Opinião|A Venezuela está à beira de um retorno histórico à democracia, mas o mundo precisa ajudar


Os governos do presidente Biden e de Lula devem cumprir suas promessas de defender a democracia, garantindo que a vontade do povo venezuelano seja respeitada

Por Roberto Patiño*
Atualização:

A Venezuela pode estar à beira de um retorno histórico à democracia, uma mudança que remodelaria a América Latina e abriria caminho o retorno para casa de milhões de venezuelanos que fugiram da repressão e do colapso econômico.

Mas o país não consegue chegar lá sozinho.

Faltando menos de duas semanas para a eleição nacional de 28 de julho, a oposição fragmentada do país se uniu em torno de um único candidato presidencial, Edmundo González, que lidera as pesquisas por mais de 20 pontos. Abandonando seu boicote de longa data ao voto, a oposição conduziu uma campanha enérgica e organizada que, apesar das crescentes tentativas do governo de incutir medo entre o eleitorado, conseguiu capturar a imaginação dos venezuelanos. Dois terços dos eleitores registrados estão planejando votar neste mês, de acordo com uma pesquisa recente, em comparação com os 46% dos eleitores que compareceram às urnas nas eleições presidenciais mais recentes, em 2018.

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O candidato presidencial Edmundo González participa de um comício ao lado da líder da oposição, Maria Corina Machado, em Caracas, Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/AP

Mas o obstáculo que continua no caminho de uma eleição livre e justa é o mesmo que está lá há uma década: o ditador Nicolás Maduro. A democracia definhou no país sob a supervisão dele, junto com sua economia. Há uma possibilidade muito real de que, se enfrentarem uma derrota eleitoral, ele e seus comparsas manipulem os resultados — não apenas para se agarrar ao poder, mas também para evitar a prisão. O ditador, membros de sua administração e da elite militar e outros aliados enfrentam acusações criminais do Departamento de Justiça dos EUA, recompensas oferecidas pelo Departamento de Estado dos EUA, sanções individuais e uma investigação do Tribunal Penal Internacional envolvendo crimes contra a humanidade supostamente cometidos pelo regime.

Algo pode ser feito. Os Estados Unidos podem apoiar o povo venezuelano em sua luta pela democracia criando uma saída legal para Maduro e seus aliados para que, se o ditador perder, ele concorde em abrir mão do poder. É uma oportunidade que não voltará tão cedo, e a janela para aproveitá-la está se fechando rapidamente. Sem ela, o provável resultado da votação deste mês será mais repressão, mais imigração forçada e mais sofrimento.

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Como seria uma saída negociada para Maduro? Washington poderia fazer uma oferta forte e crível de que não irá processá-lo nem a seu círculo mais próximo se eles reconhecerem uma derrota eleitoral e deixarem o governo. A recente retomada das negociações entre EUA e Venezuela é a oportunidade perfeita para apresentar tal oferta.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de um compromisso eleitoral em Caracas, Venezuela  Foto: Yuri Cortez/AFP

Para torná-la crível, ela também deve ser comunicada diretamente a outros governos latino-americanos e anunciada publicamente. Se Maduro aceitasse a oferta, a transição para a democracia poderia acontecer rapidamente. Se ele a rejeitasse, a oferta ainda poderia exercer pressão significativa sobre ele, pois os membros de sua coalizão poderiam pressioná-lo a aceitá-la, reconhecendo os benefícios que obteriam com os termos propostos.

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Por que Washington deveria considerar tal movimento? Um retorno à democracia na Venezuela seria uma grande vitória da política externa para o governo Biden em um momento em que o presidente americano, em dificuldades, teria muita utilidade para uma vitória. Poderia ajudar a limitar o aumento da imigração na fronteira sul dos EUA — cerca de 40% dos venezuelanos entrevistados disseram que estavam pensando em deixar o país se Maduro permanecesse no poder — e potencialmente reduzir a influência da Rússia e da China em um país que possui as maiores reservas de petróleo do mundo.

Além disso, nada mais funcionou. No ano passado, o governo Biden suspendeu algumas sanções para encorajar Maduro a realizar uma votação livre e justa. Mas, depois que María Corina Machado, a principal candidata da oposição após a realização das primárias, foi impedida de concorrer nas eleições nacionais, os EUA as restabeleceram.

Criar uma rampa de desembarque não busca absolver Maduro ou recompensar seu mau comportamento. A questão é desmantelar um regime destrutivo sem mergulhar o país em mais caos. Lideranças da oposição venezuelana, incluindo González e María Corina, disseram que apoiariam negociações que poderiam incluir garantias de renúncia à retaliação jurídica para todas as partes após a votação — um reconhecimento de que o caminho para a democracia é repleto de complexidade e concessões.

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Para que essa estratégia funcione, outros líderes internacionais devem participar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, com seus laços históricos com o chavismo (Hugo Chávez certa vez o chamou de “irmão mais velho” da esquerda latino-americana), está em uma posição única para mediar esse processo delicado.

Quando ele foi eleito em 2022, os EUA, juntamente com outros países latino-americanos e a Europa, desempenharam um papel fundamental no reconhecimento rápido e decisivo de sua vitória, já que o partido de Jair Bolsonaro questionou a legitimidade do voto. É hora de Lula retribuir. Apoiar essa transição não apenas se alinharia aos seus valores, mas também serviria aos seus próprios interesses na resolução de uma crise que desestabilizou a região por mais de uma década.

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Isso já foi feito antes. Transições políticas negociadas na África do Sul e no Chile, por exemplo, mostram que oferecer uma saída que poupasse líderes entrincheirados da desonra pode facilitar uma mudança pacífica e duradoura. A África do Sul, após o desmantelamento do apartheid e suas primeiras eleições democráticas, criou uma forma de justiça transicional com sua Comissão da Verdade e Reconciliação, que poderia conceder anistia aos perpetradores que admitissem seus crimes.

Um apoiador da oposição aponta para a imagem do candidato Edmundo González na cédula de votação em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

A estrutura permitiu que a responsabilização e a reconciliação coexistissem, e ajudou a África do Sul a cicatrizar suas feridas e seguir em frente. O promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional também poderia considerar suspender a investigação do tribunal como parte de um acordo entre uma oposição bem-sucedida e o governo que está saindo, que criaria um procedimento doméstico — incluindo comissões da verdade, reparações e reformas institucionais — para garantir que a justiça fosse feita dentro de um contexto nacional.

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Não será fácil persuadir os venezuelanos a aceitar uma saída que salvasse a honra de Maduro. Muitos estão marcados pelos abusos de direitos humanos e pela corrupção generalizada que ocorreram durante seu mandato. No meu trabalho de apoio a comunidades que foram brutalizadas pelo aparato de segurança do governo, testemunhei a profunda destruição infligida às vidas das vítimas do regime. Também vi as cicatrizes profundas deixadas em prisioneiros políticos que foram torturados e suas famílias, inclusive o caso de um amigo meu que foi morto sob custódia. Para muitos de nós, a inclinação natural pode ser buscar responsabilização imediata — e até mesmo vingança.

Mas estamos em uma encruzilhada. Concentrar-se nos benefícios imediatos e práticos da saída de Maduro do poder — como a restauração das instituições democráticas e do estado de direito, estabilidade nacional e recuperação econômica — acabaria servindo a todos os venezuelanos. Este é o momento de priorizar o bem maior, para que os interesses do povo tenham precedência sobre as políticas de vingança.

Os venezuelanos estão prontos para se mobilizar por uma mudança pacífica em 28 de julho. Sua coragem merece o apoio inabalável da comunidade internacional. Os governos do presidente Biden e de Lula devem cumprir suas promessas de defender a democracia, garantindo que a vontade do povo venezuelano seja respeitada. Seu sucesso seria uma vitória retumbante em um momento global frágil. O mundo está assistindo atentamente, e a história se lembrará daqueles que apoiaram o povo venezuelano em sua luta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A Venezuela pode estar à beira de um retorno histórico à democracia, uma mudança que remodelaria a América Latina e abriria caminho o retorno para casa de milhões de venezuelanos que fugiram da repressão e do colapso econômico.

Mas o país não consegue chegar lá sozinho.

Faltando menos de duas semanas para a eleição nacional de 28 de julho, a oposição fragmentada do país se uniu em torno de um único candidato presidencial, Edmundo González, que lidera as pesquisas por mais de 20 pontos. Abandonando seu boicote de longa data ao voto, a oposição conduziu uma campanha enérgica e organizada que, apesar das crescentes tentativas do governo de incutir medo entre o eleitorado, conseguiu capturar a imaginação dos venezuelanos. Dois terços dos eleitores registrados estão planejando votar neste mês, de acordo com uma pesquisa recente, em comparação com os 46% dos eleitores que compareceram às urnas nas eleições presidenciais mais recentes, em 2018.

O candidato presidencial Edmundo González participa de um comício ao lado da líder da oposição, Maria Corina Machado, em Caracas, Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/AP

Mas o obstáculo que continua no caminho de uma eleição livre e justa é o mesmo que está lá há uma década: o ditador Nicolás Maduro. A democracia definhou no país sob a supervisão dele, junto com sua economia. Há uma possibilidade muito real de que, se enfrentarem uma derrota eleitoral, ele e seus comparsas manipulem os resultados — não apenas para se agarrar ao poder, mas também para evitar a prisão. O ditador, membros de sua administração e da elite militar e outros aliados enfrentam acusações criminais do Departamento de Justiça dos EUA, recompensas oferecidas pelo Departamento de Estado dos EUA, sanções individuais e uma investigação do Tribunal Penal Internacional envolvendo crimes contra a humanidade supostamente cometidos pelo regime.

Algo pode ser feito. Os Estados Unidos podem apoiar o povo venezuelano em sua luta pela democracia criando uma saída legal para Maduro e seus aliados para que, se o ditador perder, ele concorde em abrir mão do poder. É uma oportunidade que não voltará tão cedo, e a janela para aproveitá-la está se fechando rapidamente. Sem ela, o provável resultado da votação deste mês será mais repressão, mais imigração forçada e mais sofrimento.

Como seria uma saída negociada para Maduro? Washington poderia fazer uma oferta forte e crível de que não irá processá-lo nem a seu círculo mais próximo se eles reconhecerem uma derrota eleitoral e deixarem o governo. A recente retomada das negociações entre EUA e Venezuela é a oportunidade perfeita para apresentar tal oferta.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de um compromisso eleitoral em Caracas, Venezuela  Foto: Yuri Cortez/AFP

Para torná-la crível, ela também deve ser comunicada diretamente a outros governos latino-americanos e anunciada publicamente. Se Maduro aceitasse a oferta, a transição para a democracia poderia acontecer rapidamente. Se ele a rejeitasse, a oferta ainda poderia exercer pressão significativa sobre ele, pois os membros de sua coalizão poderiam pressioná-lo a aceitá-la, reconhecendo os benefícios que obteriam com os termos propostos.

Por que Washington deveria considerar tal movimento? Um retorno à democracia na Venezuela seria uma grande vitória da política externa para o governo Biden em um momento em que o presidente americano, em dificuldades, teria muita utilidade para uma vitória. Poderia ajudar a limitar o aumento da imigração na fronteira sul dos EUA — cerca de 40% dos venezuelanos entrevistados disseram que estavam pensando em deixar o país se Maduro permanecesse no poder — e potencialmente reduzir a influência da Rússia e da China em um país que possui as maiores reservas de petróleo do mundo.

Além disso, nada mais funcionou. No ano passado, o governo Biden suspendeu algumas sanções para encorajar Maduro a realizar uma votação livre e justa. Mas, depois que María Corina Machado, a principal candidata da oposição após a realização das primárias, foi impedida de concorrer nas eleições nacionais, os EUA as restabeleceram.

Criar uma rampa de desembarque não busca absolver Maduro ou recompensar seu mau comportamento. A questão é desmantelar um regime destrutivo sem mergulhar o país em mais caos. Lideranças da oposição venezuelana, incluindo González e María Corina, disseram que apoiariam negociações que poderiam incluir garantias de renúncia à retaliação jurídica para todas as partes após a votação — um reconhecimento de que o caminho para a democracia é repleto de complexidade e concessões.

Para que essa estratégia funcione, outros líderes internacionais devem participar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, com seus laços históricos com o chavismo (Hugo Chávez certa vez o chamou de “irmão mais velho” da esquerda latino-americana), está em uma posição única para mediar esse processo delicado.

Quando ele foi eleito em 2022, os EUA, juntamente com outros países latino-americanos e a Europa, desempenharam um papel fundamental no reconhecimento rápido e decisivo de sua vitória, já que o partido de Jair Bolsonaro questionou a legitimidade do voto. É hora de Lula retribuir. Apoiar essa transição não apenas se alinharia aos seus valores, mas também serviria aos seus próprios interesses na resolução de uma crise que desestabilizou a região por mais de uma década.

Isso já foi feito antes. Transições políticas negociadas na África do Sul e no Chile, por exemplo, mostram que oferecer uma saída que poupasse líderes entrincheirados da desonra pode facilitar uma mudança pacífica e duradoura. A África do Sul, após o desmantelamento do apartheid e suas primeiras eleições democráticas, criou uma forma de justiça transicional com sua Comissão da Verdade e Reconciliação, que poderia conceder anistia aos perpetradores que admitissem seus crimes.

Um apoiador da oposição aponta para a imagem do candidato Edmundo González na cédula de votação em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

A estrutura permitiu que a responsabilização e a reconciliação coexistissem, e ajudou a África do Sul a cicatrizar suas feridas e seguir em frente. O promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional também poderia considerar suspender a investigação do tribunal como parte de um acordo entre uma oposição bem-sucedida e o governo que está saindo, que criaria um procedimento doméstico — incluindo comissões da verdade, reparações e reformas institucionais — para garantir que a justiça fosse feita dentro de um contexto nacional.

Não será fácil persuadir os venezuelanos a aceitar uma saída que salvasse a honra de Maduro. Muitos estão marcados pelos abusos de direitos humanos e pela corrupção generalizada que ocorreram durante seu mandato. No meu trabalho de apoio a comunidades que foram brutalizadas pelo aparato de segurança do governo, testemunhei a profunda destruição infligida às vidas das vítimas do regime. Também vi as cicatrizes profundas deixadas em prisioneiros políticos que foram torturados e suas famílias, inclusive o caso de um amigo meu que foi morto sob custódia. Para muitos de nós, a inclinação natural pode ser buscar responsabilização imediata — e até mesmo vingança.

Mas estamos em uma encruzilhada. Concentrar-se nos benefícios imediatos e práticos da saída de Maduro do poder — como a restauração das instituições democráticas e do estado de direito, estabilidade nacional e recuperação econômica — acabaria servindo a todos os venezuelanos. Este é o momento de priorizar o bem maior, para que os interesses do povo tenham precedência sobre as políticas de vingança.

Os venezuelanos estão prontos para se mobilizar por uma mudança pacífica em 28 de julho. Sua coragem merece o apoio inabalável da comunidade internacional. Os governos do presidente Biden e de Lula devem cumprir suas promessas de defender a democracia, garantindo que a vontade do povo venezuelano seja respeitada. Seu sucesso seria uma vitória retumbante em um momento global frágil. O mundo está assistindo atentamente, e a história se lembrará daqueles que apoiaram o povo venezuelano em sua luta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A Venezuela pode estar à beira de um retorno histórico à democracia, uma mudança que remodelaria a América Latina e abriria caminho o retorno para casa de milhões de venezuelanos que fugiram da repressão e do colapso econômico.

Mas o país não consegue chegar lá sozinho.

Faltando menos de duas semanas para a eleição nacional de 28 de julho, a oposição fragmentada do país se uniu em torno de um único candidato presidencial, Edmundo González, que lidera as pesquisas por mais de 20 pontos. Abandonando seu boicote de longa data ao voto, a oposição conduziu uma campanha enérgica e organizada que, apesar das crescentes tentativas do governo de incutir medo entre o eleitorado, conseguiu capturar a imaginação dos venezuelanos. Dois terços dos eleitores registrados estão planejando votar neste mês, de acordo com uma pesquisa recente, em comparação com os 46% dos eleitores que compareceram às urnas nas eleições presidenciais mais recentes, em 2018.

O candidato presidencial Edmundo González participa de um comício ao lado da líder da oposição, Maria Corina Machado, em Caracas, Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/AP

Mas o obstáculo que continua no caminho de uma eleição livre e justa é o mesmo que está lá há uma década: o ditador Nicolás Maduro. A democracia definhou no país sob a supervisão dele, junto com sua economia. Há uma possibilidade muito real de que, se enfrentarem uma derrota eleitoral, ele e seus comparsas manipulem os resultados — não apenas para se agarrar ao poder, mas também para evitar a prisão. O ditador, membros de sua administração e da elite militar e outros aliados enfrentam acusações criminais do Departamento de Justiça dos EUA, recompensas oferecidas pelo Departamento de Estado dos EUA, sanções individuais e uma investigação do Tribunal Penal Internacional envolvendo crimes contra a humanidade supostamente cometidos pelo regime.

Algo pode ser feito. Os Estados Unidos podem apoiar o povo venezuelano em sua luta pela democracia criando uma saída legal para Maduro e seus aliados para que, se o ditador perder, ele concorde em abrir mão do poder. É uma oportunidade que não voltará tão cedo, e a janela para aproveitá-la está se fechando rapidamente. Sem ela, o provável resultado da votação deste mês será mais repressão, mais imigração forçada e mais sofrimento.

Como seria uma saída negociada para Maduro? Washington poderia fazer uma oferta forte e crível de que não irá processá-lo nem a seu círculo mais próximo se eles reconhecerem uma derrota eleitoral e deixarem o governo. A recente retomada das negociações entre EUA e Venezuela é a oportunidade perfeita para apresentar tal oferta.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de um compromisso eleitoral em Caracas, Venezuela  Foto: Yuri Cortez/AFP

Para torná-la crível, ela também deve ser comunicada diretamente a outros governos latino-americanos e anunciada publicamente. Se Maduro aceitasse a oferta, a transição para a democracia poderia acontecer rapidamente. Se ele a rejeitasse, a oferta ainda poderia exercer pressão significativa sobre ele, pois os membros de sua coalizão poderiam pressioná-lo a aceitá-la, reconhecendo os benefícios que obteriam com os termos propostos.

Por que Washington deveria considerar tal movimento? Um retorno à democracia na Venezuela seria uma grande vitória da política externa para o governo Biden em um momento em que o presidente americano, em dificuldades, teria muita utilidade para uma vitória. Poderia ajudar a limitar o aumento da imigração na fronteira sul dos EUA — cerca de 40% dos venezuelanos entrevistados disseram que estavam pensando em deixar o país se Maduro permanecesse no poder — e potencialmente reduzir a influência da Rússia e da China em um país que possui as maiores reservas de petróleo do mundo.

Além disso, nada mais funcionou. No ano passado, o governo Biden suspendeu algumas sanções para encorajar Maduro a realizar uma votação livre e justa. Mas, depois que María Corina Machado, a principal candidata da oposição após a realização das primárias, foi impedida de concorrer nas eleições nacionais, os EUA as restabeleceram.

Criar uma rampa de desembarque não busca absolver Maduro ou recompensar seu mau comportamento. A questão é desmantelar um regime destrutivo sem mergulhar o país em mais caos. Lideranças da oposição venezuelana, incluindo González e María Corina, disseram que apoiariam negociações que poderiam incluir garantias de renúncia à retaliação jurídica para todas as partes após a votação — um reconhecimento de que o caminho para a democracia é repleto de complexidade e concessões.

Para que essa estratégia funcione, outros líderes internacionais devem participar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, com seus laços históricos com o chavismo (Hugo Chávez certa vez o chamou de “irmão mais velho” da esquerda latino-americana), está em uma posição única para mediar esse processo delicado.

Quando ele foi eleito em 2022, os EUA, juntamente com outros países latino-americanos e a Europa, desempenharam um papel fundamental no reconhecimento rápido e decisivo de sua vitória, já que o partido de Jair Bolsonaro questionou a legitimidade do voto. É hora de Lula retribuir. Apoiar essa transição não apenas se alinharia aos seus valores, mas também serviria aos seus próprios interesses na resolução de uma crise que desestabilizou a região por mais de uma década.

Isso já foi feito antes. Transições políticas negociadas na África do Sul e no Chile, por exemplo, mostram que oferecer uma saída que poupasse líderes entrincheirados da desonra pode facilitar uma mudança pacífica e duradoura. A África do Sul, após o desmantelamento do apartheid e suas primeiras eleições democráticas, criou uma forma de justiça transicional com sua Comissão da Verdade e Reconciliação, que poderia conceder anistia aos perpetradores que admitissem seus crimes.

Um apoiador da oposição aponta para a imagem do candidato Edmundo González na cédula de votação em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

A estrutura permitiu que a responsabilização e a reconciliação coexistissem, e ajudou a África do Sul a cicatrizar suas feridas e seguir em frente. O promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional também poderia considerar suspender a investigação do tribunal como parte de um acordo entre uma oposição bem-sucedida e o governo que está saindo, que criaria um procedimento doméstico — incluindo comissões da verdade, reparações e reformas institucionais — para garantir que a justiça fosse feita dentro de um contexto nacional.

Não será fácil persuadir os venezuelanos a aceitar uma saída que salvasse a honra de Maduro. Muitos estão marcados pelos abusos de direitos humanos e pela corrupção generalizada que ocorreram durante seu mandato. No meu trabalho de apoio a comunidades que foram brutalizadas pelo aparato de segurança do governo, testemunhei a profunda destruição infligida às vidas das vítimas do regime. Também vi as cicatrizes profundas deixadas em prisioneiros políticos que foram torturados e suas famílias, inclusive o caso de um amigo meu que foi morto sob custódia. Para muitos de nós, a inclinação natural pode ser buscar responsabilização imediata — e até mesmo vingança.

Mas estamos em uma encruzilhada. Concentrar-se nos benefícios imediatos e práticos da saída de Maduro do poder — como a restauração das instituições democráticas e do estado de direito, estabilidade nacional e recuperação econômica — acabaria servindo a todos os venezuelanos. Este é o momento de priorizar o bem maior, para que os interesses do povo tenham precedência sobre as políticas de vingança.

Os venezuelanos estão prontos para se mobilizar por uma mudança pacífica em 28 de julho. Sua coragem merece o apoio inabalável da comunidade internacional. Os governos do presidente Biden e de Lula devem cumprir suas promessas de defender a democracia, garantindo que a vontade do povo venezuelano seja respeitada. Seu sucesso seria uma vitória retumbante em um momento global frágil. O mundo está assistindo atentamente, e a história se lembrará daqueles que apoiaram o povo venezuelano em sua luta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A Venezuela pode estar à beira de um retorno histórico à democracia, uma mudança que remodelaria a América Latina e abriria caminho o retorno para casa de milhões de venezuelanos que fugiram da repressão e do colapso econômico.

Mas o país não consegue chegar lá sozinho.

Faltando menos de duas semanas para a eleição nacional de 28 de julho, a oposição fragmentada do país se uniu em torno de um único candidato presidencial, Edmundo González, que lidera as pesquisas por mais de 20 pontos. Abandonando seu boicote de longa data ao voto, a oposição conduziu uma campanha enérgica e organizada que, apesar das crescentes tentativas do governo de incutir medo entre o eleitorado, conseguiu capturar a imaginação dos venezuelanos. Dois terços dos eleitores registrados estão planejando votar neste mês, de acordo com uma pesquisa recente, em comparação com os 46% dos eleitores que compareceram às urnas nas eleições presidenciais mais recentes, em 2018.

O candidato presidencial Edmundo González participa de um comício ao lado da líder da oposição, Maria Corina Machado, em Caracas, Venezuela  Foto: Ariana Cubillos/AP

Mas o obstáculo que continua no caminho de uma eleição livre e justa é o mesmo que está lá há uma década: o ditador Nicolás Maduro. A democracia definhou no país sob a supervisão dele, junto com sua economia. Há uma possibilidade muito real de que, se enfrentarem uma derrota eleitoral, ele e seus comparsas manipulem os resultados — não apenas para se agarrar ao poder, mas também para evitar a prisão. O ditador, membros de sua administração e da elite militar e outros aliados enfrentam acusações criminais do Departamento de Justiça dos EUA, recompensas oferecidas pelo Departamento de Estado dos EUA, sanções individuais e uma investigação do Tribunal Penal Internacional envolvendo crimes contra a humanidade supostamente cometidos pelo regime.

Algo pode ser feito. Os Estados Unidos podem apoiar o povo venezuelano em sua luta pela democracia criando uma saída legal para Maduro e seus aliados para que, se o ditador perder, ele concorde em abrir mão do poder. É uma oportunidade que não voltará tão cedo, e a janela para aproveitá-la está se fechando rapidamente. Sem ela, o provável resultado da votação deste mês será mais repressão, mais imigração forçada e mais sofrimento.

Como seria uma saída negociada para Maduro? Washington poderia fazer uma oferta forte e crível de que não irá processá-lo nem a seu círculo mais próximo se eles reconhecerem uma derrota eleitoral e deixarem o governo. A recente retomada das negociações entre EUA e Venezuela é a oportunidade perfeita para apresentar tal oferta.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de um compromisso eleitoral em Caracas, Venezuela  Foto: Yuri Cortez/AFP

Para torná-la crível, ela também deve ser comunicada diretamente a outros governos latino-americanos e anunciada publicamente. Se Maduro aceitasse a oferta, a transição para a democracia poderia acontecer rapidamente. Se ele a rejeitasse, a oferta ainda poderia exercer pressão significativa sobre ele, pois os membros de sua coalizão poderiam pressioná-lo a aceitá-la, reconhecendo os benefícios que obteriam com os termos propostos.

Por que Washington deveria considerar tal movimento? Um retorno à democracia na Venezuela seria uma grande vitória da política externa para o governo Biden em um momento em que o presidente americano, em dificuldades, teria muita utilidade para uma vitória. Poderia ajudar a limitar o aumento da imigração na fronteira sul dos EUA — cerca de 40% dos venezuelanos entrevistados disseram que estavam pensando em deixar o país se Maduro permanecesse no poder — e potencialmente reduzir a influência da Rússia e da China em um país que possui as maiores reservas de petróleo do mundo.

Além disso, nada mais funcionou. No ano passado, o governo Biden suspendeu algumas sanções para encorajar Maduro a realizar uma votação livre e justa. Mas, depois que María Corina Machado, a principal candidata da oposição após a realização das primárias, foi impedida de concorrer nas eleições nacionais, os EUA as restabeleceram.

Criar uma rampa de desembarque não busca absolver Maduro ou recompensar seu mau comportamento. A questão é desmantelar um regime destrutivo sem mergulhar o país em mais caos. Lideranças da oposição venezuelana, incluindo González e María Corina, disseram que apoiariam negociações que poderiam incluir garantias de renúncia à retaliação jurídica para todas as partes após a votação — um reconhecimento de que o caminho para a democracia é repleto de complexidade e concessões.

Para que essa estratégia funcione, outros líderes internacionais devem participar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, com seus laços históricos com o chavismo (Hugo Chávez certa vez o chamou de “irmão mais velho” da esquerda latino-americana), está em uma posição única para mediar esse processo delicado.

Quando ele foi eleito em 2022, os EUA, juntamente com outros países latino-americanos e a Europa, desempenharam um papel fundamental no reconhecimento rápido e decisivo de sua vitória, já que o partido de Jair Bolsonaro questionou a legitimidade do voto. É hora de Lula retribuir. Apoiar essa transição não apenas se alinharia aos seus valores, mas também serviria aos seus próprios interesses na resolução de uma crise que desestabilizou a região por mais de uma década.

Isso já foi feito antes. Transições políticas negociadas na África do Sul e no Chile, por exemplo, mostram que oferecer uma saída que poupasse líderes entrincheirados da desonra pode facilitar uma mudança pacífica e duradoura. A África do Sul, após o desmantelamento do apartheid e suas primeiras eleições democráticas, criou uma forma de justiça transicional com sua Comissão da Verdade e Reconciliação, que poderia conceder anistia aos perpetradores que admitissem seus crimes.

Um apoiador da oposição aponta para a imagem do candidato Edmundo González na cédula de votação em Caracas, Venezuela  Foto: Cristian Hernandez/AP

A estrutura permitiu que a responsabilização e a reconciliação coexistissem, e ajudou a África do Sul a cicatrizar suas feridas e seguir em frente. O promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional também poderia considerar suspender a investigação do tribunal como parte de um acordo entre uma oposição bem-sucedida e o governo que está saindo, que criaria um procedimento doméstico — incluindo comissões da verdade, reparações e reformas institucionais — para garantir que a justiça fosse feita dentro de um contexto nacional.

Não será fácil persuadir os venezuelanos a aceitar uma saída que salvasse a honra de Maduro. Muitos estão marcados pelos abusos de direitos humanos e pela corrupção generalizada que ocorreram durante seu mandato. No meu trabalho de apoio a comunidades que foram brutalizadas pelo aparato de segurança do governo, testemunhei a profunda destruição infligida às vidas das vítimas do regime. Também vi as cicatrizes profundas deixadas em prisioneiros políticos que foram torturados e suas famílias, inclusive o caso de um amigo meu que foi morto sob custódia. Para muitos de nós, a inclinação natural pode ser buscar responsabilização imediata — e até mesmo vingança.

Mas estamos em uma encruzilhada. Concentrar-se nos benefícios imediatos e práticos da saída de Maduro do poder — como a restauração das instituições democráticas e do estado de direito, estabilidade nacional e recuperação econômica — acabaria servindo a todos os venezuelanos. Este é o momento de priorizar o bem maior, para que os interesses do povo tenham precedência sobre as políticas de vingança.

Os venezuelanos estão prontos para se mobilizar por uma mudança pacífica em 28 de julho. Sua coragem merece o apoio inabalável da comunidade internacional. Os governos do presidente Biden e de Lula devem cumprir suas promessas de defender a democracia, garantindo que a vontade do povo venezuelano seja respeitada. Seu sucesso seria uma vitória retumbante em um momento global frágil. O mundo está assistindo atentamente, e a história se lembrará daqueles que apoiaram o povo venezuelano em sua luta. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Roberto Patiño*

The New York Times-*Roberto Patiño é o fundador da Alimenta la Solidaridad e cofundador da Mi Convive, que trabalha em comunidades vulneráveis na Venezuela, e cofundador do Institute 2100, dedicado a pesquisar padrões de migração e questões geopolíticas.

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