THE NEW YORK TIMES - Em 2003, quatro anos após o começo do mandato do presidente Vladimir Putin e com a política liberal no seu ponto mais baixo, visitei o escritório de Moscou do Partido Yabloko, de centro-esquerda. Lá, entre os anticomunistas inveterados de 50 e poucos anos que dominavam o partido, estava um funcionário de 27 anos. Era Alexei Navalni.
Rapidamente nos tornamos amigos. Éramos membros da mesma geração e da mesma cultura, tínhamos as mesmas opiniões sobre o bem e o mal, falávamos a mesma língua. Embora nem sempre concordássemos, eu sentia que ele e eu éramos – para citar Rudyard Kipling – “do mesmo sangue”.
Era óbvio que tal homem se sentiria apertado em uma velha festa abafada, e assim aconteceu. Mas não era nada óbvio que Navalni se tornaria o líder indiscutível da oposição, seu desafio ao governo de Putin era tão profundo que levaria aos esforços do regime para silenciá-lo – por meio de tentativa de assassinato, prisão e doença que o ameaçou de morte - e para milhares de russos, em todo o país, que saíram às ruas para protestar. A Rússia agora tem dois líderes nacionais: Putin no Kremlin e Navalni na prisão.
Quando nos conhecemos, esse futuro – se alguém tivesse retornado de 2022 para nos contar sobre isso – teria parecido improvável. Na época, um movimento de oposição estava lentamente tomando forma. E nas reuniões de figuras da oposição, unidas em seu desacordo com Putin, eu costumava ver meu velho conhecido Alexei Navalni. Ele entendeu que a vida política real estava lá, não em seu próprio partido, e rapidamente se tornou uma das figuras notáveis da oposição.
Sua expulsão do Yabloko em 2007 por participar de uma manifestação nacionalista – à qual participou por solidariedade aos nacionalistas que enfrentavam a repressão do Kremlin – não foi uma grande perda para ele. Ele já havia criado um nome para si mesmo como autor de um blog popular: enquanto outros xingavam Putin e protestavam pela liberdade de reunião, Navalni começou a trabalhar expondo abusos em empresas estatais e acusando as autoridades de roubo. Criticar a corrupção era mais convincente do que slogans que defendiam a democracia.
No entanto, o ponto de virada, para o país e para Navalni, veio em 2011, quando Putin decidiu se tornar presidente da Rússia novamente e seu partido, o Rússia Unida, reuniu uma maioria improvável. Protestos em massa eclodiram e os líderes da oposição, que se acostumaram a ver cerca de cem pessoas em suas reuniões, de repente se viram olhando para dezenas de milhares de cidadãos.
É tentador neste momento dizer que houve uma competição de liderança que Navalni venceu, mas isso não seria verdade. Havia muitos outros líderes: o liberal Boris Nemtsov, o comunista Sergei Udaltsov, o nacionalista Alexander Potkin, o ex-primeiro-ministro Mikhail Kasianov, o campeão de xadrez Garry Kasparov. Mas um após o outro – através de assassinato, intimidação, prisão e chantagem – eles desapareceram de cena.
Isso deixou apenas Navalni, levando alguns a suspeitar que ele estava trabalhando para o Kremlin, uma impressão reforçada pelo fato de que em 2013 ele foi libertado publicamente da prisão e autorizado a participar da eleição para prefeito de Moscou.
Se alguma suspeita persistiu, elas foram definitivamente encerradas em agosto de 2020, quando Navalni aparentemente foi envenenado com um agente que ataca o sistema nervoso, o Novichok, a bordo de um voo para Moscou. Ficou claro que o Kremlin estava apenas mantendo o Navalni para a sobremesa.
Ele insiste que seus envenenadores, agindo por ordem de Putin, pretendiam matá-lo. Mas talvez, como uma investigação do Dossier Center – financiado pelo ex-oligarca Mikhail Khodorkovsky, um crítico do Kremlin que passou quase 10 anos na prisão – sugeriu, o plano não era matar Navalni, mas assustá-lo. Isso faria sentido. Afinal, muitos dos oponentes anteriores de Putin, por coação ou medo, deixaram a Rússia permanentemente.
Quando Putin concordou em permitir a retirada de Navalni para a Alemanha para tratamento, ele provavelmente teve certeza de que o homem não voltaria. Foi uma aposta justa: ao longo dos anos de poder de Putin, quanto mais as pessoas tiveram acesso a automóveis, eletrodomésticos e eletrônicos de consumo, mais consentiram com limitações de sua liberdade e atividade política. Putin provavelmente tinha certeza de que Navalni era como os outros – que entre a prisão na Rússia e uma vida de conforto na Europa, ele escolheria o último. Mas Putin calculou mal.
Antes mesmo de concluir seu tratamento na Alemanha, Navalni afirmou que voltaria para a Rússia; ele até anunciou publicamente seu número de voo e horário de partida. Assim que chegou, ele foi devidamente preso no controle de passaportes. Seguiu-se uma audiência de emergência em uma delegacia de polícia local, várias semanas em uma prisão de Moscou e depois uma sentença de mais de dois anos em uma colônia penal. A cada passo, Navalni divulgou declarações nas mídias sociais por meio de seus advogados, sua marca registrada, humor e autoconfiança, visíveis por toda parte.
Até na cadeia, quando suas pernas começaram a falhar e ele exigiu ver seus médicos, ele fez uma piada sobre isso: disse que havia se acostumado com a perna e não queria perdê-la. Foi o comportamento de um homem corajoso, orgulhoso, inquebrantável, enfrentando um sistema desumano, cujas armas são a prisão e a violência – uma trama arquetípica, familiar a qualquer país que vivenciou a ditadura.
Embora a condição de Navalni, às vezes terrível, pareça ter se estabilizado, não há garantia de sua segurança enquanto ele definha na prisão. As perspectivas para o movimento de oposição – principalmente depois que as atividades da Fundação Anticorrupção, organização política de Navalni, foram suspensas – parecem sombrias.
Quanto a Putin, ele descobriu a loucura de se recusar a encarar seu oponente honestamente. Os protestos que varreram o país após sua prisão, atestam a força do apelo de Navalni e, talvez mais importante, a profundidade da insatisfação dos russos comuns com seu governante. Isso foi obra dele. Ao não reconhecer o direito de Navalni de participar da política, Putin se colocou em confronto com um líder que é seu igual.
Agora, depois de se livrar de todos os seus oponentes, reais e imaginários, Putin se encontra sozinho. Como a rainha de um conto de fadas russo, que todos os dias pergunta a um espelho mágico quem é a mais bela de todas, ele anseia desesperadamente pela supremacia.
*Oleg Kashin é jornalista