THE WASHINGTON POST - O serviço de inteligência estrangeira da Alemanha alega ter interceptado comunicações de rádio nas quais soldados russos discutem a realização de assassinatos indiscriminados de civis na Ucrânia.
Em duas comunicações separadas, soldados russos descreveram interrogar soldados ucranianos e civis e depois atirar neles, de acordo com um oficial de inteligência familiarizado com as descobertas que, como outros, falou sob condição de anonimato devido à sensibilidade do assunto.
As descobertas, relatadas pela primeira vez pela revista alemã Der Spiegel e confirmadas por três pessoas a par das informações, minam ainda mais as negações da Rússia de envolvimento na carnificina. A Rússia alegou várias vezes que as atrocidades estão sendo realizadas somente depois que seus soldados deixam as áreas ocupadas ou que as cenas de massacres de civis são “encenadas”.
Um porta-voz do BND se recusou a comentar o caso. Um porta-voz do governo, Steffen Hebestreit, fez uma referência elíptica na quarta-feira a “indicações críveis” de que as forças russas em Bucha estavam interrogando prisioneiros “que foram posteriormente executados”. Ele citou apenas “insights que temos”.
Imagens de Bucha, um subúrbio da capital ucraniana, tornaram-se símbolos das atrocidades da guerra e galvanizaram pedidos de investigações sobre possíveis crimes de guerra. Uma pessoa disse que as mensagens de rádio provavelmente fornecerão mais informações sobre suspeitas de atrocidades em outras cidades ao norte de Kiev que foram ocupadas por soldados russos.
A Alemanha tem imagens de satélite que apontam para o envolvimento da Rússia no assassinato de civis em Bucha, disse o oficial de inteligência, mas as transmissões de rádio não foram vinculadas a esse local. A agência de inteligência estrangeira, conhecida como BND, pode combinar sinais de inteligência com vídeos e imagens de satélite para fazer conexões com assassinatos específicos.
Denúncias de crimes de guerra na Ucrânia
As escutas sugerem que membros do Grupo Wagner, a unidade militar privada com laços estreitos com o presidente russo Vladimir Putin e seus aliados, desempenharam um papel nos ataques a civis. Autoridades de inteligência alemãs informaram na quarta-feira membros de pelo menos dois comitês parlamentares sobre as descobertas, segundo pessoas familiarizadas com o processo.
“As crueldades relatadas afetaram os membros dos respectivos comitês onde foram relatadas com muita força”, disse uma das pessoas informadas sobre a inteligência.
As descobertas da inteligência alemã contribuem para a compreensão das atitudes dentro das forças armadas russas, mas dificilmente representam a evidência final de quem atirou em quem e em que momento, segundo uma fonte alemã.
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Alex Whiting, professor visitante da Harvard Law School que anteriormente coordenou investigações no Tribunal Penal Internacional em Haia, disse que a principal questão a ser discernida das comunicações interceptadas é se os soldados estavam agindo de acordo com algum plano ou alguma direção geral.
“Só o fato de que eles estariam conversando entre si sobre esses assassinatos indicaria isso e refutaria qualquer sugestão de que esses eventos fossem espontâneos e aleatórios”, disse.
A dependência das tropas russas de dispositivos de comunicação não seguros, incluindo smartphones e rádios push-to-talk, deixou suas unidades vulneráveis a ataques, dizem autoridades ocidentais de defesa e inteligência.
Crimes de guerra
O presidente americano, Joe Biden, e outros pediram que Putin seja julgado por crimes de guerra, e promotores na Ucrânia e em toda a Europa estão reunindo evidências de abusos no campo de batalha. O Tribunal Penal Internacional está investigando, assim como as autoridades nacionais.
No mês passado, o escritório do promotor federal na Alemanha abriu uma investigação sobre suspeitos de crimes de guerra russos, dizendo que estava examinando ataques a civis e infraestrutura ucranianos. Em sua investigação, a Alemanha está se baseando no princípio da jurisdição universal, que dá aos tribunais nacionais autoridade para processar genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra perpetrados por estrangeiros em território estrangeiro.
O princípio, que permitiu que Israel julgasse Adolf Eichmann em 1961, foi recentemente usado pela Alemanha para processar crimes cometidos no Iraque e na Síria, inclusive por um ex-oficial de inteligência do regime do presidente sírio Bashar Assad. O funcionário, Anwar Raslan, foi condenado por crimes contra a humanidade no primeiro julgamento do mundo relacionado à tortura patrocinada pelo Estado sob o governo de Assad. Ele foi condenado à prisão perpétua.