BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu enviar, mais uma vez, seu assessor especial Celso Amorim à Rússia. A nova viagem de Amorim ao país ocorrerá nas próximas semanas. O objetivo da terceira visita do ex-chanceler, a Moscou e São Petersburgo, é realizar contatos reservados com autoridades do governo Vladimir Putin e participar da reunião de conselheiros nacionais de segurança dos países do Brics, grupo do qual o Brasil faz parte e neste ano é presidido pelos russos.
A próxima viagem do assessor de Lula coincide com um esforço de guerra russo para repelir uma invasão surpresa e a tomada de seu território, por parte de tropas da Ucrânia. Os ucranianos deixaram de somente se defender dentro de suas fronteiras e reagiram à guerra iniciada em fevereiro de 2022, após a invasão russa em larga escala. A incursão ucraniana marca a primeira vez que militares estrangeiros avançaram sobre o solo russo desde a 2.ª Guerra.
Em abril, Celso Amorim fez sua segunda viagem ao país no cargo e participou de reunião semelhante. Ele esteve com o secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Nicolai Patrushev, e com o assessor diplomático do Kremlin, Yuri Ushakov, além do chanceler russo Serguei Lavrov. Um ano antes, na primeira missão, em caráter reservado, o ex-chanceler foi recebido pelo próprio Putin em Moscou. Não está definido ainda se esse encontro se repetirá agora.
Amorim viajará com quatro integrantes da Assessoria Especial da Presidência da Repúlica. A missão está prevista para durar nove dias - de 5 a 13 de setembro. No retorno, ele deve acompanhar o presidente Lula em visita bilateral ao México e em viagem para a Assembleia Geral das Nações Unidas, nos Estados Unidos.
A viagem à Rússia também antecede a Cúpula de Líderes do Brics, agendada pelos russos para 22 a 24 de outubro, em Cazã. Lula já confirmou participação no encontro, quando deverá manter seu primeiro contato presencial com Vladimir Putin, no atual mandato. Ministros do governo Lula também têm viajado à Rússia, para participar de uma série de reuniões temáticas e preparatórias à cúpula. Recentemente, viajaram Celso Sabino (Turismo) e Mauro Vieira (Relações Exteriores).
O despacho presidencial publicado no Diário Oficial da União informa que Amorim pretende “manter encontro com autoridades daquele país e participar da Reunião dos Altos Representantes Responsáveis pela Segurança dos Países do BRICS”. A reunião do bloco ocorre entre 10 e 12 de setembro. Em julho do ano passado, Amorim participou dessa mesma reunião em Johannesburgo, na África do Sul.
Será a primeira reunião do tipo incluindo assessores de segurança dos países que foram agregados ao bloco em 2023, durante a cúpula sul-africana. A lista inclui os assessores presidenciais para segurança de Irã, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos e Etiópia - os quatro primeiros, envolvidos militar ou diplomaticamente nos conflitos no Oriente Médio vinculados à guerra na Faixa de Gaza, entre Israel e o grupo terrorista Hamas.
O chefe da Assessoria Especial da Presidência da República completará, assim, 23 missões no exterior. Em audiência pública sobre suas viagens recentes à Venezuela, Amorim disse ao Senado que é considerado pelo presidente um “assessor para assuntos conflituosos, difíceis e muito polêmicos”. Ele afirmou que sempre age a mando de Lula e que o petista enxerga nele uma pessoa de confiança para lidar com “situações de crise”.
Amorim voltará à Rússia quatro meses depois de sua última visita, em abril. Aquela viagem motivou um requerimento da oposição na Câmara dos Deputados para que ele preste contas da atuação brasileira na guerra na Ucrânia. Será realizada uma reunião reservada na Câmara, mas a data vem sendo protelada desde junho. Os parlamentares dizem que o ex-chanceler se comporta como “advogado russo”. O governo Lula nega defender os interesses de Putin.
No início da guerra, Lula chegou a se colocar como potencial mediador da paz, mas declarações dele sugerindo equiparação de responsabilidades, entre Putin e Volodmir Zelenski, prejudicaram a pretensão. Recentemente, o petista disse que eles não negociam um cessar-fogo porque “estão gostando da guerra”.
Lula tem sido visto como uma voz global mais simpática a Putin, por uma série de gestos em favor do russo. O presidente ucraniano costuma reclamar e cobrar de Lula o que chamou de “aliança com o agressor”. Por meses, Lula a Zelenski trocaram provocações públicas e protelaram um encontro pessoal, que ocorreria apenas em setembro de 2023, nos Estados Unidos.
A visita marcará o primeiro retorno de Amorim à Rússia depois que, em maio, ele negociou com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, uma proposta conjunta de mediação para a guerra na Ucrânia. Brasil e China - principal esteio global russo - lançaram um documento com sugestões para de negociações de paz. Havia três princípios para a “desescalada” do conflito: não expansão do campo de batalha, não escalada dos combates e não inflamação da situação por qualquer parte.
O documento não exigia a retirada das tropas russas de áreas invadidas na Ucrânia, o que era um ponto-chave da fórmula de paz do país invadido. Putin se recusava a conversar sem manter domínio sobre a região anexada. A proposta tenta evitar um isolamento dos russos e sugere uma conferência de paz reconhecida pelos dois lados. Segundo Pequim, 110 países apoiaram a iniciativa.
“Todos os atores relevantes devem criar condições para a retomada do diálogo direto e promover a desescalada da situação até que se alcance um cessar-fogo abrangente. O Brasil e China apoiam uma conferência internacional de paz realizada em um momento apropriado, que seja reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, com participação igualitária de todas as partes relevantes, além de uma discussão justa de todos os planos de paz”, disseram Brasil e China.
A partir de então, o presidente Lula recusou convites ao Brasil e determinou que Amorim não se envolvesse mais em alto nível nas conferências de paz promovidas pelos ucranianos e aliados no Ocidente, à revelia da representação russa. Ele rejeitou a última delas, na Suíça. Antes, Amorim havia viajado uma vez a Kiev para ouvir os ucranianos e participado de reuniões em Copenhague, na Dinamarca, Paris, na França, e Davos, na Suíça. À distância, também enviou um discurso para um encontro em Riade, na Arábia Saudita.