BERLIM - A polícia da Alemanha prendeu cerca de 25 pessoas, incluindo um autodenominado príncipe, um paraquedista aposentado e uma ex-juíza nesta quarta-feira, 7, acusados de fazer parte ou apoiar uma organização terrorista doméstica que planejava derrubar o governo e formar seu próprio Estado, disse o promotor federal do país. O grupo, que se apoiava em teorias da conspiração, planejava, em um dia específico, invadir o Parlamento e e assassinar seus membros.
Segundo os promotores que investigam o caso, o grupo foi formado no ano passado e operava sob a convicção de que “a Alemanha é atualmente governada por membros de um chamado Estado profundo” que precisava ser derrubado. Os promotores disseram que outras duas pessoas foram presas fora da Alemanha, uma na Áustria e outra na Itália.
Os suspeitos são acusados de se preparar, desde o final de novembro de 2021, para realizar ações que incluíam aquisição de armas e equipamentos, recrutamento de novos membros e aulas de tiro. O recrutamento era focado principalmente em membros das Forças Armadas e policiais.
Os promotores descreveram o grupo, que não identificaram pelo nome, como influenciado pelas ideologias do grupo de conspiração QAnon e de um grupo de conspiração de direita alemão chamado Reichsburger (Cidadãos do Reich), que acredita que a Alemanha pós-Segunda Guerra não é um país soberano, mas uma corporação criada pelos Aliados que venceram a guerra.
O grupo estava preparado para usar a violência - incluindo o assassinato de representantes do Estado - para realizar seu objetivo de substituir a ordem existente na Alemanha por sua própria forma de governo, disse a promotoria.
Além das prisões, a polícia revistou as propriedades de mais 27 indivíduos que estão sendo investigados por uma suspeita inicial de serem membros ou terem apoiado a organização, disse o comunicado da promotoria do caso.
Mais de 3.000 policiais estiveram envolvidos nas operações, que aconteceram em 11 dos 16 estados da Alemanha. Embora batidas policiais contra a extrema direita não sejam incomuns no país – ainda sensível ao seu sombrio passado nazista – a escala da operação foi incomum.
“Estamos falando de um grupo que, de acordo com o que sabemos até agora, planejava abolir violentamente nosso estado democrático de direito e um ataque armado”, disse o porta-voz do governo Steffen Hebestreit ao prédio do parlamento alemão.
Lideranças
O “conselho central” do grupo era chefiado por um indivíduo chamado Heinrich XIII, que a mídia alemã identificou como o príncipe Heinrich XIII, 71, descendente da Casa de Reuss, uma dinastia real do estado alemão da Turíngia. Ele seria empossado como o novo líder alemão após o ataque. A família Reuss há muito se distanciou de Heinrich XIII por causa de seu envolvimento no Reichsburger.
“Desde novembro de 2021, os membros do ‘Conselho’ se reúnem regularmente em segredo para planejar a pretendida tomada do poder na Alemanha e o estabelecimento de suas próprias estruturas estatais”, disse o comunicado. Os membros acreditavam que a “libertação” seria auxiliada pela intervenção da “Aliança” – uma sociedade secreta de militares e governos, incluindo os da Rússia e dos Estados Unidos.
Heinrich XIII procurou representantes russos dentro da Alemanha, disse a promotoria. Ele teria sido supostamente auxiliado por uma mulher russa, Vitalia B. A promotoria acrescentou que não há indícios de uma resposta positiva às suas propostas.
A embaixada da Rússia em Berlim negou qualquer vínculo com este tipo de organização. “As representações diplomáticas e consulares russas na Alemanha não têm qualquer contato com representantes de grupos terroristas ou de qualquer outra formação ilegal”, afirmou, segundo as agências de notícias estatais Ria Novosti e Tass.
A liderança do grupo era também compartilhada com um homem identificado apenas como Ruediger. Segundo a imprensa alemã, Ruediger era um ex-pára-quedista de 69 anos.
Os promotores também identificaram Birgit Malsack-Winkemann, uma ex-juíza e ex-parlamentar do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), legenda que está cada vez mais sob escrutínio dos serviços de segurança alemães devido a seus laços com extremistas.
Os co-líderes da AfD, Tino Chrupalla e Alice Weidel, condenaram os planos relatados, dos quais disseram só terem conhecimento por meio da mídia. “Temos total confiança nas autoridades envolvidas e exigimos uma investigação rápida e abrangente”, disseram em comunicado.
Braço armado
Mas além das teorias da conspiração para tomar o poder, o grupo possuía um braço militar, que estaria envolvido na tentativa de tomada armada do Estado. Este corpo incluía ex-membros das forças armadas da Alemanha, e os esforços de recrutamento foram direcionados a membros das forças armadas e da polícia.
Um soldado da ativa e vários reservistas estão entre os investigados, disse um porta-voz do serviço de inteligência militar à agência Reuters. O militar é membro do Comando das Forças Especiais.
Muitos dos presos tinham treinamento militar e incluíam ex-soldados alemães, inclusive do exército da antiga Alemanha Oriental. Segundo a promotoria, eles estavam fortemente armados com armas adquiridas ilegalmente.
Seria este braço o responsável por um ataque armado ao Reichstag, como é chamado o prédio onde funciona o Parlamento alemão (a Bundestag). Os membros também formaram uma espécie de governo paralelo que pretendiam instalar se seus planos fossem bem-sucedidos, incluindo a nomeação para departamentos de Saúde, Justiça e Relações Exteriores.
“Os membros da organização estavam cientes de que esse objetivo só poderia ser alcançado com o uso de meios militares e violência contra os representantes do Estado”, disse o comunicado do procurador. “Isso também incluía assassinatos de membros do Parlamento e do Executivo.”
O legislador do Partido Verde, Konstantin von Notz, traçou paralelos com o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos. “O mais tardar desde 6 de janeiro de 2021, sabemos que o discurso antidemocrático também pode ser seguido por ações dirigidas contra a democracia e o Parlamento”, afirmou. “Hoje, as autoridades de segurança alemãs conseguiram interromper esses planos de tomada do poder.”
O grupo é uma pequena franja extremista que cresceu nos últimos anos, ganhando mais destaque durante a pandemia, quando seus membros saíram às ruas ao lado de uma mistura de teóricos da conspiração e outros grupos de direita. O movimento é formado por pequenos grupos ativos além das fronteiras e online, com a inteligência alemã alertando que alguns subgrupos cresceram rapidamente nos últimos anos.
A extrema direita na Europa
Em 2021, estima-se que o movimento incluía cerca de 21.000 pessoas em todo o país, de acordo com um relatório da agência de inteligência doméstica da Alemanha, que estimou que cerca de 10% deles eram “orientados para a violência”.
“As investigações fornecem um vislumbre do abismo de uma ameaça terrorista do ambiente do Reichsburger”, disse a ministra do Interior alemã, Nancy Faeser. “A suposta organização terrorista descoberta hoje é – de acordo com o estado das investigações – impulsionada por fantasias violentas de derrubada e ideologias de conspiração.”
Segundo a imprensa, os investigadores teriam ficado sabendo do grupo quando descobriram um plano de sequestro em abril. Há alguns meses, as autoridades alemãs desmantelaram um pequeno grupo de extrema direita suspeito de planejar atentados no país e o sequestro do ministro da Saúde, que implementou as medidas de restrição anticovid.
Os serviços de inteligência da Alemanha dizem há anos que a maior ameaça ao país vem de grupos extremistas domésticos de extrema direita. Extremistas de direita em 2019 mataram um político local no estado alemão de Hessen e, no mesmo ano, tentaram atacar uma sinagoga./NYT, AP, AFP e W.POST