Aqui vai o que eu penso a respeito uma das questões mais intrigantes na política americana atualmente: Como Nikki Haley falaria sobre o país e seus desafios se a Fox News não existisse?
Veja por que: Nós aprendemos muito nos dias recentes tanto sobre a Fox quanto sobre Haley, a ex-governadora da Carolina do Sul que acaba de se lançar na disputa do Partido Republicano para a indicação de sua candidatura à presidência em 2024.
Comecemos pela Fox News. A gente meio que já conhecia a verdade sobre a Fox, mas não pode restar nenhuma dúvida: A Fox News é para o jornalismo o que a máfia é para o capitalismo — a mesma linha geral, mas uma perversão moralmente corrompida da coisa em si.
Antes, durante e após a eleição de 2020, não era loucura assumir que os principais apresentadores de horário nobre na Fox — Sean Hannity, Tucker Carlson e Laura Ingraham — realmente acreditavam em algumas das teorias conspiratórias pró-Trump sobre fraude eleitoral e em alguns dos teoristas que eles colocavam no ar. Mas agora nós soubemos, por meio de uma série de mensagens de texto e e-mails revelados recentemente, que eles não acreditavam em nada disso.
As mensagens internas revelam que os três apresentadores de horário nobre, assim como outros na Fox, tiravam sarro privadamente das alegações de fraude eleitoral de conselheiros de Donald Trump como Sidney Powell e Rudolph Giuliani — e com frequência se impressionavam com as afirmações. Mas eles esconderam seu ceticismo dos espectadores quase absolutamente. Depois de inflamar totalmente seus espectadores com as alegações de fraude eleitoral — e viciá-los nelas —, os líderes da Fox News tiveram medo de parar. Por quê? Eles temeram a possibilidade de perder audiência e lucros com anúncios para canais ainda mais ensandecidos: Newsmax e OAN.
As mensagens de texto, e-mails e testemunhos que expõem tudo isso para o público vêm de depoimentos e constatações contidos em registros jurídicos revelados recentemente em uma corte estadual de Delaware pela Dominion Voting Systems. O material é parte de um processo da empresa contra a Fox News que acusa a emissora de ter afirmado no ar que as máquinas eleitorais produzidas pela Dominion ajudaram a fraudar a eleição de 2020 — mesmo sabendo que a informação era falsa. O cinismo que o material revela é estarrecedor.
A profundidade do episódio é mais bem resumida pelo seguinte relato do Times, publicado na semana passada, sobre comunicações ocorridas em 12 de novembro de 2020: “Em uma troca de mensagens com Ingraham e Hannity, Carlson apontou para um tuíte no qual uma repórter da Fox, Jacqui Heinrich, checava fatos a respeito de um tuíte de Trump que citava transmissões da Fox e afirmava não haver nenhuma evidência de fraude eleitoral praticada pela Dominion. ‘Por favor, demitam essa pessoa’, afirmou Carlson. Ele acrescentou: ‘Isso tem de parar imediatamente, tipo esta noite. Isso prejudica a empresa de maneira mensurável. O preço da ação está em baixa. Não é piada’. Na manhã seguinte, Heinrich havia deletado seu tuíte”.
É isso mesmo, os apresentadores da Fox e a família Murdoch não tiveram problemas em desacreditar o motor central da democracia americana — nossa capacidade de transferir o poder pacificamente e legitimamente — se isso mantivesse sua audiência alta e impulsionasse o preço das ações de sua empresa.
Agora adicione Nikki Haley, que na semana passada anunciou sua pré-candidatura presidencial.
Não conheço Haley pessoalmente, mas de longe me pareceu que ela tem uma história razoavelmente boa para contar: governadora bem-sucedida da Carolina do Sul entre 2011 e 2017, primeira embaixadora de Trump na ONU e filha de imigrantes indianos. Sua mãe, Raj, estudou direito na Universidade de Nova Délhi, e após emigrar para a Carolina do Sul obteve mestrado em educação e se tornou professora de uma escola pública local. Seu pai, Ajit, obteve doutorado da Universidade da Colúmbia Britânica e posteriormente lecionou biologia na Faculdade Voorhees por 29 anos. Paralelamente, o casal até abriu uma butique de roupas.
Sua família é uma publicidade ambulante que anuncia como os EUA se enriqueceram com a imigração.
E enquanto governadora, o ato político mais conhecido — e mais corajoso — de Haley ocorreu após um supremacista branco assassinar nove paroquianos negros durante uma sessão de orações, em junho de 2015, dentro da Igreja Episcopal Metodista Africana Emanuel, em Charleston, Carolina do Sul. Depois de constatado que o atirador havia postado várias fotos com símbolos confederados e estava ligado a um manifesto racista, Haley conclamou uma legislação que ocasionou a remoção da bandeira confederada que tremulou sobre o Capitólio Estadual desde 1962.
“Não permitiremos que esse símbolo continue a nos dividir”, declarou Haley.
Bom para ela. Agora acelere a fita para Haley anunciando sua pré-candidatura à presidência. Imagine todas as maneiras pelas quais ela poderia ter se diferenciado de Trump e Ron DeSantis.
Ela poderia ter dito: “Amigos, nos últimos dois anos, o Congresso aprovou projetos de lei para melhorar nossa infraestrutura e nossa capacidade de fabricar microchips e sistemas de energia limpa avançados. Os dois primeiros foram aprovados por maiorias bipartidárias. Essas legislações constituem uma plataforma de lançamento capaz de possibilitar aos EUA dominar o século 21. E eu sei como obter a maioria dessas plataformas de lançamento.
“Quando fui governadora, Greenville, Carolina do Sul, se tornou um dos polos mais importantes de inovação em energia eólica. Conforme escreveu o Upstate Business Journal, da Carolina do Sul, ‘De acordo com um novo estudo da Brookings Institution, um centro de pesquisa de Washington, DC, os inventores em Greenville foram responsáveis por 172 patentes no setor eólico ao longo dos últimos cinco anos, mais do que qualquer outra região metropolitana no país’. É isso aí! Porque tornamos Greenville lar da equipe de engenharia energética da General Electric Power & Water.”
Haley poderia ter acrescentado, “Eu também tenho bastante conhecimento sobre construção de infraestrutura para fábricas de alta tecnologia, porque quando fui governadora ajudei a tornar a Carolina do Sul um dos polos mais ativos do país em manufatura avançada — de aeronaves avançadas a carros e pneus”.
Haley poderia então explicar que todos esses empresários nos dizem atualmente que, para cumprir seu potencial pleno, eles precisam de trabalhadores letrados em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (stem). Mas não conseguem encontrá-los. De acordo com o Escritório de Estatísticas Laborais, até 2025 os EUA poderiam precisar de um milhão a mais de engenheiros e outros profissionais stem dos que somos capazes de produzir domesticamente segundo a nossa taxa atual. Ela poderia ter dito que a única maneira de suprir esse lapso é dando boas-vindas aos imigrantes mais bem qualificados e energizados do mundo.
Imigrantes legais fazem nossa massa crescer e inventam coisas que melhoram nossa segurança nacional. Enquanto filha de dois desses imigrantes, Haley poderia ter se comprometido em forjar um consenso há muito necessário que impediria verdadeiramente a imigração ilegal ao mesmo tempo que expandiria a imigração legal. Enquanto governadora que ousou derrubar a bandeira confederada, ela poderia se gabar de ter força para unir o país para realizações grandes e difíceis.
Evidentemente, esse tipo de discurso teria desafiado a base republicana, mas aposto que teria energizado muitas outras — particularmente independentes e republicanos moderados em busca de alternativas a Trump.
Mas Haley não disse nada disso.
Veja o que Peggy Noonan, do Wall Street Journal, escreveu sobre o anúncio da pré-candidatura presidencial de Haley: “Encontrei-me pensando não sobre sua pré-candidatura, mas sobre o lançamento em si, horripilantemente aferrado ao passado. Uma canção horrível, estridente, de um filme de Sylvester Stallone a impulsionou ao palanque vestida em seu casaco branco. (…) Um apresentador disse que ela ‘nos conduzirá para o futuro’. Ela acrescentou, ‘Os EUA estão ficando para trás’. Tudo foi tão cansativo, falso e repleto de clichês.”
E veja o que Dan Balz, analista político do Washington Post, escreveu sobre o vídeo de lançamento da pré-campanha de Haley, que exibiu duas vezes o “1619 Project”, da New York Times Magazine — que detalha a persistência do racismo na história americana — para inflamar a galera antilacração: “O vídeo (de Haley) também sublinha o massacre na Igreja Episcopal Metodista Africana Emanuel, em Charleston, em que um homem branco assassinou nove negros durante uma aula de estudos bíblicos. Ele não menciona a ação subsequente de Haley de remover a bandeira confederada da sede do Legislativo Estadual da Carolina do Sul após anos de controvérsia”.
E agora o encerramento perfeito para os eventos de anúncio da pré-candidatura de Haley. Na noite de seu discurso, ela apareceu — veja só — no programa de Hannity na Fox, onde se queixou afirmando que o Partido Republicano precisa de uma mensagem para “trazer para dentro” uma variedade de pessoas e tem de trabalhar melhor sua mensagem — mas não ofereceu nenhuma.
A mulher cujo histórico de imigração de sua família seria tão capaz de se conectar com uma estratégia concreta de renovação americana, a mulher cuja coragem política de derrubar a bandeira confederada poderia ter servido como a mensagem de abertura perfeita para trazer mais minorias para o Partido Republicano escolheu, em vez disso, fazer uma imitação ruim de Ron DeSantis.
Por quê? Porque assim como Hannity, Ingraham, Carlson e os Murdochs, Haley esteve mais interessada em seguir a base da Fox do que em forjá-la, quem dirá levá-la a um lugar melhor.
Conforme afirmei, imagine como Nikki Haley teria soado se a Fox News não existisse./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO