A América Latina foi um dos lugares do mundo onde o coronavírus chegou mais tarde. Apesar de ter tido tempo para aprender com as experiências de outros países, os latino-americanos sofrem com problemas estruturais, falta de recursos e desorganização para lidar com a pandemia. Sem dinheiro para testes ou leitos de UTI, a ferramenta encontrada até agora pelos governos da região tem sido uma bem barata: o isolamento social.
No entanto, especialistas em saúde pública dizem que o novo coronavírus está prestes a se espalhar perigosamente para o sul, sufocando nações em desenvolvimento já afetadas por sistemas de saúde desgastados, governos frágeis e populações pobres para as quais o distanciamento social pode ser praticamente impossível.
Eles alertaram para uma crise global nas próximas semanas, atingindo as nações que menos podem pagar, no momento em que os países ricos estão preocupados demais com o próprio surto. A densidade populacional e as precárias condições sanitárias em favelas urbanas podem causar um desastre.
“Daqui a três semanas, a Europa e os EUA continuarão agonizando, mas não há dúvida de que o epicentro da pandemia se mudará para lugares como Mumbai, Rio de Janeiro e Monróvia”, disse Ashish Jha, diretor do Instituto Global de Saúde de Harvard. “É preocupante.”
Em muitos países, avaliar o alcance do surto ainda é o desafio mais básico. Acostumados a crises históricas, as perdas econômicas causadas pelo isolamento nem sequer viraram tema de debate na maior parte da América Latina – e a quarentena foi uma resposta-padrão.
No Peru, ela tomou a forma mais extrema. O governo impôs isolamento e isentou de responsabilidade policiais que usarem armas letais contra quem desobedecer o toque de recolher. A medida foi tomada, pois muitos estavam desrespeitando a restrição de circulação.
Quem também agiu rápido foi o presidente argentino, Alberto Fernández. Ele fechou as fronteiras no dia 20 e estabeleceu uma quarentena até 12 de abril. As multas variam de R$ 400 a R$ 8 mil para quem sair de casa, incluindo a possibilidade de prisão.
Na semana passada, a Colômbia também fechou as fronteiras, suspendeu as aulas e estabeleceu multa para quem sair de casa. No Chile, o presidente Sebastián Piñera preferiu uma quarentena progressiva. A cada dia, mais regiões do país vão aderindo ao isolamento. No dia 18, ele decretou estado de catástrofe, o que ampliou seus poderes para conter a crise.
Para o professor Máximo Quitral, da Universidade Tecnológica Metropolitana, o panorama político do Chile tem um agravante: a insatisfação social, que já vinha pressionando o governo antes da pandemia. “Na América Latina, o dano social pode até ser maior que o econômico, e terá um custo grande para os líderes que minimizarem o efeito do vírus”, disse.
A política na Bolívia também foi afetada pela pandemia. O governo teve de adiar as eleições presidenciais – ainda sem data –, proibiu da circulação de carros e restringiu o movimento de pessoas. Além da quarentena, a presidente Jeanine Áñez mobilizou o Exército e a polícia para garantir que as medidas sejam cumpridas. Quem desobedecer, pode ser preso.
Até a Venezuela, do outro lado do espectro político, adotou medidas parecidas. Diante da grave crise econômica, de hospitais que nem sequer têm água e luz, o presidente Nicolás Maduro decretou quarentena, fechou o comércio, suspendeu aulas, voos, eventos esportivos e proibiu aglomerações de pessoas.
O caso mais recente de adesão ao isolamento veio do México. O presidente, Andrés Manuel López Obrador, chegou a minimizar os riscos do vírus, recomendando “beijos e abraços” para a população. Mas, na segunda-feira, decretou estado de emergência sanitária e suspendeu até o dia 30 as atividades não essenciais.
Mas sempre há uma exceção. Na América Latina, ela está na Nicarágua. O governo do presidente Daniel Ortega vê com ceticismo o avanço da pandemia e a vida segue normal. Até o campeonato nacional de futebol continua sendo disputado.
Ontem, o Comitê Científico Multidisciplinar disse que escolas e universidades correm alto risco de contágio, mas Ortega respondeu que há apenas cinco casos no país e não há necessidade de fechá-las. No entanto, na semana passada, os netos do presidente deixaram de comparecer às aulas em um colégio de elite de Manágua, aumentando a desconfiança da população. / COM W. POST e REUTERS