BRASÍLIA - O assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, foi escalado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ser “seus olhos” em Caracas. Sob um esquema de segurança especial, o ex-chanceler embarcou nesta sexta-feira para a capital da Venezuela e acompanhará, in loco, as eleições presidenciais locais. Uma vez que chegou na Venezuela, Amorim se reuniu com o ministro das Relações Exteriores local, Yvan Gil.
De acordo com fontes ouvidas pelo Estadão, o relato de Amorim sobre o que terá ocorrido no país vizinho dará respaldo ao governo brasileiro em seu posicionamento: reconhecer o candidato eleito, seja ele qual for, ou classificar o pleito como fraudulento — hipótese vista como menos provável no Palácio do Planalto.
A suspeição da comunidade internacional em torno das eleições venezuelanas cresceu após o ditador Nicolás Maduro afirmar que haverá um “banho de sangue” caso ele não seja reeleito novamente. A fala estremeceu a relação com Lula, seu aliado de décadas, que afirmou ter ficado assustado com o tom adotado pelo venezuelano.
Na terça-feira, 23, Maduro mentiu ao dizer que o sistema eleitoral brasileiro não é auditável, o que levou a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, a cancelar o envio de observadores para a eleição.
Apesar da postura da Corte, Lula preferiu manter a viagem de Celso Amorim por avaliar que sua presença daria respaldo político à decisão que Lula vier a tomar após o pleito. A análise do presidente foi a de que a presença do assessor tem teor político, e a do TSE, jurídico. Amorim não deve se encontrar nem com Maduro nem com o ex-diplomata Edmundo González, que representa a oposição na disputa presidencial.
A preocupação com as eleições em clima quente no país vizinho levou o governo brasileiro a reforçar a defesa da fronteira. À Coluna do Estadão, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, disse que há um planejamento para agir, se for necessário. “Estamos monitorando a situação no local. Nossa equipe de inteligência está atuando, e o efetivo da Operação Acolhida alerta, inclusive para eventual aumento do fluxo [de imigração]”.
A fronteira da Venezuela com o Brasil em Pacaraima (RR) foi fechada após uma determinação de Nicolás Maduro. De acordo com fontes da região, apesar do fechamento, é possível atravessar pelas trilhas secas. O governo brasileiro não descarta um salto no fluxo imigratório a depender da tensão política da Venezuela após as eleições.
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Com a volta do PT ao governo em 2023, as relações entre Brasil e Venezuela foram retomadas. Nos anos de Jair Bolsonaro, o Itamaraty de Ernesto Araújo reconhecera o governo de Juan Guaidó como representante legítimo da Venezuela e rompeu completamente relações com o chavismo.
Sob Mauro Vieira e Celso Amorim, a diplomacia brasileira trabalhou para reconstruir pontes com Maduro e restabelecer relações bilaterais, com o argumento de que empresas brasileiras tinham dívidas de cerca de US$ 1,27 bilhão com a ditadura chavista. O Brasil enviou a Caracas a embaixadora Glivânia Maria de Oliveira e recebeu em Brasília o embaixador Manuel Vadell.
Nos primeiros meses de governo, Lula também emprestou apoio diplomático e político a Maduro, a quem recebeu com honras de chefe de Estado no Planalto em maio do ano passado, durante uma reunião com chefes de Estado sul-americanos para relançar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
O respaldo foi mal visto por outros presidentes da região, principalmente o chileno Gabriel Boric, de centro-esquerda, e o uruguaio Luis Lacalle Pou, de centro-direita, que reclamaram publicamente da reabilitação dada pelo petista ao líder chavista. Ainda em 2023, o Brasil, ao lado de Colômbia, dos Estados Unidos e da União Europeia patrocinou um acordo entre a oposição e o chavismo para a realização de eleições justas e livres na Venezuela em troca da retirada de sanções.
Os chamados acordos de Barbados foram progressivamente colocados em xeque por Maduro, que proibiu a líder da oposição María Corina Machado de disputar a eleição e criou dificuldades para a inscrição de outros nomes na disputa, além de tornar praticamente impossível para que eleitores de fora da Venezuela - a maioria opositora - votassem.
No fim do ano passado, em busca de um subterfúgio para mobilizar sua base eleitoral de olho na eleição, o ditador chavista organizou um plebiscito para anexar uma parte da Guiana reivindicada pela Venezuela. As ameaças envolveram também um aumento da tensão militar na reunião, já que Maduro ameaçou uma mobilização de tropas. A diplomacia brasileira mais uma vez evitou condenar de forma assertiva a agressão chavista.
Após semanas de tensão, com intermediação de Lula e do presidente venezuelano Gustavo Petro, a Venezuela e a Guiana se comprometeram em uma cúpula no Caribe a resolver a disputa sem violência. De modo geral, o Brasil evitou criticar os abusos de Maduro até praticamente março deste ano, quando o Itamaraty divulgou uma nota condenando a proibição da inscrição de Corina Yoris para substituir Maria Corina. Desde então, Maduro passou a ver Lula e o governo com suspeita.