Enquanto a poeira baixava sobre o desafio mais sério em décadas à autoridade do presidente russo, Vladimir Putin, Washington e seus aliados tentavam recapitular os eventos históricos que ocorreram na Rússia, com o Grupo Wagner marchando pelas estradas do país e chegando a 200 quilômetros da capital Moscou. Depois disso, Ievegni Prigozhin fez um acordo com Putin, mediado pelo presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, para se mudar para o país vizinho em um exílio incerto.
No domingo, 25, oficiais de inteligência e diplomatas - sem saber exatamente o que tinham testemunhado tiveram que analisar as declarações oficiais do Kremlin e assistir novamente a vídeos postados no Telegram, a rede social que Prigozhin usou para tentar convencer o povo russo que a guerra na Ucrânia foi um desastre estratégico liderado por comandantes incompetentes e bajuladores políticos.
Publicamente, as autoridades dos EUA destacaram os possíveis benefícios para a Ucrânia do caos na Rússia. O secretário de Estado, Antony Blinken, disse no domingo que a breve revolta do Grupo Wagner, e como ela foi finalmente resolvida, mostrou “rachaduras” da liderança autoritária de Putin.
“Pense desta forma: 16 meses atrás, as forças russas estavam às portas de Kiev, na Ucrânia, acreditando que tomariam a capital em questão de dias e apagariam o país do mapa como um país independente. Agora, o que vimos é a Rússia tendo que defender Moscou, sua capital, contra mercenários criados pelo próprio (Putin)”, disse Blinken no programa “Meet the Press” da NBC News.
“Certamente, temos todo tipo de novas questões que Putin terá de abordar nas próximas semanas e meses”, acrescentou Blinken.
Incerteza
Autoridades nos Estados Unidos e em toda a Europa disseram não ter certeza do que vem a seguir e estão preocupadas com a instabilidade que pode se seguir a uma tentativa dos rivais de Putin, incluindo Prigozhin, de derrubar o presidente em um momento vulnerável.
No topo da lista de questões que as autoridades estão colocando a seus analistas de inteligência está se Prigozhin conseguiu abalar as fundações do Kremlin com tanta força que Putin se sentirá compelido a demitir generais ou ministros que lideram a guerra, como Prigozhin repetidamente exigiu.
Mais imediatamente, porém, há outra pergunta: o que acabou de acontecer? Em um minuto, Prigozhin havia assumido um importante quartel-general militar no sul, comandando a máquina de guerra da Rússia na Ucrânia. No dia seguinte, ele concordou com uma trégua mediada pelo presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, que está mais acostumado a ser aliado de Putin do que a intervir entre as facções em guerra.
“Por que tudo se acalmou tão rapidamente e como o fantoche de Putin, Lukashenko, recebeu o crédito?” perguntou um diplomata europeu, que, como outros, falou sob condição de anonimato para descrever discussões privadas. “Que impacto isso terá nas defesas da Rússia e haverá alguma mudança de pessoal na liderança militar?”
Um oficial da inteligência ocidental estava cético de que Prigozhin permaneceria em silêncio em Belarus, ecoando as especulações de que ele seria morto ou continuaria a desafiar o estabelecimento militar da Rússia no exterior.
Lealdade a Putin
Bob Seely, um membro do Parlamento britânico que atua no comitê de relações exteriores que investiga Wagner há dois anos, questionou se Putin temia que seu próprio exército não cumprisse suas ordens para impedir que as forças de Wagner entrassem na capital. Mais cedo no sábado, antes da trégua, Putin descreveu os combatentes de Wagner como traidores durante um discurso televisionado à nação.
“Não consigo ver essa paz duradoura”, acrescentou Seely, “porque ou Prigozhin é instável e continuará a atacar e tentar acabar com Putin, ou Putin irá silenciá-lo de alguma forma – financeira, política ou fisicamente”.
Um oficial da inteligência ucraniana, que também não sabia ao certo por que Prigozhin havia desistido, viu sinais de que o líder mercenário pode não estar confiante em suas perspectivas.
“Acho que ele calculou mal suas expectativas de apoio militar”, disse o oficial ucraniano, tendo uma visão diferente de alguns de seus colegas europeus. A revolta que Prigozhin pode ter esperado em Moscou não se materializou, observou o funcionário.
Após os eventos do final de semana, legisladores republicanos e democratas concordaram que os eventos enfraqueceram Putin e fortaleceram a determinação dos Estados Unidos de continuar apoiando a Ucrânia. Mais tarde no domingo, o presidente americano Joe Biden conversou com o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, para discutir a atual contraofensiva contra a Rússia e se comprometeu a continuar o apoio dos EUA à Ucrânia, informou a Casa Branca em comunicado.
Mas oficiais de inteligência alertaram que resta saber se o desafio de Prigozhin realmente enfraqueceu Putin – e se o líder russo acredita que sim. Analistas americanos e ocidentais há muito descrevem Putin como isolado, cercado por simpatizantes e cego para os desafios que suas forças enfrentam.
As autoridades disseram que, no curto prazo, observarão atentamente quaisquer sinais de que Putin possa substituir dois dos principais líderes que foram alvo dos discursos de Prigozhin no Telegram: o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o general Valeri Gerasimov. Prigozhin exigiu uma audiência com os dois homens enquanto suas forças marchavam pela Rússia.
Saiba mais
Quanto ao próximo passo de Prigozhin, as autoridades americanas e ocidentais estavam muito interessadas em saber se o rompimento com Putin o levaria a distanciar o governo russo do Grupo Wagner e retirar o apoio a suas extensas operações na África e no Oriente Médio, onde o grupo oferece segurança e apoio militar para influenciar governos que enfrentam rebeliões ou instabilidade, em troca de contratos de exploração de recursos como ouro em regiões que são muito instáveis para atrair corporações ocidentais.
Embora a empresa de Prigozhin busque obter lucro onde quer que opere, sua ação muitas vezes avança uma agenda do Kremlin e prejudica os interesses ocidentais. Por essas razões, algumas autoridades ocidentais acreditam que Putin provavelmente continuará apoiando as operações de Wagner, mas eventos recentes podem atrasar seu potencial futuro.
“Acho que o Grupo Wagner terá suas atividades fortemente restringidas”, disse um alto funcionário da inteligência europeia. Isso pode ter um custo para Putin. “Prigozhin tem sido a porta de entrada para Moscou em muitos lugares da África, e Moscou conta com o apoio africano mais do que nunca”, disse o oficial de inteligência. Mas, ele reconheceu, o presidente russo tem preocupações mais urgentes, como a sobrevivência política./W. Post