, a grande e florescente classe média negra muitas vezes não é lembrada quando se fala da raça. Além disso, cidadãos que não são negros também enfrentam o preconceito e as desvantagens herdadas. 

O que é verdade a respeito da pobreza é também verdade a respeito da reforma da polícia. Neste campo, houve avanços no ano passado, quando cidades e Estados eliminaram a “imunidade qualificada”, uma defesa disponível aos policiais que matam civis. Os assassinatos de jovens desarmados são frequentemente apresentados como uma questão racial, porque a polícia mata um número desproporcional de negros. Antes do assassinato de Floyd, as mortes de Michael Brown, em Ferguson, de Freddy Gray, em Baltimore, Eric Garner, em Nova York e Breonna Taylor, em Louisville, chamaram a atenção para este fato.

No entanto, a polícia mata americanos de todas as raças mais frequentemente do que deveria. Separar os muitos tiroteios que são justificados dos que nunca deveriam ter acontecido teria de ser prioridade. Isto seria mais fácil se o policiamento fosse entendido como uma questão de direitos civis que afeta todos os americanos.

A abordagem neutra nem sempre funcionará. Na hora de criar organizações mais variadas, as empresas, frequentemente dirigidas por brancos, precisam prestar mais atenção à raça na contratação. A não ser que as universidades de elite tomem medidas positivas, seu corpo discente não será representativo do país. Mas, sempre que for prática, uma abordagem neutra em relação à raça, no que se refere à abertura de oportunidades, ajudará os EUA e seus cidadãos negros.

Um ano após uma terrível injustiça, os EUA estão se confrontando não apenas com o seu passado, mas com o seu futuro. Nos próximos 50 anos, este será o primeiro grande país rico onde nenhum grupo racial, etnia ou religião estará em maioria. Quanto mais os políticos explorarem os temores tribais, mais turbulenta será a transição. O entusiasmo do Partido Republicano com a reforma eleitoral mostra o quanto a democracia pode sofrer. 

No entanto, os EUA também têm a chance de se tornarem um exemplo para outros países. Uma transição tranquila será mais provável se a política não for considerada uma luta por recursos entre grupos raciais. Ao contrário, o país poderá fazer causa comum para reduzir as disparidades ajudando, ao mesmo tempo, todos os americanos a deixar para trás as injustiças. O objetivo deve ser este. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA © 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Quando George Floyd foi assassinado por Derek Chauvin, há um ano, a sensação de injustiça adquiriu o tom do desespero. Por que, muitos americanos perguntaram, isto ainda está acontecendo no país? Por que, muitos estrangeiros perguntaram, a história da raça nos Estados Unidos nunca muda? Mas, desta vez, foi diferente. A morte de Floyd provocou os maiores protestos da história americana. Chauvin foi condenado por assassinato. E as instituições dos EUA e de outros países olharam para si mesmas sob uma luz diferente. Algo precisava mudar. Mas o que exatamente? 

Joe Biden e o Partido Democrata definiram a redução das disparidades raciais como princípio organizador do governo. O que soa como óbvio, mas não é. Apesar das conquistas no campo dos direitos legais e políticos dos negros desde a era dos direitos civis, os padrões de relativa pobreza e de segregação praticamente não mudam há meio século. O combate às persistentes injustiças exige ideias claras a respeito de suas causas. 

A maioria das disparidades raciais ocorre quando se dá a colisão de três fatores: tendências econômicas seculares, os abalos secundários da escravidão e da segregação e o fanatismo e o racismo de hoje. As duas primeiras são as maiores causas dos péssimos resultados para os negros, mas a terceira – o racismo hoje – chama mais a atenção.

Marcha contra a morte de George Floyd em Minneapolis Foto: Kerem Yucel / AFP

É um retrocesso. A covid-19 matou um número muito maior de negros do que brancos ou asiáticos-americanos. As causas são pouco claras, mas é improvável que a culpa recaia sobre médicos, enfermeiros e seguradoras racistas. Ao contrário, por razões que incluem o racismo passado e a pobreza presente, é mais provável que os negros sofram com condições preexistentes e tenham de trabalhar fora da segurança de suas casas, e menos provável que sejam protegidos pelo seguro saúde. 

O racismo continua sendo uma maldição nos EUA, embora esteja menos difundido do que há 30 anos. Mas, como está arraigado em mentes fanáticas, arrancá-lo é algo que está em grande parte além do poder de qualquer governo. A pobreza e o legado estrutural do racismo nas instituições são diferentes. Consideremos o crédito de imposto infantil pelo governo Biden, que reduzirá a pobreza infantil em 40%. Como os negros são desproporcionalmente pobres, esta política neutra em relação à raça deverá reduzir pela metade o número de crianças negras pobres.

Considerando que o problema está nas disparidades raciais, por que não adotar uma ajuda direta aos negros? Uma das razões é prática. As pessoas apoiarão mais medidas das quais elas mesmas devem se beneficiar. O crédito tem amplo apoio. Se beneficiasse um grupo apenas, o apoio despencaria. Todo governo que adotasse medidas de uso exclusivo para os negros, como reparações e uma ação afirmativa, logo perderia o poder.

Por outro lado, medidas que ajudam todos os americanos pobres são populares e eficazes. Desde o Obamacare, de 2010, 39 Estados ampliaram o Medicaid, programa de seguro saúde para americanos de baixa renda. Com isso, a parcela de negros sem este tipo de seguro caiu 40% em dez anos. Um governo que quisesse gastar mais poderia oferecer títulos para os filhos de americanos pobres e vouchers para que saíssem das áreas de pobreza concentrada. Um governo menos disposto a gastar poderia relaxar as normas de zoneamento, tornando mais fácil a construção de moradias perto de boas escolas. Nenhuma destas medidas se baseia na raça, mas todas reduziriam a disparidade.

Estas políticas não são apenas práticas, mas também morais. A injustiça racial é feroz nos EUA em razão dos horrores da escravidão, da violência da Reconstrução e do racismo institucionalizado. Os negros tiveram o direito de voto, de casar com quem quisessem e de viver onde escolhessem há pouco tempo. Mas nem todos os negros precisam de ajuda. Apesar das desvantagens que enfrentam, a grande e florescente classe média negra muitas vezes não é lembrada quando se fala da raça. Além disso, cidadãos que não são negros também enfrentam o preconceito e as desvantagens herdadas. 

O que é verdade a respeito da pobreza é também verdade a respeito da reforma da polícia. Neste campo, houve avanços no ano passado, quando cidades e Estados eliminaram a “imunidade qualificada”, uma defesa disponível aos policiais que matam civis. Os assassinatos de jovens desarmados são frequentemente apresentados como uma questão racial, porque a polícia mata um número desproporcional de negros. Antes do assassinato de Floyd, as mortes de Michael Brown, em Ferguson, de Freddy Gray, em Baltimore, Eric Garner, em Nova York e Breonna Taylor, em Louisville, chamaram a atenção para este fato.

No entanto, a polícia mata americanos de todas as raças mais frequentemente do que deveria. Separar os muitos tiroteios que são justificados dos que nunca deveriam ter acontecido teria de ser prioridade. Isto seria mais fácil se o policiamento fosse entendido como uma questão de direitos civis que afeta todos os americanos.

A abordagem neutra nem sempre funcionará. Na hora de criar organizações mais variadas, as empresas, frequentemente dirigidas por brancos, precisam prestar mais atenção à raça na contratação. A não ser que as universidades de elite tomem medidas positivas, seu corpo discente não será representativo do país. Mas, sempre que for prática, uma abordagem neutra em relação à raça, no que se refere à abertura de oportunidades, ajudará os EUA e seus cidadãos negros.

Um ano após uma terrível injustiça, os EUA estão se confrontando não apenas com o seu passado, mas com o seu futuro. Nos próximos 50 anos, este será o primeiro grande país rico onde nenhum grupo racial, etnia ou religião estará em maioria. Quanto mais os políticos explorarem os temores tribais, mais turbulenta será a transição. O entusiasmo do Partido Republicano com a reforma eleitoral mostra o quanto a democracia pode sofrer. 

No entanto, os EUA também têm a chance de se tornarem um exemplo para outros países. Uma transição tranquila será mais provável se a política não for considerada uma luta por recursos entre grupos raciais. Ao contrário, o país poderá fazer causa comum para reduzir as disparidades ajudando, ao mesmo tempo, todos os americanos a deixar para trás as injustiças. O objetivo deve ser este. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA © 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Quando George Floyd foi assassinado por Derek Chauvin, há um ano, a sensação de injustiça adquiriu o tom do desespero. Por que, muitos americanos perguntaram, isto ainda está acontecendo no país? Por que, muitos estrangeiros perguntaram, a história da raça nos Estados Unidos nunca muda? Mas, desta vez, foi diferente. A morte de Floyd provocou os maiores protestos da história americana. Chauvin foi condenado por assassinato. E as instituições dos EUA e de outros países olharam para si mesmas sob uma luz diferente. Algo precisava mudar. Mas o que exatamente? 

Joe Biden e o Partido Democrata definiram a redução das disparidades raciais como princípio organizador do governo. O que soa como óbvio, mas não é. Apesar das conquistas no campo dos direitos legais e políticos dos negros desde a era dos direitos civis, os padrões de relativa pobreza e de segregação praticamente não mudam há meio século. O combate às persistentes injustiças exige ideias claras a respeito de suas causas. 

A maioria das disparidades raciais ocorre quando se dá a colisão de três fatores: tendências econômicas seculares, os abalos secundários da escravidão e da segregação e o fanatismo e o racismo de hoje. As duas primeiras são as maiores causas dos péssimos resultados para os negros, mas a terceira – o racismo hoje – chama mais a atenção.

Marcha contra a morte de George Floyd em Minneapolis Foto: Kerem Yucel / AFP

É um retrocesso. A covid-19 matou um número muito maior de negros do que brancos ou asiáticos-americanos. As causas são pouco claras, mas é improvável que a culpa recaia sobre médicos, enfermeiros e seguradoras racistas. Ao contrário, por razões que incluem o racismo passado e a pobreza presente, é mais provável que os negros sofram com condições preexistentes e tenham de trabalhar fora da segurança de suas casas, e menos provável que sejam protegidos pelo seguro saúde. 

O racismo continua sendo uma maldição nos EUA, embora esteja menos difundido do que há 30 anos. Mas, como está arraigado em mentes fanáticas, arrancá-lo é algo que está em grande parte além do poder de qualquer governo. A pobreza e o legado estrutural do racismo nas instituições são diferentes. Consideremos o crédito de imposto infantil pelo governo Biden, que reduzirá a pobreza infantil em 40%. Como os negros são desproporcionalmente pobres, esta política neutra em relação à raça deverá reduzir pela metade o número de crianças negras pobres.

Considerando que o problema está nas disparidades raciais, por que não adotar uma ajuda direta aos negros? Uma das razões é prática. As pessoas apoiarão mais medidas das quais elas mesmas devem se beneficiar. O crédito tem amplo apoio. Se beneficiasse um grupo apenas, o apoio despencaria. Todo governo que adotasse medidas de uso exclusivo para os negros, como reparações e uma ação afirmativa, logo perderia o poder.

Por outro lado, medidas que ajudam todos os americanos pobres são populares e eficazes. Desde o Obamacare, de 2010, 39 Estados ampliaram o Medicaid, programa de seguro saúde para americanos de baixa renda. Com isso, a parcela de negros sem este tipo de seguro caiu 40% em dez anos. Um governo que quisesse gastar mais poderia oferecer títulos para os filhos de americanos pobres e vouchers para que saíssem das áreas de pobreza concentrada. Um governo menos disposto a gastar poderia relaxar as normas de zoneamento, tornando mais fácil a construção de moradias perto de boas escolas. Nenhuma destas medidas se baseia na raça, mas todas reduziriam a disparidade.

Estas políticas não são apenas práticas, mas também morais. A injustiça racial é feroz nos EUA em razão dos horrores da escravidão, da violência da Reconstrução e do racismo institucionalizado. Os negros tiveram o direito de voto, de casar com quem quisessem e de viver onde escolhessem há pouco tempo. Mas nem todos os negros precisam de ajuda. Apesar das desvantagens que enfrentam, a grande e florescente classe média negra muitas vezes não é lembrada quando se fala da raça. Além disso, cidadãos que não são negros também enfrentam o preconceito e as desvantagens herdadas. 

O que é verdade a respeito da pobreza é também verdade a respeito da reforma da polícia. Neste campo, houve avanços no ano passado, quando cidades e Estados eliminaram a “imunidade qualificada”, uma defesa disponível aos policiais que matam civis. Os assassinatos de jovens desarmados são frequentemente apresentados como uma questão racial, porque a polícia mata um número desproporcional de negros. Antes do assassinato de Floyd, as mortes de Michael Brown, em Ferguson, de Freddy Gray, em Baltimore, Eric Garner, em Nova York e Breonna Taylor, em Louisville, chamaram a atenção para este fato.

No entanto, a polícia mata americanos de todas as raças mais frequentemente do que deveria. Separar os muitos tiroteios que são justificados dos que nunca deveriam ter acontecido teria de ser prioridade. Isto seria mais fácil se o policiamento fosse entendido como uma questão de direitos civis que afeta todos os americanos.

A abordagem neutra nem sempre funcionará. Na hora de criar organizações mais variadas, as empresas, frequentemente dirigidas por brancos, precisam prestar mais atenção à raça na contratação. A não ser que as universidades de elite tomem medidas positivas, seu corpo discente não será representativo do país. Mas, sempre que for prática, uma abordagem neutra em relação à raça, no que se refere à abertura de oportunidades, ajudará os EUA e seus cidadãos negros.

Um ano após uma terrível injustiça, os EUA estão se confrontando não apenas com o seu passado, mas com o seu futuro. Nos próximos 50 anos, este será o primeiro grande país rico onde nenhum grupo racial, etnia ou religião estará em maioria. Quanto mais os políticos explorarem os temores tribais, mais turbulenta será a transição. O entusiasmo do Partido Republicano com a reforma eleitoral mostra o quanto a democracia pode sofrer. 

No entanto, os EUA também têm a chance de se tornarem um exemplo para outros países. Uma transição tranquila será mais provável se a política não for considerada uma luta por recursos entre grupos raciais. Ao contrário, o país poderá fazer causa comum para reduzir as disparidades ajudando, ao mesmo tempo, todos os americanos a deixar para trás as injustiças. O objetivo deve ser este. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA © 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.