A Otan se lança no seu maior exercício militar desde o fim da guerra fria, diante de múltiplas ameaças ativas contra o Ocidente. E em meio ao dilema: como equilibrar a necessidade estratégica de demonstrar capacidade de resposta para reforçar a credibilidade das alianças e o poder dissuasório, de um lado, com a necessidade tática de poupar capacidades bélicas e manter um estoque compatível com as ameaças futuras.
Do ponto de vista de todos os contestadores da ordem internacional baseada em regras liderada pelos Estados Unidos, em especial a China, a invasão da Ucrânia pela Rússia teve a função de testar a resolução americana e europeia e também a capacidade de mobilização de recursos para conter uma ameaça ativa no perímetro de sua área de cobertura. EUA e Europa responderam de forma inesperadamente contundente. Na frente política, isso eleva o poder de dissuasão. Entretanto, esse esforço reduziu os estoques bélicos dos países da Otan.
Vladimir Putin percebeu que o tempo corria a favor dele, e seu objetivo passou a ser manter o impasse e deixar o conflito se arrastar. Isso levou à degradação progressiva dos estoques ocidentais e à fadiga política na resolução dos aliados em ajudar a Ucrânia indefinidamente. Nesse momento, o Hamas cometeu as atrocidades de 7 de outubro.
O Hezbollah, do Líbano, intensificou os ataques ao norte de Israel. EUA e Reino Unido deslocaram grupos de batalha naval, liderados por porta-aviões, para a costa israelense. Os houthis, do Iêmen, passaram a alvejar o sul de Israel, assim como navios a serviço de empresas israelenses e ocidentais no Mar Vermelho. Os EUA então formaram uma coalizão de 22 países para proteger o Canal de Suez, por onde passa 30% do tráfego marítimo global e, com o Reino Unido, passaram a bombardear posições dos houthis. Assim, EUA e Reino Unido redirecionaram capacidades bélicas e energia política da Ucrânia para o Oriente Médio.
Uma terceira frente de ameaças parece perto de entrar em atividade: a do Leste Asiático. A eleição presidencial em Taiwan, no dia 13, assegurou um terceiro mandato ao Partido Democrático Progressista (PDP), o mais comprometido com a resistência ao plano da China de anexar a ilha. O regime comunista chinês fez de tudo para desencorajar os eleitores taiwaneses a votar em Lai Ching-te, vice da atual presidente, Tsai Ing-wen, a primeira mulher a governar o país.
Em um simpósio para celebrar o 130.º aniversário de Mao Tsé-tung, no dia 26, Xi Jinping declarou que “a completa reunificação da pátria é uma tendência irresistível”, e que o regime chinês deve “impedir qualquer um de separar Taiwan da China seja como for”.
Posts nas redes sociais tentaram difundir sentimentos racistas, acusando o governo taiwanês de atrair trabalhadores imigrantes indianos. Navios e aviões de guerra chineses intensificaram o assédio, em missões destinadas a intimidar a ilha.
Tudo isso tem como objetivo testar não só a determinação do povo taiwanês de defender sua liberdade, mas também dos EUA de honrar seus compromissos com a ilha. Não está em jogo apenas a credibilidade das garantias de defesa oferecidas pelos americanos a seus parceiros. Taiwan é o maior fabricante de semicondutores, o coração de toda tecnologia, tanto civil quanto militar.
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Por último, especialistas em Coreia do Norte identificam mudanças de comportamento do regime, que poderiam indicar preparativos para atacar a Coreia do Sul, Japão e a ilha de Guam, que pertence aos EUA. O regime norte-coreano sempre se esforçou por manter aparência de ameaça ativa contra esses adversários. Mas há sinais de escalada real desta vez.
No dia 15, a Coreia do Norte testou um míssil balístico com alcance de 4 mil km, suficientes para atingir a estratégica Ilha de Guam, que abriga bases navais e aérea dos EUA no Pacífico. O teste foi detectado pelas Forças Armadas sul-coreanas. Ao confirmá-lo, os norte-coreanos afirmaram que o míssil continha ogiva hipersônica controlável. Essa tecnologia oferece não só maior velocidade, mas principalmente maior capacidade de manobra.
O exercício da Otan, que deve durar até maio, é o maior desde 1988. O escopo da aliança militar é a Europa e a ameaça direta, a Rússia. Mas acordos de cooperação entrelaçam a Otan ou alguns de seus principais integrantes com arranjos de defesa envolvendo parceiros da Ásia-Pacífico, como Japão, Coreia do Sul, Índia e Austrália.
O exercício é uma flexão de músculos do Ocidente Coletivo diante da contestação das potências autoritárias revisionistas. Seu efeito dissuasório dependerá da capacidade da aliança de demonstrar coesão política e repor seus estoques de armas e munições.