WASHINGTON - Os sinais de que uma retomada está em curso nos Estados Unidos, depois de dois meses de paralisação e isolamento em razão do coronavírus, ainda estão longe de significar a volta aos padrões pré-pandemia. Dos 50 Estados americanos, 32 adotaram medidas para reabrir parcialmente negócios e outros 7 têm reabertura já anunciada. O presidente dos EUA, Donald Trump, tem encorajado a retomada das atividades, apesar de especialistas alertarem para o risco de o país sofrer com uma segunda onda de contágio causada pelo fim do isolamento de forma precipitada.
Em depoimento a senadores, o especialista em doenças infecciosas e integrante da Força Tarefa da Casa Branca sobre o tema, Anthony Fauci, disse que os Estados devem esperar um número decrescente de novas infecções antes de iniciar a reabertura, sob risco real de novas mortes e mais sofrimento. Mais de 80 mil pessoas morreram em decorrência da covid-19 nos EUA até o momento.
A extensão da reabertura é bastante díspar entre os Estados americanos. Há governadores que autorizaram o funcionamento inclusive de estúdios de tatuagem e casas de massagem, como a Geórgia, e outros mais cautelosos. Mas da Costa Leste à Costa Oeste do país há anúncios que apontam que grandes empresas, universidades, eventos culturais em lugares fechados e até o transporte público não serão os mesmos antes do meio do semestre que vem ou até de 2021.
É o caso, por exemplo, de empresas como Facebook e Google, que anunciaram que os funcionários poderão trabalhar de suas casas até o ano que vem. A Amazon não prevê o fim do home office para antes de outubro. No mercado financeiro há conversas sobre mudanças permanentes, com possibilidade de que nem todos os trabalhadores voltem aos prédios de Wall Street mesmo após o fim da pandemia.
A Universidade do Estado da Califórnia anunciou nesta terça-feira que vai manter a educação online na maioria dos cursos dos 23 câmpus durante o próximo semestre letivo, que costuma ter início em agosto e se encerrar em dezembro.
Com a perspectiva de flexibilização do isolamento, parques e áreas ao ar livre, como o Central Park, em Nova York, e os gramados do National Mall, em Washington, têm ficado lotados aos finais de semana. Os mesmos cenários eram vistos praticamente vazios no início de abril, ainda no primeiro mês de paralisação. Nem o Estado de Nova York e nem o Distrito de Columbia, onde fica capital americana, já relaxaram as medidas de isolamento, mas a população tem ido às ruas especialmente nos finais de semana em que as temperaturas sobem. "É honesto dizer que junho será quanto poderemos fazer algumas mudanças reais", disse o prefeito de Nova York, Bill de Blasio. "Se os dados mudarem, isso atrasará o momento que poderemos começar a afrouxar as restrições", disse De Blasio. A cidade de Nova York atende atualmente apenas quatro dos sete critérios estabelecidos pelo Estado para começar um processo de reabertura.
Enquanto Estados de Virgínia e Maryland divulgam seus planos de retomada para as próximas semanas, o sistema de transporte público ainda não deve operar com capacidade completa. Desde 17 de março, as rotas de metrô e ônibus do Distrito de Colúmbia - onde boa parte dos moradores do norte da Virgínia e de Maryland trabalham - estão reduzidas. A previsão é que o sistema volte a operar em fases e só seja plenamente restabelecido no ano que vem.
Peças de teatro e musicais da Broadway, em grande parte concentrados na cidade de Nova York, também estão suspensos no mínimo até 6 de setembro. A Broadway League, associação da indústria, informou nesta semana que a data exata de retorno ainda será determinada, mas que pessoas com ingressos comprados para shows até 6 de setembro podem solicitar o reembolso dos valores. A suspensão dos espetáculos foi determinada inicialmente por um mês, de 12 de março a 12 de abril e prorrogada uma primeira vez até 7 de junho. "Todos os shows da Broadway amariam retomar as performances o quanto antes, mas precisamos garantir a saúde de todos os que vêm ao teatro - atrás e na frente das cortinas - antes de retornar com os espetáculos", afirmou o presidente da Broadway League, Charlotte St. Martin.
Novo normal
"Vamos abrir e fechar, abrir e fechar, de acordo com o avanço da epidemia em cada lugar. Vamos acertar, eventualmente, mas não desde o começo", disse em entrevista ao Estado a ex-diretora para preparação médica e de biodefesa do Conselho de Segurança Nacional, que assessora a Casa Branca, Luciana Borio. Segundo ela, medidas de distanciamento social e uso de máscaras continuarão a ser exigidas mesmo na reabertura.
Em um artigo sobre o "novo normal" para o site Politico, Luciana Borio e epidemiologista Jennifer Nuzzo, diretora do observatório de surtos da Universidade Johns Hopkins, fazem previsões do que pode ser adotado até que se chegue a um cenário em que o vírus não seja um problema.
Segundo elas, empresas que puderem continuar com teletrabalho devem manter a operação remota e, nos casos em que isso não for possível, as reuniões presenciais devem ser banidas. As escolas, argumentam as duas especialistas, terão de ter flexibilidade para que professores e alunos que são parte de um grupo de risco possam continuar com o ensino à distância. Além disso, restaurantes vão operar com capacidade limitada para garantir distanciamento entre clientes, esportes devem ser retomados sem público nos estádios e cinemas, por um bom tempo, continuarão fechados.
"Tenho convicção de algumas coisas: cinemas, lotações em lugares fechados, não serão abertos agora. Há informação mostrando que a maior parte da transmissão acontece em ambientes fechados, não externos", afirma Borio.
O novo normal projetado pelas especialistas também inclui a instrução feita por autoridades públicas sobre o uso de máscara, a criação de "call centers" sobre covid-19, para ajudar no auto-rastreamento do contágio, e a checagem de temperatura corporal em escolas e grandes empresas.
Mudanças permanentes
Com a incerteza com relação às novas ondas de contágio, algumas empresas começam a apontar que podem manter parte da operação mesmo após o fim da pandemia. O Twitter anunciou ontem que os trabalhadores podem continuar suas funções de casa para sempre, se desejarem e estiverem em um cargo que permita. Em Londres, o CEO do Barclays, Jes Staley, disse a jornalistas que a ideia de colocar 7 mil pessoas em um prédio "pode ser uma coisa do passado". Executivos do mercado financeiro em Nova York também já sinalizaram que vão rever a quantidade de pessoas que trabalham em um mesmo local.