Alckmin amplia presença na diplomacia com agenda discreta e cautelosa


Vice-presidente manteve 112 encontros com autoridades estrangeiras ao longo do ano passado, mas saiu pouco do País; neste ano, já concluiu cinco viagens

Por Felipe Frazão

BRASÍLIA - O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, ampliou sua atuação diplomática no governo Luiz Inácio Lula da Silva. De janeiro a agosto, Alckmin realizou mais do que o dobro das viagens ao exterior concluídas no ano anterior, sendo que duas delas tiveram perfil ainda mais robusto, incluindo delegações empresariais, de ministérios e órgãos governamentais, com foco múltiplo em estreitar a relação política, estimular o comércio e atrair investimentos.

Até o momento, Alckmin soma sete viagens para fora do País - cinco delas em 2024 e duas em 2023. A depender de decisões que envolvem avaliações políticas e de agenda discutidas entre a Presidência, o Itamaraty e a Vice-Presidência, Alckmin pode ainda completar outras missões neste ano e terá destaque na coordenação de reuniões do G-20, sediado no Brasil. O vice-presidente defende no G-20 um comércio “sustentável, com políticas sociais e ambientais complementares, dentro das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de acordos ambientais multilaterais, evitando o protecionismo disfarçado”. O vice também avalia convites da própria OMC, do G-7 e da ONU, entre outros.

O vice-presidente Geraldo Alckmin no aeroporto de Congonhas, em São Paulo Foto: Cadu Gomes/VPR
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Ele já havia sido escalado para a sexta viagem de 2024, desta vez ao México, onde seria o chefe da delegação na posse da presidente eleita Claudia Scheinbaum. No entanto, Lula mudou os planos de sua própria visita ao país, até então programada para dez dias antes - e decidiu postergá-la para coincidir com a cerimônia de inauguração do novo governo, na Cidade do México, em 1º de outubro. Diplomatas a par da preparação dizem que o presidente quer valorizar um alinhamento inédito com governos de esquerda nos maiores países da América Latina e prestigiar tanto a sucessora quanto o atual presidente Andrés Manuel López Obrador. Eles devem discutir assuntos bilaterais e a crise na Venezuela.

No ano passado, Alckmin fez somente duas viagens ao exterior. Foi a Portugal para encontros com empresários e participação no Fórum Jurídico de Lisboa, que atraiu outros ministros e autoridades brasileiras do Legislativo e do Executivo, além de audiências com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o então primeiro-ministro António Costa. Também foi enviado pela primeira vez por Lula para representá-lo em uma posse presidencial, a de Daniel Noboa, no Equador.

As visitas ao exterior do vice-presidente são a face mais explícita de sua atuação na política externa. Desde janeiro, Alckmin chefiou duas missões com ministros de Lula e executivos de empresas exportadoras e investidores à China, a mais emblemática delas com quase 200 nomes do setor privado, e à Arábia Saudita.

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Junho marcou o mês com agenda mais densa. Em Pequim e Riad, Alckmin formalizou anúncios como a exportação de 120 mil toneladas de café - US$ 500 milhões - para uma rede chinesa; a concessão de R$24,6 bilhões em crédito de bancos chineses para instituições financeiras no Brasil; investimento de US$ 100 milhões da Sinovac para desenvolvimento de vacinas no País; abertura de mercados para produtos agrícolas e habilitação de frigoríficos exportadores de proteína animal; de intenções para construção conjunta do satélite geoestacionário meteorológico CBERS-5; a promoção de produtos brasileiros em supermercados e um acordo em Defesa com os sauditas. Os dois países estão no foco da Embraer para exportação de aviões comerciais e militares, inclusive com eventual estabelecimento de linhas de montagem de aeronaves nesses países.

O protagonismo se deve ao fato de que Alckmin lidera pelo lado brasileiro a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Ele foi recebido pelo vice-presidente chinês, Han Zheng, e pelo próprio presidente, Xi Jinping. A viagem marcou os 50 anos de relações diplomáticas entre os países, estabelecidas em 1974, e 20 anos de criação de Cosban, lançada em 2004. A participação de Alckmin como líder pelo Brasil vem sendo preparada dentro do governo desde fevereiro do passado. As reuniões prévias envolveram 23 ministérios no Palácio do Itamaraty.

Encontro entre Geraldo Alckmin e Xi Jinping, em Pequim, em 7 de junho de 2024 Foto: Divulgação/VPR
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A Cosban é o principal mecanismo de consultas bilaterais regular entre o Brasil e a China. As reuniões ocorrem a cada dois anos, alternadamente, no Brasil e na China. É nesse âmbito que os países decidiram, no ano passado, avaliar oportunidades de investimento e interesses comuns em obras de infraestrutura que poderão marcar a a entrada do Brasil na nova Rota da Seda, o projeto Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative, em inglês). A China persegue esse objetivo geopolítico e econômico. Desde 2009, o país é o principal parceiro comercial do Brasil e foi, no ano passado, o destino de 30,7% do total de produtos brasileiros exportados. No ano passado, o comércio bilateral alcançou o recorde de US$ 158 bilhões, tendo o Brasil superávit de US$ 51 bilhões, segundo o Itamaraty. O estoque de investimentos é de US$ 72 bilhões.

Um conselheiro do vice-presidente afirma que cabe a Alckmin a função de “coadjuvante” na política externa e que o vice foca na abertura de mercados e na atração de recursos para a nova industrialização do País. Ele costuma buscar momentos de interação com empresários. Segundo um diplomata, o vice atende demandas do Palácio do Planalto e da chancelaria, como fizeram antecessores no cargo, e poderia haver “ruído” se esse papel fosse diferente.

Outro colaborador próximo ressalta que o modo discreto e o cuidado nas incursões diplomáticas de Alckmin seria uma forma de não “concorrer” com o destaque do presidente, a quem cabe a representação política. O vice, disse esse auxiliar, tem a “noção clara” do papel secundário e costuma levar a Lula a prerrogativa de fazer os anúncios de investimentos mais relevantes. Além disso, vai aonde o petista pede e colabora também com a interlocução externa de outros ministérios.

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Custo político

Em outras três ocasiões, Alckmin voltou a ser designado por Lula como representante do governo brasileiro nas posses presidenciais de Bernardo Arévalo, na Guatemala, Raúl Mulino, no Panamá e, Masoud Pezeshkian, no Irã. A última posse acabou por expor o vice de Lula pela coincidência de ter sido marcada pelo assassinato de Ismail Haniyeh, então líder político do grupo terrorista Hamas, em Teerã.

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Alckmin cumpriu o rito protocolar e não interagiu com Haniyeh, conforme pessoas que o acompanharam na viagem. No entanto, saiu em destaque nas fotos e filmagens oficiais ao lado do chefe do Hamas e de lideranças de outras organizações consideradas terroristas, como o porta-voz dos Houthi, Mohammed Abdulsalam, o líder da Jihad Islâmica, Ziyad Al-Nakhalah, e o vice-líder do Hezbollah, o general Naim Assem. Na cerimônia, parlamentares iranianos pregaram o extermínio de Israel.

No dia seguinte, o vice-presidente ainda se reuniu com empresários na Câmara de Comércio do Irã, antes de voltar ao Brasil. O magnicídio havia ocorrido na madrugada, surpreendendo o regime dos aiatolás e motivando protestos e um maior grau de tensão em Teerã, mas Alckmin manteve compromissos.

A missão de representação institucional colocou o vice na mira da oposição. Deputados querem aprovar requerimento de convite para que ele compareça à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e explique o porquê de sua presença em Teerã. Os deputados disseram que ele deveria ter se retirado diante do constrangimento. Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que Alckmin “se associou à escória do mundo” e deve explicar “as razões pelas quais Lula ‘pagou missão’ para ele ir nessa cova de terroristas”.

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Na primeira fileira, Geraldo Alckmin, na última cadeira à esquerda, e Ismail Haniyeh, na última cadeira à direita Foto: Press TV

Discrição e cautela

Quem convive com o vice nessas missões reporta que Alckmin não demonstra predileção pela atuação internacional, nem busca protagonismo, dando, inclusive, mais foco a sua agenda doméstica. Nem que quisesse ele poderia desenvolver uma agenda própria. Por norma constitucional, a condução da política externa brasileira é uma prerrogativa do presidente da República, executada com suporte do Itamaraty.

Lula, por sua vez, pode delegar sua representação no exterior e não necessariamente ao vice-presidente, embora seja um precedente recorrente no caso de posses presidenciais - é o padrão pela Casa Branca, por exemplo. Apesar das viagens realizadas por Alckmin, também já foram enviados a cerimônias do tipo o chanceler Mauro Vieira (na Argentina e na República Dominicana) e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (em El Salvador).

Em geral, Alckmin adota um roteiro externo discreto, sem esticar a estada fora do País para passeios culturais, por exemplo. O vice-presidente costuma ordenar que as missões tenham perfil de custo baixo, sem hotéis de luxo ou bilhetes de primeira classe.

Isso chama a atenção nos bastidores do governo e costuma ser atribuído por seus colaboradores a suas raízes familiares no catolicismo franciscano, a que pertenceu seu pai. Ele, de fato, costuma ser acompanhado por comitivas diminutas (de três a cinco servidores) no exterior - muitas vezes sem fotógrafo e assessoria de comunicação, algo raro entre ministros. Diplomatas do Itamaraty têm sido escalados para prestar suporte nessas áreas.

Quando dispensou o uso do avião da Força Aérea Brasileira (FAB), em geral usado para deslocamentos na América Latina, ele determinou a compra de passagens em classe econômica. Isso, inclusive, provocou surpresa nas equipes de cerimonial da Esplanada e fez ministros que buscavam uma classe mais confortável - a executiva - optarem por voos separados do de Alckmin, para evitar o constrangimento de voar em assento mais caro do que o chefe da delegação.

Geraldo Alckmin desembarca em Quito, no Equador, para posse de Daniel Noboa como presidente - 23/11/2023 Foto: Divulgação/VPR

Integrantes do governo também interpretam que existe cautela do vice por razões ideológicas. Dois colaboradores da diplomacia com quem o vice viajou avaliam que Alckmin cumpre apenas o papel de representação institucional por não se sentir completamente à vontade com a abordagem determinada por Lula ao relacionamento com governos autoritários do chamado Sul Global.

Mais de um interlocutor do vice-presidente interpreta que seu perfil político e suas ideias econômicas mais liberais o deixariam mais à vontade para participar do relacionamento com as democracias ocidentais - não com o eixo de contestação delas, o dos países em desenvolvimento. Há quem diga que o vice até evita algumas aproximações. Um terceiro e relevante membro da equipe diplomática, no entanto, negou que Alckmin tenha verbalizado qualquer resistência nesse sentido e ressaltou que ele age com anuência e sob requisição do presidente.

Essas fontes dizem que o vice vai cumprir o que o presidente Lula solicitar, de acordo com as possibilidades de sua agenda, que além da Vice-Presidência inclui as demandas do MDIC. Ao chapéu duplo de vice e ministro também se soma a longa experiência política de quatro gestões como governador de São Paulo, o que lhe rendeu relações no meio diplomático e o faz ser buscado por embaixadores e empresários.

“O vice-presidente já tem atribuições bem definidas na política externa. Não vejo Alckmin avocando atribuições maiores, nem creio que Lula vá ceder tarefas centrais. Alguns temas específicos só ganham impulsão se o presidente estiver presente, como G-20 e os diálogos sobre as guerras, que projetam a liderança e o protagonismo do presidente. Nem Alckmin vai demandar nada além do que lhe cabe, pela característica de homem público que é, discreto e sempre muito respeitoso com Lula, nem o presidente vai atribuir o que não pode ao vice. Outras tarefas não tão centrais, embora importantes, ele pode delegar a depender da circunstância”, diz Hussein Kalout, professor de Relações Internacionais e pesquisador na Universidade Harvard.

O caso da Venezuela chama a atenção. Se quando governador de São Paulo pelo PSDB Alckmin recebia esposas de presos políticos e comitivas de opositores ao chavismo (ele abriu o Palácio dos Bandeirantes, em 2014, à líder da oposição María Corina Machado), agora o vice demorou uma semana para se posicionar em publicamente. Quando questionado sobre o impasse eleitoral em Caracas, apenas seguiu o teor de manifestação oficial do governo, citando que Lula e os presidentes da Colômbia e do México “querem respeito aos eleitores e, portanto, aguardam as atas de votação para que se tenha essa segurança e se tenha essa transparência tão necessária”.

Lula tem relacionamento historicamente amistoso com o ditador Nicolás Maduro - apesar das recentes provocações -, e o governo brasileiro tem sido paciente e tentado manter diálogo com o regime. O PSB, partido do vice, e alguns dos aliados próximos dele divergiram logo da abordagem do PT de reconhecê-lo como presidente reeleito, após uma disputa marcada por obstáculos impostos à oposição e denúncias de fraude que mobilizaram a comunidade internacional. O partido de Alckmin considera que Maduro comanda uma ditadura - o próprio Lula discorda e afirma que se trata de um regime de viés autoritário e “muito desagradável”. A classificação é contestada até no petismo.

Em relação ao Irã, o vice-presidente não fez publicações em redes sociais a respeito de sua presença em Teerã para a posse do novo presidente iraniano - o que difere das demais cerimônias a que atendeu na América Latina. Sua agenda revela que ele foi a um jantar oferecido por Pezeshkian, foi recebido pelo presidente em audiência e manteve encontro com empresários. Integrantes do governo Lula disseram que o envio de Alckmin faz parte de um aceno ao Irã depois da eleição de um político de perfil mais moderado.

Encontro entre Geraldo Alckmin e o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, durante a posse em 1/7/2024 Foto: Cadu Gomes/VPR

Comissões com China, Nigéria e Rússia

Em vez de ir à Rússia para a recente reunião dos ministros de Indústria do Brics realizada entre 14 e 19 de agosto, Alckmin enviou como seu representante o secretário-executivo, Márcio Fernando Elias Rosa. O encontro discutiu a política industrial. Homem de confiança do vice há anos, Elias Rosa é quem na prática costuma ser o mais alto funcionário do MDIC nas missões presidenciais, porque Alckmin assume o Palácio do Planalto. Lula já confirmou presença na Cúpula de Líderes do Brics, entre 22 e 24 de outubro, na cidade de Cazã.

O Estadão apurou que existe um cuidado no governo Lula com gestos de aproximação com Moscou para não melindrar a União Europeia nem atrapalhar politicamente as tratativas para finalizar o acordo do bloco com o Mercosul. A negociação já dura 25 anos e vem sendo conduzida pelo governo brasileiro, em nome dos sul-americanos, com a Comissão Europeia. Um acerto foi barrado por indisposição política no ano passado.

Há outra frente de relacionamento com os russos congelada. Assim como lidera uma parte relevante do relacionamento com a China por meio da Cosban, Alckmin é o representante do País na Comissão Brasileiro-Russa de Alto Nível de Cooperação (CAN). O mecanismo, no entanto, não tem funcionado com periodicidade. A última reunião efetiva ocorreu em 2015, quando o vice-presidente Michel Temer viajou à Rússia.

Desde 2021, os governos promovem reuniões em nível ministerial a fim de preparar a 8ª reunião da CAN. Ela ocorreria em 2022, mas os planos naufragaram após a invasão da Ucrânia pelas forças russas. Os chanceleres dos dois países combinaram a reativação no ano passado, e em fevereiro uma delegação interministerial brasileira foi a Moscou numa missão preparatória. A reunião seria liderada por Alckmin e pelo primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin. Ela segue, no entanto, sem data determinada para ocorrer.

Segundo integrantes da Vice-Presidência, no entanto, eles ainda não receberam no gabinete nenhuma demanda de organizar a próxima reunião da CAN. O mais provável é que ocorra em 2025. Um aliado de Alckmin diz que ele não patrocinaria nada que estivesse em descompasso com governo.

O vice-presidente também desempenha função similar no Mecanismo de Diálogo Estratégico Brasil-Nigéria (MDE), criado e realizado uma única vez, em 2013. Por causa de sua função como ministro, Alckmin ainda exerce liderança pelo lado brasileiro no Fórum de CEOs e no Diálogo Comercial Brasil-Estados Unidos.

Lula delegou ao vice a missão de coordenar uma agenda regional do Brasil com a Guiana, de olho em obras transnacionais de infraestrutura que reduzam o tempo de escoamento de produtos, por meio do Mar do Caribe.

O vice-presidente Geraldo Alckmin conversa na Guatemala com Josep Borrell, Alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança Foto: Divulgação/VPR

No caso das posses presidenciais, para definir quem vai, são avaliadas conveniências de agenda do presidente e vice, além do perfil e da relevância da relação com os países, tanto os laços políticos quanto econômicos. Alckmin autou sobretudo nas Américas, onde o Brasil deseja projetar liderança. A posse de Raúl Mulino, no Panamá, representou a expectativa de mudanças no país, que manifestou na ocasião interesse em ingressar no Mercosul.

Houve ainda momentos de dar respaldo à institucionalidade democrática. Foi o caso da Guatemala, em janeiro, e do Equador, em novembro do ano passado. Nos dois momentos, os presidentes Bernardo Arévalo, de esquerda, e Daniel Noboa, de direita, elegeram-se em cenários de instabilidade política. A vitória de Arévalo foi contestada e houve ameaças a sua posse na Guatemala. Noboa assumiu em Quito para um mandato curto, após a convocação de eleições antecipadas pelo ex-presidente Guilhermo Lasso, que sofreu um processo de impeachment.

O governo Lula faz da defesa da democracia uma bandeira de sua inserção internacional, sobretudo por causa da tentativa de golpe no Brasil, deflagrada após sua eleição no ano passado e que culminou no 8 de janeiro. “O processo eleitoral na Guatemala sofreu sérias ameaças, mas a democracia prevaleceu. As ameaças à posse do presidente Lula reforçaram nossa convicção sobre a importância do apoio da comunidade internacional e de instrumentos como a Carta Democrática da OEA (Organização dos Estados Americanos) para a preservação da democracia no continente americano”, disse Alckmin, na posse de Arévalo.

A delegação do Brasil na reunião de ministros da Indústria do Brics, na Rússia, em agosto de 2024, foi chefiada pelo secretário executivo Márcio Elias Rosa, no lugar de Alckmin Foto: Divulgação/MDIC

112 encontros

A assessoria do vice-presidente diz que Alckmin atua na agenda internacional como forma de “fortalecer a indústria brasileira no exterior, atrair investimentos estrangeiros para o país e, na função de vice-presidente, de representação do presidente Lula fora do Brasil”.

No primeiro ano de governo, Alckmin concentrou-se em agendas de política externa dentro de seu gabinete. Um levantamento da Assessoria Especial de Assuntos Diplomáticos da Vice-Presidência da República mostra que, contando compromissos que cumpriu em Portugal e no Equador, Alckmin manteve 112 encontros com autoridades estrangeiras de 39 países - do total, 74 foram audiências.

A compilação inclui desde as saudações na cerimônia de posse, em 1º de janeiro de 2023. Mas também soma as viagens, recepções, fóruns empresariais, comitivas de empresas como a chinesa BYD, delegações do Parlamento Europeu e autoridades governamentais, como o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Ulisses Correia e Silva, o enviado especial de Joe Biden para o Clima, John Kerry, a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, além de chefes de Estado e de governo recebidos ao lado de Lula, como o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o chanceler da República Federal da Alemanha, Olaf Scholz.

O levantamento deve ser atualizado anualmente. Em 2024, Alckmin já recebeu, entre outros: o chanceler da China, Wang Yi, a chanceler da Bolívia, Celinda Sosa, o embaixador da Itália, Alessandro Cortese, e o diretor da Agência Internacional de Energia (AIE), Fatih Birol, o embaixador de Angola, Manuel Eduardo Bravo, o embaixador do Vietnã, Bui Van Nghi, a embaixadora da União Europeia, Marian Schuegraf, os embaixadores do Brasil na China, Marcos Galvão, e na Argentina, Julio Bitelli, o governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, o vice-premiê e ministro da Economia e Finanças coreano, Choi Sang-Mok, o ministro da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, Bandar Alkhorayef.

O vice participou ativamente ainda das agendas em visitas de Estado ao País. Liderou fóruns empresariais por ocasião das visitas do presidente da França, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida. Organizou reunião com empresários liderados pelo premiê espanhol, Pedro Sánchez, e participou do almoço oferecido ao presidente italiano, Sergio Mattarella.

Alckmin também participou de reuniões no Rio com representantes dos fundos soberanos da Arábia Saudita e empresários da Coreia do Sul.

Lula reduz ritmo, mas mantém agenda fora do País

Alckmin viajou pouco no ano passado porque o próprio Lula liderou, sob críticas da oposição, um périplo internacional que passou por 24 países, em 15 viagens, que deixaram o petista mais de dois meses fora do Palácio do Planalto. Nessas ocasiões, Alckmin permanecia em Brasília para assumir a chefia do Executivo - o que o impede de viajar mais. A agenda externa do vice depende da vontade e da “precedência” do petista.

Lula chegou a dizer que 2024 seria a vez de Alckmin assumir o papel de caixeiro viajante - “colocar o Brasil embaixo do braço e sair pelo mundo vendendo os projetos que a gente tem na tentativa de construir parceria”. O petista, porém, manteve uma agenda de viagens frequentes ao exterior, em menor ritmo do que no ano passado.

De janeiro a agosto, Lula viajou a 10 países (Chile, Bolívia, Paraguai, Suíça, Itália, Colômbia, Guiana, São Vicente e Granadinas, Etiópia e Egito). No mesmo período do ano passado, foram 19 viagens ao exterior (São Tomé e Príncipe, Angola, África do Sul, Bélgica, Colômbia, Paraguai, Argentina, Itália, Vaticano, França, Japão, Reino Unido, Portugal, Espanha, Emirados Árabes Unidos, China, Argentina, Uruguai e Estados Unidos).

BRASÍLIA - O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, ampliou sua atuação diplomática no governo Luiz Inácio Lula da Silva. De janeiro a agosto, Alckmin realizou mais do que o dobro das viagens ao exterior concluídas no ano anterior, sendo que duas delas tiveram perfil ainda mais robusto, incluindo delegações empresariais, de ministérios e órgãos governamentais, com foco múltiplo em estreitar a relação política, estimular o comércio e atrair investimentos.

Até o momento, Alckmin soma sete viagens para fora do País - cinco delas em 2024 e duas em 2023. A depender de decisões que envolvem avaliações políticas e de agenda discutidas entre a Presidência, o Itamaraty e a Vice-Presidência, Alckmin pode ainda completar outras missões neste ano e terá destaque na coordenação de reuniões do G-20, sediado no Brasil. O vice-presidente defende no G-20 um comércio “sustentável, com políticas sociais e ambientais complementares, dentro das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de acordos ambientais multilaterais, evitando o protecionismo disfarçado”. O vice também avalia convites da própria OMC, do G-7 e da ONU, entre outros.

O vice-presidente Geraldo Alckmin no aeroporto de Congonhas, em São Paulo Foto: Cadu Gomes/VPR

Ele já havia sido escalado para a sexta viagem de 2024, desta vez ao México, onde seria o chefe da delegação na posse da presidente eleita Claudia Scheinbaum. No entanto, Lula mudou os planos de sua própria visita ao país, até então programada para dez dias antes - e decidiu postergá-la para coincidir com a cerimônia de inauguração do novo governo, na Cidade do México, em 1º de outubro. Diplomatas a par da preparação dizem que o presidente quer valorizar um alinhamento inédito com governos de esquerda nos maiores países da América Latina e prestigiar tanto a sucessora quanto o atual presidente Andrés Manuel López Obrador. Eles devem discutir assuntos bilaterais e a crise na Venezuela.

No ano passado, Alckmin fez somente duas viagens ao exterior. Foi a Portugal para encontros com empresários e participação no Fórum Jurídico de Lisboa, que atraiu outros ministros e autoridades brasileiras do Legislativo e do Executivo, além de audiências com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o então primeiro-ministro António Costa. Também foi enviado pela primeira vez por Lula para representá-lo em uma posse presidencial, a de Daniel Noboa, no Equador.

As visitas ao exterior do vice-presidente são a face mais explícita de sua atuação na política externa. Desde janeiro, Alckmin chefiou duas missões com ministros de Lula e executivos de empresas exportadoras e investidores à China, a mais emblemática delas com quase 200 nomes do setor privado, e à Arábia Saudita.

Junho marcou o mês com agenda mais densa. Em Pequim e Riad, Alckmin formalizou anúncios como a exportação de 120 mil toneladas de café - US$ 500 milhões - para uma rede chinesa; a concessão de R$24,6 bilhões em crédito de bancos chineses para instituições financeiras no Brasil; investimento de US$ 100 milhões da Sinovac para desenvolvimento de vacinas no País; abertura de mercados para produtos agrícolas e habilitação de frigoríficos exportadores de proteína animal; de intenções para construção conjunta do satélite geoestacionário meteorológico CBERS-5; a promoção de produtos brasileiros em supermercados e um acordo em Defesa com os sauditas. Os dois países estão no foco da Embraer para exportação de aviões comerciais e militares, inclusive com eventual estabelecimento de linhas de montagem de aeronaves nesses países.

O protagonismo se deve ao fato de que Alckmin lidera pelo lado brasileiro a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Ele foi recebido pelo vice-presidente chinês, Han Zheng, e pelo próprio presidente, Xi Jinping. A viagem marcou os 50 anos de relações diplomáticas entre os países, estabelecidas em 1974, e 20 anos de criação de Cosban, lançada em 2004. A participação de Alckmin como líder pelo Brasil vem sendo preparada dentro do governo desde fevereiro do passado. As reuniões prévias envolveram 23 ministérios no Palácio do Itamaraty.

Encontro entre Geraldo Alckmin e Xi Jinping, em Pequim, em 7 de junho de 2024 Foto: Divulgação/VPR

A Cosban é o principal mecanismo de consultas bilaterais regular entre o Brasil e a China. As reuniões ocorrem a cada dois anos, alternadamente, no Brasil e na China. É nesse âmbito que os países decidiram, no ano passado, avaliar oportunidades de investimento e interesses comuns em obras de infraestrutura que poderão marcar a a entrada do Brasil na nova Rota da Seda, o projeto Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative, em inglês). A China persegue esse objetivo geopolítico e econômico. Desde 2009, o país é o principal parceiro comercial do Brasil e foi, no ano passado, o destino de 30,7% do total de produtos brasileiros exportados. No ano passado, o comércio bilateral alcançou o recorde de US$ 158 bilhões, tendo o Brasil superávit de US$ 51 bilhões, segundo o Itamaraty. O estoque de investimentos é de US$ 72 bilhões.

Um conselheiro do vice-presidente afirma que cabe a Alckmin a função de “coadjuvante” na política externa e que o vice foca na abertura de mercados e na atração de recursos para a nova industrialização do País. Ele costuma buscar momentos de interação com empresários. Segundo um diplomata, o vice atende demandas do Palácio do Planalto e da chancelaria, como fizeram antecessores no cargo, e poderia haver “ruído” se esse papel fosse diferente.

Outro colaborador próximo ressalta que o modo discreto e o cuidado nas incursões diplomáticas de Alckmin seria uma forma de não “concorrer” com o destaque do presidente, a quem cabe a representação política. O vice, disse esse auxiliar, tem a “noção clara” do papel secundário e costuma levar a Lula a prerrogativa de fazer os anúncios de investimentos mais relevantes. Além disso, vai aonde o petista pede e colabora também com a interlocução externa de outros ministérios.

Custo político

Em outras três ocasiões, Alckmin voltou a ser designado por Lula como representante do governo brasileiro nas posses presidenciais de Bernardo Arévalo, na Guatemala, Raúl Mulino, no Panamá e, Masoud Pezeshkian, no Irã. A última posse acabou por expor o vice de Lula pela coincidência de ter sido marcada pelo assassinato de Ismail Haniyeh, então líder político do grupo terrorista Hamas, em Teerã.

Alckmin cumpriu o rito protocolar e não interagiu com Haniyeh, conforme pessoas que o acompanharam na viagem. No entanto, saiu em destaque nas fotos e filmagens oficiais ao lado do chefe do Hamas e de lideranças de outras organizações consideradas terroristas, como o porta-voz dos Houthi, Mohammed Abdulsalam, o líder da Jihad Islâmica, Ziyad Al-Nakhalah, e o vice-líder do Hezbollah, o general Naim Assem. Na cerimônia, parlamentares iranianos pregaram o extermínio de Israel.

No dia seguinte, o vice-presidente ainda se reuniu com empresários na Câmara de Comércio do Irã, antes de voltar ao Brasil. O magnicídio havia ocorrido na madrugada, surpreendendo o regime dos aiatolás e motivando protestos e um maior grau de tensão em Teerã, mas Alckmin manteve compromissos.

A missão de representação institucional colocou o vice na mira da oposição. Deputados querem aprovar requerimento de convite para que ele compareça à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e explique o porquê de sua presença em Teerã. Os deputados disseram que ele deveria ter se retirado diante do constrangimento. Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que Alckmin “se associou à escória do mundo” e deve explicar “as razões pelas quais Lula ‘pagou missão’ para ele ir nessa cova de terroristas”.

Na primeira fileira, Geraldo Alckmin, na última cadeira à esquerda, e Ismail Haniyeh, na última cadeira à direita Foto: Press TV

Discrição e cautela

Quem convive com o vice nessas missões reporta que Alckmin não demonstra predileção pela atuação internacional, nem busca protagonismo, dando, inclusive, mais foco a sua agenda doméstica. Nem que quisesse ele poderia desenvolver uma agenda própria. Por norma constitucional, a condução da política externa brasileira é uma prerrogativa do presidente da República, executada com suporte do Itamaraty.

Lula, por sua vez, pode delegar sua representação no exterior e não necessariamente ao vice-presidente, embora seja um precedente recorrente no caso de posses presidenciais - é o padrão pela Casa Branca, por exemplo. Apesar das viagens realizadas por Alckmin, também já foram enviados a cerimônias do tipo o chanceler Mauro Vieira (na Argentina e na República Dominicana) e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (em El Salvador).

Em geral, Alckmin adota um roteiro externo discreto, sem esticar a estada fora do País para passeios culturais, por exemplo. O vice-presidente costuma ordenar que as missões tenham perfil de custo baixo, sem hotéis de luxo ou bilhetes de primeira classe.

Isso chama a atenção nos bastidores do governo e costuma ser atribuído por seus colaboradores a suas raízes familiares no catolicismo franciscano, a que pertenceu seu pai. Ele, de fato, costuma ser acompanhado por comitivas diminutas (de três a cinco servidores) no exterior - muitas vezes sem fotógrafo e assessoria de comunicação, algo raro entre ministros. Diplomatas do Itamaraty têm sido escalados para prestar suporte nessas áreas.

Quando dispensou o uso do avião da Força Aérea Brasileira (FAB), em geral usado para deslocamentos na América Latina, ele determinou a compra de passagens em classe econômica. Isso, inclusive, provocou surpresa nas equipes de cerimonial da Esplanada e fez ministros que buscavam uma classe mais confortável - a executiva - optarem por voos separados do de Alckmin, para evitar o constrangimento de voar em assento mais caro do que o chefe da delegação.

Geraldo Alckmin desembarca em Quito, no Equador, para posse de Daniel Noboa como presidente - 23/11/2023 Foto: Divulgação/VPR

Integrantes do governo também interpretam que existe cautela do vice por razões ideológicas. Dois colaboradores da diplomacia com quem o vice viajou avaliam que Alckmin cumpre apenas o papel de representação institucional por não se sentir completamente à vontade com a abordagem determinada por Lula ao relacionamento com governos autoritários do chamado Sul Global.

Mais de um interlocutor do vice-presidente interpreta que seu perfil político e suas ideias econômicas mais liberais o deixariam mais à vontade para participar do relacionamento com as democracias ocidentais - não com o eixo de contestação delas, o dos países em desenvolvimento. Há quem diga que o vice até evita algumas aproximações. Um terceiro e relevante membro da equipe diplomática, no entanto, negou que Alckmin tenha verbalizado qualquer resistência nesse sentido e ressaltou que ele age com anuência e sob requisição do presidente.

Essas fontes dizem que o vice vai cumprir o que o presidente Lula solicitar, de acordo com as possibilidades de sua agenda, que além da Vice-Presidência inclui as demandas do MDIC. Ao chapéu duplo de vice e ministro também se soma a longa experiência política de quatro gestões como governador de São Paulo, o que lhe rendeu relações no meio diplomático e o faz ser buscado por embaixadores e empresários.

“O vice-presidente já tem atribuições bem definidas na política externa. Não vejo Alckmin avocando atribuições maiores, nem creio que Lula vá ceder tarefas centrais. Alguns temas específicos só ganham impulsão se o presidente estiver presente, como G-20 e os diálogos sobre as guerras, que projetam a liderança e o protagonismo do presidente. Nem Alckmin vai demandar nada além do que lhe cabe, pela característica de homem público que é, discreto e sempre muito respeitoso com Lula, nem o presidente vai atribuir o que não pode ao vice. Outras tarefas não tão centrais, embora importantes, ele pode delegar a depender da circunstância”, diz Hussein Kalout, professor de Relações Internacionais e pesquisador na Universidade Harvard.

O caso da Venezuela chama a atenção. Se quando governador de São Paulo pelo PSDB Alckmin recebia esposas de presos políticos e comitivas de opositores ao chavismo (ele abriu o Palácio dos Bandeirantes, em 2014, à líder da oposição María Corina Machado), agora o vice demorou uma semana para se posicionar em publicamente. Quando questionado sobre o impasse eleitoral em Caracas, apenas seguiu o teor de manifestação oficial do governo, citando que Lula e os presidentes da Colômbia e do México “querem respeito aos eleitores e, portanto, aguardam as atas de votação para que se tenha essa segurança e se tenha essa transparência tão necessária”.

Lula tem relacionamento historicamente amistoso com o ditador Nicolás Maduro - apesar das recentes provocações -, e o governo brasileiro tem sido paciente e tentado manter diálogo com o regime. O PSB, partido do vice, e alguns dos aliados próximos dele divergiram logo da abordagem do PT de reconhecê-lo como presidente reeleito, após uma disputa marcada por obstáculos impostos à oposição e denúncias de fraude que mobilizaram a comunidade internacional. O partido de Alckmin considera que Maduro comanda uma ditadura - o próprio Lula discorda e afirma que se trata de um regime de viés autoritário e “muito desagradável”. A classificação é contestada até no petismo.

Em relação ao Irã, o vice-presidente não fez publicações em redes sociais a respeito de sua presença em Teerã para a posse do novo presidente iraniano - o que difere das demais cerimônias a que atendeu na América Latina. Sua agenda revela que ele foi a um jantar oferecido por Pezeshkian, foi recebido pelo presidente em audiência e manteve encontro com empresários. Integrantes do governo Lula disseram que o envio de Alckmin faz parte de um aceno ao Irã depois da eleição de um político de perfil mais moderado.

Encontro entre Geraldo Alckmin e o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, durante a posse em 1/7/2024 Foto: Cadu Gomes/VPR

Comissões com China, Nigéria e Rússia

Em vez de ir à Rússia para a recente reunião dos ministros de Indústria do Brics realizada entre 14 e 19 de agosto, Alckmin enviou como seu representante o secretário-executivo, Márcio Fernando Elias Rosa. O encontro discutiu a política industrial. Homem de confiança do vice há anos, Elias Rosa é quem na prática costuma ser o mais alto funcionário do MDIC nas missões presidenciais, porque Alckmin assume o Palácio do Planalto. Lula já confirmou presença na Cúpula de Líderes do Brics, entre 22 e 24 de outubro, na cidade de Cazã.

O Estadão apurou que existe um cuidado no governo Lula com gestos de aproximação com Moscou para não melindrar a União Europeia nem atrapalhar politicamente as tratativas para finalizar o acordo do bloco com o Mercosul. A negociação já dura 25 anos e vem sendo conduzida pelo governo brasileiro, em nome dos sul-americanos, com a Comissão Europeia. Um acerto foi barrado por indisposição política no ano passado.

Há outra frente de relacionamento com os russos congelada. Assim como lidera uma parte relevante do relacionamento com a China por meio da Cosban, Alckmin é o representante do País na Comissão Brasileiro-Russa de Alto Nível de Cooperação (CAN). O mecanismo, no entanto, não tem funcionado com periodicidade. A última reunião efetiva ocorreu em 2015, quando o vice-presidente Michel Temer viajou à Rússia.

Desde 2021, os governos promovem reuniões em nível ministerial a fim de preparar a 8ª reunião da CAN. Ela ocorreria em 2022, mas os planos naufragaram após a invasão da Ucrânia pelas forças russas. Os chanceleres dos dois países combinaram a reativação no ano passado, e em fevereiro uma delegação interministerial brasileira foi a Moscou numa missão preparatória. A reunião seria liderada por Alckmin e pelo primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin. Ela segue, no entanto, sem data determinada para ocorrer.

Segundo integrantes da Vice-Presidência, no entanto, eles ainda não receberam no gabinete nenhuma demanda de organizar a próxima reunião da CAN. O mais provável é que ocorra em 2025. Um aliado de Alckmin diz que ele não patrocinaria nada que estivesse em descompasso com governo.

O vice-presidente também desempenha função similar no Mecanismo de Diálogo Estratégico Brasil-Nigéria (MDE), criado e realizado uma única vez, em 2013. Por causa de sua função como ministro, Alckmin ainda exerce liderança pelo lado brasileiro no Fórum de CEOs e no Diálogo Comercial Brasil-Estados Unidos.

Lula delegou ao vice a missão de coordenar uma agenda regional do Brasil com a Guiana, de olho em obras transnacionais de infraestrutura que reduzam o tempo de escoamento de produtos, por meio do Mar do Caribe.

O vice-presidente Geraldo Alckmin conversa na Guatemala com Josep Borrell, Alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança Foto: Divulgação/VPR

No caso das posses presidenciais, para definir quem vai, são avaliadas conveniências de agenda do presidente e vice, além do perfil e da relevância da relação com os países, tanto os laços políticos quanto econômicos. Alckmin autou sobretudo nas Américas, onde o Brasil deseja projetar liderança. A posse de Raúl Mulino, no Panamá, representou a expectativa de mudanças no país, que manifestou na ocasião interesse em ingressar no Mercosul.

Houve ainda momentos de dar respaldo à institucionalidade democrática. Foi o caso da Guatemala, em janeiro, e do Equador, em novembro do ano passado. Nos dois momentos, os presidentes Bernardo Arévalo, de esquerda, e Daniel Noboa, de direita, elegeram-se em cenários de instabilidade política. A vitória de Arévalo foi contestada e houve ameaças a sua posse na Guatemala. Noboa assumiu em Quito para um mandato curto, após a convocação de eleições antecipadas pelo ex-presidente Guilhermo Lasso, que sofreu um processo de impeachment.

O governo Lula faz da defesa da democracia uma bandeira de sua inserção internacional, sobretudo por causa da tentativa de golpe no Brasil, deflagrada após sua eleição no ano passado e que culminou no 8 de janeiro. “O processo eleitoral na Guatemala sofreu sérias ameaças, mas a democracia prevaleceu. As ameaças à posse do presidente Lula reforçaram nossa convicção sobre a importância do apoio da comunidade internacional e de instrumentos como a Carta Democrática da OEA (Organização dos Estados Americanos) para a preservação da democracia no continente americano”, disse Alckmin, na posse de Arévalo.

A delegação do Brasil na reunião de ministros da Indústria do Brics, na Rússia, em agosto de 2024, foi chefiada pelo secretário executivo Márcio Elias Rosa, no lugar de Alckmin Foto: Divulgação/MDIC

112 encontros

A assessoria do vice-presidente diz que Alckmin atua na agenda internacional como forma de “fortalecer a indústria brasileira no exterior, atrair investimentos estrangeiros para o país e, na função de vice-presidente, de representação do presidente Lula fora do Brasil”.

No primeiro ano de governo, Alckmin concentrou-se em agendas de política externa dentro de seu gabinete. Um levantamento da Assessoria Especial de Assuntos Diplomáticos da Vice-Presidência da República mostra que, contando compromissos que cumpriu em Portugal e no Equador, Alckmin manteve 112 encontros com autoridades estrangeiras de 39 países - do total, 74 foram audiências.

A compilação inclui desde as saudações na cerimônia de posse, em 1º de janeiro de 2023. Mas também soma as viagens, recepções, fóruns empresariais, comitivas de empresas como a chinesa BYD, delegações do Parlamento Europeu e autoridades governamentais, como o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Ulisses Correia e Silva, o enviado especial de Joe Biden para o Clima, John Kerry, a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, além de chefes de Estado e de governo recebidos ao lado de Lula, como o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o chanceler da República Federal da Alemanha, Olaf Scholz.

O levantamento deve ser atualizado anualmente. Em 2024, Alckmin já recebeu, entre outros: o chanceler da China, Wang Yi, a chanceler da Bolívia, Celinda Sosa, o embaixador da Itália, Alessandro Cortese, e o diretor da Agência Internacional de Energia (AIE), Fatih Birol, o embaixador de Angola, Manuel Eduardo Bravo, o embaixador do Vietnã, Bui Van Nghi, a embaixadora da União Europeia, Marian Schuegraf, os embaixadores do Brasil na China, Marcos Galvão, e na Argentina, Julio Bitelli, o governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, o vice-premiê e ministro da Economia e Finanças coreano, Choi Sang-Mok, o ministro da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, Bandar Alkhorayef.

O vice participou ativamente ainda das agendas em visitas de Estado ao País. Liderou fóruns empresariais por ocasião das visitas do presidente da França, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida. Organizou reunião com empresários liderados pelo premiê espanhol, Pedro Sánchez, e participou do almoço oferecido ao presidente italiano, Sergio Mattarella.

Alckmin também participou de reuniões no Rio com representantes dos fundos soberanos da Arábia Saudita e empresários da Coreia do Sul.

Lula reduz ritmo, mas mantém agenda fora do País

Alckmin viajou pouco no ano passado porque o próprio Lula liderou, sob críticas da oposição, um périplo internacional que passou por 24 países, em 15 viagens, que deixaram o petista mais de dois meses fora do Palácio do Planalto. Nessas ocasiões, Alckmin permanecia em Brasília para assumir a chefia do Executivo - o que o impede de viajar mais. A agenda externa do vice depende da vontade e da “precedência” do petista.

Lula chegou a dizer que 2024 seria a vez de Alckmin assumir o papel de caixeiro viajante - “colocar o Brasil embaixo do braço e sair pelo mundo vendendo os projetos que a gente tem na tentativa de construir parceria”. O petista, porém, manteve uma agenda de viagens frequentes ao exterior, em menor ritmo do que no ano passado.

De janeiro a agosto, Lula viajou a 10 países (Chile, Bolívia, Paraguai, Suíça, Itália, Colômbia, Guiana, São Vicente e Granadinas, Etiópia e Egito). No mesmo período do ano passado, foram 19 viagens ao exterior (São Tomé e Príncipe, Angola, África do Sul, Bélgica, Colômbia, Paraguai, Argentina, Itália, Vaticano, França, Japão, Reino Unido, Portugal, Espanha, Emirados Árabes Unidos, China, Argentina, Uruguai e Estados Unidos).

BRASÍLIA - O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, ampliou sua atuação diplomática no governo Luiz Inácio Lula da Silva. De janeiro a agosto, Alckmin realizou mais do que o dobro das viagens ao exterior concluídas no ano anterior, sendo que duas delas tiveram perfil ainda mais robusto, incluindo delegações empresariais, de ministérios e órgãos governamentais, com foco múltiplo em estreitar a relação política, estimular o comércio e atrair investimentos.

Até o momento, Alckmin soma sete viagens para fora do País - cinco delas em 2024 e duas em 2023. A depender de decisões que envolvem avaliações políticas e de agenda discutidas entre a Presidência, o Itamaraty e a Vice-Presidência, Alckmin pode ainda completar outras missões neste ano e terá destaque na coordenação de reuniões do G-20, sediado no Brasil. O vice-presidente defende no G-20 um comércio “sustentável, com políticas sociais e ambientais complementares, dentro das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de acordos ambientais multilaterais, evitando o protecionismo disfarçado”. O vice também avalia convites da própria OMC, do G-7 e da ONU, entre outros.

O vice-presidente Geraldo Alckmin no aeroporto de Congonhas, em São Paulo Foto: Cadu Gomes/VPR

Ele já havia sido escalado para a sexta viagem de 2024, desta vez ao México, onde seria o chefe da delegação na posse da presidente eleita Claudia Scheinbaum. No entanto, Lula mudou os planos de sua própria visita ao país, até então programada para dez dias antes - e decidiu postergá-la para coincidir com a cerimônia de inauguração do novo governo, na Cidade do México, em 1º de outubro. Diplomatas a par da preparação dizem que o presidente quer valorizar um alinhamento inédito com governos de esquerda nos maiores países da América Latina e prestigiar tanto a sucessora quanto o atual presidente Andrés Manuel López Obrador. Eles devem discutir assuntos bilaterais e a crise na Venezuela.

No ano passado, Alckmin fez somente duas viagens ao exterior. Foi a Portugal para encontros com empresários e participação no Fórum Jurídico de Lisboa, que atraiu outros ministros e autoridades brasileiras do Legislativo e do Executivo, além de audiências com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o então primeiro-ministro António Costa. Também foi enviado pela primeira vez por Lula para representá-lo em uma posse presidencial, a de Daniel Noboa, no Equador.

As visitas ao exterior do vice-presidente são a face mais explícita de sua atuação na política externa. Desde janeiro, Alckmin chefiou duas missões com ministros de Lula e executivos de empresas exportadoras e investidores à China, a mais emblemática delas com quase 200 nomes do setor privado, e à Arábia Saudita.

Junho marcou o mês com agenda mais densa. Em Pequim e Riad, Alckmin formalizou anúncios como a exportação de 120 mil toneladas de café - US$ 500 milhões - para uma rede chinesa; a concessão de R$24,6 bilhões em crédito de bancos chineses para instituições financeiras no Brasil; investimento de US$ 100 milhões da Sinovac para desenvolvimento de vacinas no País; abertura de mercados para produtos agrícolas e habilitação de frigoríficos exportadores de proteína animal; de intenções para construção conjunta do satélite geoestacionário meteorológico CBERS-5; a promoção de produtos brasileiros em supermercados e um acordo em Defesa com os sauditas. Os dois países estão no foco da Embraer para exportação de aviões comerciais e militares, inclusive com eventual estabelecimento de linhas de montagem de aeronaves nesses países.

O protagonismo se deve ao fato de que Alckmin lidera pelo lado brasileiro a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Ele foi recebido pelo vice-presidente chinês, Han Zheng, e pelo próprio presidente, Xi Jinping. A viagem marcou os 50 anos de relações diplomáticas entre os países, estabelecidas em 1974, e 20 anos de criação de Cosban, lançada em 2004. A participação de Alckmin como líder pelo Brasil vem sendo preparada dentro do governo desde fevereiro do passado. As reuniões prévias envolveram 23 ministérios no Palácio do Itamaraty.

Encontro entre Geraldo Alckmin e Xi Jinping, em Pequim, em 7 de junho de 2024 Foto: Divulgação/VPR

A Cosban é o principal mecanismo de consultas bilaterais regular entre o Brasil e a China. As reuniões ocorrem a cada dois anos, alternadamente, no Brasil e na China. É nesse âmbito que os países decidiram, no ano passado, avaliar oportunidades de investimento e interesses comuns em obras de infraestrutura que poderão marcar a a entrada do Brasil na nova Rota da Seda, o projeto Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative, em inglês). A China persegue esse objetivo geopolítico e econômico. Desde 2009, o país é o principal parceiro comercial do Brasil e foi, no ano passado, o destino de 30,7% do total de produtos brasileiros exportados. No ano passado, o comércio bilateral alcançou o recorde de US$ 158 bilhões, tendo o Brasil superávit de US$ 51 bilhões, segundo o Itamaraty. O estoque de investimentos é de US$ 72 bilhões.

Um conselheiro do vice-presidente afirma que cabe a Alckmin a função de “coadjuvante” na política externa e que o vice foca na abertura de mercados e na atração de recursos para a nova industrialização do País. Ele costuma buscar momentos de interação com empresários. Segundo um diplomata, o vice atende demandas do Palácio do Planalto e da chancelaria, como fizeram antecessores no cargo, e poderia haver “ruído” se esse papel fosse diferente.

Outro colaborador próximo ressalta que o modo discreto e o cuidado nas incursões diplomáticas de Alckmin seria uma forma de não “concorrer” com o destaque do presidente, a quem cabe a representação política. O vice, disse esse auxiliar, tem a “noção clara” do papel secundário e costuma levar a Lula a prerrogativa de fazer os anúncios de investimentos mais relevantes. Além disso, vai aonde o petista pede e colabora também com a interlocução externa de outros ministérios.

Custo político

Em outras três ocasiões, Alckmin voltou a ser designado por Lula como representante do governo brasileiro nas posses presidenciais de Bernardo Arévalo, na Guatemala, Raúl Mulino, no Panamá e, Masoud Pezeshkian, no Irã. A última posse acabou por expor o vice de Lula pela coincidência de ter sido marcada pelo assassinato de Ismail Haniyeh, então líder político do grupo terrorista Hamas, em Teerã.

Alckmin cumpriu o rito protocolar e não interagiu com Haniyeh, conforme pessoas que o acompanharam na viagem. No entanto, saiu em destaque nas fotos e filmagens oficiais ao lado do chefe do Hamas e de lideranças de outras organizações consideradas terroristas, como o porta-voz dos Houthi, Mohammed Abdulsalam, o líder da Jihad Islâmica, Ziyad Al-Nakhalah, e o vice-líder do Hezbollah, o general Naim Assem. Na cerimônia, parlamentares iranianos pregaram o extermínio de Israel.

No dia seguinte, o vice-presidente ainda se reuniu com empresários na Câmara de Comércio do Irã, antes de voltar ao Brasil. O magnicídio havia ocorrido na madrugada, surpreendendo o regime dos aiatolás e motivando protestos e um maior grau de tensão em Teerã, mas Alckmin manteve compromissos.

A missão de representação institucional colocou o vice na mira da oposição. Deputados querem aprovar requerimento de convite para que ele compareça à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e explique o porquê de sua presença em Teerã. Os deputados disseram que ele deveria ter se retirado diante do constrangimento. Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que Alckmin “se associou à escória do mundo” e deve explicar “as razões pelas quais Lula ‘pagou missão’ para ele ir nessa cova de terroristas”.

Na primeira fileira, Geraldo Alckmin, na última cadeira à esquerda, e Ismail Haniyeh, na última cadeira à direita Foto: Press TV

Discrição e cautela

Quem convive com o vice nessas missões reporta que Alckmin não demonstra predileção pela atuação internacional, nem busca protagonismo, dando, inclusive, mais foco a sua agenda doméstica. Nem que quisesse ele poderia desenvolver uma agenda própria. Por norma constitucional, a condução da política externa brasileira é uma prerrogativa do presidente da República, executada com suporte do Itamaraty.

Lula, por sua vez, pode delegar sua representação no exterior e não necessariamente ao vice-presidente, embora seja um precedente recorrente no caso de posses presidenciais - é o padrão pela Casa Branca, por exemplo. Apesar das viagens realizadas por Alckmin, também já foram enviados a cerimônias do tipo o chanceler Mauro Vieira (na Argentina e na República Dominicana) e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (em El Salvador).

Em geral, Alckmin adota um roteiro externo discreto, sem esticar a estada fora do País para passeios culturais, por exemplo. O vice-presidente costuma ordenar que as missões tenham perfil de custo baixo, sem hotéis de luxo ou bilhetes de primeira classe.

Isso chama a atenção nos bastidores do governo e costuma ser atribuído por seus colaboradores a suas raízes familiares no catolicismo franciscano, a que pertenceu seu pai. Ele, de fato, costuma ser acompanhado por comitivas diminutas (de três a cinco servidores) no exterior - muitas vezes sem fotógrafo e assessoria de comunicação, algo raro entre ministros. Diplomatas do Itamaraty têm sido escalados para prestar suporte nessas áreas.

Quando dispensou o uso do avião da Força Aérea Brasileira (FAB), em geral usado para deslocamentos na América Latina, ele determinou a compra de passagens em classe econômica. Isso, inclusive, provocou surpresa nas equipes de cerimonial da Esplanada e fez ministros que buscavam uma classe mais confortável - a executiva - optarem por voos separados do de Alckmin, para evitar o constrangimento de voar em assento mais caro do que o chefe da delegação.

Geraldo Alckmin desembarca em Quito, no Equador, para posse de Daniel Noboa como presidente - 23/11/2023 Foto: Divulgação/VPR

Integrantes do governo também interpretam que existe cautela do vice por razões ideológicas. Dois colaboradores da diplomacia com quem o vice viajou avaliam que Alckmin cumpre apenas o papel de representação institucional por não se sentir completamente à vontade com a abordagem determinada por Lula ao relacionamento com governos autoritários do chamado Sul Global.

Mais de um interlocutor do vice-presidente interpreta que seu perfil político e suas ideias econômicas mais liberais o deixariam mais à vontade para participar do relacionamento com as democracias ocidentais - não com o eixo de contestação delas, o dos países em desenvolvimento. Há quem diga que o vice até evita algumas aproximações. Um terceiro e relevante membro da equipe diplomática, no entanto, negou que Alckmin tenha verbalizado qualquer resistência nesse sentido e ressaltou que ele age com anuência e sob requisição do presidente.

Essas fontes dizem que o vice vai cumprir o que o presidente Lula solicitar, de acordo com as possibilidades de sua agenda, que além da Vice-Presidência inclui as demandas do MDIC. Ao chapéu duplo de vice e ministro também se soma a longa experiência política de quatro gestões como governador de São Paulo, o que lhe rendeu relações no meio diplomático e o faz ser buscado por embaixadores e empresários.

“O vice-presidente já tem atribuições bem definidas na política externa. Não vejo Alckmin avocando atribuições maiores, nem creio que Lula vá ceder tarefas centrais. Alguns temas específicos só ganham impulsão se o presidente estiver presente, como G-20 e os diálogos sobre as guerras, que projetam a liderança e o protagonismo do presidente. Nem Alckmin vai demandar nada além do que lhe cabe, pela característica de homem público que é, discreto e sempre muito respeitoso com Lula, nem o presidente vai atribuir o que não pode ao vice. Outras tarefas não tão centrais, embora importantes, ele pode delegar a depender da circunstância”, diz Hussein Kalout, professor de Relações Internacionais e pesquisador na Universidade Harvard.

O caso da Venezuela chama a atenção. Se quando governador de São Paulo pelo PSDB Alckmin recebia esposas de presos políticos e comitivas de opositores ao chavismo (ele abriu o Palácio dos Bandeirantes, em 2014, à líder da oposição María Corina Machado), agora o vice demorou uma semana para se posicionar em publicamente. Quando questionado sobre o impasse eleitoral em Caracas, apenas seguiu o teor de manifestação oficial do governo, citando que Lula e os presidentes da Colômbia e do México “querem respeito aos eleitores e, portanto, aguardam as atas de votação para que se tenha essa segurança e se tenha essa transparência tão necessária”.

Lula tem relacionamento historicamente amistoso com o ditador Nicolás Maduro - apesar das recentes provocações -, e o governo brasileiro tem sido paciente e tentado manter diálogo com o regime. O PSB, partido do vice, e alguns dos aliados próximos dele divergiram logo da abordagem do PT de reconhecê-lo como presidente reeleito, após uma disputa marcada por obstáculos impostos à oposição e denúncias de fraude que mobilizaram a comunidade internacional. O partido de Alckmin considera que Maduro comanda uma ditadura - o próprio Lula discorda e afirma que se trata de um regime de viés autoritário e “muito desagradável”. A classificação é contestada até no petismo.

Em relação ao Irã, o vice-presidente não fez publicações em redes sociais a respeito de sua presença em Teerã para a posse do novo presidente iraniano - o que difere das demais cerimônias a que atendeu na América Latina. Sua agenda revela que ele foi a um jantar oferecido por Pezeshkian, foi recebido pelo presidente em audiência e manteve encontro com empresários. Integrantes do governo Lula disseram que o envio de Alckmin faz parte de um aceno ao Irã depois da eleição de um político de perfil mais moderado.

Encontro entre Geraldo Alckmin e o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, durante a posse em 1/7/2024 Foto: Cadu Gomes/VPR

Comissões com China, Nigéria e Rússia

Em vez de ir à Rússia para a recente reunião dos ministros de Indústria do Brics realizada entre 14 e 19 de agosto, Alckmin enviou como seu representante o secretário-executivo, Márcio Fernando Elias Rosa. O encontro discutiu a política industrial. Homem de confiança do vice há anos, Elias Rosa é quem na prática costuma ser o mais alto funcionário do MDIC nas missões presidenciais, porque Alckmin assume o Palácio do Planalto. Lula já confirmou presença na Cúpula de Líderes do Brics, entre 22 e 24 de outubro, na cidade de Cazã.

O Estadão apurou que existe um cuidado no governo Lula com gestos de aproximação com Moscou para não melindrar a União Europeia nem atrapalhar politicamente as tratativas para finalizar o acordo do bloco com o Mercosul. A negociação já dura 25 anos e vem sendo conduzida pelo governo brasileiro, em nome dos sul-americanos, com a Comissão Europeia. Um acerto foi barrado por indisposição política no ano passado.

Há outra frente de relacionamento com os russos congelada. Assim como lidera uma parte relevante do relacionamento com a China por meio da Cosban, Alckmin é o representante do País na Comissão Brasileiro-Russa de Alto Nível de Cooperação (CAN). O mecanismo, no entanto, não tem funcionado com periodicidade. A última reunião efetiva ocorreu em 2015, quando o vice-presidente Michel Temer viajou à Rússia.

Desde 2021, os governos promovem reuniões em nível ministerial a fim de preparar a 8ª reunião da CAN. Ela ocorreria em 2022, mas os planos naufragaram após a invasão da Ucrânia pelas forças russas. Os chanceleres dos dois países combinaram a reativação no ano passado, e em fevereiro uma delegação interministerial brasileira foi a Moscou numa missão preparatória. A reunião seria liderada por Alckmin e pelo primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin. Ela segue, no entanto, sem data determinada para ocorrer.

Segundo integrantes da Vice-Presidência, no entanto, eles ainda não receberam no gabinete nenhuma demanda de organizar a próxima reunião da CAN. O mais provável é que ocorra em 2025. Um aliado de Alckmin diz que ele não patrocinaria nada que estivesse em descompasso com governo.

O vice-presidente também desempenha função similar no Mecanismo de Diálogo Estratégico Brasil-Nigéria (MDE), criado e realizado uma única vez, em 2013. Por causa de sua função como ministro, Alckmin ainda exerce liderança pelo lado brasileiro no Fórum de CEOs e no Diálogo Comercial Brasil-Estados Unidos.

Lula delegou ao vice a missão de coordenar uma agenda regional do Brasil com a Guiana, de olho em obras transnacionais de infraestrutura que reduzam o tempo de escoamento de produtos, por meio do Mar do Caribe.

O vice-presidente Geraldo Alckmin conversa na Guatemala com Josep Borrell, Alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança Foto: Divulgação/VPR

No caso das posses presidenciais, para definir quem vai, são avaliadas conveniências de agenda do presidente e vice, além do perfil e da relevância da relação com os países, tanto os laços políticos quanto econômicos. Alckmin autou sobretudo nas Américas, onde o Brasil deseja projetar liderança. A posse de Raúl Mulino, no Panamá, representou a expectativa de mudanças no país, que manifestou na ocasião interesse em ingressar no Mercosul.

Houve ainda momentos de dar respaldo à institucionalidade democrática. Foi o caso da Guatemala, em janeiro, e do Equador, em novembro do ano passado. Nos dois momentos, os presidentes Bernardo Arévalo, de esquerda, e Daniel Noboa, de direita, elegeram-se em cenários de instabilidade política. A vitória de Arévalo foi contestada e houve ameaças a sua posse na Guatemala. Noboa assumiu em Quito para um mandato curto, após a convocação de eleições antecipadas pelo ex-presidente Guilhermo Lasso, que sofreu um processo de impeachment.

O governo Lula faz da defesa da democracia uma bandeira de sua inserção internacional, sobretudo por causa da tentativa de golpe no Brasil, deflagrada após sua eleição no ano passado e que culminou no 8 de janeiro. “O processo eleitoral na Guatemala sofreu sérias ameaças, mas a democracia prevaleceu. As ameaças à posse do presidente Lula reforçaram nossa convicção sobre a importância do apoio da comunidade internacional e de instrumentos como a Carta Democrática da OEA (Organização dos Estados Americanos) para a preservação da democracia no continente americano”, disse Alckmin, na posse de Arévalo.

A delegação do Brasil na reunião de ministros da Indústria do Brics, na Rússia, em agosto de 2024, foi chefiada pelo secretário executivo Márcio Elias Rosa, no lugar de Alckmin Foto: Divulgação/MDIC

112 encontros

A assessoria do vice-presidente diz que Alckmin atua na agenda internacional como forma de “fortalecer a indústria brasileira no exterior, atrair investimentos estrangeiros para o país e, na função de vice-presidente, de representação do presidente Lula fora do Brasil”.

No primeiro ano de governo, Alckmin concentrou-se em agendas de política externa dentro de seu gabinete. Um levantamento da Assessoria Especial de Assuntos Diplomáticos da Vice-Presidência da República mostra que, contando compromissos que cumpriu em Portugal e no Equador, Alckmin manteve 112 encontros com autoridades estrangeiras de 39 países - do total, 74 foram audiências.

A compilação inclui desde as saudações na cerimônia de posse, em 1º de janeiro de 2023. Mas também soma as viagens, recepções, fóruns empresariais, comitivas de empresas como a chinesa BYD, delegações do Parlamento Europeu e autoridades governamentais, como o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Ulisses Correia e Silva, o enviado especial de Joe Biden para o Clima, John Kerry, a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, além de chefes de Estado e de governo recebidos ao lado de Lula, como o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o chanceler da República Federal da Alemanha, Olaf Scholz.

O levantamento deve ser atualizado anualmente. Em 2024, Alckmin já recebeu, entre outros: o chanceler da China, Wang Yi, a chanceler da Bolívia, Celinda Sosa, o embaixador da Itália, Alessandro Cortese, e o diretor da Agência Internacional de Energia (AIE), Fatih Birol, o embaixador de Angola, Manuel Eduardo Bravo, o embaixador do Vietnã, Bui Van Nghi, a embaixadora da União Europeia, Marian Schuegraf, os embaixadores do Brasil na China, Marcos Galvão, e na Argentina, Julio Bitelli, o governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof, o vice-premiê e ministro da Economia e Finanças coreano, Choi Sang-Mok, o ministro da Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, Bandar Alkhorayef.

O vice participou ativamente ainda das agendas em visitas de Estado ao País. Liderou fóruns empresariais por ocasião das visitas do presidente da França, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida. Organizou reunião com empresários liderados pelo premiê espanhol, Pedro Sánchez, e participou do almoço oferecido ao presidente italiano, Sergio Mattarella.

Alckmin também participou de reuniões no Rio com representantes dos fundos soberanos da Arábia Saudita e empresários da Coreia do Sul.

Lula reduz ritmo, mas mantém agenda fora do País

Alckmin viajou pouco no ano passado porque o próprio Lula liderou, sob críticas da oposição, um périplo internacional que passou por 24 países, em 15 viagens, que deixaram o petista mais de dois meses fora do Palácio do Planalto. Nessas ocasiões, Alckmin permanecia em Brasília para assumir a chefia do Executivo - o que o impede de viajar mais. A agenda externa do vice depende da vontade e da “precedência” do petista.

Lula chegou a dizer que 2024 seria a vez de Alckmin assumir o papel de caixeiro viajante - “colocar o Brasil embaixo do braço e sair pelo mundo vendendo os projetos que a gente tem na tentativa de construir parceria”. O petista, porém, manteve uma agenda de viagens frequentes ao exterior, em menor ritmo do que no ano passado.

De janeiro a agosto, Lula viajou a 10 países (Chile, Bolívia, Paraguai, Suíça, Itália, Colômbia, Guiana, São Vicente e Granadinas, Etiópia e Egito). No mesmo período do ano passado, foram 19 viagens ao exterior (São Tomé e Príncipe, Angola, África do Sul, Bélgica, Colômbia, Paraguai, Argentina, Itália, Vaticano, França, Japão, Reino Unido, Portugal, Espanha, Emirados Árabes Unidos, China, Argentina, Uruguai e Estados Unidos).

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