Os partidos governistas do Chile assinaram nesta quinta-feira, 11, um acordo para reformar à Constituição caso a proposta de novo texto constitucional seja aprovada no referendo do dia 4 de setembro. O acordo é uma estratégia do presidente Gabriel Boric para salvar a aprovação da consulta, que pergunta aos chilenos se eles aprovam uma nova Carta Magna ou mantem a atual, imposta durante a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990).
O acordo prevê a alteração via emenda constitucional de artigos mais polêmicos apresentados pela Assembleia Constituinte eleita em 2020, dominada por grupos de esquerda. Caberia ao Congresso, dominado por partidos mais ao centro e à centro-direita, amenizar alguns artigos impopulares, sobretudo os relacionados aos direitos dos povos indígenas.
As atuais pesquisas indicam que a escolha por uma nova Constituição (Apruebo) está 10 pontos percentuais atrás da opção de manutenção do atual texto (Rechazo), embora outras pesquisas divulgadas esta semana indiquem que a distância foi reduzida para cinco pontos.
A estratégia de Boric para reverter o resultado do referendo e garantir uma nova Constituição começou há mais de uma semana, quando ele mobilizou os políticos das duas coalizões políticas a se comprometerem com futuras reformas da Carta Magna proposta, caso ela seja aprovada no plebiscito. Inicialmente, o acordo teve resistência do bloco mais à esquerda, “Aprovo a Dignidade”, formado pelo Partido Comunista e Frente Ampla. A coalizão “Socialismo Democrático”, formada por três partidos de centro-esquerda, o apoiou de imediato.
No dia anterior ao acordo, capitaneado pelos líderes das duas coalizões que apoiam Boric – uma de esquerda e outra de centro-esquerda –, o Congresso aprovou um projeto de lei que reduziu os votos necessários para aprovar emendas constitucionais.
O projeto da nova Constituição, aprovado em julho após quase dois anos de discussão, estabelece que o Chile é “um Estado social e democrático de direito”; reconhece 11 povos indígenas com direito à autonomia e governo livre; consagra unidades territoriais indígena; cria sistemas universais de saúde, educação e segurança; e garante novos direitos, como moradia “digna e adequada”. Ele também estabelece dois sistemas judiciais, o nacional e o indígena.
Se o “Rechazo” ganhar o plebiscito, a oposição de direita, que faz campanha por essa opção, promete introduzir algumas reformas na Constituição da época de Pinochet.
Mudanças estabelecidas no acordo
Entre os pontos acordados, estão questões relacionadas aos direitos indígenas incluídos na Carta Magna em consulta. O acordo garante que as autonomias territoriais dos povos indígenas sejam “consistentes” com o caráter único e indivisível do território do Chile e especifica que os sistemas judiciais dos 11 grupos étnicos reconhecidos são aplicados somente as pessoas do mesmo povo. Além disso, questões de natureza nacional e reformas constitucionais são excluídas das consultas com os povos originários.
Na educação, o acordo pede que seja acrescentado ao texto em votação um sistema educacional que inclua o ensino privado, frequentado pela maioria dos alunos do ensino médio. O mesmo se aplica à saúde, que vai acrescentar a permissão da saúde privada para os chilenos que querem e podem pagar.
No que diz respeito ao regime de pensões, o texto em votação cria um Sistema Público de Segurança Social. O acordo propõe um “novo modelo misto” e acrescenta a permanência de um componente de capitalização individual, no qual é baseado o atual modelo.
Com relação à segurança, o acordo estabelece a restauração da existência do estado de emergência, que não existe no texto em plebiscito.
Além destes pontos, os políticos também buscam que os projetos de lei que resultem em gastos fiscais sejam apenas de competência do presidente, e não dos deputados, como propõe o texto para consulta.
Nova Constituição seria vitória para os indígenas
A aprovação seria uma vitória histórica para os povos indígenas do país, que representam cerca de 13% da população chilena. Pela primeira vez, eles seriam reconhecidos pela Constituição do Chile e teriam o direito à autonomia. O país é um dos poucos da América Latina que ainda não reconhece, nem menciona, os indígenas na Carta Magna.
Independente da aprovação, os indígenas chilenos já fizeram história ao conseguirem fazer parte da redação do texto. Eles tiveram 17 das 155 cadeiras da Assembleia Constituinte, que teve como presidente Elisa Loncón, uma indígena.
Essa seria a primeira vez que os povos originários terão reconhecimento em 200 anos e 10 Constituições redigidas, embora sejam mais de 2 milhões entre 19 milhões de habitantes do Chile.
Entre as novidades no texto estão a garantia de “participação em órgãos colegiados, com cadeiras reservadas, mecanismos de conservação da cultura e da língua, a proteção ambiental”, entre outros.
Atualmente, os povos indígenas chilenos estão contemplados em uma lei nacional de 1993, além de estarem protegidos pelo direito internacional, sob o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinado em 1989. /AP e EFE