‘Ainda há muita incerteza em relação à economia argentina’, diz Giambiagi


Nome ligado a Macri é cotado para Ministério da Economia e não seria favorável à dolarização prometida por Milei

Por Luciana Dyniewicz
Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO
Entrevista comFabio GiambiagiEconomista

Ainda que o futuro presidente da Argentina tenho sido conhecido no domingo, 19, a incerteza em relação ao futuro econômico do país permanece, ao menos enquanto Javier Milei não anunciar o nome de quem comandará o Ministério da Economia. Se Milei indicar alguém que está do seu lado desde o início da campanha, é mais provável que o governo realmente tente uma dolarização. Se o libertário, porém, optar por alguém próximo ao ex-presidente Mauricio Macri (que o apoiou no segundo turno), a adoção da medida fica mais difícil, avalia o economista argentino Fabio Giambiagi. “Mesmo que uma incerteza já tenha sido eliminada com a definição do presidente, ainda tem a incerteza em relação ao futuro ministro da Economia”, diz.

Giambiagi afirma que a inflação será o principal desafio de Milei nos próximos meses. É esperado que ela ganhe força no começo de 2024 conforme o novo governo retire as restrições de acesso ao câmbio e os subsídios a serviços básicos, o que deve, por exemplo, elevar tarifas de água e luz. Segundo o economista, políticas para realmente acabar com a inércia inflacionária deverão ficar para um segundo momento. “Não é possível fazer um choque de preço relativo e de deflação ao mesmo tempo.”

A seguir, trechos da entrevista.

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O que se pode esperar para a economia argentina?

Vai depender das definições, que Milei terá de tomar rapidamente. Durante dois anos de campanha, ele esteve mais próximo de um grupo de pessoas vinculadas às suas ideias, que também defendiam a dolarização. Isso foi até o primeiro turno. Quando ele passa a ser apoiado pelo (ex-presidente Mauricio) Macri, a configuração interna das forças de apoio muda, e a chance de vitória dele, aumenta - como se confirmou ontem. Mas aí entra uma turma que não é a original do Milei. Não há indicação de esse pessoal ser a favor da dolarização. Se ele indicar (o primeiro presidente do Banco Central do governo Macri, Federico) Sturzenegger ao Ministério da Economia, como se tem ventilado, isso significaria no mínimo que a dolarização não é prioridade. Se não for indicado alguém ligado a Macri, aumentam as possibilidades de se tentar uma dolarização, ainda que ninguém saiba como isso aconteceria dada a escassez de dólares no país. Mesmo que uma incerteza já tenha sido eliminada com a definição do novo presidente, ainda tem a incerteza em relação ao futuro ministro da Economia.

As privatizações que ele defendeu devem avançar, ainda que não tenha maioria no Congresso?

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Isso era parte do contrato político com a sociedade. Não estou a par do que precisa de lei ou não para acontecer, mas a cidadania optou por isso. Acho que é razoável que aconteçam.

Giambiagi: "É difícil imaginar um plano que, na saída, não tenha algo parecido com equilíbrio fiscal primário, e um ajuste de 3% do PIB não é trivial" Foto: Fabio Motta/Estadão

A inflação deve continuar no patamar atual?

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Ela vai ser o principal desafio nos próximos meses, considerando que é muito difícil dar um choque imediato. Há muitos preços defasados. Aqui, no Brasil, tivemos um atraso tarifário em 2015 (no preço da energia), e sabemos que, quando corrigimos preços relativos, a inflação aumenta em um primeiro momento. Na Argentina, isso será inevitável. O dólar e as tarifas públicas estão atrasadas. Não há como fazer qualquer plano sem resolver isso antes. É de se pressupor que o governo tenha um lastro inicial de boa vontade, mas isso tende a se esgotar. É preciso muita política para definir o momento ideal da segunda etapa (de controle da inflação). O ex-presidente Carlos Menem assumiu em meados de 1989 e só veio a adotar a convertibilidade em 1991. No meio tempo, houve dois surtos hiperinflacionários, só no fim ele encontrou a trilha da convertibilidade. Mas Menem tinha o apoio do Congresso. Por isso, teve sucesso ao atravessar o período. Milei não dispõe disso.

Como fazer esse controle de inflação?

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Minha impressão é que há uma data-chave na política argentina: outubro de 2025, quando acontecem as eleições (legislativas) de meio de mandato. Para a governabilidade da segunda metade do mandato, é essencial chegar bem a essas eleições. O cronograma que imagino seria adotar medidas fiscais duras no primeiro semestre de 2024 para resolver o problema fiscal. Aí, em algum momento entre meados de 2024 e 2025, ter um componente heterodoxo que signifique destruir a inércia inflacionária. Que contorno terá esse componente? É prematuro saber. Uma dolarização, uma convertibilidade, um regime bimonetário… Mas isso dificilmente acontecerá no começo do governo, porque não é possível fazer um choque de preço relativo e de deflação ao mesmo tempo.

É possível zerar o déficit já em 2024, como Milei prometeu?

Isso tem de começar a ser discutido com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que provavelmente verá o resultado (das eleições) com certo alívio. As relações com (o ministro da economia e candidato derrotado à Presidência, Sergio) Massa estavam desgastadas. Ele havia fechado acordo num dia e feito o contrário no outro. Destruiu a confiança que tinha com o FMI. Acredito que o FMI terá boa vontade inicialmente, mas negociações com o FMI são sempre complicadas, ainda mais na Argentina. A necessidade de ajuste é severa. Ninguém sabe ao certo, mas especula-se que o déficit primário deva ser de 3% do PIB neste ano. É difícil imaginar um plano que, na saída, não tenha algo parecido com equilíbrio fiscal primário, e um ajuste de 3% do PIB não é trivial.

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A economia do país vai, então, encolher em 2024?

Vai ter o elemento contracionista da política fiscal. Se haverá algum elemento positivo decorrente da confiança de agentes econômicos sentirem que o plano vai dar certo, isso é uma incógnita.

Ainda que o futuro presidente da Argentina tenho sido conhecido no domingo, 19, a incerteza em relação ao futuro econômico do país permanece, ao menos enquanto Javier Milei não anunciar o nome de quem comandará o Ministério da Economia. Se Milei indicar alguém que está do seu lado desde o início da campanha, é mais provável que o governo realmente tente uma dolarização. Se o libertário, porém, optar por alguém próximo ao ex-presidente Mauricio Macri (que o apoiou no segundo turno), a adoção da medida fica mais difícil, avalia o economista argentino Fabio Giambiagi. “Mesmo que uma incerteza já tenha sido eliminada com a definição do presidente, ainda tem a incerteza em relação ao futuro ministro da Economia”, diz.

Giambiagi afirma que a inflação será o principal desafio de Milei nos próximos meses. É esperado que ela ganhe força no começo de 2024 conforme o novo governo retire as restrições de acesso ao câmbio e os subsídios a serviços básicos, o que deve, por exemplo, elevar tarifas de água e luz. Segundo o economista, políticas para realmente acabar com a inércia inflacionária deverão ficar para um segundo momento. “Não é possível fazer um choque de preço relativo e de deflação ao mesmo tempo.”

A seguir, trechos da entrevista.

O que se pode esperar para a economia argentina?

Vai depender das definições, que Milei terá de tomar rapidamente. Durante dois anos de campanha, ele esteve mais próximo de um grupo de pessoas vinculadas às suas ideias, que também defendiam a dolarização. Isso foi até o primeiro turno. Quando ele passa a ser apoiado pelo (ex-presidente Mauricio) Macri, a configuração interna das forças de apoio muda, e a chance de vitória dele, aumenta - como se confirmou ontem. Mas aí entra uma turma que não é a original do Milei. Não há indicação de esse pessoal ser a favor da dolarização. Se ele indicar (o primeiro presidente do Banco Central do governo Macri, Federico) Sturzenegger ao Ministério da Economia, como se tem ventilado, isso significaria no mínimo que a dolarização não é prioridade. Se não for indicado alguém ligado a Macri, aumentam as possibilidades de se tentar uma dolarização, ainda que ninguém saiba como isso aconteceria dada a escassez de dólares no país. Mesmo que uma incerteza já tenha sido eliminada com a definição do novo presidente, ainda tem a incerteza em relação ao futuro ministro da Economia.

As privatizações que ele defendeu devem avançar, ainda que não tenha maioria no Congresso?

Isso era parte do contrato político com a sociedade. Não estou a par do que precisa de lei ou não para acontecer, mas a cidadania optou por isso. Acho que é razoável que aconteçam.

Giambiagi: "É difícil imaginar um plano que, na saída, não tenha algo parecido com equilíbrio fiscal primário, e um ajuste de 3% do PIB não é trivial" Foto: Fabio Motta/Estadão

A inflação deve continuar no patamar atual?

Ela vai ser o principal desafio nos próximos meses, considerando que é muito difícil dar um choque imediato. Há muitos preços defasados. Aqui, no Brasil, tivemos um atraso tarifário em 2015 (no preço da energia), e sabemos que, quando corrigimos preços relativos, a inflação aumenta em um primeiro momento. Na Argentina, isso será inevitável. O dólar e as tarifas públicas estão atrasadas. Não há como fazer qualquer plano sem resolver isso antes. É de se pressupor que o governo tenha um lastro inicial de boa vontade, mas isso tende a se esgotar. É preciso muita política para definir o momento ideal da segunda etapa (de controle da inflação). O ex-presidente Carlos Menem assumiu em meados de 1989 e só veio a adotar a convertibilidade em 1991. No meio tempo, houve dois surtos hiperinflacionários, só no fim ele encontrou a trilha da convertibilidade. Mas Menem tinha o apoio do Congresso. Por isso, teve sucesso ao atravessar o período. Milei não dispõe disso.

Como fazer esse controle de inflação?

Minha impressão é que há uma data-chave na política argentina: outubro de 2025, quando acontecem as eleições (legislativas) de meio de mandato. Para a governabilidade da segunda metade do mandato, é essencial chegar bem a essas eleições. O cronograma que imagino seria adotar medidas fiscais duras no primeiro semestre de 2024 para resolver o problema fiscal. Aí, em algum momento entre meados de 2024 e 2025, ter um componente heterodoxo que signifique destruir a inércia inflacionária. Que contorno terá esse componente? É prematuro saber. Uma dolarização, uma convertibilidade, um regime bimonetário… Mas isso dificilmente acontecerá no começo do governo, porque não é possível fazer um choque de preço relativo e de deflação ao mesmo tempo.

É possível zerar o déficit já em 2024, como Milei prometeu?

Isso tem de começar a ser discutido com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que provavelmente verá o resultado (das eleições) com certo alívio. As relações com (o ministro da economia e candidato derrotado à Presidência, Sergio) Massa estavam desgastadas. Ele havia fechado acordo num dia e feito o contrário no outro. Destruiu a confiança que tinha com o FMI. Acredito que o FMI terá boa vontade inicialmente, mas negociações com o FMI são sempre complicadas, ainda mais na Argentina. A necessidade de ajuste é severa. Ninguém sabe ao certo, mas especula-se que o déficit primário deva ser de 3% do PIB neste ano. É difícil imaginar um plano que, na saída, não tenha algo parecido com equilíbrio fiscal primário, e um ajuste de 3% do PIB não é trivial.

A economia do país vai, então, encolher em 2024?

Vai ter o elemento contracionista da política fiscal. Se haverá algum elemento positivo decorrente da confiança de agentes econômicos sentirem que o plano vai dar certo, isso é uma incógnita.

Ainda que o futuro presidente da Argentina tenho sido conhecido no domingo, 19, a incerteza em relação ao futuro econômico do país permanece, ao menos enquanto Javier Milei não anunciar o nome de quem comandará o Ministério da Economia. Se Milei indicar alguém que está do seu lado desde o início da campanha, é mais provável que o governo realmente tente uma dolarização. Se o libertário, porém, optar por alguém próximo ao ex-presidente Mauricio Macri (que o apoiou no segundo turno), a adoção da medida fica mais difícil, avalia o economista argentino Fabio Giambiagi. “Mesmo que uma incerteza já tenha sido eliminada com a definição do presidente, ainda tem a incerteza em relação ao futuro ministro da Economia”, diz.

Giambiagi afirma que a inflação será o principal desafio de Milei nos próximos meses. É esperado que ela ganhe força no começo de 2024 conforme o novo governo retire as restrições de acesso ao câmbio e os subsídios a serviços básicos, o que deve, por exemplo, elevar tarifas de água e luz. Segundo o economista, políticas para realmente acabar com a inércia inflacionária deverão ficar para um segundo momento. “Não é possível fazer um choque de preço relativo e de deflação ao mesmo tempo.”

A seguir, trechos da entrevista.

O que se pode esperar para a economia argentina?

Vai depender das definições, que Milei terá de tomar rapidamente. Durante dois anos de campanha, ele esteve mais próximo de um grupo de pessoas vinculadas às suas ideias, que também defendiam a dolarização. Isso foi até o primeiro turno. Quando ele passa a ser apoiado pelo (ex-presidente Mauricio) Macri, a configuração interna das forças de apoio muda, e a chance de vitória dele, aumenta - como se confirmou ontem. Mas aí entra uma turma que não é a original do Milei. Não há indicação de esse pessoal ser a favor da dolarização. Se ele indicar (o primeiro presidente do Banco Central do governo Macri, Federico) Sturzenegger ao Ministério da Economia, como se tem ventilado, isso significaria no mínimo que a dolarização não é prioridade. Se não for indicado alguém ligado a Macri, aumentam as possibilidades de se tentar uma dolarização, ainda que ninguém saiba como isso aconteceria dada a escassez de dólares no país. Mesmo que uma incerteza já tenha sido eliminada com a definição do novo presidente, ainda tem a incerteza em relação ao futuro ministro da Economia.

As privatizações que ele defendeu devem avançar, ainda que não tenha maioria no Congresso?

Isso era parte do contrato político com a sociedade. Não estou a par do que precisa de lei ou não para acontecer, mas a cidadania optou por isso. Acho que é razoável que aconteçam.

Giambiagi: "É difícil imaginar um plano que, na saída, não tenha algo parecido com equilíbrio fiscal primário, e um ajuste de 3% do PIB não é trivial" Foto: Fabio Motta/Estadão

A inflação deve continuar no patamar atual?

Ela vai ser o principal desafio nos próximos meses, considerando que é muito difícil dar um choque imediato. Há muitos preços defasados. Aqui, no Brasil, tivemos um atraso tarifário em 2015 (no preço da energia), e sabemos que, quando corrigimos preços relativos, a inflação aumenta em um primeiro momento. Na Argentina, isso será inevitável. O dólar e as tarifas públicas estão atrasadas. Não há como fazer qualquer plano sem resolver isso antes. É de se pressupor que o governo tenha um lastro inicial de boa vontade, mas isso tende a se esgotar. É preciso muita política para definir o momento ideal da segunda etapa (de controle da inflação). O ex-presidente Carlos Menem assumiu em meados de 1989 e só veio a adotar a convertibilidade em 1991. No meio tempo, houve dois surtos hiperinflacionários, só no fim ele encontrou a trilha da convertibilidade. Mas Menem tinha o apoio do Congresso. Por isso, teve sucesso ao atravessar o período. Milei não dispõe disso.

Como fazer esse controle de inflação?

Minha impressão é que há uma data-chave na política argentina: outubro de 2025, quando acontecem as eleições (legislativas) de meio de mandato. Para a governabilidade da segunda metade do mandato, é essencial chegar bem a essas eleições. O cronograma que imagino seria adotar medidas fiscais duras no primeiro semestre de 2024 para resolver o problema fiscal. Aí, em algum momento entre meados de 2024 e 2025, ter um componente heterodoxo que signifique destruir a inércia inflacionária. Que contorno terá esse componente? É prematuro saber. Uma dolarização, uma convertibilidade, um regime bimonetário… Mas isso dificilmente acontecerá no começo do governo, porque não é possível fazer um choque de preço relativo e de deflação ao mesmo tempo.

É possível zerar o déficit já em 2024, como Milei prometeu?

Isso tem de começar a ser discutido com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que provavelmente verá o resultado (das eleições) com certo alívio. As relações com (o ministro da economia e candidato derrotado à Presidência, Sergio) Massa estavam desgastadas. Ele havia fechado acordo num dia e feito o contrário no outro. Destruiu a confiança que tinha com o FMI. Acredito que o FMI terá boa vontade inicialmente, mas negociações com o FMI são sempre complicadas, ainda mais na Argentina. A necessidade de ajuste é severa. Ninguém sabe ao certo, mas especula-se que o déficit primário deva ser de 3% do PIB neste ano. É difícil imaginar um plano que, na saída, não tenha algo parecido com equilíbrio fiscal primário, e um ajuste de 3% do PIB não é trivial.

A economia do país vai, então, encolher em 2024?

Vai ter o elemento contracionista da política fiscal. Se haverá algum elemento positivo decorrente da confiança de agentes econômicos sentirem que o plano vai dar certo, isso é uma incógnita.

Entrevista por Luciana Dyniewicz

Repórter de Economia & Negócios. Formada em jornalismo pela UFSC e em ciências econômicas pela PUC-SP. Vencedora dos prêmios Citi Journalistic Excellence, Boeing Abear de Jornalismo e CNT de Jornalismo na categoria meio ambiente. Bolsista do World Press Institute (WPI) em 2024.

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