À primeira vista, a votação venezuelana no dia 3 de dezembro sobre a reivindicação de Essequibo terá poucas consequências reais. A região de 160.000 quilômetros quadrados, que a Venezuela reivindica há mais de 200 anos, pertence à Guiana, e a campanha de Nicolás Maduro para ressuscitar a questão é vista pela comunidade internacional como ato de desespero para desviar a atenção pública da crise econômica e fomentar o nacionalismo. As cinco perguntas do plebiscito são formuladas, de forma caricata, para induzir os eleitores a apoiarem a reivindicação de Maduro e assim produzir uma “vitória” ao governo. Trata-se, portanto, de uma votação meramente simbólica.
Apesar da retórica cada vez mais agressiva – no mês passado, o Ministro da Defesa da Venezuela, general Vladimir Padrino López, fez um apelo para “ir ao combate” com referência a Essequibo –, o risco de um conflito armado é remoto, e não parece haver intenção real por parte do presidente da Venezuela de invadir a Guiana, ex-colônia britânica que se tornou independente em 1966. Para o regime venezuelano, o custo diplomático e econômico de uma guerra iniciada por Maduro seriam imensos, desde a reimposição de sanções amplas por parte de Washington até a condenação diplomática quase universal – inclusive na América Latina. No caso pouco provável de um ataque militar por parte da Venezuela, a Guiana contaria com apoio de seus aliados, como os Estados Unidos, para preservar sua integridade territorial.
De fato, o plebiscito é uma manobra clássica para inflamar o nacionalismo antes das eleições em 2024. Cientes do risco de serem rotulados de traidores da pátria se criticassem a estratégia esdrúxula de Maduro de priorizar a retomada de Essequibo, numerosos oposicionistas não viram outra opção a não ser apoiar o autocrata venezuelano nesse quesito específico. Não houve, portanto, nenhuma campanha contra a posição governamental.
Há vinte anos, o ex-presidente Hugo Chávez, em busca de apoio pela sua ‘Revolução Bolivariana’, já havia arquivado a reivindicação territorial. As recentes descobertas de petróleo em Essequibo, porém, levaram Maduro a tentar resgatar uma narrativa de vitimização histórica, segundo a qual a nação foi roubada da riqueza que lhe pertence – afinal, Essequibo, que representa dois terços do território da Guiana, é rico em recursos naturais e converteu o país na economia de mais crescimento do mundo na atualidade. A Guiana possui as maiores reservas de petróleo per capita, enquanto a Venezuela tem as maiores reservas absolutas, mas sua capacidade de produção caiu de 3.4 milhões de barris para apenas 700,000 por dia devido ao colapso da estatal venezuelana PDVSA. Maduro é tão impopular que, mesmo tendo barrado a principal candidata da oposição, seu governo está disposto a produzir uma crise internacional para evitar um vexame em uma eleição que não será nem livre nem justa. Outro cenário é que, diante da crise fabricada artificialmente, Maduro anuncie estado de emergência para justificar o adiamento das eleições.
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Apesar de ser uma farsa, porém, o plebiscito de Maduro pode ter mais consequências do que parece. Em primeiro lugar, é um “tapa na cara” do governo brasileiro, bem como na dos outros presidentes sul-americanos. Afinal, a crise tem o potencial de afetar a imagem internacional da região em um aspecto altamente sensível: a estabilidade geopolítica, uma de suas grandes vantagens em comparação com praticamente todas as outras regiões do mundo. Vale lembrar que, sobretudo desde a invasão russa à Ucrânia, a América Latina tornou-se mais atraente para investidores simplesmente por estar geograficamente afastada de qualquer tensão geopolítica.
Como era de se esperar, as ameaças venezuelanas já levaram o governo da Guiana a buscar ampliar sua cooperação de segurança com os EUA, inclusive contempla convidar o governo americano a estabelecer lá uma base militar – afinal, sem capacidade militar própria, a reivindicação territorial venezuelana representa gravíssima ameaça à sobrevivência da Guiana como Estado soberano. Apesar de um ataque ser extremamente improvável, é compreensível que o governo guianês queira estar preparado para todas as eventualidades. “Nunca estivemos interessados em bases militares, mas temos de proteger o interesse nacional”, disse, recentemente, o vice-presidente de Guiana, Bharrat Jagdeo. Errado ele não está.