Após um encontro histórico no ano passado em Madrid em que os países que fazem parte da Otan reconheceram a Rússia como “a ameaça mais significativa e direta à segurança dos aliados da organização”, a aliança militar se junta novamente para seu encontro anual com pautas que seguem travadas após a invasão russa na Ucrânia.
Sem um consenso sobre como a entrada da Ucrânia na Otan deve ser feita, os países-membros devem concordar em mais garantias de segurança para Kiev e uma admissão mais rápida após o fim da guerra. Com os tramites travados por Turquia e Hungria, a admissão da Suécia também deve ser pauta do encontro, assim como um novo plano para reforçar a segurança dos países da organização que estão geograficamente mais próximos da Rússia.
O encontro anual de líderes dos países da Otan está marcado para os dias 11 e 12 de junho em Vilna, capital da Lituânia. O país báltico faz fronteira com a Rússia e é um dos principais apoiadores de Kiev, junto com as outras nações bálticas, Estônia e Letônia.
“O objetivo é mostrar que o encontro está acontecendo muito próximo da Ucrânia. E tem o simbolismo de ser na Lituânia, país que já sofreu diversas intimidações da Rússia e busca novas garantias de segurança para se defender da Rússia”, aponta a professora da Universidade de Vilna, na Lituânia, Dovile Jakniunaite.
Apesar do forte apoio militar e financeiro da aliança a Ucrânia, os membros da organização divergem sobre como o país será admitido na Otan. Para membros como a Polônia e os países bálticos, que fazem fronteira com a Rússia, Kiev já se provou no campo de batalha e seu conhecimento militar em decorrência da guerra contra Moscou poderia servir bem a Otan em caso de novos conflitos com a Rússia. Já países como Estados Unidos e Alemanha são mais cautelosos em relação aos planos de entrada da Ucrânia e preferem um processo mais gradual.
“A Ucrânia realmente se provou no campo de batalha e pode contribuir com muito conhecimento militar sobre as operações russas. Seria muito benéfico para a Otan como um todo. Obviamente não é fácil e especialmente não podemos fazer isso enquanto estamos em guerra”, avalia Kotryna Jukneviciute, analista de defesa da Rand Corporation, um centro de pesquisa americano especializado no setor de defesa.
A Otan também gostaria de anunciar antes do encontro a entrada da Suécia na aliança militar. A aprovação de Estocolmo como o 32° integrante da aliança militar precisa ser feita por todos os países que estão na Otan. Contudo, Turquia e Hungria ainda não deram o aval, apesar de negociações feitas ao longo do mês de junho.
Divergências sobre a Ucrânia
Apesar de não existir um consenso, os membros da Otan devem oferecer garantias de segurança para os ucranianos na reunião em Vilna. De acordo com o jornal The New York Times, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, apresentou ao presidente americano, Joe Biden, uma proposta de compromisso da Otan que seria apresentada a Kiev. Segundo a proposta, a Ucrânia não passaria pelo plano de adesão da Otan, que afirma que um país que quer entrar na aliança militar precisa fazer reformas militares e democráticas com a fiscalização da Otan para que a adesão possa ser concretizada.
As relações com Kiev também devem ser elevadas de uma Comissão para um Conselho, nível mais alto de integração. Stoltenberg também afirmou que a aliança militar quer realizar o primeira conferencia do Conselho Otan-Ucrânia em Vilna, com a presença do presidente ucraniano Volodmir Zelenski.
As medidas não devem ser consideradas suficientes para os países bálticos e a Polônia, que querem que Kiev entre na Otan o mais rápido possível. Os bálticos vêm sofrendo com tentativas de sabotagem, espionagem e intimidação por parte dos russos ao longo dos últimos anos e especialistas acreditam que os países poderiam ter sido invadidos pela Rússia caso não tivessem aderido a União Europeia e a Otan em 2004, principalmente pela quantidade significativa de minorias russas nestes países.
Já a Polônia já expressou o desejo de que a aliança militar posicione armas nucleares americanas no território de Varsóvia. A manifestação polonesa ocorre após a instalação de ogivas russas em Belarus, que faz fronteira com a Polônia.
“Muitos ficaram surpresos com a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022. Os que menos se surpreenderam foram os vizinhos mais próximos da Rússia, que talvez entendam a mentalidade estratégica de Moscou melhor do que outros países. Há uma forte crença de que se a Rússia tiver sucesso na Ucrânia, eles serão os próximos”, aponta Robbie Gramer, analista da Foreign Policy.
Estados Unidos
Washington tem uma posição diferente e se mostra contrário a entrada de Kiev na aliança militar durante a guerra.
“Ter um novo membro da Otan resulta em um compromisso de defesa coletiva. Então por mais que exista um lobby forte de Kiev e das nações bálticas, é difícil ter um comprometimento tão forte durante uma guerra. Se a Ucrânia entrar na aliança, isso significa que tropas americanas serão enviadas para lutar e morrer para defender o país e esse é um grande compromisso que os Estados Unidos sinalizaram que não estão preparado neste momento”, avalia Gramer.
De acordo com o artigo 5 da Otan, caso um país-membro da organização seja atacado, todos os membros devem se mobilizar para a defesa do território.
Para Jukneviciute, os Estados Unidos avaliam que uma sinalização favorável a entrada da Otan neste momento poderia levar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, a congelar o momento vigente da guerra na Ucrânia. “Caso a cúpula apresente um cronograma para a entrada de Kiev na aliança militar, Moscou poderia prolongar a guerra para impedir a entrada da Ucrânia”, acrescenta a especialista.
Suécia
Outra questão do encontro é a entrada da Suécia na Otan, que está sendo travada pela Turquia e Hungria. Em Ancara, o clima não é de otimismo com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, sinalizando que a aprovação do país ainda deve demorar. Em Junho, membros da Otan, Suécia e Turquia conversaram para tentar convencer Erdogan a mudar de ideia. A Turquia quer uma postura mais dura em relação a ativistas pró-curdos e membros de um grupo religioso ilegal que a Turquia considera terroristas.
No mês passado, o governo da Suécia autorizou um pedido da Turquia para extraditar um cidadão turco apoiador do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Estocolmo também anunciou a aplicação de leis antiterrorismo mais duras, em uma tentativa de agradar Erdogan.
“Já vimos a Turquia fazer isso no passado. Erdogan gosta de aparecer e no último minuto fazer um grande gesto. Então talvez isso aconteça novamente”, avalia a analista da Rand Corporation.
Estocolmo rompeu a sua tradição de neutralidade junto com a Finlândia ao formalizar o desejo de entrar para a Otan. Helsinque se juntou a aliança em abril, aumentando ainda mais a fronteira da organização militar com a Rússia.
Budapeste apoiou as reivindicações da Turquia para que Estocolmo entrasse na Otan e apesar de ter aberto negociações com a Suécia, ainda não se decidiu sobre a aprovação. O parlamento húngaro já adiou a decisão sobre o tema em diversas oportunidades. O governo do primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, alegou que os políticos suecos contaram “mentiras flagrantes” sobre a condição da democracia húngara.
Washington e outros países europeus tem feito pressão para que a Suécia seja aceita na Otan. O primeiro-ministro do país nórdico, Ulf Kristersson, se reuniu com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na Casa Branca, na semana passada. Conversas entre o secretário-geral da Otan, Jans Stoltenberg, e autoridades de Suécia e Turquia também ocorreram antes da Cúpula anual da Otan.
Segurança
A cúpula da Otan também deve anunciar novas estratégias de defesa para melhorar a segurança dos países-membros, principalmente na fronteira da aliança militar com a Rússia, que passou a ter 1.300 quilômetros após a admissão da Finlândia.
A Otan deve fazer uma reformulação do sistema de planejamento da organização. Em uma coletiva de imprensa, o Presidente do Comitê Militar da Otan, o almirante Rob Bauer afirmou aos repórteres que cerca de 40 mil soldados estão de prontidão no norte da Estônia até a Romênia, no Mar Negro. Cerca de 100 aeronaves voam naquele território todos os dias, e um total de 27 navios de guerra operam nos mares Báltico e Mediterrâneo. Esses números devem aumentar.
Sob seus novos planos, a Otan pretende ter até 300 mil soldados prontos para se deslocar para seu flanco oriental dentro de 30 dias.
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Bauer afirmou que o novo planejamento da Otan é baseado na força do exército russo antes da guerra na Ucrânia. Ele disse que a guerra esgotou o exército da Rússia, mas não sua marinha ou força aérea.
Das forças terrestres da Rússia, cerca de “94% estão agora engajadas na guerra na Ucrânia”, disse Bauer.
A rebelião do Grupo Wagner há duas semanas na Rússia fez com que os países bálticos ligassem o sinal de alerta, principalmente depois que Putin costurou um acordo com o chefe do grupo mercenário, Ievgeni Prigozhin, para que ele se mudasse para Belarus. Vilna, a capital da Lituânia e local da cúpula da Otan fica a cerca de 35 quilômetros da fronteira com Belarus.
“A Lituânia está interessada em melhorar a sua defesa, o país deve expressar as suas preocupações. As autoridades já falaram que querem gastar mais do que os 2% que a Otan exige, mais sinalizações serão buscadas pelos bálticos”, aponta Dovile Jakniunaite, da Universidade de Vilna.
Orçamento
A cúpula também deve se concentrar em uma união maior em relação ao quanto cada país gasta com o setor de defesa. Stoltenberg, que teve seu mandato prorrogado pela Otan como secretário-geral até 2024, deve pedir que todos os membros da aliança militar gastem 2% do PIB com defesa, que é a meta atual. Os países bálticos já afirmaram que querem chegar a 3% e a Polônia apontou que pode chegar a 4%.
Apesar da guerra na Ucrânia ter acelerado o investimento no setor, apenas Estados Unidos, Reino Unido, Polônia, Estônia, Grécia, Letônia e Lituânia chegaram a 2%, segundo dados da Otan.
“Existe um grande esforço dos Estados Unidos e de alguns outros aliados do Leste Europeu para aumentar os gastos com defesa da Otan e isso deve ser um ponto em que Washington vai puxar outros países”, avalia Gramer, da Foreign Policy.