O que deu errado na Venezuela


Como outros tantos casos na África e no Oriente Médio, o país estava fadado à "maldição dos recursos naturais

Por Adriana Carranca

"Ambos os sexos vestem-se elegantemente: os homens preferem ternos escuros de peso médio (as noites podem ser frias em Caracas), o corte inglês com um ligeiro toque latino, e camisas listradas, mas colarinhos brancos e punhos franceses abotoados com ágata e ouro; as mulheres vêm em uma variedade de vestidos e calças com estampas militares, originais Dior e de la Renta trazidos de Paris e Nova York", descreve John Updike sobre os anfitriões de "excelente inglês, adquirido em faculdades em Londres ou 'nos States'". O texto sobre a "florescente metrópole" venezuelana foi publicado na edição de 11 de maio de 1981 na "New Yorker".

A Venezuela chegara até ali como o país mais rico da América Latina, com renda per capita que chegou a ser equivalente à de Noruega e Alemanha Ocidental. Quase 40 anos depois, o ensaio de Updike dá pistas sobre o que pode ter dado tão errado. O escritor americano não descreve apenas o modo de vida da elite urbana, los ricos, mas da outra ponta, los índios, e de uma "insignificante" classe média.

Presidente venezuelano Nicolas Maduro ao lado da chanceler Delcy Rodriguez Foto: Miraflores Palace/Handout/Reuters
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Los indios vivem deprimidos e aterrorizados em shabonos infestados de insetos gigantes; los ricos, em casas grandes e arejadas, ao longo do litoral ensolarado, na metrópole ou nas margens do Lago Maracaíbo, de onde sua riqueza negra é retirada, mas estão também deprimidos, desejando estar em Londres, Paris ou Nova York. Los indios buscam alívio da tensão no uso de ebene, alucinógeno da casca de uma árvore. Los ricos cheiram cocaína, bebem conhaque, vinho branco e scotch.

"A democracia constitucional não está tão segura como pode parecer. Turbulência e tirania são tradicionais", observou Updike. "Los indios e los ricos raramente fazem contato. Quando o fazem, resultam os mestiços e a exploração dos recursos naturais. Nisso reside o futuro da Venezuela."

O petróleo foi descoberto em Maracaíbo em 1922 e entregue a empresas americanas pelo então ditador Juan Vicente Gómez. Com contratos mais favoráveis à Venezuela entre os anos 1950 e o começo de 1980, a economia disparou na mesma medida do preço do petróleo. Mas, como outros tantos casos na África e no Oriente Médio, o país estava fadado à "maldição dos recursos naturais" ou paradoxo da abundância: falta de investimentos em outros setores, concentração de renda e vulnerabilidade às oscilações do mercado, problemas exacerbados pela má gestão e corrupção que vem do fluxo fácil e cavalar de dinheiro canalizado nas mãos de poucos.

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A fórmula fez com que a década de 1980 na Venezuela terminasse, após queda no preço do petróleo, com inflação de 84%. O anúncio de um plano de austeridade fiscal pelo então presidente Carlos Andrés Perez, em 1989, que previa, entre outras medidas, aumento da tarifa do transporte público, levou à eclosão de uma revolta social em Caracas (Caracazo) e se espalhou pelo país.

A Guarda Nacional tomou as ruas e as manifestações terminaram com milhares de mortos. Hugo Chávez era então tenente-coronel do Exército. Três anos depois, ele liderou uma tentativa de golpe militar que o levou à prisão, de onde emergiu a figura do líder de origem camponesa, filho de professores, que ocupou o imaginário popular com a promessa de libertar o povo da velha elite corrupta.

A economia ensaiou uma pequena recuperação, mas a alta dependência do petróleo continuou castigando o país. Em meados da década de 1990, a inflação chegou a três dígitos e condenou 70% da população à pobreza. Chávez foi eleito em 1999 como alternativa ao establishment. Mas acabou surfando na mesma onda negra de seus antecessores. A canalização de parte do dinheiro do petróleo, cujo preço disparou nos anos 2000, em programas de habitação, saúde e renda garantiu sua popularidade entre a parcela da população que se sentia historicamente marginalizada.

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Sem as reformas estruturais necessárias, no entanto, as marolas da crise financeira de 2008 atingiram a Venezuela e a queda subsequente nos preços do petróleo acabou de arrasar o país como em uma tsunami. Para salvar o "chavismo", só o velho autoritarismo, que culminou com o golpe esta semana do Supremo Tribunal contra a Assembleia Nacional, de maioria antichavista desde as eleições em 2015.

 A Assembleia convocou as Forças Armadas, mas os generais não parecem dispostos a abrir mão de privilégios. Os militares controlam o acesso a itens básicos como medicamento, comida e produtos de higiene - e lucram com a escassez, à base de intimidação e extorsão. Só quem tem acesso a dólares, los ricos, ainda vive bem. A classe média migrou para a pobreza ou para além das fronteiras. Los indios seguem deprimidos e aterrorizados.

"Ambos os sexos vestem-se elegantemente: os homens preferem ternos escuros de peso médio (as noites podem ser frias em Caracas), o corte inglês com um ligeiro toque latino, e camisas listradas, mas colarinhos brancos e punhos franceses abotoados com ágata e ouro; as mulheres vêm em uma variedade de vestidos e calças com estampas militares, originais Dior e de la Renta trazidos de Paris e Nova York", descreve John Updike sobre os anfitriões de "excelente inglês, adquirido em faculdades em Londres ou 'nos States'". O texto sobre a "florescente metrópole" venezuelana foi publicado na edição de 11 de maio de 1981 na "New Yorker".

A Venezuela chegara até ali como o país mais rico da América Latina, com renda per capita que chegou a ser equivalente à de Noruega e Alemanha Ocidental. Quase 40 anos depois, o ensaio de Updike dá pistas sobre o que pode ter dado tão errado. O escritor americano não descreve apenas o modo de vida da elite urbana, los ricos, mas da outra ponta, los índios, e de uma "insignificante" classe média.

Presidente venezuelano Nicolas Maduro ao lado da chanceler Delcy Rodriguez Foto: Miraflores Palace/Handout/Reuters

Los indios vivem deprimidos e aterrorizados em shabonos infestados de insetos gigantes; los ricos, em casas grandes e arejadas, ao longo do litoral ensolarado, na metrópole ou nas margens do Lago Maracaíbo, de onde sua riqueza negra é retirada, mas estão também deprimidos, desejando estar em Londres, Paris ou Nova York. Los indios buscam alívio da tensão no uso de ebene, alucinógeno da casca de uma árvore. Los ricos cheiram cocaína, bebem conhaque, vinho branco e scotch.

"A democracia constitucional não está tão segura como pode parecer. Turbulência e tirania são tradicionais", observou Updike. "Los indios e los ricos raramente fazem contato. Quando o fazem, resultam os mestiços e a exploração dos recursos naturais. Nisso reside o futuro da Venezuela."

O petróleo foi descoberto em Maracaíbo em 1922 e entregue a empresas americanas pelo então ditador Juan Vicente Gómez. Com contratos mais favoráveis à Venezuela entre os anos 1950 e o começo de 1980, a economia disparou na mesma medida do preço do petróleo. Mas, como outros tantos casos na África e no Oriente Médio, o país estava fadado à "maldição dos recursos naturais" ou paradoxo da abundância: falta de investimentos em outros setores, concentração de renda e vulnerabilidade às oscilações do mercado, problemas exacerbados pela má gestão e corrupção que vem do fluxo fácil e cavalar de dinheiro canalizado nas mãos de poucos.

A fórmula fez com que a década de 1980 na Venezuela terminasse, após queda no preço do petróleo, com inflação de 84%. O anúncio de um plano de austeridade fiscal pelo então presidente Carlos Andrés Perez, em 1989, que previa, entre outras medidas, aumento da tarifa do transporte público, levou à eclosão de uma revolta social em Caracas (Caracazo) e se espalhou pelo país.

A Guarda Nacional tomou as ruas e as manifestações terminaram com milhares de mortos. Hugo Chávez era então tenente-coronel do Exército. Três anos depois, ele liderou uma tentativa de golpe militar que o levou à prisão, de onde emergiu a figura do líder de origem camponesa, filho de professores, que ocupou o imaginário popular com a promessa de libertar o povo da velha elite corrupta.

A economia ensaiou uma pequena recuperação, mas a alta dependência do petróleo continuou castigando o país. Em meados da década de 1990, a inflação chegou a três dígitos e condenou 70% da população à pobreza. Chávez foi eleito em 1999 como alternativa ao establishment. Mas acabou surfando na mesma onda negra de seus antecessores. A canalização de parte do dinheiro do petróleo, cujo preço disparou nos anos 2000, em programas de habitação, saúde e renda garantiu sua popularidade entre a parcela da população que se sentia historicamente marginalizada.

Sem as reformas estruturais necessárias, no entanto, as marolas da crise financeira de 2008 atingiram a Venezuela e a queda subsequente nos preços do petróleo acabou de arrasar o país como em uma tsunami. Para salvar o "chavismo", só o velho autoritarismo, que culminou com o golpe esta semana do Supremo Tribunal contra a Assembleia Nacional, de maioria antichavista desde as eleições em 2015.

 A Assembleia convocou as Forças Armadas, mas os generais não parecem dispostos a abrir mão de privilégios. Os militares controlam o acesso a itens básicos como medicamento, comida e produtos de higiene - e lucram com a escassez, à base de intimidação e extorsão. Só quem tem acesso a dólares, los ricos, ainda vive bem. A classe média migrou para a pobreza ou para além das fronteiras. Los indios seguem deprimidos e aterrorizados.

"Ambos os sexos vestem-se elegantemente: os homens preferem ternos escuros de peso médio (as noites podem ser frias em Caracas), o corte inglês com um ligeiro toque latino, e camisas listradas, mas colarinhos brancos e punhos franceses abotoados com ágata e ouro; as mulheres vêm em uma variedade de vestidos e calças com estampas militares, originais Dior e de la Renta trazidos de Paris e Nova York", descreve John Updike sobre os anfitriões de "excelente inglês, adquirido em faculdades em Londres ou 'nos States'". O texto sobre a "florescente metrópole" venezuelana foi publicado na edição de 11 de maio de 1981 na "New Yorker".

A Venezuela chegara até ali como o país mais rico da América Latina, com renda per capita que chegou a ser equivalente à de Noruega e Alemanha Ocidental. Quase 40 anos depois, o ensaio de Updike dá pistas sobre o que pode ter dado tão errado. O escritor americano não descreve apenas o modo de vida da elite urbana, los ricos, mas da outra ponta, los índios, e de uma "insignificante" classe média.

Presidente venezuelano Nicolas Maduro ao lado da chanceler Delcy Rodriguez Foto: Miraflores Palace/Handout/Reuters

Los indios vivem deprimidos e aterrorizados em shabonos infestados de insetos gigantes; los ricos, em casas grandes e arejadas, ao longo do litoral ensolarado, na metrópole ou nas margens do Lago Maracaíbo, de onde sua riqueza negra é retirada, mas estão também deprimidos, desejando estar em Londres, Paris ou Nova York. Los indios buscam alívio da tensão no uso de ebene, alucinógeno da casca de uma árvore. Los ricos cheiram cocaína, bebem conhaque, vinho branco e scotch.

"A democracia constitucional não está tão segura como pode parecer. Turbulência e tirania são tradicionais", observou Updike. "Los indios e los ricos raramente fazem contato. Quando o fazem, resultam os mestiços e a exploração dos recursos naturais. Nisso reside o futuro da Venezuela."

O petróleo foi descoberto em Maracaíbo em 1922 e entregue a empresas americanas pelo então ditador Juan Vicente Gómez. Com contratos mais favoráveis à Venezuela entre os anos 1950 e o começo de 1980, a economia disparou na mesma medida do preço do petróleo. Mas, como outros tantos casos na África e no Oriente Médio, o país estava fadado à "maldição dos recursos naturais" ou paradoxo da abundância: falta de investimentos em outros setores, concentração de renda e vulnerabilidade às oscilações do mercado, problemas exacerbados pela má gestão e corrupção que vem do fluxo fácil e cavalar de dinheiro canalizado nas mãos de poucos.

A fórmula fez com que a década de 1980 na Venezuela terminasse, após queda no preço do petróleo, com inflação de 84%. O anúncio de um plano de austeridade fiscal pelo então presidente Carlos Andrés Perez, em 1989, que previa, entre outras medidas, aumento da tarifa do transporte público, levou à eclosão de uma revolta social em Caracas (Caracazo) e se espalhou pelo país.

A Guarda Nacional tomou as ruas e as manifestações terminaram com milhares de mortos. Hugo Chávez era então tenente-coronel do Exército. Três anos depois, ele liderou uma tentativa de golpe militar que o levou à prisão, de onde emergiu a figura do líder de origem camponesa, filho de professores, que ocupou o imaginário popular com a promessa de libertar o povo da velha elite corrupta.

A economia ensaiou uma pequena recuperação, mas a alta dependência do petróleo continuou castigando o país. Em meados da década de 1990, a inflação chegou a três dígitos e condenou 70% da população à pobreza. Chávez foi eleito em 1999 como alternativa ao establishment. Mas acabou surfando na mesma onda negra de seus antecessores. A canalização de parte do dinheiro do petróleo, cujo preço disparou nos anos 2000, em programas de habitação, saúde e renda garantiu sua popularidade entre a parcela da população que se sentia historicamente marginalizada.

Sem as reformas estruturais necessárias, no entanto, as marolas da crise financeira de 2008 atingiram a Venezuela e a queda subsequente nos preços do petróleo acabou de arrasar o país como em uma tsunami. Para salvar o "chavismo", só o velho autoritarismo, que culminou com o golpe esta semana do Supremo Tribunal contra a Assembleia Nacional, de maioria antichavista desde as eleições em 2015.

 A Assembleia convocou as Forças Armadas, mas os generais não parecem dispostos a abrir mão de privilégios. Os militares controlam o acesso a itens básicos como medicamento, comida e produtos de higiene - e lucram com a escassez, à base de intimidação e extorsão. Só quem tem acesso a dólares, los ricos, ainda vive bem. A classe média migrou para a pobreza ou para além das fronteiras. Los indios seguem deprimidos e aterrorizados.

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