Amorim vê brecha para nova eleição na Venezuela; líder chavista descarta ‘ideia estúpida’


Ao Senado, assessor especial de Lula revela oferta para retirar opositores de Caracas em voo da FAB e afirma que País ‘não vai impor democracia’, mas não vai reconhecer um governo se as ‘atas não aparecerem’

Por Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O ex-chanceler Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, disse nesta quinta-feira, dia 15, durante audiência pública no Senado, que a ideia de promover novas eleições na Venezuela não é dele, mas que vê brechas para esse desfecho a partir de eventual anulação do pleito pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a entidade máxima do Judiciário da Venezuela controlada pela ditadura chavista. A tese do assessor do presidente Lula foi desmentida pelo próprio chavismo e criticada pela oposição.

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enviado por ele ao país, participou de audiência pública no Senado para dar explicações sobre seu papel e a iniciativa de diálogo do Brasil, provocado pela oposição ao governo Lula. Insistentemente questionado sobre qual seria a posição do País se o resultado eleitoral não ficar demonstrado, Amorim disse que o Brasil não vai reconhecer um governo venezuelano se as atas de votação não forem divulgadas, como demanda a comunidade internacional.

A reunião transcorreu num clima cordial, mas com cobranças duras ao ex-chanceler por parte da oposição, sobretudo dos senadores Tereza Cristina (PP-MS) e Sergio Moro (União-PR). Esperidião Amim (PP-SC) suscitou o risco de o País ganhar um “carimbo de pária” por insistir em esperar as atas eleitorais escondidas pelo regime e que o processo repressor é “constrangedor”. Da base do governo, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) e Humberto Costa (PT-PE) também defenderam que o governo Lula deveria dar um prazo a Maduro. Amorim rechaçou o ultimato.

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Reação venezuelana

“É uma estupidez”, afirmou o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, sobre a ideia. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los.”

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Opositores também rejeitam a possibilidade de uma nova eleição, e consideram que a apresentação de atas, a esta altura, estaria sujeita a novas fraudes. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse María Corina Machado, em uma coletiva de imprensa. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos.”

No Senado, Amorim chegou a dizer que a proposta poderia ser “facilmente” aceita pelos dois lados. “Se eles dizem que ganharam, ganhariam de novo”, argumentou o assessor de Lula.

O assessor especial da presidência, Celso Amorim, participa de audiência pública no Senado, em Brasília  Foto: Evaristo Sa/AFP
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Pressão pela divulgação das atas

“Nosso objetivo é que tem que aparecer essas atas. E têm que ser publicadas pelo CNE. O que é problemático e difícil e a gente não sabe bem ainda onde pisar, até porque a legislação parece meio contraditória... A legislação diz que a sala eleitoral da Corte Suprema permite considerar e se (a corte) verificar que a vontade popular não está sendo respeitada ela pode anular a eleição. Então acabaria resultando no que a senhora e muitos outros chamam de minha proposta de novas eleições”, disse Amorim, em resposta à senadora Teresa Cristina (PP-MS), autora do requerimento que o levou à audiência pública.

Segundo o ex-chanceler, a nova eleição foi sugestão que ele ouviu de um interlocutor “não brasileiro”. Ele se recusou a identificar o autor da ideia, mas disse que dependeria de certas condições como a suspensão de sanções, a verificação robusta e um “sistema de vigilância diferente, para garantir que não se repita a mesma situação”. Ele defendeu uma supervisão internacional e disse que somente a União Europeia (UE) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) teriam capacidade de realizar o acompanhamento. No entanto, a UE foi desconvidada por Maduro por causa de sanções ao regime, enquanto a OEA, segundo o ex-chanceler, “não tem credibilidade junto aos regimes progressistas na América Latina”.

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O governo dos Estados Unidos tenta mais uma vez negociar uma resolução na OEA. Washington calibra o teor do texto para pressionar o regime de Maduro a não reprimir manifestantes e a divulgar o resultado da votação, permitindo uma checagem imparcial. Na primeira negociação, Brasil, México e Colômbia coordenaram a derrubada do documento na OEA.

O assessor presidencial também falou sobre os contatos do governo com a líder opositora María Corina Machado. “Não recebi a María Corina deliberadamente porque eu achei que alguém tinha que manter contato com o governo, mas sim recebi o candidato González. Todo mundo sabe das influências recíprocas (entre eles). O candidato foi à embaixada, achei uma pessoa tranquila, não ameaçou nada”, relatou o assessor de Lula, sobre um encontro na residência oficial brasileira, em 29 de julho. “Há contatos em nível muito alto com a senhora Corina”, complementou, diante de reiteradas perguntas da oposição, indicando uma atuação do Itamaraty.

Amorim revelou que o governo se dispôs a enviar um avião oficial da Força Aérea Brasileira para retirar da Venezuela os assessores da campanha de González que estavam abrigados na Embaixada da Argentina. Seis opositores receberam asilo político concedido pelo governo Javier Milei, que acusou o ditador de fraude e reconheceu a vitória do opositor. As instalações e os seis opositores ficaram sob a proteção do Brasil, depois que Maduro expulsou os diplomatas argentinos do país, em retaliação a Milei. Amorim afirmou que não houve ainda resposta, mas insistiu que é necessário manter canais de diálogo com Caracas. “É uma oferta que está de pé”, disse.

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Desencontros regionais

Ele também lembrou que o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já sugeriu um acordo de garantias mútuas, embora não tenha sido ouvido pelas forças políticas venezuelanas. E disse que o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, “se retraiu” da participação na diplomacia presidencial tríplice com Lula e Petro para não lançar pressão sobre o novo governo da sucessora Claudia Scheinbaum. Ela assume em 1º de outubro e indicou indisposição de se envolver, ao sugerir que a controvérsia deve ser resolvida na Justiça venezuelana, controlada pela ditadura chavista, e depois avaliada por instituições internacionais.

O ex-chanceler destacou que o País tem recebido apoio de líderes globais como o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da França, Emmanuel Macron. Segundo eles, todos os países demonstram confiança na interlocução mantida pelo Brasil, embora nos bastidores haja discordâncias e também receio com o resultado final, como mostrou o Estadão. Amorim revelou que recebeu um telefonema do Vaticano, nesta semana, e que Biden pediu uma nova chamada com Lula para tratar do assunto, o que pode ocorrer nas próximas horas.

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“O Brasil nao corre o risco de ser pária. Não vamos impor a democracia à Venezula”, afirmou o ex-chanceler.

Pressionado pela oposição para se posicionar sobre a perseguição lançada pelo chavismo contra a oposição após a eleição, Amorim disse que o governo brasileiro está preocupado. Citou que a comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas relatou 23 mortes em manifestações contrárias ao regime após a votação e 1,2 mil presos - número abaixo dos 2,2 mil citados pelo chavismo, o que indica, para o ex-ministro, uma forma de causar “temor” e ameaça.

Entenda as suspeitas de fraude eleitoral

Quase três semanas depois da eleição, a ditadura venezuelana ainda não apresentou publicamente as atas de votação, o documento que registra o total de votos e o resultado em cada um dos cerca de 30.000 locais de votação da Venezuela. “Se não houver nenhum acordo que possibilite avançar, nós não vamos reconhecer um governo se as atas não aparecerem”, afirmou o ex-ministro. “O Brasil não reconhecerá um presidente que não esteja fundado nas atas.”

Partidários do opositor Edmundo González Urrutia divulgaram cópias atas eleitorais que o mostram com 67% dos votos, ante 30% de Maduro. Um estudo realizado por Walter Mebane, professor de ciência política da Universidade de Michigan (EUA) e especialista em detecção de fraude eleitoral, concluiu que não houve fraude nas atas eleitorais divulgadas pela oposição da Venezuela para afirmar que o vencedor das eleições foi Urrutia. Para Amorim, reconhecer as atas em posse da oposição não seria um bom precedente.

Já o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão oficial controlado pelo chavismo, deixou de dar transparência aos dados e proclamou a reeleição do ditador por 52% a 43%. O CNE disse ter sofrido um ataque cibernético - alegação que é contestada internacionalente.

Ao menos três apurações independentes, da AP, do Washington Post e da plataforma AltaVista, desenvolvida por uma organização sem fins lucrativos da Venezuela indicam que o opositor venezuelano Edmundo González Urrutia venceu as eleições contra o ditador Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, diferentemente do que afirma o resultado oficial do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Feitas com base em atas eleitorais disponíveis, as apurações identificaram que o opositor recebeu pelo menos meio milhão de votos a mais que o divulgado pelo órgão eleitoral do país, dominado pelo chavismo.

BRASÍLIA - O ex-chanceler Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, disse nesta quinta-feira, dia 15, durante audiência pública no Senado, que a ideia de promover novas eleições na Venezuela não é dele, mas que vê brechas para esse desfecho a partir de eventual anulação do pleito pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a entidade máxima do Judiciário da Venezuela controlada pela ditadura chavista. A tese do assessor do presidente Lula foi desmentida pelo próprio chavismo e criticada pela oposição.

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enviado por ele ao país, participou de audiência pública no Senado para dar explicações sobre seu papel e a iniciativa de diálogo do Brasil, provocado pela oposição ao governo Lula. Insistentemente questionado sobre qual seria a posição do País se o resultado eleitoral não ficar demonstrado, Amorim disse que o Brasil não vai reconhecer um governo venezuelano se as atas de votação não forem divulgadas, como demanda a comunidade internacional.

A reunião transcorreu num clima cordial, mas com cobranças duras ao ex-chanceler por parte da oposição, sobretudo dos senadores Tereza Cristina (PP-MS) e Sergio Moro (União-PR). Esperidião Amim (PP-SC) suscitou o risco de o País ganhar um “carimbo de pária” por insistir em esperar as atas eleitorais escondidas pelo regime e que o processo repressor é “constrangedor”. Da base do governo, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) e Humberto Costa (PT-PE) também defenderam que o governo Lula deveria dar um prazo a Maduro. Amorim rechaçou o ultimato.

Reação venezuelana

“É uma estupidez”, afirmou o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, sobre a ideia. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los.”

Opositores também rejeitam a possibilidade de uma nova eleição, e consideram que a apresentação de atas, a esta altura, estaria sujeita a novas fraudes. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse María Corina Machado, em uma coletiva de imprensa. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos.”

No Senado, Amorim chegou a dizer que a proposta poderia ser “facilmente” aceita pelos dois lados. “Se eles dizem que ganharam, ganhariam de novo”, argumentou o assessor de Lula.

O assessor especial da presidência, Celso Amorim, participa de audiência pública no Senado, em Brasília  Foto: Evaristo Sa/AFP

Pressão pela divulgação das atas

“Nosso objetivo é que tem que aparecer essas atas. E têm que ser publicadas pelo CNE. O que é problemático e difícil e a gente não sabe bem ainda onde pisar, até porque a legislação parece meio contraditória... A legislação diz que a sala eleitoral da Corte Suprema permite considerar e se (a corte) verificar que a vontade popular não está sendo respeitada ela pode anular a eleição. Então acabaria resultando no que a senhora e muitos outros chamam de minha proposta de novas eleições”, disse Amorim, em resposta à senadora Teresa Cristina (PP-MS), autora do requerimento que o levou à audiência pública.

Segundo o ex-chanceler, a nova eleição foi sugestão que ele ouviu de um interlocutor “não brasileiro”. Ele se recusou a identificar o autor da ideia, mas disse que dependeria de certas condições como a suspensão de sanções, a verificação robusta e um “sistema de vigilância diferente, para garantir que não se repita a mesma situação”. Ele defendeu uma supervisão internacional e disse que somente a União Europeia (UE) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) teriam capacidade de realizar o acompanhamento. No entanto, a UE foi desconvidada por Maduro por causa de sanções ao regime, enquanto a OEA, segundo o ex-chanceler, “não tem credibilidade junto aos regimes progressistas na América Latina”.

O governo dos Estados Unidos tenta mais uma vez negociar uma resolução na OEA. Washington calibra o teor do texto para pressionar o regime de Maduro a não reprimir manifestantes e a divulgar o resultado da votação, permitindo uma checagem imparcial. Na primeira negociação, Brasil, México e Colômbia coordenaram a derrubada do documento na OEA.

O assessor presidencial também falou sobre os contatos do governo com a líder opositora María Corina Machado. “Não recebi a María Corina deliberadamente porque eu achei que alguém tinha que manter contato com o governo, mas sim recebi o candidato González. Todo mundo sabe das influências recíprocas (entre eles). O candidato foi à embaixada, achei uma pessoa tranquila, não ameaçou nada”, relatou o assessor de Lula, sobre um encontro na residência oficial brasileira, em 29 de julho. “Há contatos em nível muito alto com a senhora Corina”, complementou, diante de reiteradas perguntas da oposição, indicando uma atuação do Itamaraty.

Amorim revelou que o governo se dispôs a enviar um avião oficial da Força Aérea Brasileira para retirar da Venezuela os assessores da campanha de González que estavam abrigados na Embaixada da Argentina. Seis opositores receberam asilo político concedido pelo governo Javier Milei, que acusou o ditador de fraude e reconheceu a vitória do opositor. As instalações e os seis opositores ficaram sob a proteção do Brasil, depois que Maduro expulsou os diplomatas argentinos do país, em retaliação a Milei. Amorim afirmou que não houve ainda resposta, mas insistiu que é necessário manter canais de diálogo com Caracas. “É uma oferta que está de pé”, disse.

Desencontros regionais

Ele também lembrou que o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já sugeriu um acordo de garantias mútuas, embora não tenha sido ouvido pelas forças políticas venezuelanas. E disse que o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, “se retraiu” da participação na diplomacia presidencial tríplice com Lula e Petro para não lançar pressão sobre o novo governo da sucessora Claudia Scheinbaum. Ela assume em 1º de outubro e indicou indisposição de se envolver, ao sugerir que a controvérsia deve ser resolvida na Justiça venezuelana, controlada pela ditadura chavista, e depois avaliada por instituições internacionais.

O ex-chanceler destacou que o País tem recebido apoio de líderes globais como o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da França, Emmanuel Macron. Segundo eles, todos os países demonstram confiança na interlocução mantida pelo Brasil, embora nos bastidores haja discordâncias e também receio com o resultado final, como mostrou o Estadão. Amorim revelou que recebeu um telefonema do Vaticano, nesta semana, e que Biden pediu uma nova chamada com Lula para tratar do assunto, o que pode ocorrer nas próximas horas.

“O Brasil nao corre o risco de ser pária. Não vamos impor a democracia à Venezula”, afirmou o ex-chanceler.

Pressionado pela oposição para se posicionar sobre a perseguição lançada pelo chavismo contra a oposição após a eleição, Amorim disse que o governo brasileiro está preocupado. Citou que a comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas relatou 23 mortes em manifestações contrárias ao regime após a votação e 1,2 mil presos - número abaixo dos 2,2 mil citados pelo chavismo, o que indica, para o ex-ministro, uma forma de causar “temor” e ameaça.

Entenda as suspeitas de fraude eleitoral

Quase três semanas depois da eleição, a ditadura venezuelana ainda não apresentou publicamente as atas de votação, o documento que registra o total de votos e o resultado em cada um dos cerca de 30.000 locais de votação da Venezuela. “Se não houver nenhum acordo que possibilite avançar, nós não vamos reconhecer um governo se as atas não aparecerem”, afirmou o ex-ministro. “O Brasil não reconhecerá um presidente que não esteja fundado nas atas.”

Partidários do opositor Edmundo González Urrutia divulgaram cópias atas eleitorais que o mostram com 67% dos votos, ante 30% de Maduro. Um estudo realizado por Walter Mebane, professor de ciência política da Universidade de Michigan (EUA) e especialista em detecção de fraude eleitoral, concluiu que não houve fraude nas atas eleitorais divulgadas pela oposição da Venezuela para afirmar que o vencedor das eleições foi Urrutia. Para Amorim, reconhecer as atas em posse da oposição não seria um bom precedente.

Já o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão oficial controlado pelo chavismo, deixou de dar transparência aos dados e proclamou a reeleição do ditador por 52% a 43%. O CNE disse ter sofrido um ataque cibernético - alegação que é contestada internacionalente.

Ao menos três apurações independentes, da AP, do Washington Post e da plataforma AltaVista, desenvolvida por uma organização sem fins lucrativos da Venezuela indicam que o opositor venezuelano Edmundo González Urrutia venceu as eleições contra o ditador Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, diferentemente do que afirma o resultado oficial do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Feitas com base em atas eleitorais disponíveis, as apurações identificaram que o opositor recebeu pelo menos meio milhão de votos a mais que o divulgado pelo órgão eleitoral do país, dominado pelo chavismo.

BRASÍLIA - O ex-chanceler Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, disse nesta quinta-feira, dia 15, durante audiência pública no Senado, que a ideia de promover novas eleições na Venezuela não é dele, mas que vê brechas para esse desfecho a partir de eventual anulação do pleito pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a entidade máxima do Judiciário da Venezuela controlada pela ditadura chavista. A tese do assessor do presidente Lula foi desmentida pelo próprio chavismo e criticada pela oposição.

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enviado por ele ao país, participou de audiência pública no Senado para dar explicações sobre seu papel e a iniciativa de diálogo do Brasil, provocado pela oposição ao governo Lula. Insistentemente questionado sobre qual seria a posição do País se o resultado eleitoral não ficar demonstrado, Amorim disse que o Brasil não vai reconhecer um governo venezuelano se as atas de votação não forem divulgadas, como demanda a comunidade internacional.

A reunião transcorreu num clima cordial, mas com cobranças duras ao ex-chanceler por parte da oposição, sobretudo dos senadores Tereza Cristina (PP-MS) e Sergio Moro (União-PR). Esperidião Amim (PP-SC) suscitou o risco de o País ganhar um “carimbo de pária” por insistir em esperar as atas eleitorais escondidas pelo regime e que o processo repressor é “constrangedor”. Da base do governo, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) e Humberto Costa (PT-PE) também defenderam que o governo Lula deveria dar um prazo a Maduro. Amorim rechaçou o ultimato.

Reação venezuelana

“É uma estupidez”, afirmou o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, sobre a ideia. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los.”

Opositores também rejeitam a possibilidade de uma nova eleição, e consideram que a apresentação de atas, a esta altura, estaria sujeita a novas fraudes. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse María Corina Machado, em uma coletiva de imprensa. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos.”

No Senado, Amorim chegou a dizer que a proposta poderia ser “facilmente” aceita pelos dois lados. “Se eles dizem que ganharam, ganhariam de novo”, argumentou o assessor de Lula.

O assessor especial da presidência, Celso Amorim, participa de audiência pública no Senado, em Brasília  Foto: Evaristo Sa/AFP

Pressão pela divulgação das atas

“Nosso objetivo é que tem que aparecer essas atas. E têm que ser publicadas pelo CNE. O que é problemático e difícil e a gente não sabe bem ainda onde pisar, até porque a legislação parece meio contraditória... A legislação diz que a sala eleitoral da Corte Suprema permite considerar e se (a corte) verificar que a vontade popular não está sendo respeitada ela pode anular a eleição. Então acabaria resultando no que a senhora e muitos outros chamam de minha proposta de novas eleições”, disse Amorim, em resposta à senadora Teresa Cristina (PP-MS), autora do requerimento que o levou à audiência pública.

Segundo o ex-chanceler, a nova eleição foi sugestão que ele ouviu de um interlocutor “não brasileiro”. Ele se recusou a identificar o autor da ideia, mas disse que dependeria de certas condições como a suspensão de sanções, a verificação robusta e um “sistema de vigilância diferente, para garantir que não se repita a mesma situação”. Ele defendeu uma supervisão internacional e disse que somente a União Europeia (UE) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) teriam capacidade de realizar o acompanhamento. No entanto, a UE foi desconvidada por Maduro por causa de sanções ao regime, enquanto a OEA, segundo o ex-chanceler, “não tem credibilidade junto aos regimes progressistas na América Latina”.

O governo dos Estados Unidos tenta mais uma vez negociar uma resolução na OEA. Washington calibra o teor do texto para pressionar o regime de Maduro a não reprimir manifestantes e a divulgar o resultado da votação, permitindo uma checagem imparcial. Na primeira negociação, Brasil, México e Colômbia coordenaram a derrubada do documento na OEA.

O assessor presidencial também falou sobre os contatos do governo com a líder opositora María Corina Machado. “Não recebi a María Corina deliberadamente porque eu achei que alguém tinha que manter contato com o governo, mas sim recebi o candidato González. Todo mundo sabe das influências recíprocas (entre eles). O candidato foi à embaixada, achei uma pessoa tranquila, não ameaçou nada”, relatou o assessor de Lula, sobre um encontro na residência oficial brasileira, em 29 de julho. “Há contatos em nível muito alto com a senhora Corina”, complementou, diante de reiteradas perguntas da oposição, indicando uma atuação do Itamaraty.

Amorim revelou que o governo se dispôs a enviar um avião oficial da Força Aérea Brasileira para retirar da Venezuela os assessores da campanha de González que estavam abrigados na Embaixada da Argentina. Seis opositores receberam asilo político concedido pelo governo Javier Milei, que acusou o ditador de fraude e reconheceu a vitória do opositor. As instalações e os seis opositores ficaram sob a proteção do Brasil, depois que Maduro expulsou os diplomatas argentinos do país, em retaliação a Milei. Amorim afirmou que não houve ainda resposta, mas insistiu que é necessário manter canais de diálogo com Caracas. “É uma oferta que está de pé”, disse.

Desencontros regionais

Ele também lembrou que o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já sugeriu um acordo de garantias mútuas, embora não tenha sido ouvido pelas forças políticas venezuelanas. E disse que o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, “se retraiu” da participação na diplomacia presidencial tríplice com Lula e Petro para não lançar pressão sobre o novo governo da sucessora Claudia Scheinbaum. Ela assume em 1º de outubro e indicou indisposição de se envolver, ao sugerir que a controvérsia deve ser resolvida na Justiça venezuelana, controlada pela ditadura chavista, e depois avaliada por instituições internacionais.

O ex-chanceler destacou que o País tem recebido apoio de líderes globais como o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da França, Emmanuel Macron. Segundo eles, todos os países demonstram confiança na interlocução mantida pelo Brasil, embora nos bastidores haja discordâncias e também receio com o resultado final, como mostrou o Estadão. Amorim revelou que recebeu um telefonema do Vaticano, nesta semana, e que Biden pediu uma nova chamada com Lula para tratar do assunto, o que pode ocorrer nas próximas horas.

“O Brasil nao corre o risco de ser pária. Não vamos impor a democracia à Venezula”, afirmou o ex-chanceler.

Pressionado pela oposição para se posicionar sobre a perseguição lançada pelo chavismo contra a oposição após a eleição, Amorim disse que o governo brasileiro está preocupado. Citou que a comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas relatou 23 mortes em manifestações contrárias ao regime após a votação e 1,2 mil presos - número abaixo dos 2,2 mil citados pelo chavismo, o que indica, para o ex-ministro, uma forma de causar “temor” e ameaça.

Entenda as suspeitas de fraude eleitoral

Quase três semanas depois da eleição, a ditadura venezuelana ainda não apresentou publicamente as atas de votação, o documento que registra o total de votos e o resultado em cada um dos cerca de 30.000 locais de votação da Venezuela. “Se não houver nenhum acordo que possibilite avançar, nós não vamos reconhecer um governo se as atas não aparecerem”, afirmou o ex-ministro. “O Brasil não reconhecerá um presidente que não esteja fundado nas atas.”

Partidários do opositor Edmundo González Urrutia divulgaram cópias atas eleitorais que o mostram com 67% dos votos, ante 30% de Maduro. Um estudo realizado por Walter Mebane, professor de ciência política da Universidade de Michigan (EUA) e especialista em detecção de fraude eleitoral, concluiu que não houve fraude nas atas eleitorais divulgadas pela oposição da Venezuela para afirmar que o vencedor das eleições foi Urrutia. Para Amorim, reconhecer as atas em posse da oposição não seria um bom precedente.

Já o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão oficial controlado pelo chavismo, deixou de dar transparência aos dados e proclamou a reeleição do ditador por 52% a 43%. O CNE disse ter sofrido um ataque cibernético - alegação que é contestada internacionalente.

Ao menos três apurações independentes, da AP, do Washington Post e da plataforma AltaVista, desenvolvida por uma organização sem fins lucrativos da Venezuela indicam que o opositor venezuelano Edmundo González Urrutia venceu as eleições contra o ditador Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, diferentemente do que afirma o resultado oficial do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Feitas com base em atas eleitorais disponíveis, as apurações identificaram que o opositor recebeu pelo menos meio milhão de votos a mais que o divulgado pelo órgão eleitoral do país, dominado pelo chavismo.

BRASÍLIA - O ex-chanceler Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, disse nesta quinta-feira, dia 15, durante audiência pública no Senado, que a ideia de promover novas eleições na Venezuela não é dele, mas que vê brechas para esse desfecho a partir de eventual anulação do pleito pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a entidade máxima do Judiciário da Venezuela controlada pela ditadura chavista. A tese do assessor do presidente Lula foi desmentida pelo próprio chavismo e criticada pela oposição.

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enviado por ele ao país, participou de audiência pública no Senado para dar explicações sobre seu papel e a iniciativa de diálogo do Brasil, provocado pela oposição ao governo Lula. Insistentemente questionado sobre qual seria a posição do País se o resultado eleitoral não ficar demonstrado, Amorim disse que o Brasil não vai reconhecer um governo venezuelano se as atas de votação não forem divulgadas, como demanda a comunidade internacional.

A reunião transcorreu num clima cordial, mas com cobranças duras ao ex-chanceler por parte da oposição, sobretudo dos senadores Tereza Cristina (PP-MS) e Sergio Moro (União-PR). Esperidião Amim (PP-SC) suscitou o risco de o País ganhar um “carimbo de pária” por insistir em esperar as atas eleitorais escondidas pelo regime e que o processo repressor é “constrangedor”. Da base do governo, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) e Humberto Costa (PT-PE) também defenderam que o governo Lula deveria dar um prazo a Maduro. Amorim rechaçou o ultimato.

Reação venezuelana

“É uma estupidez”, afirmou o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, sobre a ideia. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los.”

Opositores também rejeitam a possibilidade de uma nova eleição, e consideram que a apresentação de atas, a esta altura, estaria sujeita a novas fraudes. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse María Corina Machado, em uma coletiva de imprensa. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos.”

No Senado, Amorim chegou a dizer que a proposta poderia ser “facilmente” aceita pelos dois lados. “Se eles dizem que ganharam, ganhariam de novo”, argumentou o assessor de Lula.

O assessor especial da presidência, Celso Amorim, participa de audiência pública no Senado, em Brasília  Foto: Evaristo Sa/AFP

Pressão pela divulgação das atas

“Nosso objetivo é que tem que aparecer essas atas. E têm que ser publicadas pelo CNE. O que é problemático e difícil e a gente não sabe bem ainda onde pisar, até porque a legislação parece meio contraditória... A legislação diz que a sala eleitoral da Corte Suprema permite considerar e se (a corte) verificar que a vontade popular não está sendo respeitada ela pode anular a eleição. Então acabaria resultando no que a senhora e muitos outros chamam de minha proposta de novas eleições”, disse Amorim, em resposta à senadora Teresa Cristina (PP-MS), autora do requerimento que o levou à audiência pública.

Segundo o ex-chanceler, a nova eleição foi sugestão que ele ouviu de um interlocutor “não brasileiro”. Ele se recusou a identificar o autor da ideia, mas disse que dependeria de certas condições como a suspensão de sanções, a verificação robusta e um “sistema de vigilância diferente, para garantir que não se repita a mesma situação”. Ele defendeu uma supervisão internacional e disse que somente a União Europeia (UE) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) teriam capacidade de realizar o acompanhamento. No entanto, a UE foi desconvidada por Maduro por causa de sanções ao regime, enquanto a OEA, segundo o ex-chanceler, “não tem credibilidade junto aos regimes progressistas na América Latina”.

O governo dos Estados Unidos tenta mais uma vez negociar uma resolução na OEA. Washington calibra o teor do texto para pressionar o regime de Maduro a não reprimir manifestantes e a divulgar o resultado da votação, permitindo uma checagem imparcial. Na primeira negociação, Brasil, México e Colômbia coordenaram a derrubada do documento na OEA.

O assessor presidencial também falou sobre os contatos do governo com a líder opositora María Corina Machado. “Não recebi a María Corina deliberadamente porque eu achei que alguém tinha que manter contato com o governo, mas sim recebi o candidato González. Todo mundo sabe das influências recíprocas (entre eles). O candidato foi à embaixada, achei uma pessoa tranquila, não ameaçou nada”, relatou o assessor de Lula, sobre um encontro na residência oficial brasileira, em 29 de julho. “Há contatos em nível muito alto com a senhora Corina”, complementou, diante de reiteradas perguntas da oposição, indicando uma atuação do Itamaraty.

Amorim revelou que o governo se dispôs a enviar um avião oficial da Força Aérea Brasileira para retirar da Venezuela os assessores da campanha de González que estavam abrigados na Embaixada da Argentina. Seis opositores receberam asilo político concedido pelo governo Javier Milei, que acusou o ditador de fraude e reconheceu a vitória do opositor. As instalações e os seis opositores ficaram sob a proteção do Brasil, depois que Maduro expulsou os diplomatas argentinos do país, em retaliação a Milei. Amorim afirmou que não houve ainda resposta, mas insistiu que é necessário manter canais de diálogo com Caracas. “É uma oferta que está de pé”, disse.

Desencontros regionais

Ele também lembrou que o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já sugeriu um acordo de garantias mútuas, embora não tenha sido ouvido pelas forças políticas venezuelanas. E disse que o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, “se retraiu” da participação na diplomacia presidencial tríplice com Lula e Petro para não lançar pressão sobre o novo governo da sucessora Claudia Scheinbaum. Ela assume em 1º de outubro e indicou indisposição de se envolver, ao sugerir que a controvérsia deve ser resolvida na Justiça venezuelana, controlada pela ditadura chavista, e depois avaliada por instituições internacionais.

O ex-chanceler destacou que o País tem recebido apoio de líderes globais como o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da França, Emmanuel Macron. Segundo eles, todos os países demonstram confiança na interlocução mantida pelo Brasil, embora nos bastidores haja discordâncias e também receio com o resultado final, como mostrou o Estadão. Amorim revelou que recebeu um telefonema do Vaticano, nesta semana, e que Biden pediu uma nova chamada com Lula para tratar do assunto, o que pode ocorrer nas próximas horas.

“O Brasil nao corre o risco de ser pária. Não vamos impor a democracia à Venezula”, afirmou o ex-chanceler.

Pressionado pela oposição para se posicionar sobre a perseguição lançada pelo chavismo contra a oposição após a eleição, Amorim disse que o governo brasileiro está preocupado. Citou que a comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas relatou 23 mortes em manifestações contrárias ao regime após a votação e 1,2 mil presos - número abaixo dos 2,2 mil citados pelo chavismo, o que indica, para o ex-ministro, uma forma de causar “temor” e ameaça.

Entenda as suspeitas de fraude eleitoral

Quase três semanas depois da eleição, a ditadura venezuelana ainda não apresentou publicamente as atas de votação, o documento que registra o total de votos e o resultado em cada um dos cerca de 30.000 locais de votação da Venezuela. “Se não houver nenhum acordo que possibilite avançar, nós não vamos reconhecer um governo se as atas não aparecerem”, afirmou o ex-ministro. “O Brasil não reconhecerá um presidente que não esteja fundado nas atas.”

Partidários do opositor Edmundo González Urrutia divulgaram cópias atas eleitorais que o mostram com 67% dos votos, ante 30% de Maduro. Um estudo realizado por Walter Mebane, professor de ciência política da Universidade de Michigan (EUA) e especialista em detecção de fraude eleitoral, concluiu que não houve fraude nas atas eleitorais divulgadas pela oposição da Venezuela para afirmar que o vencedor das eleições foi Urrutia. Para Amorim, reconhecer as atas em posse da oposição não seria um bom precedente.

Já o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão oficial controlado pelo chavismo, deixou de dar transparência aos dados e proclamou a reeleição do ditador por 52% a 43%. O CNE disse ter sofrido um ataque cibernético - alegação que é contestada internacionalente.

Ao menos três apurações independentes, da AP, do Washington Post e da plataforma AltaVista, desenvolvida por uma organização sem fins lucrativos da Venezuela indicam que o opositor venezuelano Edmundo González Urrutia venceu as eleições contra o ditador Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, diferentemente do que afirma o resultado oficial do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Feitas com base em atas eleitorais disponíveis, as apurações identificaram que o opositor recebeu pelo menos meio milhão de votos a mais que o divulgado pelo órgão eleitoral do país, dominado pelo chavismo.

BRASÍLIA - O ex-chanceler Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, disse nesta quinta-feira, dia 15, durante audiência pública no Senado, que a ideia de promover novas eleições na Venezuela não é dele, mas que vê brechas para esse desfecho a partir de eventual anulação do pleito pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a entidade máxima do Judiciário da Venezuela controlada pela ditadura chavista. A tese do assessor do presidente Lula foi desmentida pelo próprio chavismo e criticada pela oposição.

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enviado por ele ao país, participou de audiência pública no Senado para dar explicações sobre seu papel e a iniciativa de diálogo do Brasil, provocado pela oposição ao governo Lula. Insistentemente questionado sobre qual seria a posição do País se o resultado eleitoral não ficar demonstrado, Amorim disse que o Brasil não vai reconhecer um governo venezuelano se as atas de votação não forem divulgadas, como demanda a comunidade internacional.

A reunião transcorreu num clima cordial, mas com cobranças duras ao ex-chanceler por parte da oposição, sobretudo dos senadores Tereza Cristina (PP-MS) e Sergio Moro (União-PR). Esperidião Amim (PP-SC) suscitou o risco de o País ganhar um “carimbo de pária” por insistir em esperar as atas eleitorais escondidas pelo regime e que o processo repressor é “constrangedor”. Da base do governo, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) e Humberto Costa (PT-PE) também defenderam que o governo Lula deveria dar um prazo a Maduro. Amorim rechaçou o ultimato.

Reação venezuelana

“É uma estupidez”, afirmou o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, sobre a ideia. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los.”

Opositores também rejeitam a possibilidade de uma nova eleição, e consideram que a apresentação de atas, a esta altura, estaria sujeita a novas fraudes. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse María Corina Machado, em uma coletiva de imprensa. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos.”

No Senado, Amorim chegou a dizer que a proposta poderia ser “facilmente” aceita pelos dois lados. “Se eles dizem que ganharam, ganhariam de novo”, argumentou o assessor de Lula.

O assessor especial da presidência, Celso Amorim, participa de audiência pública no Senado, em Brasília  Foto: Evaristo Sa/AFP

Pressão pela divulgação das atas

“Nosso objetivo é que tem que aparecer essas atas. E têm que ser publicadas pelo CNE. O que é problemático e difícil e a gente não sabe bem ainda onde pisar, até porque a legislação parece meio contraditória... A legislação diz que a sala eleitoral da Corte Suprema permite considerar e se (a corte) verificar que a vontade popular não está sendo respeitada ela pode anular a eleição. Então acabaria resultando no que a senhora e muitos outros chamam de minha proposta de novas eleições”, disse Amorim, em resposta à senadora Teresa Cristina (PP-MS), autora do requerimento que o levou à audiência pública.

Segundo o ex-chanceler, a nova eleição foi sugestão que ele ouviu de um interlocutor “não brasileiro”. Ele se recusou a identificar o autor da ideia, mas disse que dependeria de certas condições como a suspensão de sanções, a verificação robusta e um “sistema de vigilância diferente, para garantir que não se repita a mesma situação”. Ele defendeu uma supervisão internacional e disse que somente a União Europeia (UE) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) teriam capacidade de realizar o acompanhamento. No entanto, a UE foi desconvidada por Maduro por causa de sanções ao regime, enquanto a OEA, segundo o ex-chanceler, “não tem credibilidade junto aos regimes progressistas na América Latina”.

O governo dos Estados Unidos tenta mais uma vez negociar uma resolução na OEA. Washington calibra o teor do texto para pressionar o regime de Maduro a não reprimir manifestantes e a divulgar o resultado da votação, permitindo uma checagem imparcial. Na primeira negociação, Brasil, México e Colômbia coordenaram a derrubada do documento na OEA.

O assessor presidencial também falou sobre os contatos do governo com a líder opositora María Corina Machado. “Não recebi a María Corina deliberadamente porque eu achei que alguém tinha que manter contato com o governo, mas sim recebi o candidato González. Todo mundo sabe das influências recíprocas (entre eles). O candidato foi à embaixada, achei uma pessoa tranquila, não ameaçou nada”, relatou o assessor de Lula, sobre um encontro na residência oficial brasileira, em 29 de julho. “Há contatos em nível muito alto com a senhora Corina”, complementou, diante de reiteradas perguntas da oposição, indicando uma atuação do Itamaraty.

Amorim revelou que o governo se dispôs a enviar um avião oficial da Força Aérea Brasileira para retirar da Venezuela os assessores da campanha de González que estavam abrigados na Embaixada da Argentina. Seis opositores receberam asilo político concedido pelo governo Javier Milei, que acusou o ditador de fraude e reconheceu a vitória do opositor. As instalações e os seis opositores ficaram sob a proteção do Brasil, depois que Maduro expulsou os diplomatas argentinos do país, em retaliação a Milei. Amorim afirmou que não houve ainda resposta, mas insistiu que é necessário manter canais de diálogo com Caracas. “É uma oferta que está de pé”, disse.

Desencontros regionais

Ele também lembrou que o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já sugeriu um acordo de garantias mútuas, embora não tenha sido ouvido pelas forças políticas venezuelanas. E disse que o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, “se retraiu” da participação na diplomacia presidencial tríplice com Lula e Petro para não lançar pressão sobre o novo governo da sucessora Claudia Scheinbaum. Ela assume em 1º de outubro e indicou indisposição de se envolver, ao sugerir que a controvérsia deve ser resolvida na Justiça venezuelana, controlada pela ditadura chavista, e depois avaliada por instituições internacionais.

O ex-chanceler destacou que o País tem recebido apoio de líderes globais como o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da França, Emmanuel Macron. Segundo eles, todos os países demonstram confiança na interlocução mantida pelo Brasil, embora nos bastidores haja discordâncias e também receio com o resultado final, como mostrou o Estadão. Amorim revelou que recebeu um telefonema do Vaticano, nesta semana, e que Biden pediu uma nova chamada com Lula para tratar do assunto, o que pode ocorrer nas próximas horas.

“O Brasil nao corre o risco de ser pária. Não vamos impor a democracia à Venezula”, afirmou o ex-chanceler.

Pressionado pela oposição para se posicionar sobre a perseguição lançada pelo chavismo contra a oposição após a eleição, Amorim disse que o governo brasileiro está preocupado. Citou que a comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas relatou 23 mortes em manifestações contrárias ao regime após a votação e 1,2 mil presos - número abaixo dos 2,2 mil citados pelo chavismo, o que indica, para o ex-ministro, uma forma de causar “temor” e ameaça.

Entenda as suspeitas de fraude eleitoral

Quase três semanas depois da eleição, a ditadura venezuelana ainda não apresentou publicamente as atas de votação, o documento que registra o total de votos e o resultado em cada um dos cerca de 30.000 locais de votação da Venezuela. “Se não houver nenhum acordo que possibilite avançar, nós não vamos reconhecer um governo se as atas não aparecerem”, afirmou o ex-ministro. “O Brasil não reconhecerá um presidente que não esteja fundado nas atas.”

Partidários do opositor Edmundo González Urrutia divulgaram cópias atas eleitorais que o mostram com 67% dos votos, ante 30% de Maduro. Um estudo realizado por Walter Mebane, professor de ciência política da Universidade de Michigan (EUA) e especialista em detecção de fraude eleitoral, concluiu que não houve fraude nas atas eleitorais divulgadas pela oposição da Venezuela para afirmar que o vencedor das eleições foi Urrutia. Para Amorim, reconhecer as atas em posse da oposição não seria um bom precedente.

Já o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão oficial controlado pelo chavismo, deixou de dar transparência aos dados e proclamou a reeleição do ditador por 52% a 43%. O CNE disse ter sofrido um ataque cibernético - alegação que é contestada internacionalente.

Ao menos três apurações independentes, da AP, do Washington Post e da plataforma AltaVista, desenvolvida por uma organização sem fins lucrativos da Venezuela indicam que o opositor venezuelano Edmundo González Urrutia venceu as eleições contra o ditador Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, diferentemente do que afirma o resultado oficial do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Feitas com base em atas eleitorais disponíveis, as apurações identificaram que o opositor recebeu pelo menos meio milhão de votos a mais que o divulgado pelo órgão eleitoral do país, dominado pelo chavismo.

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